
ARTIGOS LIVRES
159 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Rafaela Limberger / Camilo Darsie
sendo proibido o contato físico entre pais e lhos. Limberger (2022) traz que tais
instituições seriam responsabilizadas pela educação das crianças até a maiori-
dade caso o paciente não contasse com familiares que pudessem car responsá-
veis por seus lhos. Em alguns casos, as crianças eram colocadas para adoção.
Marleci, lha de um casal de pacientes do HCI que, logo após seu nascimento, foi
enviada ao preventório e, conforme conta, não teve contato com seus pais nos
primeiros dias de nascimento, nem mesmo para ser amamentada por sua mãe.
[...] De vez em quando a gente ia fazer visitas. Era um portão enorme, um portão gran-
de. Eles cavam de um lado, e nós, cávamos do outro lado. Aí eu me lembro que as ir-
mãs, muito queridas as irmãs lá do hospital. Elas diziam: “Aquela fulana lá é tua lha”. Aí
nós assim, quando a gente já tinha 7 ou 8 anos, a gente cava olhando uma pra outra e
dizia: “Mas como é que ela vai saber, lá de onde ela está...” Porque nós estávamos todas
com uma roupinha igual. Vestidinho igual. O cabelinho, o corte de cabelo normalmente
era a mesma coisa, né. Um dia nós até chamamos a irmã. “Tia, mas como é que ele vai
saber que sou lha deles se todas estão com a mesma roupa. E o corte de cabelo é pra-
ticamente o mesmo.” Aí ela disse assim, “Não, pode deixar que eles sabem.” Daí a gente
levantava a mãozinha, algum sinal a gente fazia. Mas eu me lembro assim, do meu pai,
mesmo de ter visto ele 4 vezes na minha vida. Foram só essas vezes. Porque o meu pai
era bastante doente. Meu pai, a lepra tinha pegado ele assim, bem. Ele ainda não tinha
ainda atingido aquela deformação nas mãos. Mas ele já tinha, assim, diculdade de
andar. Aparecia muito. E daí quando a pessoa tá muito assim, atacada da doença, eles
não deixavam se aproximar muito. Então eu abanava, ou ele abanava. E a gente só sa-
bia, né. “Aquele lá é teu pai.” E a gente abanava e cava nessa. E daí chegou uma época
em que houveram diculdades para manter o orfanato e para que os lhos cassem lá.
E daí foi que então denido pelo governo estadual, de as crianças serem adotadas por
algum parente ou pra casas de famílias. E eu me lembro assim que a gente...Tinha dias
da semana que a gente parava em la, um do lado do outro. E daí vinham as pessoas
escolher as crianças. Os meus pais tiveram muita diculdade de achar alguém com
quem eu casse. Aí no m das contas um irmão dela disse.Aí eu nunca me esqueço. A
minha tinha era costureira. E o meu tio trabalhava também numa empresa. Aí eu lem-
bro assim que...Ele olhou, assim, pra mim,ele me olhou com um olhar tão terno, tanto
ele como ela. E disse, “Onde comem 3, comem 4. Mulher, tu bota um pouquinho mais
de água no feão. E é com nós que ela vai car. Vai ser criada como nossa lha, e é aqui
que ela vai car. Daí eu lembro assim, no momento que me deu uma explosão de emo-
ção. Eu disse: “Puxa vida, nalmente. Que bom.” E daí quei com eles. Anos mais tarde,
quando eu tinha saído já do orfanato. Eu lembro que a minha mãe resolveu... mais pra
frente assim... Ela resolveu me tirar da casa dos meus tios. E eu não aceitava de forma
alguma. E daí eu sei que no m das contas ela acabou me levando. E me levou lá pro
hospital. Mas me levou as escondidas. As autoridades não chegaram a ver. Eu lembro
que a gente entrou escondida. Ela me puxava, me agarrando rme pela mão. E tinha
uma guia, inclusive, até muitos doentes que a gente sabe que saiam lá do hospital, eles
não saiam pelo portão da frente. Eles saiam muitas vezes escondidos. Eles não pode-
riam fazer isso, mas saiam escondidos pelo mato. Eles já tinham uma trilha de acesso
ao hospital, né. Eu era a única lá dentro. No meio daquele pessoal “tudo”. E eu lembro,
assim, que a minha mãe sempre tinha o cuidado... Eu não podia sair muito do pavilhão.
E era sempre assim: cuidando, porque eu estava irregular lá dentro. E aí eu me lembro
que todos os anos eles tinham um baile. E todos os anos eles tinham também o time
de futebol. A rainha. E existe essa foto. Está documentada, né. Onde eu fui (a rainha).
Então nunca me esqueço da data. De quando foi e o canto. Eu tinha que cantar. Assim
como o Internacional que é o meu time de coração, tem o hino deles. O Grêmio. Aí eu
também tive que cantar o hino lá pra eles. E aí eu fui eleita a rainha do clube. “Hoje é dia
24 de julho, hoje é dia da inauguração. Nós todos só desejamos a amizade e cooperação.