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Rafael Alves Pinto Junior
GOIÂNIA, 90 ANOS
GOIÂNIA, 90 YEARS OLD
https://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21228
Rafael Alves Pinto Junior
Instituto Federal de Goiás (IFG- Jataí)
https://orcid.org/0000-0002-8439-9586
rafael.junior@ifg.edu.br
Recebido em 15 de maio de 2024
Aceito em 18 de junho de 2024
OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de; MENDONÇA, Jales Guedes Coelho; CHAUL, Nars Fayad; JAIME,
Nilson. Goiânia, 90 anos. Goiânia: Edições Goiás + 300, 2024, 336 p.
Se na atualidade, é uma verdade cientíca que a arte traduz as
tendências da civilização, como a música e a pintura, o estilo de nosso
edifício, simples, rígido, harmonioso, mas sem artifícios de abóbadas
e enfeites inúteis de doceis e capiteis, mais exata, mais positiva, que
preside a orientação da cultura histórica em nossos dias.
Na nova Capital que é, ao mesmo tempo, a síntese de todas as
conquistas e glórias do Passado1, a consciência do momento histórico
da civilização do Presente e a previsão arrojada, sábia, cientíca, do
Futuro – não era possível que se deixasse de erguer uma guarida para
a cultura da história, para o estudo da geograa. ( SILVA, 1940, p. 14).
Essas palavras foram proferidas pelo
presidente do Instituto Histórico e Geográco de
Goiás (IHGG), Colemar Natal e Silva, em 25 de junho
de 1938 no lançamento da pedra fundamental da
sede própria da instituição. O Instituto havia sido concretizado ainda na antiga
capital em 1932, resultado dos esforços de José Honorato da Silva e Souza que
participava do governo do Interventor Pedro Ludovico Teixeira no cargo de
Secretário do Interior e Justiça. José Honorato, além de regulamentar o ensino
1 Destaque em negrito no original.
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normal, lutou para a criação do Arquivo Histórico e Geográco de Goiás. Goiás
era naquela época, à sua avaliação, o único estado da Federação que não tinha
sua história escrita. Os documentos jaziam inertes nos arquivos aguardando
alguma iniciativa. Mas o momento, proporcionado pela “soberba arrancada liberal
que teve seu epílogo no memorável 24 de outubro”, era de exacerbado otimismo
(SOUSA, 1931, p. 39). Ao interventor Pedro Ludovico e na presença de 15 dos
23 sócios fundadores, o advogado e professor Colemar resumiu as imodestas
pretensões do IHGG na nova capital. Um empreendimento que se colocava, ao
mesmo tempo, sendo síntese de todas as conquistas do passado, consciência
do momento histórico do processo civilizatório e previsão de um futuro de bem-
aventuranças. Enquanto projeto, Goiânia era então a cidade das realizações
ousadas dado que havia nascido grandee projetada para “irradiar o progresso”.
Para que este futuro glorioso se concretizasse, a nova capital não poderia seguir
esquecendo a antiga. Eram cidades que se completavam e deviam entender que
deviam “viver unidas” daí em diante. Uma representava a tradição, tradução de
um passado “repleto de recordações gratas e afetivas, de glorias legítimas, de
louros imperecíveis”. A outra representava o futuro, a materialização do espírito
da “época e um prenúncio da vertigem do porvir” (SILVA, 1940, p. 15).
Para Colemar Natal e Silva, o Estado Novo em Goiás, apresentado como
inevitabilidade histórica e desfecho racional do conturbado panorama político do
país, não devia apagar o passado colonial que a antiga capital representava. Aos
ideais de armação política de Pedro Ludovico, a ideia de progresso e mudança
servia como uma luva para anular os entraves da elite encravada na velha cidade.
Diante deste cenário de mudança inevitável da capital, a intelectualidade reunida
no IHGG se preocupava em não apagar o passado. A modernidade oferecia a
oportunidade de um lastro que, para eles, deveria ser mantido. A ação política
do IHGG, ao se armar com autoridade intelectual, se propunha a modelar
o novo quadro social que se desenhava. Inserindo-se enquanto fonte de um
estado colocado frente a ação imperativa de ressignicar localmente a própria
nacionalidade. Reexo de um movimento que havia sido desencadeado pelo
pensamento de Gilberto Freyre, Caio Prado e Sérgio Buarque de Holanda.
A mudança da capital de Goiás, notadamente para os membros do IHGG,
não foi recebida com temeridade. Ao contrário. Tratava-se de uma oportunidade
imperdível de armação. Estava na própria gênese da instituição que
representava, em Goiás, a conciliação de uma contradição aparente: o espaço
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moderno, internacionalista, não determinava a exclusão das especicidades
regionais que constituíam sua própria identidade cuja valorização integrava-se
ao contexto regionalista.
Oitenta e cinco anos depois das palavras do professor Colemar Natal e Silva,
o IHGG realizou, entre 18 e 20 de outubro de 2023, o simpósio 90 anos de Goiânia,
reunindo uma plêiade de intelectuais dedicados à análise da cidade nonagenária.
A publicação Goiânia, 90 anos é o produto dos estudos do referido simpósio,
preludiando o vindouro centenário a ser celebrado em 2033. A disposição em
se posicionar frente à relação entre as dimensões coletivas da história e a ação
intelectual individual, para a instituição, aparece de maneira similar àquela de
seu momento inaugural. Frente às questões e questionamentos impostos pela
contemporaneidade urge, aos interessados em uma mínima compreensão,
reexionar. Diante de novos caminhos, importa ressignicar.
Organizado por Eliézer Cardoso de Oliveira, professor da Universidade
Estadual de Goiás; Jales Guedes Coelho Mendonça, promotor de justiça e atual
presidente do IHGG; Nars Fayad Chaul, professor aposentado da Universidade
Federal de Goiás e Nilson Jaime, engenheiro agrônomo e atual presidente do
Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis Para os Povos do Cerrado, a
publicação está dividida em três partes. Não cabe aqui uma análise dos artigos
individualmente para impor uma frustração aos interessados. A perspectiva de
uma obra coletiva é, por denição caleidoscópica.
A primeira parte, nomeada História e Injunções Políticas, contem seis artigos
dedicados a aspectos da história local sob a ótica dos interesses e pressões
políticas que resultaram na criação da cidade. Higienismo, Intervenção médica
e Mudança da Capital, de Francisco Itami Campos, analisa o discurso higienista
enquanto justicativa ideológica para a mudança da capital. Os 10 anos do livro “A
Invenção de Goiânia: o outro lado da mudança” e os rastros de genocídio cultural,
de Jales Guedes Coelho Mendonça está dedicado a revisitar as hipóteses
pesquisadas em sua obra em torno da questão da transferência de instituições
e funcionários públicos da cidade de Goiás para Goiânia. Campinas, a Igreja
e Goiânia, de Antônio César Caldas Pinheiro, destaca o apoio dos religiosos
católicos Redentoristas sediados em Campinas em oposição ao então bispo Dom
Emanuel Gomes de Oliveira. Goiânia: os impactos de sua criação em Campinas,
de Itaney Campos salienta a relação entre a capital e o processo de fagocitose
da cidade de Campinas. Goiânia, entre o racionalismo da técnica e o pragmatismo
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da política, de Eliézer Cardoso de Oliveira recorta as escolhas aparentemente
técnicas o nome “Goiânia” e a escolha do dia 24 de outubro para o lançamento
da pedra fundamental que estavam na superfície do discurso. Sob este estavam
os interesses políticos que produziriam o domínio do interventor Pedro Ludovico.
O último artigo desta parte, O irresistível progresso de Goiânia na primeira
metade dos anos 1950, de Iúri Rincon Godinho mostra a década de 1950 como
período decisivo para a consolidação sociológica da cidade. Ainda relativamente
provinciana e desarticulada, Goiânia passaria a outro patamar com o novo
panorama desencadeado com a implantação de Brasília na década de 1950.
A segunda parte, nomeada Arquitetura e Urbanismo, contém quatro artigos. A
Arquitetura e o Urbanismo goianiense na poética produzida em Goiás, de Elizabeth
Abreu Caldeira Brito trata-se de uma abordagem poética da representação do
próprio fazer arquitetônico que a autora identica e relaciona com Goiânia.
Goiânia pré-moderna e aspectos do planejamento: planos diretores de 1960, 1970 e
1980, de Jacira Rosa Pires é produto de um testemunho autobiográco enquanto
prossional do urbanismo. Uma personalidade diretamente envolvida na
elaboração de diversos planos diretores que ambicionaram impor algum controle
no crescimento e no uso do espaço urbano continuamente crescente. O mesmo
caráter de depoimento biográco pode ser identicado em Goiânia, cidade bem-
nascida: convivência com a capital desde a infância, de Narcisa Abreu Cordeiro.
O último texto desta parte, Marcos da Arquitetura em Goiânia (1930-1980), os
arquitetos e urbanistas e Eurípedes Afonso da Silva Neto e Lenora de Castro
Barbo brilhantemente destacaram uma produção arquitetônica que vai além
da já estudada Art Déco, que não foi a única expressão arquitetônica na capital.
Marcada pela renovação e modernidade a arquitetura construída em Goiânia no
período selecionado aparece resultante da produção de diversos prossionais e
obras em vários estilos. Nomes locais, de outros estados e até personalidades
reconhecidas internacionalmente contribuíram para formar um outro conjunto
patrimonial.
A terceira e última parte, nomeada Elementos Culturais e Estéticos, com
seis artigos encerram a coletânea. Goiânia, 90 anos, de Nars Fayad Chaul
recapitula suas conhecidas reexões referentes à identidade goianiense:
cidade inserida na dualidade progresso e sertão para equacionar o pensamento
utópico dos entusiasmados apoiadores da Revolução de 30. As culturas em
Goiânia: enraizamento, tensões e travessias, de Eguimar Felício Chaveiro reete
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sobre outros olhares à cultura local que vai além dos monumentos. Inclui, ao
reconhecer o dinamismo característico do processo cultural, outros saberes e
práticas oriundas do cotidiano da relação dos habitantes com o próprio território.
Os textos A cena musical goianiense e a banda Nilo Peçanha, do Instituto Federal
de Goiás, de Marshal Gaioso Pinto, A gênese dos festivais musicais em Goiânia,
de Hamilton Carneiro e A cultura erudita em Goiânia: o Teatro de Miguel Jorge, de
Ademir Luiz Silva formam um conjunto. Constroem um panorama de expressões
culturais que permitem ver contribuições além do tradicional universo sertanejo
divulgado pela mídia local e nacional. Orquestras, bandas, rock, música popular
brasileira, festivais musicais, produções literárias e teatrais demonstram a
existência de diálogos criativos construídos localmente. Finalizando a terceira
parte e, consequentemente, a coletânea, o texto O cronista e historiador Bernardo
Élis: arquétipo de um cidadão geral que adotou a erma Goiânia, de Nilson Jaime
analisa a obra e a ação política de Bernardo Élis. Para isto, destacou-se a crônica
“Receita goiana para mudar uma capital” publicada em “Goiás em sol maior”
datado de 1985. O célebre escritor, imortalizado na ABL, praticamente resumiu a
angustiosa dualidade do processo de mudança da capital: da ancestral Cidade de
Goiás que se abandonava à sonhada Goiânia que se ambicionava construir. Um
processo não indolor marcado pelo autoritarismo tutelado por Pedro Ludovico,
por personagens anônimos da antiga capital que apoiavam a mudança e pelas
diculdades, agitações e arbitrariedades no cotidiano dos primeiros anos da
nova cidade.
Os organizadores, junto a cada capítulo, tiveram a sensibilidade de incluir
ilustrações em bico de pena executadas pelo artista plástico Divino Ferreira de
Magalhães. Natural de Goiás e formado em Artes Plásticas pela Universidade
Federal de Goiás, o artista retratou diversos pontos de vista, edifícios marcantes
da produção Art Déco e ângulos que seu olhar atento destacou como identitários
do espaço urbano.
A coletânea marca uma data e fecha um ciclo de debates. A partir daí outro
deve ser aberto. Um que inclua a responsabilidade social que envolve um projeto
urbanístico, tratado como construção atenta às múltiplas subjetividades que
compõe o espaço urbano. Ao mesmo tempo em que intelectuais se reúnem para
reetir sobre os 90 anos da capital de Goiás, na prática, a crise urbana torna-se
mais aguda: segregação socioespacial, incapacidade de retomada econômica,
degradação ambiental incontrolável, insegurança crescente, violências e
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diculdades de mobilidade parecem obstáculos intransponíveis. Tudo isto
inscrito em uma perspectiva de alterações climáticas drásticas e imprevisíveis
a cobrar ações urgentes.
Aos pensadores, questões da história, fundiárias, o acesso ao solo urbano, a
democratização da gestão e a participação social no processo de planejamento
são aspectos contemporâneos que tornar-se-ão imprescindíveis quando, daqui
a dez anos, novos questionamentos se colocaram diante da cidade centenária.
Resta-nos aguardar.
Referências
SILVA, Colemar Natal e. Lançamento da pedra fundamental do edifício do Instituto Histórico e
Geográco de Goiaz. Revista do Instituto Histórico e Geográco de Goiaz. Goiânia, n. 1, mai,
1940, p. 14. Disponível em: https://hemeroteca.ihgg.org/publicacao.asp?PUB_IDEN=36&E-
DI_IDEN=47. Acesso em 22 mai 2024.
SOUSA, José Honorato Silva e. Regulamento do Ensino Normal em Goiás. A Informação
Goyana. Rio de Janeiro, n. 6 e 7, v. XV, jan e fev, 1931, p. 39. Disponível em: http://memoria.
bn.gov.br/DocReader/176648/2605. Acesso em 22 mai 2024.