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Peterson José de Oliveira
APROXIMAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ENTRE A PERSPECTIVA ENUNCIATIVO-
DISCURSIVA E A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL: AS METAFUNÇÕES
COMUNICATIVAS E O ENSINO DOS GÊNEROS MULTISSEMIÓTICOS
THEORETICAL-METHODOLOGICAL APPROACHES BETWEEN THE ENUNCIATIVE-
DISCURSIVE PERSPECTIVE AND THE GRAMMAR OF VISUAL DESIGN: THE
COMMUNICATIVE METAFUNCTIONS AND THE TEACHING OF MULTISEMIOTIC GENRES
https://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21011
Peterson José de Oliveira
Universidade Federal de Uberlândia
https://orcid.org/0000-0002-8367-585X
petersonoliveira@ufu.br
Recebido em 28 de abril 2024
Aprovado em 23 de maio de 2024
RESUMO: Neste trabalho visamos uma
compreensão dos gêneros multissemióticos,
em que trazem imagem e palavra, a partir de
elementos teórico-metodológicos da gramática
do design visual (GDV) de Kress e van Leeuwen
(2006), buscando mostrar como a GDV está
em consonância com as bases metodológicas
enunciativo-discursiva encontradas na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), de
2017.). Ao nal, a análise de um exercício
didático mostrou várias anidades para aplicar
elementos da GDV à análise visual em aulas de
língua portuguesa.
Palavras-chave: ensino de língua
portuguesa; gramática do design visual;
multissemiose; metafunção comunicativa.
ABSTRACT: In this work we aim to
understand multisemiotic genres, in which they
bring image and word, based on theoretical-
methodological elements of the visual design
grammar (GDV) of Kress and van Leeuwen
(2006), seeking to show how GDV is in line
with the enunciative-discursive methodological
bases found in the National Common Curricular
Base (BNCC), 2017.). In the end, the analysis
of a didactic exercise showed several anities
for applying GDV elements to visual analysis in
Portuguese language classes.
Key words: Ensino de língua portuguesa;
gramática do design visual; multissemiose;
metafunção comunicativa
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Introdução
A aula de língua portuguesa passou por profundas transformações
metodológicas ao longo de sua história no Brasil. Desde aulas nas quais o próprio
professor, a partir de gramática e literatura, preparava os próprios pontos, até o
modelo atual, fundamentado no uso do livro didático, que facilita e, muitas vezes,
limita a prática e criatividade docente.
Os livros didáticos de língua portuguesa, desde a década de 1960, têm
incluído em suas lições textos ou gêneros multimodais, como é o caso de peças
publicitárias, canções populares, tiras/quadrinhos e charges, para carmos nos
mais conhecidos. A partir de então, a quantidade de gêneros multissemióticos
ou multimodais1 que aparece nos livros só aumentou, para incluir, desde a virada
para os anos 2000, os gêneros digitais, que na sua maioria são multimodais.
A última mudança dos materiais didáticos de língua portuguesa deveu-se à
implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017. Nesse
documento, os gêneros multissemióticos e digitais ganharam destaque. Porém,
nos cursos de Letras raras são as disciplinas que tratam de uma formação mínima
dos futuros professores de português em habilidades como a linguagem musical,
os elementos da linguagem visual e a leitura e produção de gêneros digitais.
Nos livros didáticos, entretanto, percebemos que o tratamento com os
gêneros multimodais ainda é intuitivo, esporádico e assistemático2. Por exemplo,
mal se fala dos aspectos visuais dos quadrinhos e anúncios publicitários, para
mencionar apenas os gêneros multissemióticos que mais aparecem, como
apontado em outros estudos como (OLIVEIRA, 2021). Para remediar tal situação,
o professor de português pode recorrer a artigos que abordem especicamente
alguns desses gêneros, mas pouquíssimos são os materiais que se debruçam
sobre o desenvolvimento de habilidades de leitura e interpretação de gêneros
1 Neste artigo, usaremos indistintamente esses dois termos para indicar textos que se utilizam de
mais de um modo semiótico ou linguagem, como textos que contenham imagens e palavras, ou sons
e imagens etc.
2 Em trabalhos anteriores, zemos pesquisa sobre a abordagem da imagem em livros didáticos de 
língua portuguesa onde encontramos tal assistematicidade e uso intuito de critérios analíticos. in:
Desaos para uma abordagem efetivamente multimodal dos gêneros discursivos em livros didáticos
de Língua Portuguesa. Albuquerque: Revista de História, Aquidauana, v. 13, n. 26, p. 138-159, 28
dez. 2021.
,
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multissemióticos ou que (re)pensam os critérios teóricos a partir dos quais a
análise deve ser feita.
Neste trabalho, reetimos sobre alguns elementos da gramática do design
visual (GDV) – proposta por Gunther Kress e Theo van Leeuwen (2006) no livro
Reading images: a grammar of visual design – que podem ser utilizados com
proveito na construção de critérios mais amplos e gerais para um letramento visual
sistemático e, principalmente, que sejam coerentes com a proposta metodológica
da BNCC. Assim, tentaremos mostrar que a GDV não só é compatível teórica e
metodologicamente com a perspectiva enunciativo-discursiva da BNCC, como
também pode apresentar uma forma mais organizada de lidar com a diversidade
de gêneros multimodais que o professor de língua portuguesa vai enfrentar. Nesta
trajetória de leitura, buscaremos entender como essa teoria, além de incorporar
certo viés crítico da análise discursiva, também traz importantes considerações
para a abordagem dos aspectos ditos “formais” do texto visual multimodal, que é
do que mais se ressentem as análises propostas nos livros didáticos.
Em nossa análise, utilizaremos uma lição sobre um anúncio publicitário,
retirada de um livro didático de língua portuguesa, e mostraremos como alguns
conceitos da GDV contribuem para o aprofundamento da leitura dos elementos
visuais – isso sem entrar em contradição com a BNCC ou trazer elementos
teóricos desnecessários ou inacessíveis às(os) docentes em geral.
A semiótica social e a GDV
A GDV deriva diretamente do pensamento linguístico de Halliday e Hasan
(1991), de sua perspectiva sistêmico-funcional e principalmente da própria noção
de semiótica social. Para esses autores, a língua não é um conjunto xo de
regras ou estruturas, mas existe para atender à função comunicativa e, portanto,
adapta-se a diferentes instâncias e propósitos sociais e individuais. Nesse
sentido, Halliday alinha-se ao funcionalismo linguístico que entende a língua a
partir da nalidade ou função comunicativa a que essa se destina (NEVES, 2013).
A semiótica social, então, seria uma teoria que procura entender como os
indivíduos se comunicam em contextos sociais especícos, como eles criam
signicados e usam signos. As especicidades de tais contextos interferem na
escolha de signos e outras formas de materialização para além da linguagem
verbal. A motivação e os objetivos comunicacionais são fundamentais para
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a criação do discurso. A língua, vista como um sistema semiótico, porque é
composto de signos, torna-se resultado dessa motivação dos indivíduos de
produzir signicação em contextos sociais especícos.
A GDV insere-se na semiótica social, de acordo com Kress e van Leeuwen
(2006). Segundo os autores, o trabalho com a imagem baseia-se em uma ideia
da representação visual que é parte da semiótica social e teria dois momentos-
chave: a Escola de Praga, na década de 1930, e a semiologia de Roland Barthes,
na década de 1960. Para eles, a semiótica social seria um terceiro momento da
semiótica, ainda em desenvolvimento e ao qual pertencem. Não armam uma
ruptura com esses pensamentos, mas uma reformulação deles. Para Kress e van
Leeuwen (2006), o signo é a junção motivada de formas (signicantes) usadas
para realizar signicados: o fato de os signos serem considerados motivados
os afasta da noção tradicional saussuriana, para quem o signo é imotivado ou
arbitrário. Tal motivação deve ser pensada a partir do ponto de vista do criador
do signo e do contexto em que ele se insere, ou seja, em que o signo é produzido.
Kress e van Leeuwen (2006), mesmo assumindo sua liação parcial a
essa dicotomia proposta por Saussure (langue/parole), dizem que a produção
concreta de signos pelos falantes-usuários – a fala ou parole – não é limitada
por um sistema de signicados disponíveis a língua ou langue. O potencial
semiótico de um signo é denido por recursos semióticos disponíveis para um
indivíduo especíco em um contexto social especíco; recursos semióticos
disponíveis para pessoas reais em contextos reais. Esse aspecto, longe de ser
um detalhe da GDV, fundamenta o caráter fortemente social de sua semiótica.
As palavras “comunicação” e “representação”, por sua vez, ganham destaque em
sua argumentação, pois enfatizam o contexto real em que a comunicação ou o
discurso se realizam. Entende-se que os indivíduos são criadores de signos e
escolhem formas para expressão do que têm em mente, formas que consideram
mais adequadas e plausíveis em determinados contextos (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006).
Tal ênfase na escolha e na motivação individual na criação sígnica se justica
a partir do conhecimento que o criador de signos possui: quando uma criança usa
um signo, ela estaria criando-o, porque o usa para um contexto e uma nalidade
comunicativa especíca. Mesmo que um conjunto de restrições exista em um
sistema de signos, o ato individual de apropriação do sistema é soberano para
a constituição de um pensamento da semiótica social proposta pelos autores
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(KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). A interação e o contexto real remetem a semiótica
a uma perspectiva funcionalista do funcionamento da(s) linguagem(ns). No Brasil,
o funcionalismo linguístico tem ganhado destaque com os estudos do texto, do
gênero textual-discursivo, entre outros, como atesta o prestígio dos estudos
nesse campo. Para a concepção funcionalista da linguagem, as regras linguísticas
sempre são vistas em termos de função comunicativa – do uso, melhor dizendo –,
em contextos especícos, e não em termos de estrutura ou sistema. Ainda nessa
linha teórica, as perspectivas do estudo do texto, da chamada linguística textual,
não se realizam sem considerar o campo da enunciação, que leva em conta o
modo como o sujeito se apropria do sistema linguístico, ou seja, da apropriação
concreta da língua por um indivíduo.3
A gramática do design visual
Na introdução de Reading images: a grammar of visual design, Kress e van
Leeuwen (2006) apontam que há muitas obras tratando da constituição de um
“léxico” visual, isto é, trabalhos enfatizando elementos visuais de modo isolado,
ao modo como tratamos palavras. O projeto deles, porém, é outro: elaborar
uma “sintaxe” da linguagem visual. Ou seja, interessa-lhes a combinação desses
elementos – sua “sintaxe” em composições que seriam “frases”, ou melhor,
“textos” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Os autores destacam a importância
de um letramento visual em nossa sociedade, na qual palavra e imagem se
conjugam cada vez mais na comunicação cotidiana. Para eles, nossa cultura
historicamente valorizou a escrita em detrimento do visual, por entender, muitas
vezes, que este não tinha regras ou a importância da palavra. O ensino formal
reete tal valorização, pois ao longo da vida escolar os livros, que começam
cheios de imagens, vão se tornando mais repletos de textos. Pelo menos, assim
vinha sendo até o nal do século XX. Com a emergência das redes sociais e dos
smartphones e uma forte melhoria na transmissão de dados pela internet, o visual
é hoje, sem dúvida, tão fundamental quanto o verbal na comunicação digital, que
acaba por se tornar um parâmetro até para programas de ensino, por seu caráter
3 Sobre os fundamentos do funcionalismo em linguística, ver A gramática passada a limpo (NE-
VES, 2012) e Gramática do português brasileiro, de Ataliba T. Castilho (2014). Como um balanço
do funcionalismo em termos de linguística textual, ver Linguística textual: interfaces e delimitações
(SOUZA; PENHAVEL; CINTRA, 2017).
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aberto, multimídia, interativo, entre outros aspectos.
A noção de gramática dentro da expressão “gramática do design visual” não
opera por meio de uma importação automática da terminologia da linguística para
a representação visual. Para Kress e van Leeuwen (2006), sintaxe, pragmática
e semântica são indistinguíveis nos termos da comunicação ou representação
visual. Os autores deixam claro que cada modo semiótico4 (verbal, visual,
gestual etc.) tem suas possibilidades e limitações. Algumas relações são melhor
explicitadas em um que em outro, mas os signicados, construídos social e
historicamente, o expressos por várias semioses (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006). A principal relação armada pelos autores entre a linguística e a GDV é
sua abordagem global, pois, assim como a linguagem verbal, a linguagem visual
apresenta regularidades que podem ser objeto de uma descrição relativamente
formal (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p.20). Nesse sentido, eles se utilizam das
metafunções presentes em quaisquer modos semióticos: função ideacional,
função interacional e função textual (HALLIDAY; HASAN, 1996). Falaremos com
mais detalhes dessas metafunções mais adiante, quando tratarmos da análise de
um exercício sobre um anúncio publicitário.
O fato de essas metafunções serem compartilhadas por todos os modos
semióticos foi o ponto de partida para que os criadores da GDV vissem nessa
teoria uma perspectiva interessante de abordar o universo da multimodalidade
ou da multissemiose. Apesar disso, eles ressaltam o fato de que o verbal, com
o predomínio da cultura escrita no Ocidente, não é simplesmente verbal, pois
participam da sua leitura recursos especícos da visualidade: cor, disposição na
página, orientação direita-esquerda, formato e tamanho das letras, entre outras
características que informam a multimodalidade já presente no universo da
escrita. Ainda que pensemos fora de sociedades ocidentais modernas, nas quais
o prestígio da escrita é inegável, na fala há o papel do gestual, que desempenha
função importante na produção de signicado. Antes de propormos de que modo
a BNCC e a GDV podem ter anidades teórico-metodológicas, traçaremos as
linhas gerais da concepção de linguagem da BNCC.
4 Modo semiótico pode ser entendido, no âmbito da teoria da GDV, como um sistema regular, social-
mente organizado, de representação por um meio especíco (ou substância material), como visual, 
som, gesto, movimento etc. Ou pode ser denido como um sistema completo de comunicação que 
atenda a vários requisitos representacionais e comunicacionais. Ver Kress, Jewitt, Ogborn e Tsatsa-
relis (2001, p. 15).
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BNCC: bases teórico-metodológicas
A BNCC, em vigor desde 2017, trouxe várias mudanças em relação aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998. No campo da organização
discursiva do documento, a BNCC incorpora um vocabulário mais técnico, que
demanda formação continuada do docente, se comparado com a linguagem
mais simples dos PCN. Destaca-se também a continuidade da perspectiva
metodológica geral de trabalhar com competências e habilidades, escolha
teórico-metodológica que tem recebido numerosas críticas de educadores,
sobretudo por conta de seu caráter neoliberal e tecnicista (BRANCO etal., 2019;
SAVIANI, 2016). No entanto, interessa-nos aqui, em especial, identicar algumas
diretrizes metodológicas principais desse documento para assim indagar sua
compatibilidade com a perspectiva apontada por Kress e van Leeuwen (2006) na
GDV.
O primeiro elemento que trazemos é o enfoque no ensino da língua
portuguesa a partir da noção de gêneros discursivos, talvez a mais importante
diretriz metodológica da BNCC e que está implicada no ensino-aprendizagem
das habilidades de leitura, produção textual e análise linguística. De acordo
com Dias, Ferreira e Silva (2019), o embasamento do ensino nos gêneros
discursivos, de origem bakhtiniana, já estava presente nos PCN e se destacava
pela materialidade textual-composicional, pelos aspectos contextuais e,
principalmente, ideológicos. Temos na BNCC a centralidade do texto, visto como
ponto de partida da aula de língua portuguesa, ancorado no gênero discursivo
a que pertence. Os gêneros discursivos são divididos/reunidos em campos de
atuação, a partir das diferentes áreas da comunicação pública.
A noção de gênero em Bakhtin revela uma especial leitura crítica e a
importância do posicionamento ideológico dos falantes na produção de sentido.
O caráter crítico dessa teoria bakhtiniana aparece em destaque, entre várias
outras ocasiões, quando os elaboradores da BNCC fazem menção repetidamente
às condições de produção, termo que intitula vários objetos de conhecimento
em todos os campos de atuação – isto é, que devem ser trabalhados em
quaisquer gêneros, nas habilidades de leitura/compreensão. Esses objetos de
conhecimento aparecem com algumas variações: “reconstrução das condições
de produção, circulação e recepção(BRASIL, 2018, p.156) ou “Reconstrução das
condições de produção e recepção dos textos e adequação do texto à construção
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composicional e ao estilo de gênero” (BRASIL, 2018, p.150). Isso se desdobra nas
habilidades que tais objetos do conhecimento implicam. Em muitas passagens,
a noção de “condições de produção” vem explicada em uma habilidade como
esta, relativa aos textos jornalísticos e integrante do quadro “Reconstrução das
condições de produção, circulação e recepção dos textos”: “(EF89LP01) Analisar
os interesses que movem o campo jornalístico, os efeitos das novas tecnologias
no campo e as condições que fazem da informação uma mercadoria, de forma a
poder desenvolver uma atitude crítica frente aos textos jornalísticos” (BRASIL,
2018, p.175). Podemos observar nessa habilidade um interesse em entender a
leitura-compreensão como um ato de interpretação das posições ideológicas do
enunciador do texto jornalístico (os interesses de que fala a habilidade). Portanto,
em relação ao ensino dos gêneros, a BNCC substitui o sociointeracionismo
discursivo dos PCN por uma abordagem enunciativo-discursiva, mas que de
certo modo continua a perspectiva dos PCN:
Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em
outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para os quais
a linguagem é “uma forma de ação interindividual orientada para uma nalidade es-
pecíca; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes
numa sociedade, nos distintos momentos de sua história” (BRASIL, 1998, p.20). (BRA-
SIL, 2018, p.67)
Esse caráter enunciativo-discursivo é denido de forma bem ampla, o que
diculta ao leitor mais leigo entender, apenas a partir da citação do PCN, como
se materializa tal concepção da língua, uma vez que enunciação e discurso são
objetos teóricos muito discutidos e fontes de diversas interpretações no campo
dos estudos da linguagem. De acordo com Flores e Teixeira (2005, p.101), as
teorias da enunciação linguística da enunciação”. Na verdade, para esses au-
tores, o objeto conceitual “enunciação” marca uma ruptura com os estudos lin-
guísticos que seguiam a esteira do estruturalismo de Ferdinand de Saussure.
Aos estudiosos da enunciação, interessam os aspectos singulares da ocorrência
contextual muito mais que os aspectos sistêmicos e gerais da estrutura linguís-
tica. Estudos sobre referência, dêixis, subjetividade e modalização, para car em
poucos exemplos, extrapolam os limites tradicionais do pensamento formalista
da linguagem, que se apoiou fortemente nos sistemas fonético-fonológicos da
língua, na morfossintaxe e, algumas vezes, até na semântica.
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Mais recentemente, as ideias de Émile Benveniste sobre discurso e enuncia-
ção têm recebido atenção no pensamento linguístico brasileiro e podem também
ter servido de base para a elaboração de algumas competências e habilidades da
BNCC. Para Benveniste (20086), a língua tem um duplo modo de signicação: o
semiótico e o semântico. O semiótico diz respeito ao nível intralinguístico da lín-
gua, cujas unidades, os signos, têm relação recíproca uns com os outros e assim
criam uma teia de signicação, sem se importar com os objetos que tais signos
denotam na realidade. No modo semântico temos os enunciados, que só ganham
sentido se referidos a quem fala, quando e onde se fala – em suma, à situação. Aí
estamos na ordem do discurso ou da enunciação, que é denida como este colo-
car em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE,
2006, p.82). Passa a interessar agora como o sujeito usa o aparelho enunciativo
da língua para criar sentido situado.
Dessa maneira, entendemos que o aspecto “enunciativo” da expressão “enun-
ciativo-discursiva”, que dene a perspectiva metodológica do documento, pode
ser associado tanto à teoria de Benveniste quanto à de Bakhtin. O mesmo vale
para o termo “discursivo”, encontrado nessa expressão. Talvez a diferença fun-
damental seja que, para Bakhtin, o sentido de um enunciado (unidade do discur-
so, não da língua-sistema) sempre é dependente das circunstâncias históricas e
ideológicas, não apenas da situação comunicativa especíca.
Mas a frequência de duas expressões na BNCC, condições de produçãoe
efeitos de sentido”, sempre associadas a competências e habilidades leitoras
importantes para quaisquer gêneros discursivos a serem estudados, aproxima
o documento de uma outra teoria do discurso: a análise de discurso de linha
francesa, inaugurada por Michel Pêcheux. Essa teoria, marcada por uma hete-
rogeneidade teórica, possui três pilares: o dialogismo bakhtiniano, o marxismo
e a psicanálise. Nesse campo de estudos, o discurso é denido como efeito de
sentido entre interlocutores, e tal expressão é fundamental para entender que o
sentido é decorrente das formações discursivas e ideológicas de determinado
momento histórico. O sentido não é prévio nem efeito da língua enquanto siste-
ma: “um discurso é sempre pronunciado a partir de condições de produção da-
das” (GADET; HAK, 1993, p.77). Dessas condições de produção, Pêcheux destaca
relações de poder, posições políticas, ideológicas etc.
Outro aspecto importante do alinhamento da BNCC às teorias da enuncia-
ção e do discurso está, de modo geral, na ênfase dada à produção textual feita
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a partir da consideração do seu enquadre enunciativo-discursivo básico: na lei-
tura e produção de qualquer gênero é necessário saber qual o papel social de
quem produz o texto-gênero, para quem este é feito, com que intencionalidade,
em que meio, mídia e semiose. Assim, todos os campos de atuação5 da BNCC tra-
zem como objeto de conhecimento não apenas as habilidades de identicar ca-
racterísticas formais e composicionais do texto, ou temas já conhecidos, como
coesão, coerência e sequências ou tipos textuais. O documento em muitas pas-
sagens enfatiza a atitude crítica por parte dos futuros leitores-autores. Acima
de tudo, a organização de competências, habilidades e objetos do conhecimento
tem a ver com o que os autores chamam de “práticas de linguagem”, expressão
que revela a perspectiva ancorada no discurso, na língua encarnada em práticas
sociais concretas e o letramento que as envolve.
Assim, leitura e produção textual são práticas de linguagem que participam
de “práticas sociais”. Nesse sentido, a preocupação com o letramento digital e
com a multiplicidade de linguagens aponta para a necessidade do letramento dos
próprios professores nesses gêneros e semioses. E é nesse ponto que o estudo
de teorias e metodologias como as da GDV pode ser útil para a tarefa hercúlea de
letramento multissemiótico que a BNCC sugere.
Afinidades teórico-metodológicas entre GDV e BNCC
Tentamos até agora oferecer um olhar panorâmico sobre alguns elementos
teórico-metodológicos da BNCC que acreditamos poder ser alinhados a alguns
aspectos da GDV e tornar o trabalho com a imagem ou a multissemiose mais
profícuo. A GDV, acreditamos, é compatível com os pressupostos da BNCC aqui
apresentados em três aspectos: a ideia de que a criação sígnica é parte do indi-
víduo e responde à situação concreta, o que a aproxima das abordagens funcio-
nalistas; o trabalho com noções como ideologia, criticidade e dependência de
fatores históricos para a criação de signos visuais ou de uma gramática visual;
e, por m, a tentativa de trazer para o primeiro plano o trabalho multissemiótico
como missão educacional de grande valor atualmente. Vejamos cada um desses
elementos.
5  Na BNCC, são as cinco grandes áreas de atuação social em que os gêneros são agrupados: campos 
jornalístico-midiático; campo artístico-literário; campo das práticas de estudo e pesquisa; campo da 
vida cotidiana; e campo de atuação na vida pública.
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Podemos dizer que, ao tratar da comunicação visual e de todas as formas de
discurso multissemiótico, os autores da GDV abordam uma forma de enunciação,
porque enfatizam sempre o contexto concreto, situado, em que as mensagens
são produzidas: “a comunicação exige que os participantes tornem suas mensa-
gens o mais compreensíveis num contexto particular” (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006, p.13). A ênfase nesse papel ativo dos indivíduos ao selecionar e criar signos
(pois atribuem aos signos disponíveis novos sentidos na situação concreta) faz
os autores se aproximarem de teorias da enunciação como a de Benveniste.
Por outro lado, a GDV quer tratar muito mais do que de aspectos formais ou
enunciativos da mensagem visual ou multissemiótica. Em várias passagens de
Reading images, os autores reforçam o compromisso de sua teoria com a critici-
dade:
A análise da comunicação visual é, ou deveria ser, uma parte importante das disci-
plinas “críticas”. Embora neste livro nos concentremos na exibição das regularidades
da comunicação visual, em vez de nos seus usos (“interessados”, isto é, político-ideo-
lógicos), vemos imagens de qualquer tipo como inteiramente dentro do domínio das
realizações e instanciações da ideologia, como meios – sempre – para a articulação de
posições ideológicas (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p.14, tradução nossa).6
Embora a expressão “ideologia” não seja usual na área de língua portuguesa,
certamente em decorrência do momento em que o documento foi publicado7, a
BNCC enfatiza o papel fundamental de um letramento crítico para a formação de
cidadãos politizados. No trecho a seguir, seus autores parecem prever as ques-
tões mais delicadas e trágicas do mau uso das redes sociais, como redes de men-
tiras e bolhas, destinadas a impedir um debate esclarecido e que descambaram
na onda de fake news que tiveram papel decisivo nas eleições de 2018:
6 No original: “Analyzing visual communication is, or should be, an important part of the ‘critical’
disciplines. Although in this book we focus on displaying the regularities of visual communication, 
rather than its (‘interested’, i.e. political/ideological) uses, we see images of whatever kind as entirely 
within the realm of the realizations and instantiations of ideology, as means – always – for the artic-
ulation of ideological positions”.
7 O governo de Michel Temer encerrou a participação pública na escrita da BNCC de modo abrupto,
para então xar e publicar uma versão do texto que não era exatamente a que vinha sendo discutida. 
No  contexto  político  inamado  contra  a  chamada  “ideologia  de  gênero”,  uma  expressão  que  fala 
mais de posições políticas conservadoras do que das políticas de igualdade de gênero (aliás, palavra 
também alvo de disputa e exclusão no documento), a noção de ideologia teve de ser diluída em ter-
mos mais gerais, como “ensino crítico” ou “criticidade”. Na BNCC, a expressão “ideologia” aparece
apenas duas vezes na área de linguagens e códigos, em competência de caráter geral (ver BRASIL, 
2018, p. 87).
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Eis, então, a demanda que se coloca para a escola: contemplar de forma crítica essas
novas práticas de linguagem e produções, não só na perspectiva de atender às muitas
demandas sociais que convergem para um uso qualicado e ético das TDIC [tecnolo-
gias digitais da informação e comunicação] – necessário para o mundo do trabalho,
para estudar, para a vida cotidiana etc. –, mas de também fomentar o debate e outras
demandas sociais que cercam essas práticas e usos. É preciso saber reconhecer os
discursos de ódio, reetir sobre os limites entre liberdade de expressão e ataque a
direitos, aprender a debater ideias, considerando posições e argumentos contrários
(BRASIL, 2018, p. 69).
Valemo-nos da citação anterior para encerrar este tópico de alinhamento da
GDV ao entendimento da BNCC quanto à importância dos gêneros multissemió-
ticos. Na verdade, a BNCC fala da importância do trabalho com diferentes lingua-
gens em tantas passagens que seria tedioso elencá-las: já no início, os textos
multissemióticos são destacados na competência especíca 3, da área da língua
portuguesa. Ainda na parte introdutória, os autores do documento trazem um
parágrafo muito esclarecedor, porque aborda os elementos formais dessas vá-
rias linguagens ou semioses tão referidas ao longo do texto:
Já no que diz respeito aos textos multissemióticos, a análise levará em conta as formas
de composição e estilo de cada uma das linguagens que os integram, tais como plano/
ângulo/lado, gura/fundo, profundidade e foco, cor e intensidade nas imagens visuais
estáticas, acrescendo, nas imagens dinâmicas e performances, as características de
montagem, ritmo, tipo de movimento, duração, distribuição no espaço, sincronização
com outras linguagens, complementaridade e interferência etc. ou tais como ritmo,
andamento, melodia, harmonia, timbres, instrumentos, sampleamento, na música
(BRASIL, 2018, p.81).
Os elementos da linguagem visual – seu “vocabulário” básico – seriam:
plano, ângulo, lado, gura/fundo, profundidade, foco, cor e intensidade.
expressões como “formas de composição e estilo” estão próximas do que Kress
e van Leeuwen (2006) chamariam de “gramática” da linguagem visual. A BNCC,
porém, dá apenas indicações sumárias do que tratar a respeito dessas semioses.
A verdade é que existe uma diculdade muito grande em traçar, para os objetivos
de ensino fundamental em língua portuguesa, quais teorias de leitura do visual
são mais produtivas nesse contexto. A dupla ênfase em um tratamento que se
queira ao mesmo tempo crítico e traga uma abordagem da composição formal
dos textos visuais é uma diculdade a mais para encontrar teorias que estejam
à altura dessa tarefa. Pelo que tentamos trazer ao leitor, pensamos que a GDV
pode tornar-se um recurso precioso aos docentes interessados em ensinar os
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elementos e a gramática da linguagem visual em textos multissemióticos como
HQs, publicidades, pinturas etc., pois essa teoria contempla os dois aspectos
apontados. No tópico seguinte, tentaremos mostrar a compatibilidade e a
propriedade de alguns conceitos da GDV em consonância com os elementos
teórico-metodológicos da BNCC.
Análise de um anúncio publicitário à luz da GDV
No exemplo trazido para análise (Figura1), retirado de um livro didático de
língua portuguesa, nos interessamos em mostrar como o conceito de metafun-
ção ou metafunções comunicativas8 auxilia os professores a construir uma es-
tratégia de leitura de textos publicitários, os quais aparecem em muitas lições de
praticamente todos os livros didáticos de língua materna.
Figura 1: Anúncio publicitário de livro didático.
Fonte: Ormundo e Siniscalchi (2017, p. 131).
8  Tal conceito aparece na gramática sistêmico-funcional de Halliday e Hasan (1991) e é endossado 
pelos criadores da GDV.
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O anúncio acima foi colocado em um livro de 6º ano, num tópico intitulado
“Como funciona um anúncio publicitário?”. Não foi usado apenas para exempli-
car um termo sintático ou gramatical; nesse exemplo, o anúncio é tratado en-
quanto gênero discursivo. Por isso, vários exercícios relacionados direcionam
a atenção do estudante para questões enunciativo-discursivas, como propõe a
BNCC. Vale também ressaltar que a peça aqui reproduzida é a segunda usada
como exemplo de anúncio publicitário. Antes dela, os autores introduziram esse
gênero com um pequeno parágrafo apresentando o tema. Depois, deniram o
gênero anúncio publicitário num pequeno quadro, em que destacam apenas o
objetivo de estimular o leitor a consumir um produto ou serviço ou a agir de de-
terminada maneira. Por m, destacam o valor da criatividade nesse tipo de texto
(ORMUNDO; SINISCALCHI, 2017, p.131).
Os autores seguem de modo bastante satisfatório as recomendações da
BNCC para a idade/ano escolar a que se destina o exercício, pois em vários mo-
mentos são destacados elementos concretos da enunciação: quem faz, para
quem é feito, qual o objetivo do gênero e seus elementos composicionais. Tudo
isso de forma muito esquemática e resumida, é verdade, mas levamos em consi-
deração aspectos como o espaço e o tempo disponíveis para esse tema.
Só então Ormundo e Siniscalchi (2017) tratam do anúncio que abordaremos.
Resumimos os exercícios a respeito dele para entendermos melhor o contexto
especíco em que aparece. Para esse texto multissemiótico, os autores propõem
cinco questões, com subdivisões. A primeira e a quinta tratam da linguagem ver-
bal do anúncio, sua síntese, os recursos que tornam a linguagem mais expressi-
va, os tipos de orações que trazem esses efeitos, a ordem das orações, o tempo
verbal etc. São exercícios bem elaborados pois relacionam satisfatoriamente os
elementos de análise linguística (relação causa-consequência, condição, alter-
natividade etc.) com elementos enunciativos.
Já os exercícios 2 e 3 abordam a parte “não verbal” do anúncio, ou seja, a par-
te considerada visual. No exercício 2, pergunta-se sobre a motivação da gura
do porquinho, a qual palavra se relaciona a gura do peixinho, que cor predomina
no anúncio e por quê. Até se pede que os estudantes imaginem o texto sem o
peixinho, para vericar se o sentido prevaleceria o mesmo. Esse exercício é um
exemplo apropriado de como os autores exploram com cuidado vários elementos
visuais do texto, como as guras, seus signicados e cores; e buscam até mes-
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mo a relação entre palavra e imagem de modo circunstanciado – pouco usual em
lições de livros didáticos. O exercício 3 faz referência à cor do anúncio e ao seu
signicado, bem como a outro elemento do anúncio, o slogan, que é denido em
um quadro ao lado do enunciado. A questão4 fala dos anúncios de modo geral,
distinguindo os que veiculam uma atitude ou um valor daqueles que comparam
produtos e tentam vender a superioridade do item anunciado.
As atividades interpretativas foram bem realizadas e, se complementadas
com comentários ou materiais trazidos pelo professor, oferecem uma aborda-
gem satisfatória para interpretar o texto. Nas páginas seguintes, os exercícios
continuam a tratar da peça publicitária, com atividades para a produção de um
anúncio pelos estudantes. Desse modo, os autores seguem as sugestões da
BNCC de utilizar as três práticas de linguagem para abordar qualquer gênero:
atividades de leitura, de produção e de análise linguístico-semiótica integradas
às de leitura e produção.
Apesar disso, muitas coisas caram de fora, mesmo considerando-se a ida-
de e a fase escolar do público-alvo, tais como a estrutura do anúncio publicitário,
sua composição e até mesmo uma melhor análise dos aspectos enunciativo-dis-
cursivos: de quem seria o público do anúncio, onde ele foi veiculado originalmen-
te, qual a relação entre o tema e a linguagem verbal e visual, que relação existe
entre a quantidade de informação verbal e visual e o gênero e o objetivo do anún-
cio, qual sua relação com o contexto, entre outros aspectos.
Não existe livro ou material didático completo, plena ou universalmente ade-
quado a todos os tipos de público. Estamos cientes de que o livro didático deve
servir de apoio à aula e ao planejamento dos professores, facilitando o preparo
de atividades e oferecendo um material básico e acessível para todos os estu-
dantes. No entanto, as lacunas encontradas nos exercícios apontam gestos de
leitura que se tornam comuns em livros didáticos quando se trata dos gêneros
multissemióticos publicitários.
Em artigo publicado sobre o tema, Oliveira (2021) arma que os autores de
livros didáticos usualmente fazem questionamentos genéricos sobre o aspecto
visual dos textos multissemióticos usados em suas lições. São questões do tipo
qual a relação entre a imagem e a parte verbal”, “o que signica a imagem usada
pelo autor” ou, mais raramente, sobre a cor ou o formato de uma gura. Não
um trabalho metódico de abordagem do multissemiótico. Além disso, a interpre-
tação é bastante fragmentada: fala-se da linguagem verbal e da linguagem vi-
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sual, mas muitas vezes não se fala da relação entre elas, que é o mais importante.
Os aspectos enunciativo-discursivos, por sua vez, são melhor representados que
os aspectos visuais ou verbo-visuais em livros didáticos mais contemporâneos.
Nestes, é muito mais comum encontrarmos questões que se referem ao público
esperado de um texto ou à função social do autor (mesmo que isso não apareça
no livro e no exemplo que trouxemos).
No quesito da composição visual dos textos e de sua “gramática” – mais do
que seus elementos isolados ou vocabulário –, os livros ainda se ressentem de
muitas lacunas. Nos parágrafos seguintes falaremos da composição e da organi-
zação tal como apresentas na leitura da GDV. No anúncio em tela, os autores não
falam da cor, da posição ou da dimensão das palavras, nem de sua relação com
as guras. Também não tratam da distribuição do visual e do verbal no formato
retangular do anúncio, ou da direção – ou melhor, das direções – de leitura do
anúncio, isto é, do trajeto do olhar sobre o texto.
Nessa peça publicitária, por exemplo, há o uso composicional muito claro da
simetria: bilateral, criada pelo o de água que divide as duas frases imperativas.
A direção de leitura é da esquerda para a direita, como a da escrita ocidental em
geral, e estabelece uma relação de causa e efeito visualmente reforçada, já que
essa associação é evidenciada também pelo sentido e pela ordem das palavras.
O que é visto primeiro, a frase colocada à esquerda, intuitivamente “acontece”
primeiro. O o de água ao mesmo tempo divide e une as duas frases, e é uma
representação visual do argumento “poupe água/poupe vida”. Desse modo, os
criadores do anúncio realçam a mensagem principal de sua peça publicitária por
meio de uma redundância verbo-visual. Esse reforço acontece também na gura
do cofre de vidro, com a ideia de poupar e com a gura do peixe, que remete à
ideia de vida. A redundância visual se realiza ainda pelo esquema de cores utili-
zado no texto, de tons azulados, que remetem à água pura. Há uma conguração
visual que atenua a diferença entre gura e fundo, pois os tons azulados, unidos
à transparência da água e do cofrinho, bem como as letras em azul, provocam
uma sensação de transparência suave no anúncio, muito agradável de ver e ler.
Em contraste, para evitar a monotonia, o peixe de cor alaranjada brilhante atrai
o olhar e gera uma empatia que em geral pets suscitam. A cor sga o olhar e ser-
ve como ponto de ancoragem e reforço, em uma estratégia argumentativa que
traz para o nível concreto o que a palavra “vida”, por seu caráter abstrato e geral,
não conseguiria trazer. Observe-se como as duas cores contrastam e se comple-
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mentam, dando unidade visual e novidade ao conjunto.
O segundo eixo de leitura, que foi pensado cuidadosamente pela equipe re-
datora, foi a direção acima-abaixo: acima o o de água, embaixo o cofrinho. Trata
de um processo, de uma ação: o ato de poupar é visualmente representado, claro
como a água. O texto tem uma estrutura ou organização simétrica: esquerda e
direita, pelas frases; acima e abaixo, pelo conjunto do o de água e do cofrinho.
O o de água divide o anúncio em duas metades iguais; já a relação entre palavra
e imagem não é tão simétrica, apesar de bastante organizada e clara. A parte
verbal em letras um pouco mais escuras que o fundo tem fonte neutra, mas es-
pessura e tamanho considerável, ocupando pelo menos 15% da área superior do
anúncio. A gura do porquinho é vista de uma perspectiva próxima o bastante
para que vejamos seu interior, com as bolhas de água; mas também é vista de
cima e ligeiramente de lado para que o leitor tenha mais elementos de sua tri-
dimensionalidade, como a pata direita dianteira e o formato do focinho e seus
furinhos. Assim, parte importante do “rostodo porquinho ca visível, inclusive
os olhos. Enm, ca evidente o objeto porquinho, apesar de transparente ou azu-
lado (o que é difícil discernir por estar em um fundo azul). Tais detalhes do cofre,
seu volume quase preenchido por água, as bolhas sugerindo que a água continua
a cair – tudo isso envolve ainda mais o leitor para aderir à campanha. O cofrinho
junto com o peixinho remetem à infância, e por isso o anúncio pode ser endere-
çado às crianças, mas mesmo que o hábito de poupar usando cofres em formato
de porcos não seja tão comum hoje, em tempos de dinheiro digital, a remissão
à infância dos adultos traz um sentimento de empatia e cuidado, reforçado pelo
belo peixinho-dourado.
Talvez a única coisa que torne o anúncio menos estético seja a necessidade
de assinalar o principal enunciador do anúncio: a Prefeitura Municipal de Japurã.
Isso é feito num retângulo branco na parte inferior esquerda do anúncio, o que
perturba de forma desnecessária a bela simetria e unidade do texto. Se os cria-
dores tivessem optado por uma fonte laranja-escuro e centralizassem o texto,
quem sabe com uma faixa azul-escuro percorrendo toda a parte inferior, talvez
esse elemento casse mais integrado ao restante do conjunto.
Nesses parágrafos, falamos de alguns elementos visuais do texto que podem
ter sido tratados. Não temos pretensão de esgotar todas as possibilidades
de leitura dessa peça; aliás, nem zemos menção ao discurso conservador
implícito nas campanhas públicas para poupar água, quase sempre endereçadas
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à população urbana, quando sabemos que os maiores gastadores de água
são a agricultura e a indústria. Sempre há um desejo dos governantes de se
mostrarem preocupados com o meio ambiente, escamoteando o fato de que os
proprietários dos meios de produção usam recursos públicos como a água para
seus empreendimentos cujos lucros são privatizados, enquanto os prejuízos de
um modelo agroexportador baseado em monoculturas e pecuária extensiva têm
impactos nefastos sobre os recursos hídricos de todos. Os aspectos ideológicos
do anúncio são parte fundamental dele e têm vital importância para uma leitura
anada à GDV. Anal, ao propor uma atitude aos cidadãos, atribui-se a eles
uma responsabilidade e não se mencionam outros fatores da escassez de água,
social e economicamente desigual. Fizemos apenas um pequeno aparte que não
desenvolveremos, porque esses aspectos não são representados visualmente,
mas estão nas entrelinhas, ou seja, no não dito que comporta qualquer discurso.
Agora procuraremos suplementar nossa análise com alguns elementos que
consideramos extremamente promissores na GDV, a partir da noção de meta-
função comunicativa. O objetivo não é que os professores levem os estudantes
à metalinguagem dessa teoria, pelo menos não no ensino fundamental. O que a
noção de metafunção ou metafunções – ideacional, interacional e textual – traz
é a possível indicação de um caminho de leitura ou interpretação que possa ser
usado em todo texto visual ou multissemiótico.
O pensamento linguístico de Halliday contrapõe-se explicitamente ao
gerativismo formalista de Noam Chomsky e de toda linguística que considera
suciente e adequado estudar a língua em seus termos estruturantes sem discutir
como nestes já estão envolvidas suas funções. A perspectiva radicalmente social
de Halliday é uma das vertentes mais inuentes do funcionalismo, pois procura
mostrar como a estrutura gramatical de uma língua é, desde seus fundamentos,
determinada pelo seu entorno social. Nesse sentido, a ideia de metafunção
procura se afastar das noções comuns de funções comunicativas da linguagem
que são encontradas em vários autores, lósofos e linguistas, como Jakobson
e outros que viam tais funções da linguagem como o uso e propósito da língua.
Para Halliday e Mathiessen, o termo metafunction” (metafunção) é mais radical
do que “função”, pois mostra como são intrínsecas à linguagem tais funções
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estruturantes.9 Dito isso, ele propõe três metafunções: a ideacional, a interacional
e a textual, integrantes de qualquer sistema semiótico. Mas é claro que estas
não estão presentes da mesma maneira. Tais metafunções são manifestações,
no sistema linguístico e em outros dos objetivos inerentes a todos, dos usos de
sistemas semióticos: compreender o meio (ideacional); relacionar-se com os
outros (interacional ou interpessoal); e organizar a informação (textual). Cada
uma das metafunções se relaciona a uma variável do contexto situacional: ao
campo, a ideacional; às relações, a interpessoal; e ao modo, a textual. Elas
ainda possuem subdivisões, termos integrantes etc. Não é nosso objetivo tratar
detalhadamente de cada uma delas, mas nos interessa especialmente o fato de
que, em toda linguagem, as três metafunções operam ao mesmo tempo, ainda
que de forma desigual, com ênfase em uma ou outra, dependendo do texto e da
situação. O próprio contexto é denível pela linguagem ou pelos termos usados.
Vale lembrar que Kress e van Leeuwen (2006, p.41) remetem essas metafunções
àquilo que chamam de “teoria semiótica social da comunicação”, que, apesar de
ser oriunda do pensamento de Halliday, não aborda a linguagem verbal apenas.
A metafunção ideacional atende à necessidade de um modo semiótico ser
capaz de representar aspectos do mundo tal como vivenciado pelos humanos,
isto é, de representar objetos e suas relações num mundo fora do sistema
representacional. A representação de objetos em interação entre si é feita por
meio do que os autores chamam de vetores de ação-processo, ou por meio de
uma representação ideacional de caráter classicatório do tipo objeto-atributos,
muitas vezes em esquema de árvore” ou classicação (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006). No caso do anúncio analisado, os objetos representados – ou participantes,
como a GDV denomina – são tanto as partes verbais quanto o o de água, o cofre,
o peixinho. No texto da campanha publicitária há dois vetores: um verbal, que
estabelece um direcionamento entre leitor e autor; e um visual, que estabelece
um vetor no qual a ação de poupar é representada simbolicamente pelo despejo
9 “Why this rather unwieldy term ‘metafunction?’We could have called them simply ‘functions’; 
however, there is a long tradition of talking about the functions of language in contexts where ‘func-
tion’ simply means purpose or way of using language, and has no signicance for the analysis of 
language itself (cf. Halliday and Hasan, 1985: Chapter 1; Martin, 1990). But the systemic analysis
shows that functionality is intrinsic to language: that is to say, the entire architecture of language is 
arranged along functional lines. Language is as it is because of the functions in which it has evolved 
in the human species. The term ‘metafunction’was adopted to suggest that function was an integral 
component within the overall theory” (HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004, p. 30-31).
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de água no cofre e mostra a relação entre os dois participantes do texto, cofre/
peixinho e o de água.
Mas também pensamos que o modo de representar o mundo aqui, o mun-
do da ameaça de escassez de água, aparece numa redução a poucos elementos
visuais e verbais. A situação comunicativa do anúncio obriga seus criadores a
apresentar seu propósito e sua argumentação por meio de poucos recursos vi-
suais, que dispõem de apenas uma página e têm de “sgar” o leitor primeiro
pela imagem e depois pelas palavras. Essa representação do mundo é ao mesmo
tempo naturalista e simbólica. As imagens do peixe e do cofre-aquário, bem como
a representação da água, são bastante realistas e provavelmente derivadas da
manipulação de fotos pré-existentes (algo comum em anúncios modernos). Em
se tratando dessa metafunção ideacional, a forma escolhida de representação
dos objetos-participantes do anúncio, colocados sobre um fundo azul-claro, e
seu realismo fotográco intensicam a persuasão obtida pelo desejo de criar um
olhar empático no leitor. O brilho da água e do peixinho, o formato arredondado
do porquinho, a transparência agradável da água, com reexos luminosos: tudo
isso cria uma atmosfera de limpeza e frescor, quase tátil. A representação do
mundo também opera simbolicamente, visto que o peixe simboliza a vida frágil
e bela a ser preservada, enquanto o cofre emula a atitude responsável e (quase)
carinhosa do leitor de depositar água para que o peixe sobreviva – jogar água num
objeto que é, ao mesmo tempo, uma espécie de aquário-cofre ou cofre-aquário,
que preserva e poupa o recurso frágil e escasso que é a água potável.
A metafunção interpessoal, por sua vez, mostra como a linguagem – verbal
ou visual – projeta as relações entre os interlocutores ou emissores-receptores
dos signos. Qualquer modo semiótico deve ser capaz de representar uma relação
social particular entre o produtor, o espectador e o objeto representado. A
expressão “relação social” é um termo usado pelo criador da linguística sistêmico-
funcional, Halliday(2004), quanto por Gunther Kress(2006), mas tem um sentido
propositalmente amplo para abarcar relações econômicas, político-culturais,
entre outras. A expressão de hierarquia na linguagem verbal é bastante conhecida:
hierarquias de status social, gênero e idade são presentes em muitas línguas,
mas as metafunções interpessoais também podem ser tratadas em signos ou
linguagens não verbais. É preciso lembrar que essa função está intimamente
ligada às outras, isto é, os mesmos elementos ou signos apresentam caráter
multifuncional, pois desempenham ao simultaneamente essas três metafunções.
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Assim, no anúncio que viemos comentando, a função interpessoal se realiza
de modo mais evidente pelo entrelace entre o verbal e o visual, característico
de gênero discursivo. A parte verbal, com os verbos no modo imperativo e na
segunda pessoa do singular, instancia dois lugares sociais: o de quem tem o
direito de sugerir/ordenar e o daquele que deve obedecer. Evidentemente, para
ter ecácia, o dever de poupar água, que a prefeitura deseja reforçar para seus
cidadãos, deve ser “textualizadode forma especíca – e aí entramos na terceira
metafunção, a textual. Deixemos isso em suspenso para continuarmos a falar
da função interpessoal. A relação instituída pelos verbos no imperativo pode
denotar sugestão, pedido ou ordem, dependendo de como isso interpela o leitor
do anúncio. Isso mostra como a comunicação institucional pública atualmente
é atravessada tanto pelo discurso do dever cívico quanto pelos aspectos mais
emocionais associados ao universo da persuasão publicitária. A perspectiva
dos criadores do anúncio não é a dos políticos ou burocratas da prefeitura: a
linguagem mais ecaz, nesse caso, não é a da lei, da regra, do regulamento ou
das proibições. A publicidade é mais do que conhecida como uma arma política
importante, e sua linguagem e seu recurso põem e depõem políticos e políticas
no mundo todo. A criação de uma relação amistosa entre prefeitura e cidadãos-
eleitores é cuidadosamente trabalhada, misturando a rmeza verbal de um
imperativo e projetando uma imagem de autoridade necessária aos governantes,
mas amenizada pelo caráter suave e agradável da imagem, assim como pela
ternura e tranquilidade associadas ao porquinho e ao peixinho-dourado.
Por m, a metafunção textual é aquela que corresponde ao aspecto compo-
sicional, ao modo como a mensagem é estruturada. Essa função é extremamente
importante e quase sempre relegada a notas de rodapé em comentários, inter-
pretações ou tarefas escolares que lidam com textos multimodais ou multisse-
mióticos. A coerência interna e externa desses elementos composicionais são o
que Kress e van Leeuwen (2006) chamam mais especicamente de gramática
visual”, mesmo que as outras funções também façam parte dela. A metafunção
textual é muito importante porque dela dependem as outras duas:
O que isso signica é que (1) toda mensagem é sobre algo e se dirige a alguém, e (2) es-
ses dois motivos podem ser combinados livremente – em geral, eles não se restringem.
Mas a gramática também apresenta um terceiro componente, outro modo de signi-
cação que se relaciona com a construção do texto. Num certo sentido, isto pode ser
considerado uma função capacitadora ou facilitadora, uma vez que ambas as outras
– construir a experiência e encenar relações interpessoais – dependem da capacida-
de de construir sequências de discurso, organizar o uxo discursivo e criar coesão e
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continuidade à medida que este avança. . Isso também aparece como um motivo cla-
ramente delineado na gramática. Chamamos isso de metafunção textual (HALLIDAY;
MATHIESSEN, 2004, p. 30).
Se cada imagem é sobre alguma coisa e feita para alguém, o modo como
podemos combinar esses dois elementos depende de estruturas gramaticais
que possibilitem essas variações. O caso de nosso anúncio é muito eloquente
a esse respeito. Primeiramente temos de ter em mente que os criadores do
anúncio tinham várias diretrizes gerais para quaisquer anúncios publicitários,
independentemente do tema, do público ou de quem os encomenda: espera-
se “vender” a ideia ou o produto unindo recursos visuais e verbais. Mesmo que
não houvesse guras representadas, o tamanho, o formato, a cor das letras e do
fundo são visuais não apenas verbais e inuenciariam fortemente a ecácia
comunicativa. Também o veículo onde circulará o anúncio delimita o tempo e o
tipo de atenção do leitor, o que introduz critérios como clareza, detalhe, dimensão
das guras, posição do texto e das imagens, e outros tantos. As ferramentas
de produção e manipulação de imagem, como o offset e o uso de softwares
de edição de imagem, representaram uma grande revolução para a linguagem
publicitária, oferecendo uma liberdade quase innita na criação de imagens para
a publicidade. Assim, em termos metafuncionais textuais, o anúncio publicitário
é uma mistura muito bem elaborada de recursos visuais e verbais que não param
de se transformar, pois absorvem toda sorte de recursos técnicos disponíveis.
Mas e quanto ao seu objetivo fundamental, que é o de tornar conhecidos
ao público produtos ou ideias, com vistas a persuadi-lo a “comprá-los”? As
estratégias em geral são as de apelo ao emotivo, de identicação com guras
admiradas consumindo, de idealização do produto, de simplicação tanto dos
fatos quanto das ideias… Tudo isso e muitos outros elementos que os estudiosos
da comunicação vêm tratando há tempos. Todos esses recursos são colocados
à disposição tanto de grandes grupos econômicos quanto de governos, o que faz
com que o letramento visual se torne um importante elemento de emancipação
de grupos subalternizados. No anúncio analisado, a textualização simplicadora
do problema da escassez de água está de acordo com a lógica discursiva
da publicidade: aparar arestas, aspectos desagradáveis ou complexos dos
problemas e criar uma comunicação o mais intuitiva e rápida possível, por meio
de imagens de grande impacto emocional, com apelo mais a sentimentos que ao
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raciocínio.
Hoje existe já algum senso de urgência redobrada a respeito dessas
estratégias textuais usadas pela publicidade, que têm de se reinventar para
dar conta de demandas novas, como a da representação não preconceituosa
de grupos tradicionalmente invisibilizados ou estereotipados pelo discurso da
propaganda. Graças à luta por representação é que hoje vemos mais negros,
pardos, indígenas, pessoas com deciência e velhos retratados de formas mais
justas ou complexas em anúncios. Assim também questões como a idealização
corporal proposta em vários anúncios de produtos relacionados a alimentação,
vestuário, saúde e outros, que passam por um escrutínio crítico do público
sobre a criação de padrões inalcançáveis e pouco representativos de corpos.
As estratégias publicitárias tornadas obsoletas veem cedendo espaço a outros
discursos, como o da multiculturalidade e da inclusão, para que as empresas
não sejam rejeitadas pelos consumidores. No entanto, o recurso ao visual e
ao instantâneo irá permanecer, bem como a simplicação, o uso do humor e o
escapismo consumista se darão em novas formas.
Considerações finais
De que modo professores de língua portuguesa podem usar as ferramentas
da GDV, como o conceito de metafunções, para criar rotinas ou métodos de
interpretação que ultrapassem a leitura caso a caso ou o aspecto intuitivo de
cada lição? Se observarmos bem, as três metafunções acabam por percorrer os
elementos a serem trabalhados numa perspectiva de letramento proposta pelos
documentos sociais. As metafunções ideacional e interativa (ou interpessoal)
estão em consonância com as perspectivas de enunciação e discurso: assim
como nessas metafunções, um leitor-produtor prociente em vários modos
semióticos deverá ser capaz de utilizar os recursos dessas linguagens para
representar o mundo e criar uma imagem de si e do outro para atingir seus
objetivos comunicacionais. Para isso, precisa saber qual papel social representa
em determinada situação/interação (função interativa), além de ser capaz
de elaborar uma imagem de seu interlocutor, sua posição ideológica, seu
conhecimento e suas expectativas (funções interativa e ideacional). Ele precisa,
ainda, levar em conta como irá representar o mundo para esse interlocutor
(função ideacional) e, para tanto, deve estar a par dos recursos linguísticos-
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semióticos (a composição, a estrutura textual ou metafunção textual). A BNCC
explicita essa integração dos três aspectos, a saber, a leitura e a produção que
devem ser articuladas pela análise linguística-semiótica.
Estamos conscientes de que o percurso aqui percorrido é provisório
e aprofundamentos sobre muitos conceitos da GDV seriam necessários.
No entanto, consideramos tratar-se apenas de uma primeira tentativa de
aproximação com as possibilidades interpretativas da GDV para o contexto do
ensino em língua portuguesa. Em trabalhos subsequentes, iremos nos deter em
elementos mais especícos e ferramentas de leitura dessa teoria que podem
enriquecer o trabalho com a multissemiose nos contextos escolares. Quando se
trata de leitura de imagem como ferramenta de ensino aprendizagem de gêneros
multissemióticos, o desao é encontrar, entre as teorias disponíveis, aquelas
mais anadas com a nossa realidade – desao que estamos apenas começando
a enfrentar.
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