ARTIGOS LIVRES
10 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
RAÇA COMO TECNOLOGIA: APONTAMENTOS BÁSICOS SOBRE RAÇA, RACISMO
ESTRUTURAL E INTERSECCIONALIDADE
RACE AS TECHNOLOGY: BASIC NOTES ON RACE, STRUCTURAL RACISM, AND
INTERSECTIONALITY
hps://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21195
Roger Luiz Pereira da Silva
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
rogerluizsilva98@gmail.com
https://orcid.org/0009-0007-6255-4163
Marinês Ribeiro dos Santos
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
hps://orcid.org/0000-0002-9925-9949
ribeiro@utfpr.edu.br
Recebido em 22 de abril 2024
Aprovado em 02 de junho de 2024
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo
discorrer como o racismo está posto na
sociedade brasileira, partindo da ideia de que
raça é uma tecnologia, isto é, raça é uma
mediação social que ordena e produz técnicas e
sentidos práticos que estruturam uma cultura.
Como procedimento metodológico, foi realizado
uma revisão bibliográca acerca das denições
de raça, racismo estrutural e interseccionalidade
alicerçados em dados históricos e dados
estatísticos retirados de pesquisas realizadas
durante a pandemia do covid-19 pelas revistas
NEXO, Gênero Número e o Informativo de
Desigualdade Racial publicado pelo núcleo
de Pesquisa AFRO. A escolha por privilegiar
as pautas interseccionais advindas das lutas
do Movimento Negro Antirracista se dá na
importância de entender como as estratégias
de combate ao racismo estrutural estão sendo
desenvolvida no campo das ciências, tecnologia
e sociedade.
Palabras Clave: Raça, racismo estrutural,
interseccionalidade.
ABSTRACT: This work aims to discuss how
racism is present in Brazilian society, starting
from the idea that race is a technology, meaning
that race is a social mediation that orders and
produces practical techniques and meanings
that structure a culture. As a methodological
procedure, a bibliographic review was carried
out on the denitions of race, structural
racism, and intersectionality based on historical
data and statistical data taken from research
conducted during the COVID-19 pandemic
by the journals NEXO, Gênero Número, and
the Racial Inequality Newsletter published
by the AFRO Research Center. The choice to
privilege intersectional agendas arising from the
struggles of the Anti-Racist Black Movement is
important in understanding how strategies to
combat structural racism are being developed
in the elds of science, technology, and society.
Key words: Race, Racism, intersectional.
ARTIGOS LIVRES
11 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Tecnologia é quando você consegue sintetizar uma lógica para
viver, para facilitar determinada coisa… Uma tecnologia de so-
brevivência é quando você encontra formas e meios de se manter
vivo em um lugar que pensa na sua morte o tempo todo. Quando
eu falo sobre isso, eu tô determinando de onde eu venho, onde eu
vivo e qual é minha realidade. Então por que eu preciso de uma
tecnologia de sobrevivência? Por que eu vivo em um país que a
cada 23 minutos mata um jovem negro. Eu preciso de uma tecno-
logia de sobrevivência porque eu vivo em um país que mais mata
a população LGBTQ no mundo…
Bia Ferreira
Introdução
Em uma entrevista para o evento online brasileiro “O Futuro é Preto:
Afrofuturismo1, a artista e escritora afrofuturista estadunidense Ytasha Womack
armou que “Race is a technology” (raça é uma tecnologia, em livre tradução),
relatando como a branquitude se apropria de meios técnicos para a tentativa de
consolidação das opressões de raça na cultura ocidental. No contexto brasileiro,
pessoas negras são constituídas a partir dessa tecnologia que visa marcá-las e
demarcá-las socialmente em posições de subalternidade.
O Movimento Negro Antirracista, para Nilma Lino Gomes (2017, p. 23), é
composto pelas “mais diversas formas de organização e articulação das negras
e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam
à superação desse perverso fenômeno na sociedade”. O Movimento Negro
Antirracista é um movimento social que ressignica a ideia de raça, politizando-
a e tornando-a armativa enquanto potência de emancipação, ao mesmo tempo
que denúncia o caráter regulador e opressor em torno da mesma. No seu papel
denunciativo e crítico, essa articulação emancipatória indaga a história do
Brasil construindo narrativas e instrumentos teóricos, políticos e analíticos para
explicar o racismo brasileiro e como ele opera na vida cotidiana das pessoas
negras. Ativistas deste movimento trabalham para desvelar as construções de
poder pautadas na raça, rompendo visões distorcidas e naturalizadas sobre o
corpo negro, sobre a história e cultura da comunidade negra, retirando pessoas
negras da suposta inferioridade racial (GOMES, 2017).
1 Evento que ocorreu na plataforma Youtube no dia 19 de Junho de 2020, em que prossionais ne-
gros(as), debateram sobre as temáticas afrofuturistas em diversas áreas do conhecimento. Ver em
<https://www.youtube.com/watch?v=b912jgriot8&t=10972s>. Acesso em 16 de mar. de 2022;
ARTIGOS LIVRES
12 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Existem várias formas de organização do Movimento Negro Antirracista, al-
gumas delas são comunidades tradicionais (comunidades quilombolas), mobili-
zação política (criação de políticas públicas), protestos antirracistas (passeatas
em repúdio e denúncia as violências racistas cotidianas), produções artísticas
(música, cinema, artes plásticas, artes digitais, dança, teatro poesia), literárias
(romances afros, livros sobre raça e racismo), religiosas (terreiros), recreativas
(como clubes e bailes de cultura negra), acadêmica (textos, seminários, coletivos
que debatem sobre raça e racismo) e assistenciais (ONGS e organização de base
para comunidades periféricas).
Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre como o racismo opera na
sociedade brasileira, partindo da ideia de que raça é uma tecnologia, isto é, raça
é uma mediação social que ordena e produz técnicas e sentidos práticos que
estruturam uma cultura. Para isso, recorre-se a Silvio Almeida, bell hooks e Frantz
Fanon para entendermos teoricamente os conceitos de raça e racismo estrutural.
Para entender o conceito de Interseccionalidade, trabalhos das autoras Joice
Berth e Carla Akotirene são utilizados como aporte teórico. Para compreender
como estes conceitos estão efetivados nas relações sociais e culturais foram
analisadas pesquisas divulgadas pelas revistas NEXO, Gênero Número e o
Informativo de Desigualdade Racial publicado pelo núcleo de Pesquisa AFRO.
O racismo se estrutura por meio da tecnologia chamada raça
O signicado do termo raça está atrelado ao caráter classicatório entre
seres vivos e em meados do século XVI passa a ser utilizado para a distinção de
seres humanos (ALMEIDA, 2020). A ideia de raça se modica de acordo com os
contextos de uso, se tornando um termo não xo, sofrendo alterações depen-
dendo de seu recorte histórico. A partir do século XVIII, a noção de raça é tomada
como verdade biológica no ocidente. Enquanto marcador classicatório de seres
humanos, raça serve como métrica de diferenciação pautada em supostos atri-
butos biológicos que se manifestariam em características físicas morfológicas e
étnico-culturais. Esta distinção inscreve valores e julgamentos sociais que mar-
cam grupos que possuem características em comum em comparação a outros.
Deste modo, raça categoriza e dá nome a corpos que formam o que entendemos
no contexto brasileiro enquanto negros, brancos, indígenas, amarelos (GOMES,
2005), tornando-se um registro social da diferença.
ARTIGOS LIVRES
13 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Além de registro social da diferença, raça serve como categoria de hierarqui-
zação de corpos racializados. Corpos brancos são denidos enquanto superiori-
dade e padrão cultural, em relação aos corpos não brancos. É por esse proces-
so de hierarquização que se constitui a branquitude. Entende-se a branquitude
como uma estrutura de poder pautada na ideia da superioridade da identidade
racial branca e que opera no sentido de conferir vantagens para este grupo social
nas esferas culturais, políticas e econômicas (GOMES, 2017). A branquitude é uma
construção discursiva de uma superioridade racial que produz efeitos concretos
nas relações sociais (VAINER, 2022). Na branquitude, a ideia de raça está atrelada
ao pensamento de que características morfológicas estão naturalmente relacio-
nadas com hierarquias acerca de atributos de ordem moral, intelectual e estéti-
ca. Tais hierarquias sustentam, por exemplo, a crença de que homens brancos
são propícios a serem líderes e racionais (VAINER, 2022; ALMEIDA; 2020). Isto é,
pela predenição que os consideram brancos, esses corpos já carregam valores
tomados como positivos socialmente.
A branquitude visa conferir privilégios aos corpos brancos, tomando estes
como padrões exemplares, ao mesmo tempo que, no contexto brasileiro, povos
indígenas e negros são estigmatizados e tidos como antagônicos aos seus valo-
res. A dominação branca se constitui mediante a atribuição de vantagens e privi-
légios políticos, econômicos, culturais e afetivos. Deste modo, a branquitude se
torna mecanismo hegemônico, ou seja, um modo de dominação que é exercido
não apenas pelo poder bruto, mas também por mediações e consensos ideológi-
cos (ALMEIDA, 2020).
Quando Ytasha Womack armou que
“Race is a technology”
(raça é uma
tecnologia, em livre tradução), relatando como a branquitude se apropria de
meios técnicos para a tentativa de consolidação das opressões de raça na
cultura ocidental, ela associa esta percepção com a ideia de que a tecnologia
é entendida como uma mediação social (CHUN, 2009). Enquanto mediação, a
tecnologia não produz neutralidade (FEENBERG, 1991), uma vez que quem possui
seu domínio, tem como nalidade utilizá-la visando resultados especícos e
muitas vezes em vantagem própria. Quando um grupo detém majoritariamente
a produção de tecnologias como estratégia de efetivar a sua centralidade e seu
controle sobre corpos e culturas, se criam opressões e desigualdades. Sobre
isso, Feenberg (1991, p. 106) elucida que: A tecnologia é uma das principais fontes
de poder público nas sociedades modernas. Em relação às decisões que afetam
ARTIGOS LIVRES
14 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
nosso dia-a-dia, a democracia política é inteiramente obscurecida pelo enorme
poder exercido pelos senhores dos sistemas técnicos”2.
Para Winner (1986), tecnologias são processos sociais contínuos, em que
são entrelaçados padrões de poderes econômicos e políticos e percebidos como
estruturantes do cotidiano social, criando assim uma ordem que inuencia e es-
tabelece parâmetros que perduram a longo prazo. A ideia de raça foi concebida
para estabelecer uma ordem social imposta pela branquitude. Para Wendy Hui
Kyong Chun (2009), focar a raça como tecnologia, como mediação, nos permite
ver a continuidade da função da raça que nunca foi simplesmente biológica ou
cultural, mas sim um meio pelo qual ambos são estabelecidos e negociados.
Na história do Brasil, os meios técnicos e os meios de produção foram
construídos a partir das mescla de tecnologias realocadas do continente europeu
com as tecnologias trazidas pelos africanos escravizados (CUNHA JUNIOR,
2010). Muito se fala da contribuição do trabalho dito braçal feito pelos negros
escravizados no Brasil Colônia e Brasil Império, como forma de efetivação da
suposta predisposição de tais corpos para essa nalidade de trabalho, porém é
pouco explicitado como o conhecimento técnico e cientíco (a força pensante)
dessas pessoas foram importantes para a sociedade brasileira (CUNHA JUNIOR,
2010). Por meio de diversos aprimoramentos advindos a mais de 4000 anos antes
da era cristã, das civilizações da antiguidade da região do vale do Rio Nilo, na região
do vale do Rio Níger (onde localiza-se Gana, Mali e Songai) os meios técnicos do
Brasil foram inuenciados diretamente por essas heterogêneas culturas (CUNHA
JUNIOR, 2010).
Existiram a contribuição dos saberes farmacológicos advindos dos africa-
nos escravizados, tais como utilização da arruda para tratamento de infecções
transmitidas pelos insetos, o café ser uma planta advinda da Etiópia, são exem-
plos de técnicas africanas ainda presentes no cotidiano brasileiro. Isso faz en-
tender que a mão de obra africana o Brasil foi em parte um conjunto de trabalha-
dores com formação prossional esmerada e com especializações importantes
para a economia da época em diversas áreas de ofícios” (CUNHA JUNIOR, 2010,
p. 20). Esses procedimentos técnicos são invisibilizados até na contemporanei-
2 Tradução livre do texto: “Technology is one of the major sources of public power in modern so-
cieties. So far as decisions aecting our daily lives are concerned, political democracy is largely
overshadowed by the enormous power wielded by the masters of technical systems” (FEENBERG,
1991, p. 301).
ARTIGOS LIVRES
15 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
dade, pela ideia racista que não identica o continente africano anterior a sua
exploração.
Mas, a partir da apropriação das técnicas africanas, a branquitude produziu
e produz a raça am de efetivar e justicar as tomadas dessas técnicas em prol
do benefício próprio, podendo se favorecer em vários âmbitos sociais, como por
exemplo a economia fomentada pela produção do café. E por meio dos valores e
parâmetros criados pela branquitude, esta se apoderou das técnicas africanas
pelo discurso de civilizar e melhorar tais métodos advindos das sociedades su-
postamente inferiores, demarcando assim quem detém o controle de todos os
processos tecnológicos.
A raça enquanto tecnologia medeia sistemas de opressão, que entendemos
por racismo estrutural. Este sistema articula preconceitos, discriminações e vio-
lências que sustentam uma estrutura de poder pautada na raça como elemento
constitutivo dos sujeitos. Isto é, a marcação racial, ou racialização, produz cor-
pos carregados de valores, funções e posições sociais pré-denidas. Sendo as-
sim, é preciso entender o racismo não como atos individuais, mas sim como uma
complexa estrutura social que organiza o exercício do poder, criando vantagens
sociais para certos grupos em detrimento de outros (ALMEIDA, 2020). Os grupos
subalternizados cam sujeitos a processos de vulnerabilidade que os colocam
em múltiplas situações de desvantagem, uma vez que a estrutura do racismo
está construída na articulação entre três relações:
· as econômicas;
· as políticas/institucionais;
· e as ideológicas.
Racismo econômico
Por economia é entendido como a sociedade se organiza para produzir
as condições materiais necessárias para a sua continuidade (ALMEIDA, 2020).
Enquanto constructo do racismo, a economia se pela desigualdade. A
desigualdade é um fenômeno social que é mensurado de forma relacional, ela
se a partir de uma relação entre pessoas ou conjunto de pessoas na qual a
interação gera mais vantagens para um dos lados (LIMA, MILANEZI, et. al.,
2020). Pessoas negras são economicamente mais desfavorecidas que pessoas
brancas, isso torna sua mobilidade social mais precária. Uma das explicações
ARTIGOS LIVRES
16 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
acerca de como a desigualdade econômica está associada ao racismo, parte
das heranças escravocratas nas estruturas sociais contemporâneas (ALMEIDA,
2020). Por mais que tenha ocorrido o m ocial dos regimes escravistas, ainda
resquícios dos padrões mentais e institucionais que permearam e permeiam
as relações econômicas e sociais, uma vez que não existiram políticas públicas
de distribuição de renda e direitos básicos para as pessoas negras e suas famílias
ex-escravizadas no período posterior à abolição da escravatura. Mas é pertinente
compreender que existe uma atualização dessas opressões de raça, para que não
se possa idealizar o racismo enquanto problema do passado.
Percebe-se que, na contemporaneidade, o racismo econômico faz com que
os marcadores subalternizados de raça, gênero e classe sejam vistos como fatores
não desvinculados, como podemos ver nos seguintes dados da desigualdade.
Pesquisas apresentam as informações de como a pandemia de Covid-19 teve
impacto direto na desigualdade racial econômica no Brasil. Desde o primeiro
caso da doença causada pelo coronavírus no país, ocialmente divulgado em
fevereiro de 2020, iniciou-se uma crise sanitária, social e política (LIMA, et. al.,
2020). Em uma pesquisa sobre A desigualdade racial e de gênero no mercado
de trabalho no Brasil3 realizada no segundo trimestre de 2020 pela plataforma
acadêmico-jornalística NEXO políticas públicas, foi diagnosticado que no Brasil,
homens brancos possuíam os maiores salários, seguido por mulheres brancas,
enquanto mulheres negras têm os mais baixos índices de rendimento salarial no
país. Na questão sobre desemprego, a pesquisa mostra que mulheres negras são
as mais afetadas, possuindo uma taxa de 18,2%, sendo que a média geral é de
13,3%. Homens negros possuem 14% e mulheres brancas e homens brancos são
os menos afetados pelo desemprego segundo a pesquisa. Veja os grácos 1 e 2:
3 Ver em https://pp.nexojornal.com.br/Dados/2021/02/11/A-desigualdade-racial-e-de-g%C3%AA-
nero-no-mercado-de-trabalho-no-Brasil. Acesso em 06 de Jun. de 2022.
ARTIGOS LIVRES
17 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Gráco 1 - Rendimento médio mensal considerando gênero e cor/raça no Brasil no primeiro trimestre de 2020
Fonte: NEXO
Gráco 2: Taxa de desocupação considerando gênero e cor/raça no Brasil no primeiro trimestre
de 2020
Fonte: Nexo
Após reivindicações de organizações do Movimento Negro Antirracista
brasileiro, o Ministério da Saúde começou a colocar os marcadores de raça
enquanto elementos de base de dados sobre a pandemia do Covid-19. Antes disso
ARTIGOS LIVRES
18 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
essas informações não eram levantadas (LIMA, et. al, 2020; BERTOLDO, 2020).
Nas pesquisas realizadas em abril de 2020 foi levantado que a doença é mais
letal para pessoas negras, que representam 1 em cada 4 brasileiros internados
com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,9%), chegam a 1 em cada 3 entre os
mortos (34,3%) e são o único grupo racial que tem a taxa de mortalidade (34,3%)
maior do que internação (23,9%) (BERTOLDO, XAVIER, 2020).
Como consequência do racismo de classe ou racismo econômico, o acesso à
saúde é um problema que pessoas negras enfrentam no contexto brasileiro. Se-
gundo o informativo publicado em outubro de 2020 pelo Afro Núcleo de Pesquisa
e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial, pessoas negras são o grupo que
mais sofre de doenças associadas a diabetes, tuberculose, hipertensão e doen-
ças renais crônicas no país, doenças essas consideradas agravantes da Covid-19
(LIMA, MILANEZI, et. al., 2020). A população negra é o grupo que vive em locais
com pior acesso aos serviços públicos, sofre com a precariedades de mobilidade
urbana, acesso a hospitais e postos de saúde (LIMA, et. al., 2020). Assim, a pan-
demia não se restringe apenas à esfera da saúde, ela perpassa pelos problemas
de território, trabalho, renda e educação, sendo uma ferramenta de produção e
reprodução de desigualdade racial. Em questão de mortalidade foram os corpos
negros que foram mais atingidos pela covid-19 (BERTOLDO, XAVIER, 2020).
Racismo Político/Institucional
No aspecto político/institucional do racismo, entende-se que o Estado é
uma forma política que alimenta e reproduz a divisão de grupos e pessoas por
meio das estruturas estatais. O Estado é a relação material da força (ALMEIDA,
2020) isto é, ele é construído pela institucionalização e a centralização do
poder de uma sociedade. O Estado é um elemento fundamental para reproduzir
comportamentos sociais racistas, pois ele institucionaliza todos os parâmetros
da vida social, inclusive o racismo.
As instituições o formadas para orientar, rotinizar e coordenar
comportamentos sociais que estabilizam as sociedades, ou seja, estabelecem
normas e padrões que orientam os indivíduos. O grupo social que domina as
instituições é um exemplo prático dos efeitos do racismo institucional brasileiro.
Homens brancos possuem o domínio sobre as instituições públicas, tais como
ARTIGOS LIVRES
19 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
cargos de poder nos legislativos, nos judiciários, nos ministérios públicos e nas
reitorias de universidades (ALMEIDA, 2020). Esse cenário mostra quais corpos
são ou não aceitos nas instituições e para quem elas são formadas.
Vejamos como exemplo as instituições educacionais. Estudos mostram
como a educação tem um papel crucial na mobilidade social. Porém,
enquanto ferramenta estrutural do racismo, a educação se torna produtora de
desigualdades (VENTURINI, et. al, 2020). Assim, racismo econômico e racismo
político/institucional se interrelacionam. No caso da presença de pessoas negras
enquanto estudantes nas instituições educacionais do ensino superior, tais como
universidades públicas, historicamente esses corpos eram excluídos, uma vez
que, as vagas dos cursos mais disputados eram preenchidas majoritariamente
por estudantes brancos oriundos de escolas de ensino fundamental e médio da
rede privada (VENTURINI, et. al, 2020). Após a implantação de ações armativas,
como as cotas raciais para adesão de estudantes pretos, pardos e indígenas nas
universidades públicas brasileiras, houve um aumento signicativo de pessoas
negras nas universidades. No entanto, esse aumento se deu de forma desigual,
havendo uma maior participação desse grupo em áreas como Humanidades
e Ciências Sociais Aplicadas em comparação as outras áreas, como Ciências
Exatas e Ciências da Natureza (VENTURINI, et. al, 2020).
A política de cotas para ingresso de estudantes oriundos de escola pública,
inicialmente foi instaurada em 2002 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e a Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) (GUIMARÃES, ZELAYA, 2021). Desde então, organizações
ligadas ao Movimento Negro Antirracista brasileiro fomentaram a discussão sobre
a implantação desta política a partir do recorte racial, uma vez que, pessoas pretas,
pardas e indígenas são as que menos ingressam nas universidades públicas do
país. Dez anos depois, em 2012 no governo de Dilma Rousseff, foram colocadas
como lei federal as políticas de cotas raciais e cotas para estudantes de escola
públicas do ensino médio (GUIMARÃES, ZELAYA, 2021). Alguns resultados dessa
ação armativa reverberam positivamente, uma vez que, segundo os dados da
Associação de Reitores de Instituições Federais (Andife), o acesso de negros e
pardos ao ensino superior público passou de 34,4% em 2003, 47,6% em 2014 e
em 2018 foi para 50,3% (GUIMARÃES, ZELAYA, 2021).
Deste modo, entende-se que as políticas de cotas raciais são uma
estratégia de combate ao racismo político/institucional que não têm a nalidade
ARTIGOS LIVRES
20 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
de demonstrar qual grupo racial possui uma suposta capacidade intelectual
em adentrar em uma universidade. As cotas têm como objetivo reconhecer e
combater as desigualdades construídas historicamente pelos marcadores de raça
e classe que dicultam as oportunidades para corpos negros, pardos e indígenas
ocuparem espaços que são de direitos básicos. Elas visam reparar a forma de
como o Estado historicamente produziu racismo e exclusão nos processos de
escolarização nas universidades públicas.
Além de exclusões de pessoas negras no âmbito acadêmico, o racismo
institucional utiliza o discurso academicista como produtor de poder da
branquitude. A ciência, produto da academia, possibilita criar discursos de
autoridade, que muitas vezes são incontestáveis. Pelo caráter restritivo de quem
produz e consome, essa restrição acontece o por questões de capacidade,
mas sim por questão de hegemonia (ALMEIDA, 2020). É formado uma ordem de
validação do conhecimento que dita “a verdade” que é controlada por pessoas
brancas para pessoas brancas, gerando assim a autopreservação do discurso
feito pela branquitude acadêmica.
Por meio da “verdade cientíca” a academia classicou, hierarquizou e no
caso de conhecimentos advindos da cultura negra desvalidou práticas de saberes
africanas e afro brasileiras. Assim, outras formas de conhecimento que não
combinem com as diretrizes academicistas da branquitude não são reconhecidas
enquanto constructo de saberes. Portanto, a ciência não é, um simples estudo
apolítico da verdade, mas a reprodução de relações raciais de poder que ditam o
que deve ser considerado verdadeiro” (KILOMBA, 2019, p.53). Com isso, entende-
se a academia como um espaço de violência simbólica.
Porém, a universidade pode ser um espaço de disputa de discursos, uma
vez que, intelectuais ativistas do Movimento Negro Antirracista reivindicam
o poder de fala sobre os discursos produzidos pela academia. Grada Kilomba
(2019) salienta que o discurso da negritude acadêmica surge para transgredir a
linguagem academicista clássica, como uma forma de produção emancipatória
alternativa, que congura o conhecimento e transforma o poder em prol da
abertura de novos espaços da teorização e da prática.
Na pandemia de Covid-19, o racismo político/institucional se intensicou
por meio das desigualdades presentes nas diferentes condições entres as
escolas públicas e as escolas privadas do ensino básico, fundamental e superior;
as expressivas desigualdades regionais no território nacional; assim como nas
ARTIGOS LIVRES
21 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
estruturas domiciliares e de acesso a equipamentos que viabilizem o ensino
remoto (VENTURINI, et. al, 2020). Nas instituições básicas, negros e pardos são
os grupos que mais compõe o corpo discente, e por conta das medidas repentinas
causadas pela pandemia as escolas públicas em primeiro momento decidiram
suspender as atividades e depois houve uma adaptação do ensino remoto,
com enfrentamento de diculdades de infraestrutura tanto dos professores
quanto dos alunos (VENTURINI, et. al, 2020). Com o cenário das adaptações
voltadas ao ensino remoto, recorreu-se à utilização de computadores, celulares,
demandando acesso à internet e espaço domiciliar adequado para presenciar as
aulas remotamente. Com isso, foi percebido que o acesso a esses recursos não é
democraticamente obtido por todos os alunos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada
em 2019, 16% dos estudantes nos níveis de escolaridade da alfabetização e do
ensino fundamental público não possuem acesso à internet e em ambos os níveis
de escolaridade, a proporção de estudantes negros sem acesso à internet é maior
do que a de brancos (VENTURINI, et. al, 2020). Nas regiões do Norte e Nordeste,
onde existe a maior concentração de pessoas negras no país, a proporção de
pessoas sem acesso à internet é três vezes maior do que as de pessoas da região
do Sudeste, Sul e Centro-Oeste (VENTURINI, et. al, 2020). Esses dados mostram
que a estrutura educacional do Brasil não contempla de maneira igualitária todos
os alunos.
Racismo ideológico, Estereótipos e Imagens Racistas
Entender o racismo enquanto relação ideológica, é considerar a ideologia
enquanto uma prática, um processo de constituição de subjetividades de
indivíduos cujas consciências e afetos estão de algum modo conectados com as
práticas sociais (ALMEIDA, 2020). Uma pessoa não nasce negra ou branca, ela
assim se torna a partir da situação em que seu corpo é ligado a uma rede de sentidos
compartilhados coletivamente. O racismo, enquanto ideologia, consegue
perdurar porque produz um sistema de ideias que fornece uma explicação pseudo-
racional para a desigualdade racial, que consiste em naturalizar papéis sociais
subalternizados para pessoas negras. Neste processo constitui também, sujeitos
que não se sentem abalados diante da discriminação e da violência racial que é
ARTIGOS LIVRES
22 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
classicada como normal e natural a partir da branquitude (ALMEIDA, 2020). Isto
é, como ideologia, o racismo torna a violência contra pessoas negras a norma,
ao mesmo tempo que opera na constituição de afetos e interpretações que não
consideram tais agressões problemáticas, sejam elas simbólicas ou físicas. Para
que essa naturalização ideológica se estabeleça como majoritária, tais valores
precisam circular nas relações sociais. Logo, os meios de comunicação, as mídias
e os sistemas educacionais constituem espaços privilegiados por meio dos quais
o racismo opera na criação de um imaginário social que naturaliza estereótipos
raciais.
Entende-se os estereótipos como certo tipo de categorias simplicadoras
ou atalhos cognitivos que podem participar dos exercícios de poder (BIROLI,
2011). São dispositivos cognitivos facilitadores de acesso a novas informações,
pois permitem previsibilidade e equivalem a padrões que correspondem às
expectativas normativas. Consistem, portanto, em categorias que estabelecem
padrões de aproximação de valores e julgamentos, tendo caráter produtivo e de
naturalização (BIROLI, 2011). Isto é, os estereótipos são criados como uma forma
de reduzir, simplicar e naturalizar signicados em uma cultura. As mídias e os
meios de comunicação de massa são instituições que produzem estereótipos e
os colocam em circulação.
Segundo bell hooks (2018), é possível visualizar em revistas, programas
de televisão, lmes e fotograas, imagens de pessoas negras que reforçam
estereótipos que implicam opressões. Para a autora, as imagens podem
desempenhar um papel importante no controle do poder político e social
em relação a certos grupos. A relação entre indivíduos e o mundo é sempre
mediada por variados fatores, entre eles estão as imagens produzidas pela TV,
internet e páginas de revistas, entre outras mídias (BIROLI, 2011). Essas imagens
recorrentemente cristalizam certas convenções de linguagem, ligadas aos
regimes de representação historicamente constituídos, que foram consolidadas
nas próprias práticas prossionais envolvidas em suas produções.
No campo do design ou das artes grácas existem rotinas que favorecem a
naturalização de certas convenções visuais ligadas a estereótipo. Uma vez que
nas instituições de formalização e capacitação de tais prossionais, existe uma
certa recorrência a fórmulas e soluções já consagradas na busca por resultados
entendidos como ecazes. Nas produções de design gráco, pode-se identicar
convenções visuais institucionalizadas nas bibliograas dos cursos de design, nos
ARTIGOS LIVRES
23 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
bancos de imagens utilizados para criação de projetos grácos e em produções
historicamente utilizadas como referencial de projeto gráco. Nas práticas de
criação de imagens, as naturalizações de estereótipos estão ligadas à ausência de
reexão crítica acerca das rotinas de previsibilidade. Quando não questionadas,
tais rotinas tendem a ser incorporadas como um repertório compartilhado nas
formações de prossionais (BIROLI, 2011)4.
Por mais que a mídia e os meios de comunicação de massa sejam
propagadores de estereótipos, produzindo e reproduzindo imaginários
hegemônicos, existem alguns aspectos que complexicam as análises sobre a
relação entre estereótipos e mídias (BIROLI, 2011). A complexidade da relação
entre estereótipos e mídia decorre da grande variedade de narrativas veiculadas
que não são homogêneas na mídia dominante. Além disso, existem também
narrativas produzidas em sistemas alternativos de comunicação. Sendo assim,
os estereótipos não são capazes de dar sentido à totalidade das experiências
dos grupos sociais, pois existe um campo de disputas em que os discursos
alternativos utilizam de ssuras e contradições dos discursos dominantes para
produzirem novas formas de representação.
Mas como ressalta Biroli (2011), deve-se levar em conta, nos sistemas de
circulação, as assimetrias no alcance e nos pesos atribuídos às narrativas
hegemônicas e às narrativas alternativas (contranarrativas). O acesso à ampla
circulação e à legitimação das informações não são igualmente distribuídos,
favorecendo certas vozes sociais em detrimento de outras. Isso contribui
para a dinâmica que torna alguns grupos invisíveis e estereotipados, que a
invisibilidade está relacionada ao fato de que suas perspectivas sociais são
silenciadas” (BIROLI, 2011, p.79). No campo de disputas por representação, quem
detém os meios dominantes, tem o poder de divulgar ampla e positivamente seus
valores, enquanto marca negativamente outros grupos sociais.
Os grupos socialmente estigmatizados pelas imagens criadas pela cultura
4 A autora enfoca os estereótipos nas produções jornalísticas. Aqui ampliamos a discussão para as
produções de Design Gráco, que são utilizadas na criação de imagens que circulam nos meios de
comunicação. Tal aproximação é possível, uma vez que, assim como o jornalismo, o Design Gráco
é uma ferramenta de comunicação. Segundo Rudinei Kopp (2009), a primeira vez que o termo design
gráco foi utilizado por William Addison Dwiggins em 1922, foi para denir sua atuação enquanto
um trabalho de ordem visual para as formas de comunicação. Deste modo, entende-se o Design Grá-
coenquanto prática comunicativa, assim como o jornalismo.
ARTIGOS LIVRES
24 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
dominante, que carregam estereótipos de opressão, reivindicam e tornam a
imagem uma ferramenta de luta cultural (HALL, 2003). Desta luta cria-se um
campo de disputa que ocorre na complexidade entre resistir, recusar e denunciar
estereótipos que produzem violência contra estes corpos, que identicam que a
construção negativa da imagem tem uma motivação sociopolítica (BERTH, 2019).
Pessoas negras denunciam como alguns estereótipos são prejudiciais para as
culturas negras, quando carregados de valores e julgamentos de subalternização
de raça, gênero, sexualidade e classe.
Frantz Fanon (2020) ressalta como historicamente as imagens dos corpos
e das culturas negras foram estigmatizadas pelo olhar da branquitude. O autor
observa que:
Na Europa, o negro representa, seja concreta ou simbolicamente, o lado mau da per-
sonalidade. Enquanto não tivermos compreendido essa proposição, estaremos con-
denados a falar em vão sobre o “problema negro”. O negro, o obscuro, a sombra, as
trevas, a noite, os labirintos da terra, as profundezas abissais, denegrir a reputação
de alguém; e, do outro lado: o olhar claro da inocência, a pomba branca da paz, a luz
feérica, paradisíaca. Uma magníca criança loira, quanta paz nessa expressão, quan-
ta alegria e, acima de tudo, quanta esperança! Nada comparável com uma magníca
criança negra: literalmente, é algo insólito. Apesar de tudo, não haverei de revistar as
histórias dos anjos negros. Na Europa, ou seja, em todos os países civilizados e civili-
zadores, o negro simboliza o pecado. O arquétipo dos valores inferiores é representado
pelo negro. (FANON, 2020, p. 200)
Neste trecho, Fanon ressalta como, no ocidente, a branquitude utilizou da
dualidade entre branco/preto e bem/mal para construir marcadores racistas em
que o imaginário negativo se impregna no corpo negro. A dualidade construída
pela branquitude coloca valores socialmente positivados nas representações
das culturas eurocêntricas enquanto sinônimos de bom, bem, agradável, bonito,
maior e melhor, as referências às culturas africanas são entendidas enquanto
mal, ruim, desagradável, feio, menor e pior, causando efeitos de inferiorização,
homogeneização, invisibilização, objeticação, demonização e fatalização das
experiências negras. Deste modo, são naturalizados imaginários racistas que
não questionam estes valores (FANON, 2020). Os veículos de comunicação de
massa tendem a reproduzir esses imaginários mediante o trabalho imagético de
reiteração da inferioridade negra em favor da hipervalorização branca, enquanto
sinônimo de perfeição (BERTH, 2019).
Enquanto prática do racismo ideológico, as imagens presentes nos meios
ARTIGOS LIVRES
25 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
de comunicação dominados pela branquitude possuem um papel de controle so-
cial. Isto é, desde a escravização em diante, a branquitude utiliza a imagem como
uma das ferramentas centrais para a manutenção do racismo (HOOKS, 2018). Es-
sas imagens sustentam as noções de superioridade branca, mediante a subor-
dinação de corpos não branco (HOOKS, 2018). Imagens racistas são veiculadas
de forma massiva e constante pela mídia dominante, contribuindo para ocultar a
responsabilidade da branquitude em responder pelas violências contínuas liga-
das às múltiplas formas de explorações vivenciadas pelos povos negros (BUENO,
2019).
Deste modo, os meios de comunicação participam da criação de valores ra-
cistas sobre os corpos negros, produzindo opressões de raça, gênero, sexualida-
de e classe social. Tais corpos, aqui, se encontram enquanto carne carregada de
estereótipos e diculdades denidas pela branquitude. Quando circulam nos es-
paços embranquecidos vivenciam negações, incertezas e opressões corporais
pois é em sua corporeidade que o negro é atingido” (FANON, 2020, p. 177). Assim,
coexistindo com as imagens racistas, pessoas negras podem internalizar valores
deturpados sobre si mesmas, como sugere Silvio Almeida (2020, p. 65):
Após anos vendo telenovelas brasileiras, um indivíduo vai acabar se convencendo
de que mulheres negras têm uma vocação natural para o trabalho doméstico, que a
personalidade de homens negros oscila invariavelmente entre criminosos e pessoas
profundamente ingênuas, ou que homens brancos sempre têm personalidades
complexas e são líderes natos, meticulosos e racionais em suas ações.
As imagens presentes na história da televisão e das telenovelas brasileiras
majoritariamente propagam estereótipos de opressão contra as pessoas negras.
Segundo uma pesquisa realizada para o documentário A Negação do Brasil (2000)
de Joel Zito Araújo, em 75% dos papéis interpretados por atores negros, seus
personagens estavam atrelados a narrativas de submissão (FERREIRA, 2017). O
diretor do lme, ao ser entrevistado por Bruce Douglas (2015) para o jornal The
Guardian, armou que as imagens de pessoas negras presentes nas telenovelas
brasileiras estão ligadas, em sua maioria, a representações de moradores de fa-
velas, servos domésticos e criminosos.
Segundo Araújo (2008), na década de 1960, atrizes negras interpretaram
regularmente apenas escravizadas e empregadas domésticas, sendo uma
reedição dos estereótipos comuns presentes no cinema e na televisão
estadunidense. Um dos exemplos de sucesso comercial de personagens negras
ARTIGOS LIVRES
26 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
como domésticas foi a de Maria Clara, na novela Antônio Maria (1968), interpretada
pela atriz Jacyra Silva. O autor da novela, Geraldo Vietri, em entrevista para a
revista Melhores Momentos (1980), relatou que a trama da personagem “mudou
quase completamente a mentalidade de patrões em relação a empregados. Recebi
cartas de domésticas que transformaram Maria Clara em um ídolo”. Subentende-
se na fala do autor que é um homem branco, uma suposta harmonia entre patrões
brancos e empregadas negras. Isso esconde a relação de inferiorização social
dos negros causada pelo racismo econômico, maquiada pelas telenovelas que
representavam uma certa amistosidade e convivência pacíca entre as raças. As
representações convencionais da branquitude acerca das mulheres negras que
trabalham como empregadas domésticas geralmente tendem a criar a presunção
de um possível afeto entre as famílias brancas e suas empregadas, criando assim
um marcador normativo quanto ao comportamento prossional das mulheres
negras. Tal marcador opera sob um mito no qual as empregadas se dedicam a
cuidar e amar as famílias brancas (BUENO, 2017). Essas imagens, que associam
majoritariamente mulheres negras com representações de trabalhadoras
domésticas, constituem um imaginário que naturaliza a percepção destes
corpos como supostamente destinados para estas únicas funções de serviçais.
Logo, operam como uma atualização das premissas racistas advindas do período
escravocrata, que entendiam as mulheres negras enquanto exemplo de mão de
obra doméstica a serviço da família branca.
Na década de 1970, houve uma pequena mudança nas atribuições
prossionais ligadas a personagens negros. Araújo (2008), cita como exemplos
o psiquiatra, Dr. Percival, interpretado por Milton Gonçalves em Pecado capital
(1975) e Dona Elisa, interpretada por Ruth de Souza, que era uma professora e
dona de escola na novela Duas Vidas (1976). As duas novelas foram escritas por
Janete Clair. Porém, esses personagens não faziam parte do enredo principal
das histórias, sendo colocados como secundários. Foi apenas em 1996 que, pela
primeira vez na história da teledramaturgia brasileira, uma mulher negra ocupou
o lugar de protagonista. A personagem Xica da Silva foi interpretada por Taís
Araújo na novela de nome homônimo. Entretanto, Xica da Silva foi construída
a partir dos estereótipos de gênero, raça e sexualidade que constituíram as
imagens das mulatas sedutoras e destruidoras de lares (ARAÚJO, 2008). Na
trama, Xica da Silva é uma mulher ex-escravizada que consegue sua alforria ao
se relacionar afetivamente com o explorador de diamantes João Fernandes de
ARTIGOS LIVRES
27 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Oliveira durante o período colonial. Com teor erótico, a novela foi transmitida pela
emissora Rede Manchete, que caracterizava a personagem como “uma mulher
lasciva e dominadora, uma mulher insaciável e capaz de dominar qualquer homem
com o poder de seu corpo” (NUNES, 2019).
No caso da Rede Globo, pessoas negras foram, e ainda são, minoria nas
narrativas presentes nas novelas produzidas pela emissora. Segundo a pesquisa
feita por Joel Zito Araújo (2008), em um terço das telenovelas produzidas pela
Rede Globo, até o nal da década de 1990, não havia nenhum personagem negro.
Em outro terço, o número de atores negros contratados conseguiu ultrapassar
levemente a marca de 10% do total do elenco. Esses números contrastam com o
percentual de pessoas que se identicam como negros no país, que segundo o
IBGE é de 54% (Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística, 2016). Isso mostra
que as novelas da emissora não se preocupam em contemplar o perl do povo
brasileiro em suas narrativas. Além disso, um corpo negro interpretando uma
protagonista em uma novela da emissora pode ser visto em 2004, na novela
Da Cor do Pecado de João Emanuel Carneiro. A personagem, Preta de Souza,
também foi interpretada por Taís Araújo. Destaca-se aqui o título da novela, que
associa o corpo e a cor negra com a ideia de pecado, caracterizando a beleza e
a sexualidade negra como algo provocativo. Araújo (2008) ainda destaca outro
aspecto comum nas narrativas das telenovelas brasileiras, que diz respeito a
tratar o racismo como um problema individualizado, tal como um desvio de caráter
dos personagens vilões nas tramas. Isso não contribui para um entendimento
mais complexo da temática, que deveria ser tratada como algo sistemático e
estrutural, como um traço recorrente e ainda presente na sociedade e na cultura
brasileira (ARAÚJO, 2008).
Interseccionalidade
As opressões de raça não funcionam de modo isolado. Para que as
desigualdades do racismo estrutural existam, é preciso ter uma articulação com
outros marcadores das diferenças que fortaleçam o sistema da branquitude. É
na análise dessas articulações que a perspectiva interseccional trabalha para
identicar como ocorre essa dinâmica social que atinge os mais diversos corpos
negros. O termo “interseccionalidade” foi cunhado em 1989 pela pesquisadora
ARTIGOS LIVRES
28 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
estadunidense Kimberlé Crenshaw no artigo Demarginalizing the Intersection
of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine,
Feminist Theory and Antiracist Politics. A partir disso, o termo foi apropriado
por pesquisadoras e ativistas do Feminismo Negro enquanto abordagem e
intervenção política nas práticas de resistência e experiência de mulheres negras
(AKOTIRENE, 2020).
Nesta perspectiva destaca-se a importância de não desvincular as opressões
que atravessam as vivências de mulheres negras, cujas trajetórias articulam
múltiplos marcadores sociais de diferença. Sendo assim, esta perspectiva
funciona enquanto ferramenta analítica para entender os contextos múltiplos das
desigualdades que emergem da intersecção entre raça, gênero, sexualidade e
classe social, entre outros marcadores possíveis. Além de denunciar as opressões
estruturais da sociedade, a discussão teórica pautada na interseccionalidade foi
construída a partir da consciência da invisibilidade das experiências de mulheres
negras nas agendas do Movimento Negro Antirracista e do Feminismo Branco.
Este último tende a universalizar o “ser mulher”, a partir das experiências e
vivências apenas de mulheres brancas (AKOTIRENE, 2020).
Quanto ao Movimento Negro Antirracista, Grada Kilomba (2019) ressalta
que a literatura antirracista na primeira metade do século XX falhou em abordar
as posições especícas de mulheres negras e as formas pelas quais gênero e
sexualidade se relacionam com as reexões de raça. A ausência da perspectiva
interseccional nas pautas do Movimento Negro Antirracista pode produzir
problemas de invisibilidade sobre as experiências de mulheres negras, como
também nas de pessoas LGBTQIAP+ negrxs. Deste modo, a interseccionalidade
tira das pautas dos movimentos sociais o essencialismo sobre gênero e raça,
demonstrando que nem toda mulher é branca e nem todo negro é homem
(AKOTIRENE, 2020). Essa perspectiva estimula o pensamento complexo, a
criatividade e evita que grupos subalternizados produzam novos essencialismos.
De acordo com Carla Akotirene (2020), a perspectiva da interseccionalidade
é uma sensibilidade analítica de entender as identidades subalternizadas e as
opressões que tal subalternização estão relacionadas com o poder. É uma
construção teórico-metodológica iniciada pelo feminismo negro para as mulheres
negras, mas isso não signica que seja exclusiva a este grupo, pois mulheres
não negras também devem reetir sobre o modo que suas vivências identitárias
são articuladas. Essa abordagem possibilita, ainda, que LGBTQIAP+ sejam
ARTIGOS LIVRES
29 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
incorporados nas pautas da interseccionalidade. Deste modo, os marcadores
basais da perspectiva da interseccionalidade são raça, gênero, sexualidade e
classe social.
Quando Carla Akotirene (2020) ressalta que gênero inscreve o corpo
racializado, entende-se que estes corpos, produtos da subalternização, mesclam
marcadores da diferença de gênero e de raça, como aponta Tanya Saunders
(2020, p. 192) As premissas de gênero e sexualidade entrelaçaram rmemente
com um sistema de classicação racial, emergente, de tal forma que é impossível
entender um eixo [...] sem entender como ele coexiste e é estruturado pelo outro”.
Saunders (2020) evidencia que durante o século XIX, o racismo cientíco
hegemônico juntamente com o marcador da sexualidade, sustentou o
entendimento de que o corpo negro lésbico fosse classicado como o pervertido
feminino não humano”, provido de perversidade e o oposto da ordem social
guiada pelo corpo, cisgênero5, masculino, heterossexual, burguês e cristão.
Desta forma, compreendemos que mulheres negras, bem como corpos negros
não cis e não heterossexuais, carregam em sua identidade cultural construções
históricas pautadas pela noção de “outro”.
Gênero, assim como raça, também foi entendido como uma categoria
da diferença que a partir da ideia que o homem (branco) é universal, mulheres
foram tidas como o outro”. Anteriormente às teorias feministas, gênero não
pertencia ao homem, gênero era a marca da mulher, a marca de uma diferença
que implica a condição de subordinação das mulheres à família e à sociedade”
(LAURETIS, 2021, p.167). Enquanto conceito crítico, gênero foi introduzido e
articulado por feministas em diversos campos disciplinares, como uma forma de
denunciar e criticar as opressões vindas dos sistemas que produzem normativas
androcêntricas (AKOTIRENE, 2019; LAURETIS, 2021).
Segundo Teresa de Lauretis (1994), a categoria gênero opera como
representação e autorrepresentação, produto de diferentes tecnologias
sociais, de discursos, epistemologias e práticas institucionalizadas presentes
na vida cotidiana. Para Lauretis (1994) gênero medeia as relações do sistema
“sexo-gênero”, que são concepções culturais que marcam corpos masculinos e
femininos como complementares e opostos ao mesmo tempo. Essas marcações
5 Identidade de gênero em que o indivíduo se reconhece com o gênero atribuído em seu nascimento
(CAZEIRO; SOUZA; BEZERRA, 2019).
ARTIGOS LIVRES
30 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
formam sistemas de signicação que produzem valores e hierarquias sociais,
posicionando as masculinidades como superiores às feminilidades. Sobre os
valores impostos pelo sistema sexo-gênero mulheres são supostamente frágeis,
são designadas a cuidar do ambiente doméstico, e subordinadas aos homens,
os homens o fortes, não são formados para o trabalho doméstico e são
superiores em relação as mulheres. Os sistemas sexo-gênero estão ligados
a fatores políticos e econômicos, produzem assimetria de posições sociais,
produzindo desigualdades pautadas no gênero.
Assim como a pedagogia dos opostos binários medeia e sustenta o racismo,
como destacado antes, nas questões de gênero isso também ocorre. Os sistemas
de classicação se apropriam de valores e signicações de bem/mau, forte/frágil,
bom/ruim, racional/emotivo, para produzir hierarquias e opressões. Racismo
estrutural e o sistema sexo-gênero são articulações sistêmicas que produzem
e reproduzem preconceitos, discriminações e violências. Eles sustentam uma
estrutura de poder pautada na raça, sexualidade e gênero como elemento
constitutivo dos sujeitos em uma sociedade. Existem exemplos de estereótipos
que mostram como a intersecção de gênero e raça produz esses binarismos
e preconceitos, tais como, a ideia de que mulheres brancas são frágeis em
comparação a homens brancos e negros, mulheres negras têm mais propensão
ao trabalho doméstico pesado do que mulheres brancas, homens negros tem
mais facilidade para atividades “braçais” do que homens brancos.
A sexualidade está ligada ao termo sexo, que historicamente foi utilizado para
denir as diferenças anatômicas entre corpo lidos como masculinos e femininos
(LOURO, 2000). Com isso, as noções de gênero e sexualidade, muitas vezes são
tratadas como equivalentes e entendidas, em alguns casos, como inerentes. A
sexualidade, enquanto marcador da diferença, é ao mesmo tempo um fator que
constrói a norma. A normativa, pautada na heterossexualidade como algo natural,
tira o caráter político e social que esse marcador carrega. Tal qual o gênero e
a raça, a sexualidade foi constituída historicamente a partir de discursos e
práticas que regulam, normatizam e instauram saberes que produzem supostas
“verdades” (LOURO, 2000). Antes do século XIX, a sexualidade no ocidente era
uma preocupação da religião hegemônica cristã e da losoa moral. A partir
do século XIX, a sexualidade passa a ser considerada um fenômeno que deve
ser estudado e entendido mediante a sua introdução nas áreas da psicologia,
biologia e antropologia. A disciplina de sexologia, se especializa na elaboração de
ARTIGOS LIVRES
31 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
discursos cientícos sobre os comportamentos sexuais e no século XX o tema
foi pauta de discussões da sociologia e da história (LOURO, 2000).
A heterossexualidade e a associação entre sexo e gênero marginalizava e de
certo modo ainda marginaliza corpos cujos desejos não são entendidos enquanto
heteronormativos, tais como aqueles identicados com a homossexualidade
e a bissexualidade, colocando-os como desviantes. Historicamente, a
homossexualidade foi tida como doença e desvio comportamental. A mesma
coisa acontecia com a identidade de gênero de travestis e transexuais, que até a
década de 2010 estava inscrita como patologia psicológica.
A interseccionalidade de raça, gênero, classe e sexualidade, quando enfocadas
por um olhar antirracista, trabalham para um futuro que se opõem às práticas
da cultura dominante que tendem a violentar mulheres negras heterossexuais e
corpos LGBTQIAP+ negrxs. Aqui a heteronormatividade é entendida como sistema
racializado de poder. Assim, Tanya Saunders (2020) salienta a importância de
corpos negros serem mais críticos ao abraçarem a heternormatividade, uma vez
que esta se enquadra nas políticas racistas dominantes.
Conclusão
Este trabalho visou apresentar alguns conceitos básicos sobre as relações
raciais no Brasil. Foram apresentados dados históricos e estatísticos que
demonstram como o racismo estrutural é uma articulação complexa que
juntamente com outros marcadores sociais, tais como de gênero, classe e
sexualidade produzem um fenômeno que estigmatiza, violenta e subalterniza
corpos que são inferiorizados pela branquitude. Tal branquitude criou raça como
uma tecnologia que medeia e efetiva opressões no intuito de criar uma ordem
hegemônica.
Foi levado em conta como o racismo estrutural é sistemático e atinge várias
instâncias sociais, na história e no cotidiano brasileiro. Foi explicitado que essa
articulação produz desigualdades econômicas, institucionais e ideológicas,
em que ambas se entrelaçam e se complementam para efetivação do sistema
de hegemonia: a branquitude. Foi observado como a Branquitude, se benecia
socialmente na propagação da suposta superioridade que pessoas brancas têm
em relação às outras raças.
ARTIGOS LIVRES
32 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Neste contexto, a raça opera como uma tecnologia. Isto é, enquanto mediação
social alicerçada por meios e artefatos tecnológicos, raça ajuda a construir
uma ordem em que são produzidas técnicas de opressão e subalternização que
qualicam a branquitude como detentora desses instrumentos normativos. Isso
ajuda a entender, que a tecnologia não é neutra (FEENBERG, 1991) e é um processo
social contínuo, em que o entrelaçados padrões de poderes econômicos e
políticos no cotidiano social (WINNER, 1986). Entender raça enquanto tecnologia,
elucida que não se trata simplesmente de um conceito biológico/cientíco e
nem apenas de um conceito ideológico cultural, mas sim de um processo em
que ambos são estabelecidos e negociados no sentido de sustentar um certo
ordenamento social (CHUN, 2003).
Recorreu-se à bell hooks (2018) para entender o porquê das imagens serem
tão importantes para a comunidade negra. Neste momento, percebemos que
as imagens funcionam como ferramentas de controle social que, uma vez
portadoras de valores ligados à branquitude, operam como forma de efetivar
estereótipos racistas que legitimam a pseudo superioridade branca. As imagens
carregam signicados e valores. Não somente nelas, mas principalmente nelas
são produzidos os estereótipos. Como observado, estereótipos são dispositivos
cognitivos facilitadores de acesso a novas informações que podem participar
dos exercícios de poder quando carregam previsibilidades e equivalem a padrões
que correspondem às expectativas normativas.
O emprego destes dispositivos facilitadores faz parte das formações de
prossionais que trabalham com criação de imagens, tal como os designer
e artistas grácos. As rotinas e convenções visuais institucionalizadas nas
bibliograas dos cursos de design, nos bancos de imagens utilizados para criação
de projetos grácos e a falta de criticidade frente à presença ou a falta dos corpos
negros são técnicas concretas do racismo que circulam por meio das visualidades.
Mas o Movimento Negro Antirracista as imagens e os meios de comunicação
como um campo de luta cultural, em que reivindicam a autorrepresentação e o
dever crítico sobre as representações dos corpos e das culturas negras.
Foi observado, a partir dos dados sobre a desigualdade no período da
pandemia do Covid-19 no Brasil, que o grupo de maior vulnerabilidade social
foi o de pessoas negras. Isso pode ser identicado nas métricas da economia
produzida pelas oportunidades de mercado de trabalho, pelas condições básicas
para o ensino a distância, pelos números de qual grupo racial teve mais mortos
ARTIGOS LIVRES
33 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
pela Covid-19. Dadas as circunstâncias, em primeiro momento, parece ser injusto
demandar para que pessoas negras pensem no futuro próximo ou distante, uma
vez que, com tais dados da desigualdade que assola a vivência dessas pessoas,
elas estão preocupadas em produzir estratégias de sobrevivência para o presente
de forma imediata.
Referências
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. Feminismos Plurais. São Paulo. Pólen, 2019.
ALMEIDA, Sílvio. Racismo Estrutural. Feminismos Plurais. Pólen, São Paulo, 2019.
ARAÚJO, J. Z.. O NEGRO NA DRAMATURGIA, UM CASO EXEMPLAR DA DECADÊNCIA DO MITO DA
DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA. 2008. Revista Estudos Feministas, 16(3), 979. https://doi.
org/10.1590/S0104-026X2008000300016
BIROLI, Flávia. Mídia, tipicação e exercícios de poder: a reprodução dos estereótipos no dis-
curso jornalístico. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 6, Brasília, 2011, pp. 71-98.
BERTH, Joice. Empoderamento. Feminismos Plurais. São Paulo: Editora Pólen, 2019.
BERTOLDO, Sanny, XAVIER, Lúcia. Entrevista: “O coronavírus não tem nada de democrático.
Ele tem preferências’, e os negros são um dos grupos preferidos dele”. Gênero Número, online,
2020. Disponivél em <https://www.generonumero.media/entrevista-o-coronavirus-nao-tem-
-nada-de-democratico-ele-tem-preferencias-e-os-negros-sao-um-dos-grupos-preferidos-
-dele/>. Acesso em 07 de jun. de 2022.
BUENO, Winnie de Campo. Processos de Resistência e Construção de Subjetividade no
Pensamento Feminista Negro: uma possibilidade de leitura da obra Black Feminist Thought:
Knowledge, Consciousness, and The Politics of Empowerment (2002) a partir do conceito de
imagens de controle
. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
2009. Disponível em <http://repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/8966/
Winnie%20de%20Campos%20Bueno_.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 10 de jun.
de 2022.
CHUN, Wendy Hui Kyong. Introduction: race and/as technology; or, how to do things to race.
Camera Obscura, vol. 24, n. 1, p. 7–35, May 2009. Disponível em: <https://read.dukeupress.
edu/camera-obscura/article/24/1%20(70)/7/58411/Introduction-Race-and-as-Technology-or-
-How-to-Do>. Acesso em 02 dez. 2021.
CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologia na formação brasileira. CEAP, Rio de Janeiro, 2010.
ARTIGOS LIVRES
34 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
Disponível em https://cpvceasm.les.wordpress.com/2019/05/cadernotecnologias-africa-
nas_ceap_vf.pdf. Acesso em 07 de fev. de 2023.
DE LAURETIS, Teresa. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Ten-
dências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-
242.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
FEENBERG, Andrew. Feenberg, Critical Theory of Technology. Oxford University Press, 1991.
FERREIRA, Bárbara. Mídia e as Negras: a representatividade negra na TV brasileira. Medium,
online, 2017. Disponível em < https://medium.com/@coolmeia/m%C3%ADdia-e-as-negras-a-
-representatividade-negra-na-tv-brasileira-fb8e57ad0735 >. Acesso em 07 de jun. de 2022.
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emanci-
pação. - Petrópoles, RJ: Vozes, 2017.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais
no Brasil, uma breve discussão. 2005.
GUIMARÃES, E. D. F.; ZELAYA, M. A POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES PÚBLI-
CAS DO BRASIL DUAS DÉCADAS DEPOIS: UMA ANÁLISE. Trabalho & Educação, Belo Horizon-
te, v. 30, n. 3, p. 133–148, 2022. DOI: 10.35699/2238-037X.2021.26556. Disponível em: https://
periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/26556. Acesso em: 13 ago. 2022.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2003.
HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.
LAURETIS, T. DE; SILVA, G. B. V. DA; SOUZA, L. L. DE. Gênero e teoria Queer. albuquerque: re-
vista de história, v. 13, n. 26, p. 165-176, 28 dez. 2021.
LIMA, Márcia; MILANEZI, Jaciane et al. Desigualdades Raciais e Covid-19: o que a pandemia
encontra no Brasil?. Informativo Desigualdades Raciais e Covid-19, AFROCEBRAP, n. 1, 2020.
Disponível em < https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Afro_Informativo-1_-
nal_-2
df>. Acesso em 07 de jun. de 2022.
LAURETIS, T. DE; SILVA, G. B. V. DA; SOUZA, L. L. DE. Gênero e teoria Queer. albuquerque:
revista de história, v. 13, n. 26, p. 165-176, 28 dez. 2021.
SAUNDERS, Tanya. Sonhos e cenas monstruosas: artivismo queer e a política da futuridade
ARTIGOS LIVRES
35 Albuquerque: revista de história, vol. 16, n. 31, jan. - jun. de 2024 I e-issn: 2526-7280
Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos
feminista negra no Brasil. História & outras eróticas. Curitiba: Appris, 2020. p.185 – p. 217.
VAINER, Lia. Branquitude: como o racismo se reproduz. 2022. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=XfMIAk2qFW8&t=2264s. Acesso em 28 de jul. de 2022.
VENTURINI, Anna Carolina; LIMA, Márcia et al. As desigualdades educacionais e a covid-19.
Informativos Desigualdades Raciais e Covid-19, AFRO-CEBRAP, n. 3, nov. 2020. Disponível em
< https://cebrap.org.br/afro/>. Acesso em 04 de jun. de 2022.
WINNER, Langdon. “Do Artifacts have Politics?. 1986. “The Whale and the Reactor – A Search
for Limits in an Age of High Technology”. Chicago: The University of Chicago Press. p. 19-39.