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AS CIDADES NO NEORREALISMO ITALIANO:
RESSIGNIFICAÇÕES DO ESPAÇO URBANO

CITIES IN THE ITALIAN NEOREALISM:
RESIGNIFICATIONS OF URBAN SPACE

Mauricio de Medeiros Caleiro1

http://lattes.cnpq.br/6334293393460056

Recebido em: 24 de agosto de 2024.
Aprovado em: 22 de janeiro de 2025.

http://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21794


1  É Doutor em Comunicação e Mestre em Comunicação, Imagem e Informação pela Universidade
Federal Fluminense, além de Master of Arts em Film Studies pela University of Iowa (EUA).
Graduou-se em Comunicação Social, com Bacharelado em Cinema (1999) e em Jornalismo (2001),
ambos pela UFF. Trabalha desde 2001 como jornalista profissional, com publicações nas revistas
Ideia na Cabeça, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, além do blog Cinema & Outras Artes, do
qual foi editor responsável entre 2009 e 2015. Atualmente, pesquisa as relações entre mídia digital,
política e ideologia. E-mail: caleiro.mauricio@mail.com

RESUMO: O artigo em tela se propõe a
examinar como o espaço urbano é representado
em três filmes clássicos do neorrealismo
italiano, combinando análise fílmica, Teoria
Histórica do Cinema e e o conceito bakhtiano de
cronotopia. Em produções que assumidamente
privilegiam questões sociais, feitos no contexto
das propostas estético-narrativas de um dos
principais movimentos cinematográficos contra-
hegemônicos da história do cinema, objetiva-
se investigar que papel têm as cidades, e com
quais significações.

Palavras-chave: neorrealismo italiano,
espaço urbano, representação, teoria histórica
do cinema.

ABSTRACT: This article aims to analyse
the ways in which urban space is represented
in three classic films of Italian neorealism,
combining film analysis, History Film Theory
and the Bakhtian concept of chronotopy. The
goal is to investigate what role cities play, and
with what meanings, in movies that openly
privilege social issues, produced in the context
of the aesthetic-narrative proposals of one of
the main counter-hegemonic cinematographic
movements in the history of cinema.

Key words: italian neorealism, urban
space, representation, film history theory.

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Introdução

Um dos principais movimentos da história do cinema, que viria a
exercer grande influência no surgimento dos “cinemas novos” – inclusive e
destacadamente no Brasil -, o neorrealismo italiano tem como duas de suas
principais características a troca dos estúdios pelas ruas e o engajamento
social. Tais características o tornam, por razões que serão em breve explicitadas,
particularmente propício para o exame da representação que faz da cidade, tema
deste trabalho, e se devem, em parte, ao contexto em que surge, no imediato
pós-Guerra.

Com Roma liberada em junho de 1944 e após mais de duas décadas sob o
jugo do fascismo, “A crônica da liberação tornou-se tema candente no país […]
politicamente dividido entre aqueles que se alinharam durante pelo menos duas
décadas ao fascismo e os que lutaram pelo fim da ditadura e da ocupação […]
Coube, sobretudo, aos cineastas o papel de cronistas do presente” (MENDES,
2013, p. 27).

Tal papel logo seria culturalmente validado: “Com a exibição de Roma Cittá
Aperta
, em dezembro de 1945, o cinema passa a ocupar um papel de destaque
na cultura italiana do após-guerra. O protagonismo desse renascimento
cinematográfico é o neo-realismo” (FABRIS, 1996, p. 34)2. Embora, ao contrário
dos filmes examinados neste artigo, a ação de Roma, Cidade Aberta (Roberto
Rosselini, Itália, 1945) se passe majoritariamente em interiores, a cidade ocupa
posições-chave já no filme que a maioria dos críticos aponta como marco de
inauguração do movimento:

O cenário que abre e fecha o filme é o de Roma, com a cúpula da Basílica de São Pedro
ao centro, vista de ângulos opostos. Essa imagem colocada nos dois extremos da his-
tória reafirma que a cidade é uma personagem que se sobrepõe à ficção, que sua pre-
sença sólida e concreta ficou capturada como estava naqueles meses [de filmagem]”
(SANCHEZ, 2015, p. 233-34).

2  Para preservar a fidelidade ao original, as citações são reproduzidas ipsis litteris, mesmo se com
grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, que passou a vigorar no Brasil em 2009 e é seguido
na redação do artigo.

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Nos anos seguintes, o protagonismo e a importância que as cidades passam

a ter no neorrealismo italiano são de tal ordem que se tornam tema de uma série
de estudos específicos, formando uma sub-linha de pesquisa. No período inicial
desses estudos, um dos mais prestigiosos críticos de cinema da Itália chega a
afirmar que o espaço urbano é o “inegável protagonista” (LA POLLA, 1975, p. 66)
dos filmes dirigidos por Vittorio De Sica no período:

Termômetro de costumes e progresso, ou pelo menos de mudança, a cidade é, por
razões óbvias, a primeira entidade humana e geográfica a ser afetada da maneira mais
conspícua e atroz pela barbárie da guerra. […] A cidade no cinema de De Sica neste
período também estará presente por esses motivos, mas o que importa é que ela assu-
me um papel que, em uma inspeção mais detalhada, não é externo, mas, ainda que nas
dobras da narrativa, tematicamente central. (LA POLLA, 1975, p. 67).

Para se referir a tal fenômeno, a pesquisadora Ana Stevanovska cunhou, em
sua tese de doutorado, o conceito de “imaginação “geocentrada” do neorrealismo”
(STEVANOVSKA, 2019, p. 9, aspas dela), uma tendência que pode ser parcialmente
explicada por três das principais características do movimento: a mencionada
preferência pelas ruas, em vez dos estúdios, motivada tanto por razões
econômicas quanto pelo avanço tecnológico trazido pela maior portabilidade dos
equipamentos (BONDANELLA, 2004, p. 132-138); prioridade a temáticas urbanas,
em um momento de expansão demográfica e reconstrução das cidades após a
Segunda Grande Guerra (HOBSBAWN, 2000, p. 200); e, sendo, segundo Cesare
Zavattini, principal ideólogo e roteirista de filmes clássicos do neorrealismo, um
movimento de perfil “político, antifascista e abertamente comprometido com
mudanças sociais” (ZAVATTINI, 1979, p. 229), o desejo de retratar – e denunciar - a
vida da maioria do povo, em um período em que a forte retomada das dinâmicas
trabalhistas do capitalismo industrial nas grandes cidades italianas acirrava
conflitos sociais (COHEN; FEDERICO, 2001, p. 74-75).

A tese da imaginação “geocentrada” do neorrealismo se confirma também
em termos quantitativos: dos 78 filmes neorrealistas feitos entre 1945 e 1956,
compilados pela pesquisadora Mariarosaria FABRIS (1996), 28 aludem a uma
referência geográfica, sendo que 16 destes incluem no título o nome específico de
uma cidade italiana. De Roma, com nove citações, à minúscula Luglio, terra natal
de Paolo e Vittorio Taviani e palco de um massacre de civis em 1954 que seria o
tema do curta metragem de estreia dos irmãos na direção cinematográfica.

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Espaço, estética e humanismo

O papel preponderante exercido pelas cidades no cinema italiano não
se inaugura, porém, com o neorrealismo. Reflexo do próprio destaque que
arquitetura e urbanismo historicamente desempenham nas cidades do país –
notadamente em Roma -, o tema aflora já na chamada “fase dourada” do cinema
mudo italiano (1908-1917), como demonstra em livro a scholar Angela Dale VACCHE
(1992). Segundo a autora, a oposição entre monumentalidade arquitetônica
urbana e subjetividade social foi tema recorrente em ao menos dois períodos do
cinema italiano: o dos grandes épicos do cinema mudo – cuja epítome é Cabíria,
dirigido por Giovanni Pastrone em 1914 – e, duas décadas depois, nas sequências
externas dos chamados “telefoni bianchi”, os dramas urbanos pretensamente
refinados que, estimulados pelo próprio Mussolini, caracterizam a produção
cinematográfica de todo o período fascista.

Porém, após mais de uma década em que a representação da cidade limitava-
se ao ornamental ou ao cenográfico, o diferencial trazido pelo neorrealismo foi,
como aponta a maior especialista brasileira no movimento italiano, Mariarosaria
Fabris, que “As temáticas que transformam homem e paisagem em protagonistas
inspiravam-se diretamente na realidade e na necessidade de registrar o presente”
(FABRIS, 1994, p. 27). Segundo ela, “O neo-realismo redescobria a paisagem
italiana e nela reintegrava o homem” (FABRIS (1994, p. 27). Assim, como sublinha o
diretor Michelangelo Antonioni, a paisagem não era tratada como “um amontoado
de elementos exteriores e decorativos, mas [como] um conjunto de elementos
morais e psicológicos” (citado por FABRIS, 1994, p. 77).

Para o pesquisador Marco Melanco, autor de um livro em que analisa o
tratamento que o cinema italiano dispensa à paisagem, do período silencioso ao
início deste século, esse diferencial no tratamento da paisagem resultaria em um
ganho qualitativo distintivo, inerente ao movimento: “O neorrealismo deixa suas
páginas mais expressivas, mais importantes e ricas, quando é a própria geografia
do ambiente que se impõe, quando a câmera se move em um panorama que já
parece denso e povoado de vozes, sobre as quais enxerta esquemas e figurações
próprias” (MELANCO, 2005, p. 59).

Alguns autores, como os dois abaixo citados, apontam para uma valorização
do humano – seja em referência ao talento dos diretores ou pelo humanismo

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da abordagem - para explicar esse tratamento diferenciado do espaço no
neorrealismo:


O espaço indicado como o “sentido” principal da história contada, ou como o sujeito
central da narrativa. Os críticos [estudados pela pesquisadora] compartilham a visão
sobre a heterogeneidade dos personagens neorrealistas e, no entanto, quase todos
os ensaios dedicados ao tema insistem na centralidade do “horizonte humanista”, da
urgência dos diretores de filmarem a Itália, da colocarem suas câmeras nas ruas, no
campo e nas cidades, transformando a realidade circundante no motivo principal de
suas obras. A descoberta da verdadeira Itália em todos os suas contradições consti-
tuem a matéria-prima sobre a qual os artistas se debruçam, cada um dos que segue
um registro estético e expressivo próprio. O olhar como o principal imperativo do novo
cinema, portanto, em vez de usar os cenários como simples fundo das histórias con-
tadas, transforma-as na instância principal a ser contada. (STEFANOVSKA, 2019, p. 29)

Ainda que talvez seja prudente ressalvar tanto a afirmação referente à capacidade
de transformação da realidade circundante (quanto se trata, na verdade, de recriá-la
via representação, mas sem gerar um “novo real”), quanto o possível exagero de afirmar
que a realidade transformada seria a protagonista dos filmes em questão, a citação tem
o mérito de abordar diferentes aspectos da relação entre os realizadores neorrealistas
e o espaço, seja ao abordar sua motivação, o modo como concretamente operam a
aproximação com o objeto fílmico, o olhar como imperativo distintivo do neorrealismo
e, ponto central, o caráter humanista da representação.

Autor de um texto canônico sobre o neorrealismo italiano, escrito em plena
efervescência do movimento, em que se concentra, sobretudo, na técnica narrativa
adotada nos filmes (movimentos de câmera, enquadramentos, montagem,
ambientação), comparando-a à técnica narrativa de romancistas norte-
americanos (Faulkner, Hemingway, Dos Passos) e à técnica pictórica de Matisse,
André Bazin destaca, em relação à questão do tratamento cinematográfico, a
técnica e habilidade dos diretores neorrealistas para concatenar materialidade
ambiental e psicossociabilidade humana:

Os cineastas italianos […] reúnem numa densidade particular ambientes e pessoas,
porque sabem como descrever uma ação sem dissociá-la de seu contexto material e
sem amortecer a singularidade humana em que ela se encontra embricada; a sutileza
e suavidade de seus movimentos de câmera nesses espaços apertados e naturalida-
de do comportamento dos personagens que entram em campo fazem dessas cenas a
peça de habilidade por excelência do cinema italiano (BAZIN, 1978, p. 300)

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Metodologia

As reflexões sobre as relações entre história e cinema dão ensejo, a
partir dos anos 90, a um hoje vasto subcampo acadêmico (“Film History
Theory”) formado, sobretudo, por pesquisadores advindos dos Estudos de
Cinema, da História e da Comunicação. Seria improdutivo para o trabalho
e impossível, pela exiguidade de espaço, sequer esboçar a epistemologia
específica de tal nicho. Interessa-nos, porém, reter a contribuição de um
conjunto de três historiadores e um linguista, citados de forma recorrente em
tal subcampo, que produziram reflexões passíveis de serem concatenadas de
forma a fornecer uma contribuição metodológica coerente para este trabalho.
O primeiro desses pesquisadores é o linguista russo Mikhail Bakhtin,
através do conceito de cronotopia. Formulado no interior dos estudos linguísticos
como uma resposta tardia ao formalismo russo dos anos 20, veio a público em
1937, através do ensaio “Forms of Time and Chronotope in the Novel”, mas só se
popularizaria nas universidades ocidentais a partir dos anos 60. Em sua formulação
original, a noção bakhtiana de cronotopia diz respeito a um processo de mão
dupla em que, por um lado, as representações erigidas pelo romance influenciam,
através de processos como identificação, comparação e estranhamento, entre
outros, a percepção do leitor, no tempo presente, acerca do mundo em que vive;
e, por outro lado, em que as alterações por que o mundo social passa ao longo do
tempo modificam a percepção do leitor acerca das representações efetuadas no
romance. O próprio Bakhtin assim resumiu o processo:

A obra e o mundo nela representado projetam-se para o mundo real e o enriquecem, e
o mundo real adentra a obra e seu universo como parte do processo de criação, bem
como parte de sua vida subsequente, numa renovação contínua da obra através da
percepção criativa de ouvintes e leitores. Evidentemente, esse processo de trocas e
mediações é, em si, cronotópico: ele ocorre primeiro e de forma mais proeminente
no mundo social historicamente desenvolvido, mas sem jamais perder contato com o
espaço histórico em mutação, num processo contínuo de renovação da obra através da
percepção criativa de ouvintes e leitores (BAKHTIN, 1981 [1938], p. 254).

Tal formulação, embora interior às reflexões de Walter Banjamin sobre
história, acaba por dialogar com estas, particularmente na forma como conecta
a percepção - ou mesmo o registro da existência - do passado à sua evocação no
presente. Como parte de um processo que acabou por alçar parte considerável
da produção teórica do linguista russo a um papel relevante também em relação

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à teoria cinematográfica, o conceito de cronotopia seria adaptado para os
Estudos do Cinema por acadêmicos como os professores Robert Stam (NYU),
Hamid Naficy (Northwestern) e Vivien Sobchak (Berkeley), que ajuda a definir a
cronotopia:

Dotada por Bakhtin de uma variedade de conotações e funções, a cronotopia é uma
ferramenta para análises sintéticas, não somente por identificar e confirmar a força
e informação acerca do espaço na estrutura temporal [...], mas também por abranger
historicamente a relação fenomenológica entre texto e contexto de um modo mais
fluido do que aquele possibilitado pelas análises genéricas tradicionais (SOBCHAK,
1998, p. 149)

Em outro eixo, a prioridade que os cineastas neorrealistas concedem aos
ambientes urbanos - seja com intencionalidade documental, como ambientação
realista, ou como tema central -, somada à filmagem nas ruas e à tematização
das relações sociais, tende a ser potencialmente fecunda para análises que
privilegiem o que o historiador Marc Ferro chama de “entorno documental” (1975).
Tal conceito, como o nome indica, refere-se à apuração de dados documentais
e históricos, mesmo em filmes ficcionais, através da atenção a elementos
acessórios às tomadas, em sequências não filmadas em estúdios.

Ainda na França, a produção teórica de Michèle Lagny e Pierre Sorlin,
individual ou em dupla, dialoga – e eventualmente conflitua – com os pressupostos
de Ferro. Ambos destacam-se pela proposição de metodologias específicas
para a análise de questões históricas no cinema. Enquanto Lagny sistematizou
o seu método em uma única publicação, que se tornou referencial (1992), Sorlin,
que tem uma produção concentrada no exame da produção cinematográfica
europeia, esboçou suas propostas analíticas em diferentes trabalhos publicados
entre 1980 e 2015, Em comum, os dois franceses advogam por uma metodologia
histórico-cinematográfica que leve em conta tanto a análise fílmica quanto fatores
externos à produção, desde aqueles ligados às motivações do filme até os que
se relacionam à sua recepção. A diferença é que a abordagem de Lagny propõe
uma análise fílmica mais verticalizada e detalhada, uma espécie de arqueologia
das representações que vasculhe indícios históricos em cada área específica
(cenografia, maquiagem, trilha sonora, etc.), em um processo eventualmente
complementado por pesquisas adicionais. Trata-se, portanto, de um método que
depende, de um lado, de alguma expertise em análise fílmica; e, de outro, de bom
grau de conhecimento histórico ou da capacidade de pesquisa de temas de tal

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campo.
Já Sorlin, embora não deixe de valorizar o papel da análise fílmica, dá mais

peso, em sua metodologia, a fatores exteriores à narrativa, sobretudo aqueles
relacionados ao filme enquanto produto cultural industrial e à análise passível de
ser feita a partir da contraposição entre:

1) O que e como é narrado; 2) O repertório imagético da produção – dividido
entre “imagens primárias” (fotos promocionais, artigos em revista, cartazes, as
imagens dos próprios fotogramas que compõem o filme) e “imagens globais”
(universalmente identificáveis); 3) O grau de inserção comercial e circulação
cultural do filme enquanto produto e a especulação das razões que o determinam.
Em suas próprias palavras:

Não estamos interessados nem em filmes como obras de arte nem em cinema enquan-
to linguagem; queremos aprender os filmes como imagens (feitas de som, fotogramas
e palavras) disponíveis em sociedades contemporâneas. Filmes são objetos, mas ob-
jetos de um certo tipo, industrialmente produzidos, vendido ao público que os compra
em troca de prazer, e o nosso contexto [analítico] deve conter todas essas caracterís-
ticas. (SORLIN, 1991, p. 9)

Este artigo, embora eventualmente recorra às metodologias analíticas de
Lagny e Sorlin, não tem a ambição de incluir aspectos extrafílmicos na pesquisa.
Seu escopo, no que diz respeito à metodologia, limita-se ao exame do que é
oferecido pela narrativa dos filmes selecionados. Para tanto, além do trabalho
dos autores mencionados, recorre-se à análise fílmica de perfil semiológico
(BELLOUR, 2000; VANOYE e GOLLIOT-LÉTÉ, 1994) e ao método de estruturação
analítica desenvolvido, em seu estudo clássico sobre Humberto Mauro, por
Paulo Emílio Salles GOMES (1974), com eventuais incursões à análise do discurso
(ECO, 2005; ORLANDI, 2007) para um desvendamento mais aprofundado de
significados.

Deve-se ressalvar que não se objetiva, aqui, oferecer uma análise fílmica
que contemple todos os polos e principais desenvolvimentos dramáticos de cada
narrativa, apenas o necessário para uma apreensão compreensiva geral: o foco
é priorizar o exame do papel que os centros urbanos desempenham nos filmes
selecionados, em um esforço para desvelar sua significação.

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As cidades segundo o neorrealismo: análise dos filmes

Escombros, ruínas, e alguma vida: Alemanha, Ano Zero

Uma cidade bombardeada, quarteirões arrasados, restos de incêndio em
meio à destruição. Durante 70 segundos, a abertura de Alemanha, Ano Zero
(Roberto Rosselini, 1948) limita-se a apresentar ao espectador, em registro
documental, o espetáculo da destruição urbana causado pela guerra. Nenhum
personagem humano, nenhuma trama propriamente dita. Só, em sucessão de
travellings horizontais fundidos, o impacto, sobre o espectador, da imersão em
escombros do que um dia foi local de moradia ou trabalho de dezenas de milhares
de pessoas, enquanto os créditos são exibidos e com a a atmosfera de destruição
enfatizada por uma trilha sonora pungente. Assim, já de início a narrativa explicita
que, mais do que cenário e locus da ação, a cidade desempenha uma função
propriamente dramática no fime em questão.

Em seguida, em um procedimento cuja raridade, na história do cinema,
acaba por reforçar a intenção de sublinhar tal protagonismo urbano, a mesma
sequência de imagens é repetida, em idêntica montagem, desta feita com os
créditos substituídos por uma voz em off que reforça tanto o aspecto documental
quanto a importância, para o significado do filme, da cidade em questão: “Este
filme, rodado em Berlim no verão de 1947, não visa mais do que fornecer um quadro
objetivo e realista desta imensa cidade semidestruída, onde três milhões e meio
de pessoas vivem uma existência desesperada, quase sem se darem conta disto.
”.

Esse evidente protagonismo dado à cidade justifica-se e, ao mesmo
tempo, é facilitado, em grande parte, pela pletora de significações facilmente
identificáveis em relação ao duplo fenômeno de uma metrópole quase totalmente
destruída e por esta cidade específica, palco final da Segunda Guerra, ter abrigado,
nos anos imediatamente anteriores à filmagem, o centro da então maior ameaça
à democracia e à autonomia dos povos.

O início propriamente dito da trama, logo após os créditos, confirma o
protagonismo da cidade em Alemanha, Ano Zero: em um plano geral bem aberto,
com um bosque tomando a metade inferior da tela, Berlim é apresentada de
longe, em lenta panorâmica circular à direita que termina com um movimento

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vertical descendente até um cemitério, que, após uma fusão de imagens, é
mostrado povoado de trabalhadores, em sua maioria crianças, brigando pelo
direito de cavar covas em troca de 250 gramas de margarina americana. À alusão
metafórica à morte, produzida pela contraposição entre imagens de escombros
da guerra e do cemitério, a narrativa acrescenta, já de saída, um retrato do grau de
desespero ali vivenciado, da dissolução ética e da exploração do corpo humano –
mencionando, ainda, com amarga ironia, os termos das relações entre parte dos
habitantes e os “libertadores” americanos.

Tais temas, que serão abordados, de forma recorrente, durante todo o
filme, são retomados já na apresentação do protagonista, um menino de seus
11, 12 anos, Edmund Köhler (Edmund Moeschke): a mera caminhada do cemitério
onde trabalha ao prédio em escombros onde vive reforça o desespero e a fome
vigentes: ele presencia populares tentando retalhar um cavalo atropelado para
se alimentar e, para poder cozinhar, recolhe restos de carvão caídos de um
caminhão.

A entrada de Edmund em cena altera a dinâmica de protagonismo e de
significação do filme. A cidade não apenas continua a desempenhar um papel de
extrema relevância, mas o fato de dividir seu protagonismo com o personagem de
um menino em um cenário de esgarçamento social tende a multiplicar a gravidade
das denúncias. Por dois motivos principais: do ponto de vista da caracterização
do personagem, pela fragilidade psicossocial etária e pela presumida ausência de
base educacional e ética de uma criança que cresceu sozinha em meio à guerra; e,
no que diz respeito às caracterizações externas atribuíveis ao personagem, pelo
retrato de um menino em luta pela sobrevivência facilitar alusões metafóricas ao
futuro, tanto dele enquanto sujeito quanto como representante da sua geração e
país.

Essa alusão metafórica, será utilizada de forma recorrente ao longo da
narrativa, e pode ser exemplificada até mesmo em uma sequência sem falas, de
uma só tomada, um longo plano-sequência cuja duração e (só) aparente gratuidade
dramática tornam significativa: após ser repreendido por um policial por catar
carvão do chão, Edmund é mostrado de frente, em plano médio, caminhando em
direção à câmera em um caminho ladeado de escombros. Ele para, olha à direita
e à esquerda, para onde decide caminhar. A câmera o acompanha de lado, em
travelling paralelo que acaba por se transformar em um movimento panorâmico
horizontal, até que, com a música dramática num crescendo, o menino é mostrado

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de costas, em profundidade de campo, caminhando por uma rua ladeada de
escombros de ambos os lados. Para onde?

A resposta a esta questão será dada, de forma trágica, ao final dos 78
minutos do filme. Os acontecimentos que a pavimentam estarão diretamente
ligados à cidade em ruínas, mesmo quando encenados em ambientes interiores.
Mas, no que diz respeito propriamente à trama, é o encontro casual, na rua, de
Edmund com um ex-professor, Karl-Heinz (Franz-Otto Krüger), que deflagra o
processo que induzirá ao desfecho. Valendo-se da notória influência que exerce
sobre o ex-pupilo, o professor o convence a ir ao quartel-general dos norte-
americanos tentar vender nada menos que um discurso de Hitler. O filme fornece,
assim, uma primeira caracterização de Karl como um simpatizante nazista – que
será corroborada sequências adiante, por meio de um diálogo com um amigo –, e
uma metáfora sobre o desprestígio da educação, em mais uma amostra do grau
de corrupção moral daquela sociedade. A segunda sequência após o reencontro
entre os dois oferece, não apenas no entorno documental, mas com destaque, um
precioso registro cronotópico do transporte urbano de Roma, com um grupo de
pessoas no ponto esperando o bonde, sua chegada dominando todo o lado direito
da tela, o desembarque dos passageiros – com uma delas olhando diretamente
à câmera, com um sorriso envergonhado que quebra e denuncia o ilusionismo
fílmico -, sucedido do embarque dos demais passageiros, incluindo o professor e
seu ex-aluno, e a partida do bonde, até sair completamente de quadro, deixando
ao fundo, por uma duração que a destaca, a imagem de um prédio em ruínas.

As pregações amorais do mestre – que, através do encontro com um
amigo, tem seu passado de apoiador do nazismo corroborado para o espectador -
acabam sendo compreendidas pelo ex-aluno como um estímulo cifrado para que
mate o próprio pai, acamado. Trata-se de uma sequência paradigmática do modo
como a mise en scène não apenas utiliza os escombros para fins dramáticos, mas
eventualmente os prioriza em relação aos personagens de carne e osso: Edmundo
é acompanhado, em plongée, do momento em que ele entra no prédio (cujo
primeiro andar está em ruínas) até quando sobe para o segundo andar e, agora
com a tomada em contra-plongée, atinge o final da escada, onde a escuridão não
permite ver praticamente nada. A tela fica escura; ouvem-se apenas e gemidos.
O pai está morto.

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O bloco narrativo em que se dá a débacle final de Edmund, embora se inicie
no apartamento do professor – que reage furioso ao saber que Edmund matara
o pai -, tem todo seu desenvolvimento espacial e dramático nas ruas de Berlim:
ao sair correndo do apartamento, Edmund tenta se enturmar com garotos que
jogam bola, mas é rechaçado, numa sequência que acaba, mais uma vez, com uma
tomada metaforicamente significativa do garoto caminhando sozinho no sentido
contrário ao da tela, ladeado por escombros. Privado da infância, Edmund torna-
se definitivamente um pária ao ser rejeitado pela família, que não o perdoa pelo
parricídio.

Alemanha, Ano Zero, para além de um registro (semi)documental ou de
uma ficção de forte tonalidade realista acerca de um momento histórico, é
intencionalmente dotado de uma teleologia dramática, para a qual o espaço
urbano desempenha papel fundamental:

O diretor expressa significados implícitos, escondidos em tomadas de paisagens apa-
rentemente reais, entrelaçando continuamente dois mundos sobrepostos: por um
lado, o das ruínas da guerra que acabou de terminar e por outro um primordial e mítico
que pode ser vislumbrado” (STEVANOVSKA, 2019, p. 15).

Mas o final do filme não deixa margem para esperança. A dupla significação
metafórica atinge a culminância através do paralelismo entre os escombros
físicos que a guerra causou à cidade e o desmoronamento psicológico que aflige
o menino, culminando com seu suicídio – que, reforçando a significância de tal
paralelismo, se dá pulando do que restou de um edifício para as ruínas abaixo.

O final de Alemanha, Ano Zero, além de romper um tabu ainda hoje vigente
em termos de representação da infância, explicita tanto o engajamento crítico
quanto estético do movimento: “Com cenas filmadas in loco, em locais devastados
por bombas, transformados em ruínas, ou paisagens de uma urbanidade perdida,
assim como a esperança e civilidade de seus habitantes, o cinema neorrealista se
impôs como crítica social e denúncia de uma realidade que a estética tradicional
fílmica não mostraria” (SANCHEZ, 2015, p. 232).

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A cidade como metáfora do poder e do capital: Umberto D

Assim como Alemanha, Ano Zero, a tomada inicial de Umberto D (Vittorio De
Sica, 1953) também prioriza a imagem de uma cidade. Mas, ao contrário do filme
de Rosselini, a tomada é estática, em leve plongée e, enquanto os créditos iniciais
são exibidos, não focaliza destroços, mas sim a atividade de uma movimentada via
urbana, ladeada de prédios e estabelecimentos comerciais e com intenso tráfego
de carros, motocicletas e carroças. Aos poucos, o que, nos segundos iniciais, não
passava de uma mancha escura indistinta, em profundidade de campo, no canto
inferior esquerdo da tela, revela-se uma passeata de protesto, que vai tomando
quase toda a rua, com predomínio de homens de idade avançada, que brandem
cartazes pedindo aumento nas aposentadorias.

Ao chegarem ao prédio do ministério, a polícia os impede de avançar.
Com exceção de dois planos de conjunto que estabelecem a disposição física
de protestantes e agentes da lei, toda a sequência é construída com closes
sucessivos, com um quê de montagem soviética, de indivíduos que ora descrevem
a miséria em que se encontram, ora verbalizam reivindicações. Após a dispersão,
executada através de jipes militares que saem das estreitas ruas circundantes,
o que resta dos protestantes é enfocado em um plano geral, em profundidade de
campo, contrapondo-os ao enorme edifício ministerial, cuja monumentalidade,
reforçada pela tomada em contra-plongée e pelo intenso reflexo da luz solar em
sua fachada, sugere a retomada, em clave neorrealista, dos procedimentos de
representação identificados por Dale VACCHE parágrafos acima mencionados:
metaforicamente, é como se o poder do Estado, encarnado pelo prédio que o
abriga, oprimisse os manifestantes e, assim como efetivamente os policiais o
fazem, os ameaçasse.

O protagonista Umberto (Carlo Battiti), em diálogo com Orazio,
companheiro de fuga e outro idoso na miséria, relata que, das 18 mil liras que
recebe de aposentadoria, 10 mil se destinam a pagar o aluguel do quarto em que
mora, valor que acaba de ser aumentado. No início do filme, portanto, a cidade,
é apresentada não apenas como como local de embate entre forças sociais –
aqueles que reivindicam condições dignas de vida versus a polícia, braço armado
do Estado, que os reprime -, mas, ao sopesar, através do diálogo, o peso do aluguel
no orçamento mensal de Umberto, o meio urbano é caracterizado também como

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fator de carestia e opressão econômica.
No próximo bloco narrativo (GOMES, 1974), diversas sequências em

interiores detalham a situação de Umberto – sem dinheiro para a subsistência,
faminto, prestes a ser despejado, doente, tendo como aliados apenas seu
cãozinho Flike e Maria, a empregada da pensão (Maria Pia Casilio). Ante o despejo
iminente, ele concorda em ser internado num hospital público, seja por uma
cama para dormir, seja pela esperança em se curar. Mas, ante o pouco-caso dos
médicos e a alta rotatividade indicativa da pobreza geral, logo é posto pra fora. A
sequência em frente ao hospital é paradigmática da apreensão neorrealista das
técnicas de representação do cinema fascista, ressignificadas narrativamente:
a monumentalidade do hospital é inicialmente destacada em um plano aberto
lateral, em profundidade de campo, que faz com que a construção ocupe mais
da metade da tela. Umberto e um amigo saem para a rua atravessando o arco
da porta, e se evidencia a desproporção entre o tamanho dos dois homens e
o da construção. O cumprimento que trocam, despedindo-se, é interrompido
pela chegada de uma ambulância que quase os atropela ao adentrar pelos
arcos, sublinhando a desconexão dos personagens com a velocidade do mundo
moderno.

O entorno documental das sequências externas seguintes, que retratam o
esforço de Umberto para resgatar Flike, recolhido a um canil púbico e prestes a ser
sacrificado, além do que oferecem de elementos para a análise dos direitos dos
animais em perspectiva histórica, são ricas pelo que retêm das ruas do subúrbio
de Roma, por onde circulam: veem-se operários trabalhando no asfalto, militares
em meio aos transeuntes, velhos comerciantes em uma feira de rua montada
numa praça. O volume e o modelo de carros que por elas circulam servem de
objeto a uma cronotopia automobilística, pois o que foi apreendido como realista
quando da exibição do filme, tende a causar estranheza ao espectador de hoje,
seja pelo ritmo e volume menores de trânsito, em comparação com o de uma
capital europeia atualmente, seja pelo tamanho maior e pelos formatos dos
carros, muito diferentes dos atuais.

Após o ultimato da senhoria a Umberto, de que será atirado às ruas no da
seguinte, a narrativa se vale de uma iluminação mais escura e, através da angulação
dos enquadramentos, da ênfase na contraposição das dimensões físicas humanas
à das construções, enfatizando a monumentalidade das edificações do centro de
Roma. O cair da noite marca a passagem para as sequências que constituem o

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clímax dramático do filme. Logo no início, uma tomada demora-se no retrato de
um cinema de rua, seus cartazes, seus luminosos, a disposição espacial com a
bilheteria na ao centro e as entradas ao lado, a chegada de homens de terno e
mulheres de vestidos, ambos de chapéu, formando um registro valioso para uma
cronotopia da atividade cinematográfica, que Ladrões de Bicicleta, próximo filme
sob análise, enriquecerá.

Formando um bloco narrativo unido não apenas espacialmente (as ruas
centrais de Roma), mas dramaticamente, com quase sete minutos de duração e
composto de 33 tomadas, as sequências que encenam as tentativas desesperadas
de Umberto de conseguir dinheiro para subsistir marcam, segundo a maioria dos
críticos, o ápice do filme, tanto em termos estéticos quanto dramatúrgicos. Tanto
seu embaraço e constrangimento ao abordar amigos quanto, sobretudo, sua ao
fim insuperável vergonha em esmolar – função para qual designa o cachorrinho –
primam por um agridoce equilíbrio entre a dramaticidade e um leve tom cômico
que tem algo de chapliniano. São, também, as mais profícuas em sugestões de
temas para análise da representação da cidade no neorrealismo. A expressão
do protagonista, a fotografia escurecida, a música e, sobretudo, a mencionada
contraposição da fragilidade humana à monumentalidade das edificações
impregnam a narrativa de uma atmosfera crepuscular, desesperançada, visando
transmitir ao espectador o estado de ânimo de Umberto.

De volta a seu quarto, encontra-o vazado por um enorme buraco na parede,
fruto de uma reforma que a senhoria decidiu fazer sem sequer avisá-lo. Ali,
tomado pelo desespero, Umberto aventa uma solução radical, em um sequência
cujo sentido é construído apenas com recursos visuais e sonoros, sem fala ou
expressão de pensamento. Um plano de conjunto retrata Umberto sentado em
sua cama, pensativo, quando o reflexo das faíscas de luz provocadas pelo atrito
do bonde com os trilhos, na rua, chama a sua atenção. Ele levanta-se e caminha,
acompanhado por uma panorâmica à direita, até ficar em primeiro plano;
quebra-se o eixo da câmera e ele é mostrado, em plano de conjunto, do lado
oposto à cama, olhando pela janela. Uma elegante tomada em plano médio, em
contra-plongée, captura, visto por cima, o bonde passando, os trilhos ladeados
pelos paralepípedos molhados e um lampião acima, em primeiro plano. Em nova
sucessão plano de conjunto/quebra de eixo, Umberto abre a janela. Com a música
num crescendo dramático e o zoom fechando primeiro no rosto de Umberto,

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depois nos trilhos do bonde, a ideia do suicídio é claramente anunciada.
Mas ao voltar-se para o quarto, Umberto depara-se com Flike, e dar um

destino digno ao cachorro passa a ser a o fio que o liga à vida, a motivação última
antes de deixar de viver.

O último bloco narrativo retrata os esforços do protagonista para dar
um destino digno a Flike. O anticlímax das tomadas da cidade ao amanhecer,
captando as ruas povoadas do dia anterior agora vazias - e o cinema fechado –
colabora para a atmosfera depressiva. O périplo em busca de um cuidador para
o cão inclui tanto uma sequência inteira no interior de um bonde - em um valioso
acréscimo para o registro cronotópico dos transportes púbicos nos filmes-tema
deste artigo -, quanto uma visita a zonas suburbanas da cidade, oportunidade
para constar que, embora as edificações, em medidas verticais, não fiquem nada
a dever às das zonas centrais, seu estado de conservação denuncia seu grau de
decrepitude.

Embora permaneça urbano, o ambiente da última sequência diferencia-
se bastante dos anteriormente apresentados no filme: o parque, próximo à
linha férrea, onde se dão as últimas tentativas de Umberto de se livrar de forma
digna de seu bicho de estimação, presenteando uma garotinha. Após o cão
conseguir evitar a própria morte sob os trilhos do trem, nos braços de seu dono,
será também o palco onde, reforçando a caracterização chapliniana, Umberto e
Flike, caminhando parque adentro, em profundidade de campo, se resignam a
continuar a vida, ainda que sem remédio ou solução.

A ambiguidade da cidade capitalista em Ladrões de Bicicleta

O filme abre, ainda com os créditos sendo apresentados, com uma
panorâmica circular à direita focalizando uma jardineira chegando ao ponto
final, no que pode ser elencado como mais um elemento para um estudo das
cronotopias do transporte público em Roma. O ponto localiza-se em “um bairro
periférico, em que se tem a arquitetura de conjuntos habitacionais da classe
operária, denotando desde já a importância desse aspecto para a narrativa do
filme” (SANCHEZ, 2015, p. 235).

Da jardineira e dos arredores vem uma pequena multidão de homens, à
espera de serem chamados para trabalhar. Antonio (Lamberto Maggiorani) é

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chamado, mas não tem uma bicicleta, imprescindível para a vaga. As sequências
seguintes, que mostram seu périplo para arrumar o veículo, se iniciam com seu
encontro com a esposa, Maria (Lianella Carell), oportunidade para o filme retratar
tanto a aridez e a pobreza da vida nos conjuntos habitacionais quanto a dureza
da lida das mulheres, obrigadas a carregar pesados baldes para obter água de
um poço. Apenada da situação, Maria vence a resistência dele e penhora todo
o enxoval da casa, possibilitando recuperar a bicicleta da família, que também
havia sido penhorada.

Como observa Pierre Sorlin, a representação da cidade em Ladrões
de Bicicleta
(Vittorio De Sica, 1948) apresenta como diferencial a atenção que
dá a áreas suburbanas de Roma, algo raro de se ver nas demais produções do
movimento filmadas na capital: a maioria das sequências externas se passa no
empobrecido lado Oeste da cidade, com incursões a áreas mais afluentes (centro
e zona Leste) praticamente limitadas ao cumprimento das funções trabalhistas
por parte de Antonio (SORLIN, 1991, p. 120-123).

A notória exceção, com duração de um minuto e meio e formada por sete
tomadas, todas nas ruas de Roma, é sequência em que o casal, alegre após
recuperar a bicicleta, se desloca sobre ela, do local de emprego de Antonio
para uma cartomante. O grau de resolução da mise en scène (ritmo, decupagem
e movimentos de câmera, iluminação, trilha sonora, desempenho dos atores)
corrobora aquela habilidade especial dos realizadores neorrealistas para o
tratamento do ambiental e do humano à qual o citado Bazin se refere. Aos olhos de
hoje, fornece, ainda, um registro variado da vida, tanto nas ruas centrais quanto
no subúrbio, com destaque para diversidade da fauna urbana – padres de batina,
trabalhadores braçais, madames, militares, muitas crianças -, para as fachadas e
vitrines dos estabelecimentos comerciais e, uma vez mais, para o transporte nas
movimentadas artérias centrais.

A introdução, na trama, do filho de oito anos de Antonio, Bruno (Enzo Staiola)
adiciona lirismo – e uma pitada de humor -, através do retrato do carinho paterno e
da idolatria do garoto pelo pai. Ponto alto do filme, a sequência em que, com o dia
nascendo, os dois saem, da casa para o trabalho, na bicicleta tornou-se um ícone
do cinema mundial, sendo reiteradamente citada e aludida - inclusive no filme
brasileiro O Grande Momento (Roberto Santos, 1959), com Gianfrancesco Guarnieri
emulando Antonio. Com duração de dois minutos e vinte segundos, compõe-se
de nove tomadas que, alternando-se entre, por um lado, tomadas fechadas que

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sublinham o estado de ânimos dos personagens, e planos abertos elaborados
e sugestivos em termos de significação, eventualmente em movimento, com
particular cuidado com a iluminação, de modo a transmitir ao espectador que se
trate de um périplo longo e que se inicia ainda com os resquícios da noite e termina
com o sol já alto. O resultado é, ao mesmo tempo, de incomum plasticidade e
notável técnica cinematográfica, a serviço tanto da eficiência narrativa quanto
do estímulo à empatia espectatorial com os personagens, humanizando-os ainda
mais.

O idêntico figurino de pai e filho, o mesmo omelete embrulhado que guardam
no bolso do macacão operário, o fato de ambos se deslocarem no mesmo horário
de outros vestidos como eles – divididos entre muitas bicicletas e uma jardineira
com passageiros dependurados para fora -, culminando com o diálogo em que
Antonio diz ao filho (quando este desembarca no posto de gasolina em que trabalha)
que passa às 19 horas para apanhá-lo aponta para a continuidade histórica de um
processo de exploração trabalhista que indistingue adultos e crianças. Toda a
sequência é altamente sugestiva em termos de cronotopias, tanto em relação à
já mencionada representação do transportes quanto do trabalho.

O modo como a sequência correlaciona os personagens e o espaço é
ilustrativo de um processo que David Brancaleone, autor de um livro em dois
volumes sobre a influência do neorrealismo na América Latina, assim descreve:

Pode-se argumentar que a prática espacial neorrealista revela a complexa realidade
da cidade dialética e trabalha através de um novo tipo de ficção, que se inscreve e se
confronta com a vida cotidiana. Ela descreve e pesquisa, mapeia e mede, determina
e define o espaço, trazendo-o à visibilidade por meio da câmera. O pano de fundo da
cidade ganha vida quando ela é encontrada e atravessada por personagens neorrealis-
tas” (BRANCALEONE, 2014, p. 5-6).

Em termos de representação da cidade, a sequência delineia com clareza,
ao longo do trajeto dos personagens, as diferenças urbanísticas entre o subúrbio
e as ruas mais centrais de Roma: à medida que a caravana de trabalhadores
avança, vai deixando para trás ruas empoeiradas e esburacadas, depois largas
avenidas ladeadas de árvores e com desolados conjuntos habitacionais ao fundo,
refletidos pelo sol, e adentrando vias asfaltadas e mais estreitas, ladeadas de
estabelecimentos comerciais e com grande fluxo de pessoas e veículos – incluindo
bondes no lugar de jardineiras.

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Ainda no mesmo bloco narrativo, mas em novo conjunto de sequências, o
início da atividade de Antonio como colador de cartazes de filmes dá ensejo a
uma série de alusões metacinematográficas, que vêm adensar as cronotopias
da atividade cinematográfica anteriormente propostas. Inicia-se com uma
referência ao cinema clássico e ao star system hollywoodiano com Antonio
colando um cartaz da icônica imagem de Rita Hayworth no filme Gilda (Charles
Vidor, EUA, 1946), que a mitificou como “a mulher inesquecível”. Seguem-se
referências às comédias do período silencioso, primeiro na interação entre o
outro colador e as crianças que os rodeiam, depois na alusão ao personagem de
Charles Chaplin, quando uma das crianças acompanha um senhor que caminha
em direção contrária da tela, em profundidade de campo, emulando Carlitos.

O bloco narrativo seguinte se inicia com uma acentuada mudança na
tonalidade dramática, com o roubo da bicicleta de Antonio por um transeunte. Toda
a sequência da tentativa de perseguição ao ladrão é, ao mesmo tempo, de grande
tensão e suspense e muito dinâmica em termos de movimentação espacial. As
ruas comerciais de Roma são mostradas de diversos ângulos, incluindo planos
bem abertos do alto, que fornecem, ao mesmo tempo, a dimensão dos termos da
perseguição e um registro semidocumental das movimentações e fluxos urbanos,
com destaque para o caótico trânsito de veículos e a considerável quantidade
de pessoas (muitas aparentemente sem consciência prévia das atividades de
filmagem, a julgar por suas reações).

A rigor, o bloco narrativo em questão só irá se encerrar perto do final do
filme, quando Antonio perder as esperanças de recuperar sua bicicleta e decidir-
se por uma medida desesperada. Entre o roubo e tal momento, há uma série de
oito sequências em que predomina o esforço de recuperação do veículo, em meio
a tramas acessórias envolvendo temas conjugais e morais com tramas acessórias
passadas em interiores (igreja, escritório, casas de Antonio, da cartomante, do
jamais autuado ladrão), em sua maioria protagonizadas pelo pai e seu filho. O
ponto culminante do bloco é o modesto jantar numa pizzaria, no qual, através
das reações de Bruno à empáfia de outro garoto, sentado em uma mesa onde
um grupo bem-vestido desfruta de um banquete com vinhos e diversos pratos.
Saudada, entre outros, por Paulo Emílio Salles Gomes e David Neves, a sequência
evidencia a capacidade de combinar denúncia social e lirismo.

No que se refere especificamente ao espaço urbano, o fato de o roubo
da bicicleta os obrigar a de deslocarem a pé gera uma acentuada mudança na

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velocidade do deslocamento, o que por sua vez limita a diversidade de ambientes.
O grande destaque são as sequências em uma feira livre, muito similar àquela de
Umberto D, com a impressão de realidade sugerindo um registro semidocumental
do modo de se vestir e se comportar em um comércio popular.

Após resultarem infrutíferas suas tentativas de recuperar a bicicleta mesmo
após Antonio localizar e confrontar o ladrão, ele se ostra desolado, perambulando
pelas ruas de Roma com o filho. As sucessivas imagens de bicicletas sem dono
por perto, disponíveis nas ruas de Roma, contrapostas a tomadas de Antonio a
observá-las, fazem coincidir o olhar do espectador e o do personagem no interior
da narrativa, permitindo ao primeiro identificar o estágio psicológico do segundo
e antecipar sua predisposição ao ato de furtar. Trata-se de um expediente
que parece exemplificar o diagnóstico da pesquisadora Renata Latuf Sanchez
segundo a qual, [em Ladrões de Bicicleta], “o espaço urbano representado
exerce uma influência constante sobre as ações dos personagens, que parecem
ser guiados por este espaço e suas atividades” (SANCHEZ, 2015, p. 238).

Em vários filmes neorrealistas, a cidade, do ponto de vista sociológico, é
representada como um microcosmo da sociedade italiana mais popular, habitat
do “homem do povo”. Neste sentido, “torna-se um “material” moral e sociológico,
um lugar em que, sobretudo, concentra-se uma aglomeração humana e social de
miséria e desespero, [ainda que] sua significação em termos metafóricos resulte
ambígua e mais diversificada” (VIGNI, 2017, p. 17). Em Ladrões de Bicicleta ela pode
significar, por exemplo, tanto o espaço de exploração quanto de oportunidades
para o trabalhador, pois é a necessidade de divulgar os filmes que o cinema da
cidade exibe que dá ao pai a chance de ganhar o sustento de sua família; mas,
por outro lado, é um crime majoritariamente urbano - o furto de um meio de
transporte – que determina tanto seu desespero, ao ver-se privado de seu meio
de ganhar a vida, quanto sua desgraça, ao tentar furtar outra bicicleta.

Se a piedade que Bruno mostra-se capaz de despertar salva o pai do
linchamento e da prisão, custa a este o respeito do filho, que em vergonha se
transforma. Mas, ao final, as mãos dadas ao caminharem, ladeados de uma
multidão, em direção ao crepúsculo, em profundidade de campo, aponta para o
perdão.

Tudo somado, o final de Ladrões de Bicicleta oferece uma visão negativa da
cidade. A exclusão de pai e filho parece sugerir uma metáfora segundo a qual as
benesses que o meio urbano pode oferecer são vetadas aos menos favorecidos. O

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fato de o menino tomar parte da multidão que marcha em direção ao crepúsculo,
somado à anteriormente estabelecida continuidade de posição social entre pai e
filho, indica, metaforicamente, que se trata de um estado de coisas que tende a
se prolongar para as próximas gerações.

Conclusões

Ao lado de Bazin, Siegfried Kracauer, expoente da segunda dentição da
Escola de Frankfurt, se valeu de forma pioneira e extensiva do neorrealismo
italiano para aprofundar o debate sobre o realismo no cinema. Segundo ele,
Ladrões de Bicicleta e Umberto D estão entre os filmes em que “os protagonistas
não são tanto indivíduos particulares, mas tipos que representam grupos inteiros
de pessoas” (KRACAUER, 1965, p. 164).

À luz do que afirma Kracauer, pode parecer uma contradição a constatação
de que os três filmes neste artigo analisado cumprem duas das principais
propostas programáticas de Cesare ZAVATTINI (1979) para o neorrealismo: retratar
o cotidiano de pessoas comuns, e fazê-lo através do recurso ao pendimento,
ou seja, acompanhando “de perto” e com vagar seus atos, sem as abreviações
apressadas e “objetivas” do modo institucional de representação hollywoodiano
(que se vale da montagem para suprimir gestos e acelerar a narrativa).

Nos três casos analisados, tais escolhas acabam por reforçar a centralidade
do humano nos filmes neorrealistas e, ao mesmo tempo desempenham papel
fundamental no retrato da infância arrasada pela guerra em Alemanha, Ano Zero;
na falta de perspectivas – materiais, sociais, psicológicas – da velhice em Umberto
D
; e na denúncia de um ciclo de exploração e exclusão que tende a se perpetuar
em uma sociedade fragmentada por desigualdade e corrupção em Ladrões de
Bicicleta
.

A aparente contradição entre a produção de metáforas sociais – no
sentido mais amplo do adjetivo –, a partir de retratos cotidianos e humanistas
do(s) protagonista(s), denota, para além da intencionalidade dramatúrgica que
a construção de roteiros proporciona, uma capacidade de transformação do
particular no universal que constitui uma das pedras de toque do neorrealismo
italiano.

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Mas, talvez a análise dos filmes neste artigo apresentada permita sugerir que
esse diferencial representativo centralizado no indivíduo mas metaforicamente
eficaz tem um preço – e o custo seja pago, em parte pelo menos, pelo espaço (no
sentido físico, geopolítico do termo). E de duas maneiras principais, combinadas
ou não: “despersonalizando” o espaço, deixando de valorizar o que a cidade
tem de peculiar, de famoso, de distintivo, de turístico, de mais simbólico; e
“metaforizando” o espaço, ou seja, impregnando-o de sentidos metafóricos, a
exemplo do que acontece com os protagonistas.

Esse processo dual é corroborado por todos os filmes neste artigo
examinados. Nenhum deles dá destaque ou sequer contempla com algum vagar
marcos urbanos distintivos das cidades retratadas. Tanto Umberto D quanto
Ladrões de Bicicleta
têm, como apontado, diversas sequências em que Roma
tem um papel relevante para a narrativa, porém quando não metafórico (o uso
das edificações como símbolo do poder em Umberto D; o final de Ladrões... com
a multidão marchando ladeada de prédios sugerindo um matadouro) ou alegórico
(a cidade como espelho do capitalismo, como apontado por diversos críticos em
relação a Ladrões...), não suficiente para distinção exclusiva. Pois mesmo do que
se consegue distinguir no entorno narrativo ou em algumas sequências urbanas
– a perambulação de Umberto pela zona central; o périplo do casal, de bicicleta,
por ruas comerciais –, o que se vê são ruas de uma cidade aparentemente grande
com veículos e pessoas cujo vestuário remete a meados do século XX. Não
fossem alguns letreiros em italiano, seria preciso alguma familiaridade com as
ruas de Roma para identificar a capital. Claro que o idioma e o gestual dos atores
não deixam dúvidas quanto ao país em que se passa a ação, mas, em relação à
Roma em si, não se verifica a intenção de distingui-la visualmente.

O processo de “metaforização” se dá mesmo em relação à Berlim de
Alemanha, Ano Zero –, o filme em que a ligação entre história e espaço urbano
é mais rica de significados para a narrativa, entre os três analisados. Pois
parece válido argumentar que, a depender do grau de conhecimento histórico
do espectador e à medida que as décadas passam e o pós-Guerra se torna uma
referência cada vez mais distante para o espectador do tempo presente, a Berlim
em ruínas ali mostrada tende a ser menos apreendida como aquela cidade na sua
concretude, e mais como uma metáfora para a destruição do meio urbano pela
guerra, cuja cronotopia pode remeter, por exemplo, a Sarajevo, Bagdá ou Gaza.

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É importante ressalvar, no entanto, que relativizar o papel das cidades
como entes geopolíticos e históricos característicos, nos filmes aqui abordados
não equivale a negar a importância que neles têm. Assim como Berlim
desempenha um papel fundamental em Alemanha, Ano Zero, nem Umberto
D nem Ladrões de Bicicleta seriam os filmes que são se não se passassem em
Roma. Talvez seja possível dizer que as cidades metafóricas do neorrealismo, ao
expandir o imaginário em relação às cidades reais, as enriquecem ainda mais.

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Filmografia
Alemanha, Ano Zero (Germania Anno Zero, Roberto Rosselini, Itália-França, Alemanha, 1948)
Gilda (Charles Vidor, EUA, 1946)
Ladrões de Bicicleta (Ladri di Bicicletta, Vittorio De Sica, Itália, 1948)
Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, Roberto Rosselini, Itália, 1945)
Umberto D (Vittorio De Sica, Itália, 1953)