
ARTIGOS LIVRES
107 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Juliana Mendes/Arnaldo Vieira Sousa/Flávio Luiz de Castro Freitas
Antes de mais nada, uma imensa e linda oportunidade de armação artística do negro
brasileiro. Espetáculo bonito e grandioso, sob todos os pontos de vista. [...] Em Orfeu
da Conceição nota-se, sobretudo, a ausência das conspirações da ignorância e da in-
sensibilidade. O momento mais emocionante da noite da pré-estreia de gala foi quando
a personagem negra, Mira, recebeu no palco uma enorme “corbelle”. Foi a primeira vez,
no Brasil, em que um branco deu or a preto. Até hoje preto só recebeu de branco or
que murchou nos jarros e assim mesmo com esta recomendação expressa: “Tome. Vá
botar no lixo”. Parabéns a todos que zeram Orfeu da Conceição (MARIA. p. 2, 1956).
Ao mesmo tempo Maria também expressou no Jornal O Globo certa irritação
com o fato de que alguns críticos, talvez por não estarem habituados a um elenco
negro com tanto protagonismo se atentarem a falhas simples que ocorrem em
todos os inícios de uma temporada teatral.
As falhas de “Orfeu da Conceição” são ainda as falhas fatais de todas as coisas difíceis,
que se fazem pelas primeiras vezes. E basta que se tome o negro brasileiro como um
estreante de teatro (quando os brancos ainda não são esses talentos) para que se con-
descenda com certas minúcias, a que faltaram realces. Devemos consideram que, no
Brasil, essa história de branco bater palmas para preto, fora do futebol, é uma novidade
de quatro ou cinco anos pra cá. E a plateia aplaudiu de pé (MARIA. p. 2, 1956).
O lançamento da peça, pela importância de tratar de uma temática negra na
metade do século XX se tornou uma data marcante na memória cultural brasilei-
ra. Elsie Lessa no Jornal do Brasil menciona que:
Não sei, em nosso teatro, de coisa mais universal, porque tão brasileira, do que esta
tragédia musicada do morro carioca, com seu despojado cenário de pobreza e o ritmo
envolvente do samba, da capoeira, da batucada, aliada à espantosa riqueza plástica
do negro, [...]. Ninguém como o poeta Vinícius, tão musical ele mesmo, tão perto dos
essenciais da sua gente, para pôr no palco, com lirismo e pureza de que só ele era ca-
paz o poema plástico e comovente que é o seu Orfeu da Conceição (LESSA. p. 1, 1956).
Orfeu, interpretado por Haroldo Costa, é um compositor e sambista, um vir-
tuoso violonista, morador de uma favela carioca. A história se passa durante o
carnaval, quando o protagonista conhece e se apaixona instantaneamente por
Eurídice, que acaba de chegar à cidade do Rio de Janeiro após armar que esta-
va sendo perseguida por um homem que queria lhe matar. Esse amor repentino
desperta a fúria em Mira de Tal, noiva de Orfeu e as consequências da história são
paralelos com a lenda grega.
A peça foi um marco na cultura nacional porque o elenco era composto ex-
clusivamente por negros e fez sucesso de crítica e de público em uma época em