CADERNO ESPECIAL
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Silvio Antonio Luiz Anaz
O PROTAGONISMO DE RITA LEE NA SUBVERSÃO DO AMOR ROMÂNTICO
RITA LEE’S LEADING ROLE IN THE SUBVERSION OF ROMANTIC LOVE
https://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21008
Silvio Antonio Luiz Anaz1
York University
https://orcid.org/0000-0002-4851-4903
silvioanaz@hotmail.com
Recebido em 27 de abril 2024
Aprovado em 12 de maio de 2024
1 Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pós-doutorado pela ECA-USP. Foi pes-
quisador-visitante na York University.
RESUMO: As canções de Rita Lee contribuíram
para alimentar o imaginário do rock nacional
em temas como a celebração da liberdade, da
rebeldia e do que é profano. Além de trazer
esses temas, seu trabalho contribuiu para
adicionar um elemento original: a erotização
do amor romântico. Aborda-se aqui, a partir da
análise de alguns de seus principais sucessos,
o protagonismo da artista na subversão das
canções de amor que predominavam no pop-
rock brasileiro.
Palavras-chave: Rita Lee, rock brasileiro,
amor romântico, erotização, imaginário
ABSTRACT: Rita Lee’s songs contributed
to feed the national rock imaginary in themes
such as the celebration of freedom, rebellion
and the profane. In addition to bringing these
themes, his work contributed to adding an
original element: the eroticization of romantic
love. From the analysis of some of her main
hits, we approach the role of the artist in the
subversion of the love songs that predominated
in Brazilian pop-rock.
Key words: Rita Lee, Brazilian rock,
romantic love, eroticization, imaginary
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A mais importante fase criativa de Rita Lee, ou aquela em que a artista lan-
çou a maior parte de seus principais sucessos, se inicia quando a Jovem Guarda
e o Tropicalismo estão acontecendo, na segunda metade da década de 1960, e
perde força quando há a ascensão do chamado BRock nos anos 19802.
A obra de Rita Lee insere-se num rock que espelha, na maior parte do tem-
po, a trajetória dos subgêneros e movimentos do rock internacional, predomi-
nantemente do anglo-americano. De toda forma, elementos sociais, culturais e
históricos brasileiros estão quase sempre presentes de alguma forma na sono-
ridade e nos temas das composições dos artistas nacionais desse megagênero.
Em alguns momentos, os elementos do contexto brasileiro fundem-se às carac-
terísticas do rock internacional a ponto de se sobreporem e caracterizarem um
gênero ou movimento original com signicativas marcas locais. Parte das can-
ções do movimento Tropicalista (segunda metade dos anos 1960) é um exemplo
desses momentos de originalidade. Nos demais, o rock brasileiro se caracteriza
por transpor as tendências e movimentos do rock britânico e norte-americano. A
Jovem Guarda (segunda metade da década de 1960), em que muitas das canções
reproduzem a sonoridade do beat britânico, do surf-rock e da black music norte-
-americanos dos anos 1960, e o chamado Rock Brasil ou BRock (anos 1980), cujos
principais sucessos seguem a sonoridade e as estéticas do punk e do pós-punk
britânico e norte-americano, são exemplos desses momentos de predomínio das
estéticas internacionais no rock brasileiro.
É nesse contexto, mais especicamente entre as décadas de 1960 e de 1980,
que as canções de Rita Lee contribuem para alimentar o imaginário do rock na-
cional em temas que são denidores da natureza desse megagênero como a ce-
lebração da liberdade, da rebeldia e do que é profano. Além de trazer esses temas,
o trabalho de Rita Lee contribuiu para adicionar um elemento original no âmbito
do rock nacional: a erotização do amor romântico predominante nas canções.
O amor romântico é um dos principais temas das canções que mais fazem
sucesso. Na segunda metade do século 20, sete em cada dez das canções que
ocuparam o primeiro lugar na parada anual de sucessos norte-americana, apu-
rada pela Billboard, tinham o amor romântico como tema central (WHITBURN,
2001). No Brasil, ele também é um dos temas mais frequentes nas canções po-
2 Dados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição mostram que dentre as vinte canções
mais executadas de Rita Lee, entre 2013 e 2022, quatorze delas (70%) foram lançadas entre a segunda
metade dos anos 1960 e a primeira dos anos 1980 (ECAD, 2022).
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pulares bem-sucedidas. Considerado uma crença emocional inventada histori-
camente pelo ser humano em que “nenhum de seus constituintes afetivos, cog-
nitivos ou conativos é xo por natureza(COSTA, 1988, p. 12), o amor romântico é
um fenômeno universal relativo a um tipo de envolvimento afetivo e sexual entre
seres humanos, manifestado em elementos como união, paixão, provas de amor,
ciúme, culpa, indelidade, carinho, erotismo, sexo, angústia, nostalgia, sedução,
separação e solidão, entre outros.
Na obra de Rita Lee, o amor romântico ocupa um lugar central. Dentre as
dez mais bem-sucedidas canções compostas e lançadas por ela entre a segunda
metade dos anos 1960 e a primeira metade da década de 1980 (ECAD, 2022)3, sete
têm o amor romântico como motivo principal. Além disso, os termos mais utili-
zados por Rita Lee nessas canções (Figura 1), como querer, prazer, sentir e rolar,
entre outros, já indicam uma considerável presença de signicações que dão um
caráter erotizado ao amor romântico abordado nelas.
Figura 1: Termos mais frequentes nos dez maiores sucessos de Rta Lee
Fonte: Autor
O erotismo é um componente essencial do rock desde seus primórdios. O
3 São elas: Mania de você (Rita Lee / Roberto de Carvalho); Agora só falta você (Rita Lee / Carlini);
Caso sério (Rita Lee / Roberto de Carvalho); Desculpe o auê (Rita Lee / Roberto de Carvalho); Ove-
lha negra (Rita Lee); Lança perfume (Rita Lee / Roberto de Carvalho); Ando meio desligado (Sergio
Dias / Arnaldo Baptista / Rita Lee); Baila comigo (Rita Lee); Doce vampiro (Rita Lee) e Saúde (Rita
Lee / Roberto de Carvalho).
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termo rock and roll, que tem seus primeiros registros nos anos 1920, surge como
uma gíria com conotações sexuais usada principalmente pelos negros no sul dos
Estados Unidos. Seus signicados incluíam pôr pra quebrar, agitar, rolar e tran-
sar. Os sentidos sensuais do termo foram apropriados por gêneros como o jazz,
o blues, o jump blues e o boogie-woogie, sendo que as canções que usavam essas
expressões caram sonoramente cada vez mais rápidas e mais insinuantes nas
letras (ANAZ, 2011, pp. 9-10). Quando o rock and roll se consolida como um novo
gênero musical na década de 1950, elementos que remetem ao erotismo estão
presentes principalmente nas letras dos artistas negros, em canções como I Just
Want to Make Love to You (1954), de Willie Dixon, e Tutti-Frutti (1955), de Little Ri-
chards, e também na estética visual do gênero, principalmente em função do jei-
to de dançar de Elvis Presley4.
, no Brasil, nos primórdios do rock nacional, um erotismo mais evidente
está praticamente ausente das canções que zeram sucesso. Na década de 1960,
enquanto há uma ampliação da erotização das canções no rock internacional,
graças ao sucesso de canções que abordam temas sexuais de forma direta ou
metafórica, como Little Red Rooster (1965) e Let’s Spend the Night Together (1967),
do The Rolling Stones, e também por conta das transformações socioculturais
impulsionadas principalmente pela contracultura5 norte-americana e britânica
dos anos 1960, no Brasil, a Jovem Guarda6, mais importante movimento asso-
ciado ao rock, traz um repertório em que o amor romântico é abordado ainda de
uma forma ingênua. Rita Lee observava que nos microgrupos sociais dos quais
participava na adolescência havia uma sexualidade muito mais atrevida do que a
cantada nas canções da Jovem Guarda (BARTSCH, 2006, p. 38).
Nessa época, Rita Lee ingressa no grupo Os Mutantes, que se tornaria um
dos mais importantes representantes do movimento tropicalista, junto com Tom
, Rogério Duprat, Caetano Veloso e Gilberto Gil. É com Os Mutantes que ela ini-
4 Era tão marcante a sensualidade no jeito de dançar de Elvis Presley, em parte inspirado nas formas
de dançar dos negros norte-americanos, que lhe rendeu o apelido Elvis “The Pelvis” Presley.
5 A contracultura da década de 1960 surge nos Estados Unidos e no Reino Unido e torna-se rapida-
mente um fenômeno internacional, caracterizado por estilos de vida comunais e não-conformistas,
em que se valorizava a postura anti classe média, a liberdade sexual e o uso de drogas. O movimento
hippie foi uma das principais vertentes da contracultura dos anos 1960 (SHUKER, 1999, pp. 79-80).
6 A Jovem Guarda surge como um movimento jovem construído em torno do programa televisivo
homônimo, apresentado nas tardes de domingo entre 1965 e 1968. Apesar de introduzir mudanças
estéticas e comportamentais em sintonia com o rock e o pop internacionais, o programa adequava-se
aos limites morais da época no Brasil, que estava sob o governo de uma ditadura militar (1964-1985).
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cia seu protagonismo na subversão do amor romântico cantado no rock brasilei-
ro.
O primeiro momento desse protagonismo acontece no nal dos anos 1960,
ainda de forma bastante sutil, com a canção Ando Meio Desligado (1970), que ela
compõe em parceria com Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Muito distante da estética
sonora e das letras ingênuas da Jovem Guarda, trata-se de uma canção com
inuências da estética do rock psicodélico, cuja proposta era explorar nas letras
e na musicalidade as experiências relacionadas às drogas psicoativas (SHUKER,
1999, p. 244). A letra de Ando Meio Desligado aborda os efeitos corporais e mentais
provocados pela sensação angustiante causada pelo desejo ou necessidade em
se declarar à pessoa amada. O amor é causa de entorpecimento e de alienação e
o contraste entre a batida acelerada e a cadência da voz, que remete a um canto
de sedução e erotizado, enfatiza esse efeito de entorpecimento causado pelo
amor
O segundo momento da erotização do amor romântico no rock brasileiro
protagonizado por Rita Lee vem da fase seguinte a Os Mutantes, em sua trajetó-
ria acompanhada do grupo Tutti-Frutti. Uma canção que exemplica essa fase
é Menino Bonito (1974), que tem a sedução como tema central. A canção trata
do percurso que alguém que está apaixonado faz, indo do encantamento que a
beleza física da pessoa amada causa ao desencanto pela supercialidade dessa
beleza ou pela não retribuição amorosa esperada. Há na construção da letra um
jogo entre a atração pelo erotismo e o desejo frustrado pelo romance. Ser sedu-
zido pela beleza física da pessoa amada é interpretado como algo perigoso, que
leva a um nomadismo amoroso.
O terceiro momento acontece na virada para os anos 1980, quando a artista
explora uma sonoridade mais próxima ao pop. Nesta fase, a erotização em suas
composições alcança um novo patamar, mais explícito. Dois de seus sucessos
mais representativos disso são Doce Vampiro (1979) e Mania de Você (1979).
Em Doce Vampiro (1979), a sensualidade é o tema central. A canção recorre
à metáfora do vampiro romântico para comparar o tipo de relacionamento que
os protagonistas mantêm. A carga de erotismo e sedução é construída ao longo
da canção com várias metáforas: Vou abrir a porta / Pra você entrar; Que me bebe
quente / Como um licor / Brindando a morte e fazendo amor. O doce vampiro por
quem a protagonista está incondicionalmente seduzida e apaixonada é huma-
nizado a partir da descrição de seus defeitos banais: Me acostumei com você /
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Sempre reclamando, da vida / Me ferindo, me curando... a ferida / Mas nada disso
importa. A imagem da morte, com duplo sentido, é associada à do sexo como
ponto alto do erotismo: Vou abrir a porta / Pra você entrar / Bear minha boca /
Até me matar.
Mania de Você (1979) também tem a sedução como tema central, acrescida
de um erotismo mais explícito. A canção enfatiza a questão da fantasia sexual
no relacionamento com a pessoa amada. O relacionamento sexual é visto como
uma mania, uma obsessão, e assume uma dimensão preponderante na relação
amorosa, sendo que elementos do mundo natural, como o mar e a lua, ajudam
também a enfatizar a sua importância. A atmosfera de erotismo é construída não
só pelos versos que o explicitam, mas também pelo tom da voz, pelas simulações
de gritos e gemidos e pela ênfase dada no cantar a certos elementos simbólicos
como a loucura e o ato sexual (rolar, fazer amor).
Nos momentos aqui representados por essas canções nal dos anos 1960
e meados e nal da década de 1970 –, as composições de Rita Lee foram protago-
nistas no pop-rock nacional de uma crescente erotização do amor romântico. O
trabalho da artista foi inovador nesse aspecto em relação ao restante do pop-ro-
ck brasileiro e estava sintonizado com o que acontecia contemporaneamente no
pop-rock internacional, no qual o tema da sexualidade tornava-se cada vez mais
presente nas canções midiáticas, muitas vezes protagonizadas também por ar-
tistas do sexo feminino. Exemplo disso é o sucesso da canção Physical, que, na
interpretação de Olivia Newton-John, chega ao primeiro lugar da Billboard em
1981. Nela enfatiza-se o sentimento de desejo bruto, que transforma a pessoa
amada em um objeto sexual. A partir daí, a narrativa da sexualidade e do poder de
sedução feminino alcançará outro patamar no pop-rock internacional nos anos
seguintes com o sucesso de canções como Like a Virgin, de Madonna.
Ainda que as canções de Rita Lee, em que predominam a erotização do
amor romântico, se inserissem no recorrente processo de aceitação e assimi-
lação das ousadias comportamentais e rompimentos de barreiras morais que
caracteriza a lgica da indústria fonográca e do mercado, elas foram pioneiras
ao colocar em evidência no pop-rock nacional a perspectiva da mulher sobre a
questão da sexualidade. Assim, uma dentre as importantes contribuições de Rita
Lee ao longo de sua trajetória artística foi a de subverter a expressão do amor
romântico para torná-la menos ingênua e também mais representativa de uma
visão feminina e erótica.
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REFERÊNCIAS
ANAZ, Sílvio. O que é rock. Popbooks: São Paulo, 2011.
BARTSCH, Henrique. Rita Lee mora ao lado. São Paulo: Panda Books, 2006.
COSTA, Jurandir Freire. Sem fraude nem favor: estudo sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco,
1998.
ECAD. Rita Lee festeja 75 anos com “Mania de você” como sua música mais tocada no Brasil. Notícias.
31 Dez. 2022. Disponível em: https://www4.ecad.org.br/noticias/rita-lee-festeja-75-anos-com-mania-
-de-voce-como-sua-musica-mais-tocada-no-brasil/ Acesso em: 6 Fev. 2024.
SHUKER, Roy. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999.
WHITBURN, Joel. Billboard Top 1000 Singles 1955-2000. Milwakee: Hal Leonard, 2001.