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A Política Entre-As-Mulheres e a construção do espaço público em Garotas do Abc
(2003), de Carlos Reichenbach

The politics Between-Women and the construction of public space in Garotas do Abc
(2003), by Carlos Reichenbach

Felipe Biguinatti Carias1

https://orcid.org/0000-0002-3875-1067
http://lattes.cnpq.br/0050134969631779

Recebido em: 03 de setembro de 2024.
Revisão final: 24 de novembro de 2024.

Aprovado em: 10 de janeiro de 2025.

http://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.21885  

1  Licenciado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Mestre e doutor em
História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) da mesma universidade. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Linguagens e Cultura (GEPEHLC). Tem experiência
na área de História e cinema, atuando principalmente nos seguintes temas: Crítica Cinematográfica;
Estética da Recepção e História do Cinema Brasileiro. E-mail: felip.ufmt@gmail.com

RESUMO: A vitória de Luiz Inácio Lula da
Silva em 2002 interrompeu o pacto sócio-
político brasileiro, tal acontecimento produziu
um ressentimento na classe média reacionária.
Carlos Reichenbach, no filme Garotas do ABC
(2003), elabora esse conflito simbólico por
meio da vida das operárias da indústria têxtil
Mazini. Diante disso, esta pesquisa analisou a
obra a partir do conceito de esfera pública para
Hannah Arendt e Roberto Da Matta, bem como
o ressentimento segundo Maria Rita Kehl.

Palavras-chave: cinema nacional, esfera
pública, violência, atmosfera.

ABSTRACT: The victory of Luiz Inácio Lula
da Silva in 2002 interrupted the Brazilian socio-
political pact, this event produced resentment
among the reactionary middle class. Carlos
Reichenbach, in the film Garotas do ABC (2003),
elaborates on this symbolic conflict through the
lives of the workers at the Mazini textile factory.
Accordingly, this research analyzed the film
through the concept of the public sphere as
discussed by Hannah Arendt and Roberto Da
Matta, as well as resentment according to Maria
Rita Kehl.

Key words: national cinema, public sphere,
violence, atmosphere.

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INTRODUÇÃO

Após a redemocratização, a democracia política (Ulysses Guimarães) e a
democracia social (Luiz Inácio Lula da Silva) estavam cindidas nas eleições de
1989. A primeira possuía o apoio institucional, mas pouco diálogo com o povo. A
segunda, apesar da aceitabilidade popular, não apresentava um bom desempenho
na articulação política institucional. Ulysses Guimarães, principal nome do centro
liberal, acumulou apenas 6% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva, representante da
esquerda, acumulou 47% dos votos válidos no segundo turno, número insuficiente
para derrotar os 53% dos votos válidos de Fernando Collor. Diante da derrota, o
Partido dos Trabalhadores (PT) alterou a estratégia do purismo para a estratégia
da conciliação com o intuito de sanar as limitações da democracia social. Nas
eleições de 2002, o partido conseguiu efetivar a aliança e alçou Lula à cadeira
presidencial. Todavia, a modificação institucional desestabilizou, em certa
medida, o projeto político neoliberal iniciado por Collor que suplantava a esfera
pública em nome da esfera privada. Alteração capaz de reacender pensamentos
reacionários integralistas e neonazistas na sociedade brasileira, evidenciando
que a transição institucional não representou necessariamente uma mudança
simbólica.

Aberta a sucessão presidencial de 1989, quando os partidos de esquerda apresentaram
candidaturas próprias, o candidato do centro, Ulysses Guimarães, principal nome
dos liberais da tradição republicana, se vê reduzido a 6% dos votos, e, em que pese
o bom desempenho eleitoral da esquerda, a direita vence com Collor, imprimindo
um desfecho inesperado para a transição. A ruptura não vinha, pois, pela esquerda,
mas pelo lado oposto. O discurso de posse de Collor, em 15 de março de 1990, uma
orgulhosa declaração de princípios do ideário neoliberal, significava que o coroamento
da transição teria como seu momento conclusivo uma clara ruptura com a tradição
republicana e com o tipo de valorização da esfera pública que ela representava. A
transição que, na interpretação da direita, até então se limitara à reconquista da
liberdade política, teria chegado, afinal, ao seu término, com a instauração da “mais
ampla e efetiva liberdade econômica” que seu governo viria a implementar.
Desde já, a categoria ruptura passa ser a palavra-chave da direita. Já eleito, às vésperas
de assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso
de despedida do Senado, em linha de continuidade com aquela declaração de Collor,
decretava o fim da era Vargas. Nesses dois momentos a mesma intenção: o processo
de transição se fecharia com a primazia do privado sobre o público, dissociado, de vez,
do seu impulso original, onde esteve presente a tentativa de combinar os ideais da
democracia política com os da democracia social. (VIANA, 2000, p, 19 – 0)

Com o objetivo de elaborar o impacto simbólico da redemocratização,
principalmente após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, analisaremos a obra

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Garotas do ABC (2003), de Carlos Reichenbach à luz do sentimento político da
época, dando ênfase no conflito entre esfera pública, acepção de Hannah Arendt,
e mandonismo patriarcal brasileiro, esfera privada. A antropologia comparativa
de Roberto Da Matta será fundamental para articular os efeitos do deslocamento
do eixo do poder político. A pesquisa parte de duas perguntas iniciais: Qual a
concepção de esfera pública mobilizada durante a redemocratização e como a
classe média brasileira se mobilizou para destruir o desenvolvimento incipiente
dessa esfera pública?

O projeto inicial de Reichenbach era criar dois longas-metragens narrando
um clube operário e uma indústria têxtil no ABC Paulista. Diante do grande
volume de material, modificou a proposta para seis filmes, tendo Garotas do ABC
como o primeiro com o título inicial Aurélia Schwarzenega. O projeto não obteve
o desenvolvimento esperado, o que levou a produção de um único filme com a
sintetização das histórias em Garotas do ABC.

Como Aurélia é a base inicial do filme, ela recebeu uma centralidade maior
do que as outras personagens. O nome e a estrutura carregam as contradições
dos anos 2000, um período de forte marcação identitária para a população negra,
mas, ao mesmo tempo, saturada pela influência cinematográfica estadunidense
devido ao fechamento da Embrafilme e o fortalecimento das distribuidoras
majors2 no Brasil. Tal contradição é exibida no jogo entre afirmação e ausência
de identidade na cena de abertura. No mesmo instante em que Aurélia define o
seu gosto pessoal por Schwarzenegger ao dançar nua em seu quarto saturado
de posteres do ator, ela exibe uma ausência de identidade ao não refletir sua

2  “As majors são as grandes distribuidoras internacionais, por exemplo, Miramax (distribuidora do
filme Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund); Universal Pictures, Warner Bros,
Walt Disney etc. Todavia, é importante destacar que a relação entre o cinema nacional e as majors
não é uma interação neutra. De acordo com artigo 3º da Lei do Audiovisual, as majors possuem o
controle da distribuição dos filmes brasileiros. Bruno Wainer (ex-membro da distribuidora Lumière e
fundador da distribuidora nacional Downtown Filmes (2005), faz o seguinte comentário sobre a pre-
sença das majors no Brasil em entrevista ao Franthiesco Ballerini. “Ao mesmo tempo, as distribui-
doras internacionais no Brasil têm a dúbia e inusitada missão de garantir a bilheteria dos filmes
nacionais e dos filmes de Hollywood. Explique de que forma esse delicado trabalho é feito, em
termos logísticos, todas as semanas
. A Lei do Audiovisual, que criou o artigo 3º e com isso entregou
às distribuidoras majors o controle da distribuição dos filmes brasileiros mais competitivos, foi o que
foi possível criar nos anos 1990, visto que naquela época não havia muita opção e ninguém aceitaria a
criação de uma nova Embrafilme. Observando a estratégia das majors em relação ao filme brasileiro,
noto que elas se comprometem com um número muito baixo de filmes nacionais por ano, no máximo
meia dúzia. Assim podem buscar uma acomodação de datas que não perturbe o lançamento do seu
produto prioritário, o blockbuster estrangeiro.” (BALLERINI Apud CARIAS, 2023, p. 19).

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imagem no espelho, mas apenas fotografias do astro.
A ausência de identidade da personagem, pelo menos inicialmente, é

importante para compreendermos a obra na sua completude, principalmente no
que diz respeito a presença dos neonazistas no filme. Diante do vazio identitário
nacional, cabe aos fascistas tentarem preencher a falta com o imaginário
integralista da década de 1930. Somente quando Aurélia se encontra como
indivíduo, reflexão que ocorre no espaço público ao compartilhar os problemas
com as suas amigas, que os fascistas, um deles é Fábio, seu namorado, perdem
força e mobilização social.

A obra é organizada por essa dinâmica, de um lado a esfera pública produzida
no tempo livre das operárias, tanto dentro quanto fora da fábrica de tecelagem
Mazini. Do outro, o pensamento xenófobo e excludente dos brancos. Cabe
destacar que não há um sentido prévio na esfera pública, elas conversam de
tudo, de casamento e sexo a religiosidade e exploração no trabalho. Em alguns
momentos as ofensas e brigas são inevitáveis, porém, resolvidas no próprio
espaço. Em certa altura do filme, Lucineide (Fernanda Carvalho Leite) começa
a implicar com todas as meninas no refeitório, mas é com Indalércia (Viviane
Porto) que a briga se eleva. Ambas se acusam de usuárias de drogas (cocaína
e maconha), Indalércia não suporta as ofensas e quebra um prato na cabeça de
Lucineide. O sangramento é expressivo, mas sem muita gravidade. O que marca
nessa cena é a preocupação de todas, apesar das desavenças, com o bem-estar
de Lucineide. A operária Paula, responsável por “cuidar” de todas as operárias,
solicita que Lucineide peça desculpas para Indalércia. As duas fazem as pazes
no vestiário da fábrica de ambiente iluminado. Logo em seguida a cena é cortada
para um local fúnebre com dois esqueletos em meio a terra. Há uma explosão e
visualizamos diversos operários masculinos trabalhando na pedreira do pai de
Salesiano. O personagem Salesiano aparece e afirma ver uma cena linda onde
“os “putos” trabalham para o seu futuro”. O contraste entre espaço democrático
iluminado e local cinzento da pedreira sintetiza os conflitos políticos elaborados
pelo filme.

A ala neonazista é representada pelos personagens Salesiano de Carvalho
(Selton Mello); Fábio (Fernando Pavão); Ruggero (Fábio Ferreira Dias), Alemão
(Milhem Cortaz) e Nicanor (Eduardo Sofiati). O grupo não suporta a liberdade e
autonomia das mulheres, localiza nelas e nos imigrantes o inimigo interno para

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justificar o fortalecimento da dominação e exploração3. Do ponto de vista da
tradição ocidental, seria o que Hannah Arendt argumenta sobre a substituição da
política pela História. Tendo em vista que a política possui duas características,
a liberdade do ser humano de recomeçar e a possibilidade de dialogar entre os
iguais no espaço público, no qual para os gregos era a Ágora na polis. Para suprimir
a política, o Ocidente retirou o diálogo entre os iguais e fortaleceu a lógica da
História progressiva como a única maneira possível de movimentação social.
Dentro da História progressiva, há os mais avançados e os menos avançados
temporalmente.

A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar onde
surge a política. A primeira é:
a) Zoon politikon: como se no homem houvesse algo político que pertencesse à sua
essência – conceito que não procede; o homem é a-político. A política surge no entre-
-os-
homens; portanto, totalmente fora dos homens. Por conseguinte, não existe ne-
nhuma substância política original. A política surge no intra-espaço e se estabelece
como relação. Hobbes compreendeu isso.
b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido criado.
Daí só pode haver o homem, e os homens tornam-se sua repetição mais ou menos
bem-sucedida. O homem, criado à imagem da solidão de Deus, serve de base ao state
os nature as a war of all Against all
, de Hobbes. É a religião de cada um contra todos
os outros, odiados porque existem sem sentido – sem sentido exclusivamente para o
homem criado à imagem da solidão de Deus. (ARENDT, 2022, p. 23 – 4).

Hannah Arendt conclui que a solução criada pelo Ocidente diante da ausência
da política foi a projeção de uma História universal, lugar capaz de produzir uma
história linear ao dissolver a pluralidade dos homens em um indivíduo-homem.

Do ponto de vista metodológico, a obra será interpretada a partir do conceito
de cinema e ideologia para Jean Patrick Lebel, e atmosfera e stimmung de acordo
com Hans Ulrich Gumbrecht. A proposta de Lebel é estabelecer uma interpretação
dos signos colocados em circulação e a ruptura com qualquer essencialismo
técnico ou narrativo como processo de historicização da obra. Diferente da teoria

3  Vladimir Safatle, no livro “O circuito dos afetos: Corpos políticos, desamparo e o fim do indiví-
duo”, aponta como o Estado hobbesiano, base teórica para formação do Estado moderno, utilizou-se
do afeto medo para exercer a coesão social. E, para a efetivação do medo, é necessário a criação de
um inimigo interno para justificar o monopólio da violência. Tal concepção de Estado estrutura-se
entre a “norma” e os “anormais”, sendo que a norma sempre tem o monopólio da força para a “pro-
teção” da sua identidade. “Pois, se, de todas as paixões, a que sustenta mais eficazmente o respeito às
leis é o medo, então deveríamos começar por nos perguntar como ele é produzido, como ele é conti-
nuamente mobilizado. De forma mais precisa, como se produz a transformação do medo contínuo da
morte violenta, da despossessão dos bens, da invasão da privacidade, do desrespeito à integridade de
meus predicados em motor de coesão social. (SAFATLE, 2018, p. 16 – 7).

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“desconstrucionista” da “natureza” ideológica do aparelho técnico4, comum à
revista francesa Cinéthique, e da noção ideológica das formas de representação,
da revista Cahiers du Cinéma5. Enquanto forma de compreensão do espaço de
experiência6, Gumbrecht contribui ao deslocar a linguagem da condição de
representação para produção de presença. Para Gumbrecht, toda linguagem
carrega a presença do tempo, e ao passo que o espectador entra em contato com

4  Estamos de acordo com a crítica feita por Ismail Xavier ao Lebel no livro “O discurso cinemato-
gráfico: a opacidade e a transparência”, o autor apresenta uma visão ingênua sobre os instrumentos
técnicos produzidos pela ciência, defendendo uma neutralidade técnica. Segundo Xavier. “O exemplo
mais nítido desta discussão é fornecido pela crítica de Lebel à tese de Cinéthique sobre os efeitos
ideológicos do aparelho de base. Para Lebel, a câmera e o equipamento cinematográfico são produtos
da ciência e da técnica, sendo neutros do ponto de vista ideológico. (XAVIER, 2005, p. 156).
5  Lebel aponta a seguinte crítica às revistas. “Depois desta longa volta, parece-nos que nenhuma
forma cinematográfica – quer seja ao nível da <<desconstrução>>, do cinema directo, da montagem
ou da <<realização>> em geral – pode pretender ter significado em si mesma.
Mas, se é verdade que nenhuma destas formas ou processos estilísticos transmite um <<sentido>>
unívoco e privilegiado (dado uma vez para sempre), não é menos verdade que a significação (ou efei-
to ideológico) só se manifesta no cinema através das formas.
O erro está em proceder de uma maneira fixista para com estas duas realidades, uma vez que elas não
estão separadas uma da outra mas unidas numa relação dialéctica.
Com efeito, podemos agora dizer, como conclusão deste assunto, que estes processos ou figuras de
estilo só adquirem sentido devido à sua posição relacional em função do conjunto dos elementos que
formam o filme, tanto ao nível ideológico como estrutural. O efeito ideológico de cada forma provém
do lugar que ocupa na estrutura do filme, ao mesmo tempo que o efeito ideológico desta estrutura
é a resultante dos efeitos ideológicos das diferentes formas que a compõem. A importância relativa
de cada elemento em relação aos outros e em relação à estrutura do conjunto varia sensivelmente
segundo um jogo de determinações e de sobredeterminações que formam uma rede de mediações
extremamente complexa, através da qual tem interesse seguir o caminho do <<sentido>> de cada
filme.” (LEBEL, 1989, p. 83 – 4. grifo do autor).
6  Espaço de experiência na acepção de Koselleck. Para o autor, a linguagem produz um sentido
temporal capaz de projetar um horizonte de expectava. A reflexão cumpre o papel de romper com o
idealismo ou com a meta história, trazendo materialidade para o exercício analítico. Todo o imaginá-
rio do futuro é produto da relação entre espaço de experiência e horizonte de expectativa. Koselleck
faz a seguinte afirmação. “Evidentemente, o que esperamos para o futuro é delimitado de maneira
diferente daquilo que experimentamos no passado. Expectativas cultivadas podem ser ultrapassadas;
experiências realizadas, no entanto, são colecionadas. Por isso, o espaço de experiência e o horizonte
de expectativas não podem ser remetidos um ao outro de forma estática. Eles constituem uma dife-
rença temporal no presente, entrelaçando o passado e o futuro de modo desigual. Com isso, teríamos
definido uma característica do tempo histórico que, ao mesmo tempo, pode indicar mutabilidade.”
(KOSELLECK, 2014, p. 308). A premissa teórica do autor contribui na interpretação tanto das garo-
tas do filme, quanto dos neonazistas em relação às expectativas sobre a recém democracia.

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essa linguagem, ele sente a ambiência ou stimmung do tempo7.
Diante disso, analisaremos como Reichenbach elabora, a partir da intimidade

das garotas do ABC, a importância da liberdade de circulação no espaço urbano
como estímulo da política entre-os-homens. E como os neonazistas, adoradores
de Richard Wagner e odiosos da população nordestina, promovem o imaginário
da História e do homem único para justificar a sua suposta superioridade.

RESSENTIMENTO E VIOLÊNCIA NA CLASSE MÉDIA

O ressentimento, enquanto sentimento da época, é articulado na obra por
meio do fundo e da forma. A contraposição entre os espaços dos grupos expõe
essa dinâmica. Enquanto na ala democrática não há uma liderança central e o
espaço público, seja na fábrica, na rua ou no Clube Democrático, é iluminado
e filmado em plano aberto; no grupo neonazista a liderança está no Salesiano
e o espaço de filmagem, bar Bilhar Modelo e local externo em que Fábio leva
Aurélia para as relações sexuais, é fúnebre e fétido. O contraste serve para criar
a ambiência, motivo da podridão, do ressentimento da classe média.

A cena na qual apresenta o bar Bilhar Modelo é filmada por uma câmera
fluida e em plano sequência da visão subjetiva de Fábio. Apesar do líder do grupo
ser Salesiano de Carvalho, é por meio de Fábio que o espectador conhece o grupo
neonazista. Em ambos os cenários a câmera transita livremente com o intuito de

7  Gumbrecht define stimmung da seguinte maneira. “Na já mencionada oposição entre o descontru-
cionismo e os estudos culturais, ambas as partes fazem afirmações sobre a ontologia dos textos em
termos do paradigma da “representação”. Pressupõe-se que os textos “representam” uma realidade
extralinguística (ou, dito de outro modo, “queiram” fazê-lo, mesmo que tal seja impossível). A princi-
pal diferença entre o descontrucionismo e os estudos culturais têm a ver com a rejeição ou a afirmação
da capacidade que os textos têm de se ligar a outras coisas. Ao contrário, uma ontologia da literatura
que depende de conceitos resultantes da esfera do Stimmung não põe o paradigma da representação
no centro da questão. “Ler com a atenção voltada ao Stimmung” sempre significa prestar atenção à
dimensão textual das formas que nos envolvem, que envolvem nossos corpos, enquanto realidade
física – algo que consegue catalisar sensações interiores sem que questões de representação estejam
necessariamente envolvidas. De outro modo, seria impensável que a declamação de um texto lírico,
ou a literatura em voz alta de uma obra em prosa, com ênfase na componente rítmica, alcançasse e
afetasse mesmo aqueles leitores ou ouvintes que não compreendem a língua das obras em questão. De
fato, existe uma afinidade especial entre a performance e o Stimmung.” (GUMBRECHT, 2014, p. 14).

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criar uma atmosfera realista8 e de imersão no espaço. Primeiro visualizamos o
letreiro do bar ao estilo de motel ao lado direito do plano. Logo em seguida corta
para uma escadaria escura e suja onde Fábio é filmado pelas costas adentrando
ao espaço. Ao chegar ao local, todos os membros do grupo são apresentados
nesta ordem, Ruggero, Alemão, Salesiano e Nicanor. Todos o humilham por estar
se relacionando com uma mulher negra, ou como dito por eles, uma “negrinha”. A
piada gira em torno do desejo de gravidez de Aurélia.

Fineza (Paulo Bordhin), o garçom do bar, é o único a consolar Fábio. Há uma
complexidade maior em Fábio, desde o início o personagem demonstra incômodo
com os pensamentos de Salesiano. Por outro lado, é agressivo quando Fineza
tenta consolá-lo. Em seguida, retorna a imagem do letreiro do bar como forma de
afirmação da identidade, Salesiano entra em frente ao letreiro e argumenta que o
irmão do Ruggero foi dispensado da empresa Wulf. Após o comentário, Ruggero
afirma, em posição de lamento, “que os 4 anos de empresa não valeu de nada,
foi substituído por causa de dois “Pernambucanos””. O personagem não expõe
nenhum embasamento no seu comentário, apenas localiza um inimigo para
despejar o seu ódio e frustração. O grupo, diante da situação racista, organiza um
atentado em um bar chamado “Cantinho do Nordeste”, localizado em Diadema.
Nota-se que o diretor relaciona estilo de bar, “habitat natural” dos grupos, com a
posição social de cada um.

Observar a estrutura dos personagens contribui no entendimento do
ressentimento. Salesiano, por exemplo, faz questão de expor o conhecimento
de música clássica e filosofia, mesmo completamente estereotipado, como
argumenta o professor (líder sindical André Luiz Oliveira interpretado por Dionisio
Neto), para tentar criar o imaginário de legitimidade do espaço da intelectualidade
de sua classe, qualquer grupo que almejar “ocupar” esse lugar, será tratado com
ódio e violência9. Ruggero e os demais personagens da ala reacionária operam
com a mesma lógica.

8  O realismo escolhido pelo diretor não tem a ver com a busca de uma verdade no cinema, mas um
meio de sustentação de uma hipótese, neste caso, a propagação do pensamento neonazista após a
vitória de Lula.
9  Jessé Souza, no livro A Elite do Atraso: Da escravidão a Lava-Jato, argumenta que até a vitória do
Lula em 2002, havia um pacto social brasileiro onde a população negra era responsável pelo trabalho
braçal, a ralé social; a classe média pela educação intelectual nas Universidades e a Elite pelo sistema
financeiro. A modificação desse pacto social a partir de 2002 levou ao ressentimento e ao ódio de
alguns grupos, principalmente da classe média ao ver a “ralé” nas Universidades.

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Durante a organização do atentado, visualizamos os quatro personagens em
primeiro plano e diversos cartazes em segundo plano, imagens sintetizadoras
da ambiência do espaço. O primeiro cartaz é de uma mulher branca de biquini
em posição erótica; o segundo exibe uma imagem sensual da atriz Vera Ficher e,
por último, o cartaz do filme Django (1966), de Sergio Corbucci10. Nota-se nessa
mise-en-scène a erotização do corpo feminino e da violência, ambas somadas
ao sentimento de justiceiro, tropo narrativo do filme Django. A cena descrita
apresenta duas concepções de ressentimento nas quais dialogam com a acepção
de Maria Rita Kehl.

No caso dos personagens, a nível nacional, há o ressentimento na política,
muito comum nas democracias liberais oscilantes entre a promulgação de
direitos e a permanência endógena da desigualdade social. A privação do
direito prometido produz um sentimento de “direito roubado”. Porém, ele não
foi roubado por um grupo ou pessoa individualmente, mas pela própria lógica de
funcionamento do capitalismo11 experienciado no século XXI. Antes de definir o
ressentimento nas democracias liberais, a autora marca uma diferença com os
regimes totalitários ou em sociedades fortemente estratificadas. Para Kehl, a
vida nua não gera ressentimento, uma vez que retira do sujeito a capacidade de
produzir o novo.

10  Laura Mulvey no texto “Prazer Visual e cinema narrativo”, disponível no livro “A Experiência do
cinema”, organizado por Ismail Xavier, analisa o cinema clássico hollywoodiano e as diferentes for-
mas de olhar sobre o corpo feminino, ora a mulher aparece como ameaça, por isso deve ser domestica-
da, ora como sexualizada, motivo de legitimação da violência. “A magia do estilo de Hollywood, em
seus melhores exemplos (e de todo o cinema que se fez dentro de sua esfera de influência), resultou,
não exclusivamente mas num aspecto importante, da manipulação habilidosa e satisfatória do prazer
visual. Incontestado, o cinema dominante codificou o erótico dentro da linguagem da ordem patriar-
cal dominante. E foi somente através dos códigos do cinema bastante desenvolvido de Hollywood
que o sujeito alienado, dilacerado em sua memória imaginário por um sentido de perda, pelo terror de
uma falta potencial na fantasia, conseguiu alcançar uma ponta de satisfação através da beleza formal
desse cinema e do jogo com as suas próprias obsessões formativas.” (MULVEY, 2018, p. 357).
11  Ladislau Dowbor, no livro “A era do capital improdutivo”, apresenta as fragilidades dos Esta-
dos-Nacionais diante da violência global do mercado financeiro. A consequência da disputa injusta
é a insegurança populacional. De acordo com Dowbor, “Faz parte também desta crise civilizatória o
desajuste nos espaços. A economia se globalizou, com corporações transnacionais e gigantes finan-
ceiros operando em escala mundial, enquanto os governos continuam sendo em grande parte nacio-
nais e impotentes frente aos fluxos econômicos dominantes. Os instrumentos políticos de regulação
permanecem fragmentados em cerca de 200 países que constituem o nosso planeta político realmente
existente. Com a desorganização que disso resulta, populações inseguras buscam soluções migrando
ou apoiando movimentos reacionários que julgávamos ultrapassados.” (DOWBOR, 2017, p. 10).

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A vida nua produz uma espécie grave de abatimento e resignação, mas não o
ressentimento. Este é o afeto característico dos impasses gerados nas democracias
liberais modernas, que acenam para os indivíduos com a promessa de uma igualdade
social que não se cumpre, pelo menos nos termos em que foi simbolicamente antecipada.
Os membros de uma classe ou de um segmento social inferiorizado só se ressentem de
sua condição se a proposta de igualdade lhes foi antecipada simbolicamente, de modo
a que a falta dela seja percebida não como condenação divina ou como predestinação
– como nas sociedades pré-modernas – mas como privação. São os casos em que a
igualdade é “oficialmente reconhecida”, mas não obtida na prática” que produzem o
ressentimento na política. É preciso que exista um pressuposto simbólico de igualdade
entre opressor e oprimido, entre rico e pobre, poderoso e despossuído, para que os
que se sentem inferiorizados se ressintam. (KEHL, 2015, p. 21 – 2).

O movimento de promulgação simbolicamente antecipada dos direitos
sucedido por um sentimento de privação do direito prometido, base do
ressentimento, faz parte da história das sociedades liberais. Terry Eagleton
comenta essa questão do ponto de vista da esfera pública e da crítica no livro
A função da crítica. De acordo com o autor, a elite cultural floresceu mediante
a separação entre Estado e sociedade civil, justamente por proporcionar a
livre circulação de ideias e mercadorias. Porém, a partir do momento em que a
elite cultural se tornou mais exclusiva, ela passou a ver a esfera pública como
ameaça. Se no século XVIII há um fortalecimento da esfera pública através da
promulgação de direitos, no século XIX os mesmos direitos sofrem uma privação
de circulação12.

De acordo com os personagens neonazistas, o seu direito ao trabalho foi
privado pela presença dos “pernambucanos”. A única forma de garantir a efetivação
do direito simbolicamente antecipado seria pelo uso do ódio contra o “inimigo”
interno, lógica que retoma ao sentimento medo como coesão social apresentado
por Safatle. Desse ponto de vista, o atentado violento ao espaço público (bar
Cantinho do Nordeste) e o espancamento dos pernambucanos surgem como ato

12  Terry Eagleton faz o seguinte apontamento: “Na verdade, porém, as ideologias da esfera pública e
da elite cultural estão em desacordo: desde Coleridge, a elite cultural eleva-se por sobre as ruínas da
esfera pública clássica como uma reorganização “vertical” das relações “horizontais” de poder dessa
mesma esfera. A academia de Arnold não é a esfera pública, mas uma forma de defesa contra o pú-
blico vitoriano. Seus apelos à intervenção do Estado nas questões culturais – ao Estado como corpo-
rificação da razão legítima – refletem o desaparecimento da clássica economia capitalista liberal num
momento em que o Estado começa a mergulhar fundo na esfera da bolsa de mercadorias, no período
de depressão econômica das últimas décadas do século XIX. Essa intervenção do Estado, como diz
Habermas, é fatal para a esfera pública clássica, que floresceu exatamente a partir de uma separação
entre o Estado e a sociedade civil. Com a moderna “estatificação” da sociedade e a socialização do
Estado, e com a transgressão das tradicionais fronteiras entre o privado e o público, o espaço da esfera
pública clássica se reduz rapidamente.” (EAGLETON, 1991, p. 56 – 7).

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de justiça, esfera da segunda acepção de ressentimento de Kehl. Muito comum
nos filmes maniqueístas hollywoodianos, o protagonista geralmente não possui
um dilema psicológico capaz de interromper o moralismo das suas ações. Dentro
da lógica do ressentimento, o outro por excelência é o culpado de sua privação. O
mundo político-econômico nacional e internacional ou os pensamentos internos
não influenciam na dificuldade de acesso aos direitos. O personagem ressentido,
em certa medida, pertence a certa dramaturgia popular de qualidade mediana.
Ausenta-se de sua estrutura qualquer conflito de consciência, como em Hamlet,
ou o tormento do arrependimento presente em Édipo e MacBeth.

O ressentido não duvida de si mesmo; não coloca em questão a justeza de seus atos e
suas motivações. Do ponto de vista do ressentimento, quem está em questão é sem-
pre o outro. Muito da filmografia maniqueísta norte-americana tem no ressentimento
o ponto crucial, explicativo (revestido de uma compreensão “psicológica”, pseudoin-
teligente) para os atos de um personagem. É o personagem violento cuja maldade se
explica quando se revela que teria sido abusado na infância, por exemplo. Ou o poli-
cial vingativo que se arroga direitos acima da lei, uma vez que teria sofrido a perda de
um ente querido nas mãos de um criminoso. O ressentimento, nesse caso, reveste o
arbítrio individual e a violência, grandes recursos de bilheteria, de uma superioridade
moral aparentemente inquestionável. Sempre se há de encontrar um culpado conve-
niente para inocentar o herói ressentido. (KEHL, 2015, p. 39).

A organização do atentado dos justiceiros ressentidos ocorre por meio
do plano sequência, estilo constante no filme. A técnica provoca uma maior
ambiência, como se o espectador fizesse parte daquele universo a partir do
olhar da câmera. Os significantes colocados em circulação, como se verá na
recepção do filme mais adiante, carregam a atmosfera do tempo de produção.
Há um elemento de presença na imagem, como afirma Hans Ulrich Gumbrecht no
livro Atmosfera, ambiência, Stimmung. Porém, isso não quer dizer que o diretor
tem a capacidade de representar a realidade, mas elaborar que toda produção
de significante carrega na sua tessitura a complexidade do tempo. A circulação
da câmera entre os personagens na busca de um realismo, mistura entre ficção
e realidade da época, segundo os trabalhos de Esther Hamburger, somado ao

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discurso integralista de Salesiano de Carvalho13, dimensionam na recepção um
sentimento da época de produção.

Por exemplo, durante a mesma cena no bar Bilhar Modelo, Salesiano faz
o seguinte pronunciamento: “A lei acima do homem, a ordem acima da lei. O
direito acima da ordem, e o Brasil acima de tudo.” Após a fala, Alemão argumenta
eufórico “Abaixo ao caos.” Nicanor desanimado com a situação, fala “A baianada
é brasileira”. Salesiano completa “Só que é de segunda classe, porra.” Dentro do
imaginário do grupo, como a democracia liberal não garantiu os seus direitos,
agora cabe a utilização da violência e da lógica antidemocrática para conquistar
o objeto privado, pensamento ressentido que permanecerá na cinematografia
brasileira, principalmente no filme Tropa de Elite: O inimigo agora é outro (2010),
de José Padilha. Ou seja, Reichenbach não exibe uma realidade, mas diferentes
afetos que circulavam no período.

De forma irônica, durante o atentado contra os trabalhadores, Reichenbach
aponta como ninguém dentro do grupo se entende ou reconhece alguma
inteligência neles. Na primeira parte, Alemão e Ruggero espancam os
trabalhadores de modo que o espectador visualiza somente as sombras. Durante
a cena, Salesiano fala para Nicanor não sair do carro porque os dois são uns
ignorantes violentos desconhecedores de qualquer estratégia. Intelectual seria
ele, munido da estratégia maior de aniquilamento total dos imigrantes por meio
da explosão de dinamites da pedreira do seu pai. Porém, quando saem do carro
para explodir o bar com a dinamite, Fábio pergunta o que ele poderia escrever na
parede. O pseudointelectual, destituído de qualquer ideia, fala “Sei lá, mano, põe
aí: “Baianos, go home’. Sei lá. Seja criativo.” A mistura entre o inglês e o português
aumenta a sátira da ignorância do grupo. Por outro lado, a desorganização

13  Lucas Rodrigues Pires faz o seguinte comentário no texto “As garotas do Cartão”. “O filme se
torna mais atual quando se lê sobre mortes de mendigos e ataques de skinheads no metrô. Sem contar
os Carecas do ABC, inspiração explícita para o bando de neofascistas de Salesiano. Reichenbach quer
demonstrar que a xenofobia e o racismo não apresentam fundamento nenhum. Por isso coloca perso-
nagens boçais como todo o grupo neonazista, alguns em crise (como Fábio, o namorado de Aurélia,
dividido entre os conselhos dos amigos racistas e o amor pela namorada negra, e o contador, que
visivelmente é um nerd misógino afetado mentalmente). Da turma deles, apenas Salesiano se salva,
mas dentro de sua derrota e solidão. Seu discurso final, assim como quase todos no filme, foi tirado
da obra A Decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, um dos autores que influenciaram Hitler, e
mostra um indivíduo já louco, isolado, sem mais ouvintes (a câmera reitera isso ao filmar de baixo
para cima e girando ao seu redor). Ao final de tudo, um livro de Plínio Salgado, fundador do movi-
mento fascista nacional nos anos 30, o Integralismo, desfaz-se nas ondas do mar enquanto Salesiano
profere seu epílogo.” (PIRES, 2004).

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tosca analisa um problema série que ganhará força no futuro, mas Reichenbach
percebeu no instante em que surgiu, como aponta Wallace Andrioli, no texto
Garotas do ABC (2003) Classe operária de carne e osso.

Mas Reichenbach nunca foi um cineasta de adesão fácil e visões totalizantes ou
hegemônicas da sociedade brasileira. Aqui, apesar da euforia pelo momento do
país, ele consegue diagnosticar uma espécie de mal-estar subterrâneo que ecoa no
presente. Por mais que “Garotas do ABC” carregue nas tintas do ridículo ao lidar com
personagens de extrema-direita, o filme dedica uma atenção a eles que não é gratuita.
À exceção do líder do grupo, interpretado por Selton Mello, os demais são homens
pobres, fodidos. O espaço que frequentam, um bar decadente, é cenário típico dos
filmes do diretor, habitat das figuras boçais que tanto aprazem ao cinema marginal.
Há, portanto, interesse real de Reichenbach nesses supremacistas toscos e patéticos.
Mais recentemente, Fellipe Gamarano Barbosa fez análise semelhante no irregular
“Domingo” (2018), identificando a presença de forças reacionárias, mas adormecidas,
no momento da ascensão do PT ao poder. Essa, no entanto, é uma leitura retrospectiva,
construída em meio à emergência irresistível do bolsonarismo – logo, relativamente
fácil de ser feita. Reichenbach conseguiu perceber a existência dessa extrema-direita
boçal enraizada nos marginais sociais no auge da euforia lulista. (ANDRIOLI, 2020).

O ódio ao PT e a qualquer grupo que remeta ao Nordeste permanece no
imaginário brasileiro por conta da mudança do pacto social no qual remete a
América Portuguesa, a divisão entre espaço privado (casa) e espaço público (rua)
debatida por Roberto Da Matta no livro Carnavais, Malandros e Heróis, tema do
próximo tópico.

ESPAÇO PRIVADO E O PACTO SOCIAL BRASILEIRO

A análise de Roberto Da Matta possibilita interpretar tanto o filme quanto o
período, uma vez que o autor parte dos ritos sociais e simbólicos para entender o
contexto brasileiro. Para a teoria de Da Matta fazer sentido, é necessário retornar
a pergunta inicial. Como compreender a permanência e a radicalização da
violência na esfera simbólica após a mudança institucional do autoritarismo com
a promulgação da Constituição Federal de 1988? Segundo Da Matta, o homem
brasileiro sempre separou o universo social em dois ambientes, a esfera da rua,
local da desordem, do imprevisível e inconstante; e a esfera da casa, universo
controlado pelo poder central masculino. Para compreender a dicotomia casa e
rua na sociedade brasileira, o autor compara o carnaval de Nova Orleans com o
carnaval brasileiro. Segundo a sua interpretação, o carnaval de Nova Orleans, e

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grande parte das instituições ritualísticas dos EUA, como clubes e sociedades
secretas do tipo Ku Klux Klan, tem o objetivo de marcar uma separação interna
em uma sociedade considerada igualitária. Ou seja, para burlar e destruir a
igualdade institucional, a sociedade civil cria grupos fechados onde apenas os
escolhidos podem fazer parte, seja na esfera profissional e econômica, seja na
esfera educacional e universitária.

Pois, de fato, a essência do racismo, das associações exclusivistas e do Carnaval de
Orleans (com suas krewes aristocráticas) nada mais parece ser do que uma tentati-
va para recolocar um princípio de diferenciação num meio social onde o credo oficial
o excluiu legal e juridicamente. É precisamente porque o credo igualitário é forte e
onipresente que a hierarquia tem que se insinuar de modo injurioso e, como diz Myrdal,
pervertidamente: por meio de clubes fechados, de sociedades secretas e do Carnaval
que, subitamente, apresenta o meio social americano de modo totalmente ordenado,
com cada classe e grupo racial no lugar que ocupam no eixo político-econômico (DA
MATTA, 1983, p. 132).

Se na experiência americana há um fortalecimento da igualdade por meio
das instituições, mas uma segregação por meio dos clubes secretos. No Brasil,
apesar do acesso livre da população nos espaços institucionais, como o Carnaval,
o núcleo, enquanto espaço de decisão, fica restrito às esferas particulares da
família e da cor. O carnaval é de todos, mas a administração, o controle dos clubes
e da circulação do dinheiro, é de um pequeno grupo.

É, a meu ver, essa forma organizacional que permite a enorme flexibilidade exibida
pelas escolas de samba, possibilitando a criação de um campo social próprio, especial,
onde se podem congregar ricos e pobres, pretos e brancos, dominantes e dominados.
A escola de samba parece ter uma dupla ordem organizatória. No meu centro existe
um núcleo de pessoas fortemente relacionadas entre si pelo parentesco, pela residên-
cia, pela cor e pelas condições gerais de existência social. São os “donos” ou os “pais”
da agremiação: seus fundadores, criadores e sustentadores morais. Agora, em torno
desse centro, existe uma outra ordem muito mais flexível e difusa, compondo uma área
voltada para o mundo exterior. Aqui, as pessoas entram e saem, não tendo o mesmo
tipo de lealdades básicas do que as que estão no centro da instituição. (DA MATTA,
1983, p. 103 – 4).

A comparação cumpre um papel fundamental para entender a especificidade
do Brasil e o impacto da alteração do eixo do poder. Enquanto o poder estava
centrado nas mãos de poucos, não havia problema de em alguns espaços houver
a interação entre brancos e negros, reforçando o mito da democracia racial.
A questão só se torna um problema quando as periferias começam a ocupar a
centralidade do poder, neste caso, com a vitória de Lula em 2002. A partir desse
momento, o pacto social começa a sofrer fissuras e atormentar o imaginário dos

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conservadores. Dentro da lógica racista brasileira, a vitória do PT representou a
invasão da casa (esfera privada da ordem) pela rua (esfera pública da desordem).
Arnaldo Jabor, no filme Tudo bem (1978), já havia comentado sobre esse medo. A
obra produz uma alegoria do Brasil a partir da “invasão” de diversos trabalhadores
a uma casa de classe média decadente, onde para a sua reestruturação requer o
estabelecimento de um pacto de subserviência às multinacionais estadunidenses.
Para a efetivação do plano, é necessário apagar qualquer vestígio da presença
do povo durante a reforma da casa. A obra cumpre uma função dupla no filme,
apresentar o povo e possibilitar a invasão por meio da reforma da casa/Brasil
para receber os americanos, porém, ao final, os vestígios do povo precisam ser
excluídos, similar a história de Brasília contada no documentário Conterrâneos
Velhos de Guerra
(1992), de Vladimir Carvalho. Ismail Xavier, no livro O olhar e a
Cena
, faz a seguinte interpretação sobre a obra de Jabor.

A questão aqui é a contenção dos “excessos populares”. A reforma gera
a gradual invasão do espaço familiar pelas figuras do trabalho, as classes
subalternas. Sua função é preparar o cenário para a festa final em homenagem
ao americano, ocasião em que a família, cumprindo seu ritual de classe, vai
apagar os sinais dessa presença de povo e trabalho. No processo, desenha-se a
tradicional imbricação de intimidades entre patrões e empregados, tudo dentro
da economia informal, dos salários precários compensados por cortesias que
fazem o orgulho da família como gente “legal”. (XAVIER, 2003, p. 333).

A diferença entre uma obra e outra, apesar de ambos os protagonistas
serem adeptos do movimento integralista, gira em torno da efetivação ou não da
exclusão dos rastros da população. No caso de Garotas do ABC, em diálogo com
a vitória de Lula em 2002, em vez de apagar os rastros, há a ocupação do espaço
de poder que, como comenta Da Matta, permaneceu por tanto tempo intocável.
Toda essa gama de elementos contribuiu para reforçar o ressentimento dos
neonazistas. O ponto mais alto de ódio dos ressentidos acontece quando invadem
o Clube Democrático, símbolo do espaço público das trabalhadoras.

A presença do afeto democrático no espaço do clube não circula de maneira
idealizada, mas como um sentimento aberto onde todos podem viver livremente,
de conservadoras a prostitutas, apesar dos comentários moralistas. Há uma
aproximação com os cafés da França do século XVIII e a formação da rua como
espaço público moderno, porém, destruídos em momento de ascensão da esfera
privada. A alegoria desse conflito moderno das democracias liberais aparece no

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filme nas cenas paralelas entre o Clube e o Bilhar. No primeiro a alegria, a dança e
o diálogo são afetos constantes, diferente do bar Bilhar, onde a briga, o alcoolismo
na imagem de Sofia (Vera Mancini) e o autoritarismo são práticas comuns. O
contraste é tão forte que eles resolvem, a pedido de Fábio para buscar Aurélia, ir
ao Democrático e espancar a todos, ou seja, destruir o espaço público. Marshall
Berman, ao interpretar a modernização de Paris a partir de Baudelaire, articula
uma reflexão que pode dialogar com a situação narrada no filme. Haussmann, ao
reorganizar a arquitetura urbana de Paris na época de Napoleão III, foi obrigado
a pavimentar as ruas, por exigência do imperador, com macadame. A estrutura
mostrava-se inadequada, pois, produzia muita lama durante a chuva e muita
poeira na seca, dificultando a circulação na cidade.

Com isso, a vida dos bulevares, mais radiante e excitante que toda a vida urbana do
passado, era também mais arriscada e ameaçadora para as multidões de homens e
mulheres que andavam a pé.
É esse, pois, o palco da cena moderna primordial de Baudelaire: “eu cruzava o bulevar,
com muita pressa, chapinhando na lama, em meio ao caos, com a morte galopando
na minha direção, de todos os lados”. O homem moderno arquetípico, como o vemos
aqui, é o pedestre lançado no turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem sozi-
nho, lutando contra um aglomerado de massa e energia pesadas, velozes e mortíferas.
(BERMAN, 2007, p, 190).

A tentativa de sufocar o exercício democrático é iniciado com o atentado
violento do grupo de Salesiano; o deslocamento ocorre como um cortejo militar. A
cena retoma a leitura de Da Matta sobre a moralização da rua por meio da marcha
militar como forma de manutenção do poder14. A trilha sonora do cortejo é uma

14  Roberto Da Matta apresenta a seguinte reflexão: “É, então, no centro da cidade que se realizam
os desfiles militares. No centro, que é retomado pela ordem e emoldurado de maneira cívica e mo-
ralista, perdendo assim sua moldura diária, dominada pelas transações econômicas altamente indi-
vidualizantes. Nas paradas, os personagens são as autoridades que, paradas num palanque, recebem
as “continências” dos soldados. O foco é a bandeira e os símbolos nacionais, encarnados também
em pessoas que ocupam cargos sagrados na estrutura de poder do Estado. A rígida separação entre o
povo massificado, de um lado, e de outro as autoridades e os soldados a elas associados revela bem
o esqueleto e o drama de uma sociedade na sua vertente mais autoritária, quando a rua e a praça são
tomadas do povo e passam a pertencer aos soldados que, armados e fardados, estão renovando seus
laços de lealdade para com as autoridades. (DA MATTA, 1983, p. 83).

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sinfonia de Richard Wagner como reforço15 do caráter neonazista. A confusão
criada pelo grupo não tem a intenção, dentro da narrativa fílmica, de afirmar
a destruição abrupta do recém espaço público, mas dizer que a democracia
incipiente terá que conviver com uma ala antidemocrática ávida pelo seu fim.
Ao final da obra, durante o rompimento de Fábio com Salesiano, visualizamos
nas costas do líder o sigma, símbolo do integralismo, ao estilo de M, O Vampiro
de Dusseldorf (1931), de Fritz Lang. A cena faz uma homenagem ao filme, como
também afirma a permanência da memória histórica do integralismo no presente.
Apesar da interpretação cômica dos neonazistas, Carlos Reichenbach não se
furta de apontar os problemas de ódio no passado, presente e futuro16.

15  De acordo com Da Matta, há três rituais relevantes na sociedade brasileira, o reforço, a inversão
e a neutralização. As práticas ritualísticas, como o “você sabe com quem está falando”, está na esfera
do reforço da posição do poder; já o carnaval, ao trocar as posições sociais, está na esfera da inversão.
Por último, a neutralização, se manifesta em locais de gestos controlados, apesar de ocorrer a inversão
e o reforço do poder, por exemplo, a missa. Há a inversão entre Deus/homens, mas sem questionar
ou reforçar o poder.
16  Gilberto Silva Jr. No texto “Crítica de ‘Garotas do ABC’, estabelece a seguinte interpretação
“Uma atenção especial deve ser direcionada à personagem Salesiano de Carvalho (Selton Mello) e a
seu grupo neo-fascista. Apesar de nunca minimizar o risco representado por tais figuras, o filme não
deixa de destacar o absurdo e o ridículo por traz deles. Dotado de condição financeira privilegiada e
formação universitária, Salesiano vai encontrar eco a suas idéias elitistas e discriminatórias somente
entre seus companheiros derrotados do salão de sinuca: um nerd recalcado, dois operários desempre-
gados e de cabeça fraca e um neurótico depressivo. E mesmo esses o vêem como um descontrolado,
um Loose cannon, como dizem os americanos. Carlão por vezes os retrata de forma quase cômica
– os operários aparecem se estapeando como os Três Patetas – mas essa utilização de humor é uma
forma de escarnecer tais personagens através do deboche, dentro de um espírito “anarco-libertário”
que o diretor proclama para seu filme. Esses não deixam de ser apresentados como um bando de
incompetentes, haja visto a forma como são praticamente enxotados em sua invasão ao Clube Demo-
crático. Mas mesmo debochando, o cineasta não deixa de estar atento à ação nociva de tais grupos
e a sua proliferação com um discurso que se apropria de intensificação das diferenças sociais para
difundir o ódio. (SILVA, 2002).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Reichenbach alcançou uma repercussão baixa no público geral e
média na crítica especializada17. O tema do filme, embora estivesse em alta como
comenta Andrioli18, não era atrativo ao público geral, uma vez que as atenções
estavam voltadas aos blockbusters por motivo de monopólio na distribuição. Para
além da questão da lógica de mercado, Garotas do ABC, de acordo com a crítica,
não obteve uma repercussão satisfatória devido a precariedade dos atores nas
atuações naturalistas. Chico Fireman, ao analisar a produção, argumenta que
Reichenbach possui grande experiência como diretor de cinema, porém, continua
com o hábito de “selecionar atores muito mal”.

Garotas do ABC é filme cheio de problemas. O maior deles talvez seja perceber ter
sido concebido de uma forma ingênua, quase primária. Carlos Reichenbach, do alto de
sua experiência como cineasta, continua com o péssimo hábito de selecionar atores
muito mal. Quase todos os novatos ou desconhecidos são muito ruins, com atuações
flagrantemente fracas, porém levadas a sério (ou ignoradas em sua precariedade)
pela direção. Selton Mello, por outro lado, compõe um personagem com tanto exagero
que se perde na tentativa de profundidade. A qualidade das performances prejudica
muito a intenção do filme, que parece ser a de estabelecer um mosaico de pequenos
personagens do ABC. (FIREMAN, 2004).

A interpretação de Fireman possibilita perceber a relevância da atuação
naturalista enquanto parâmetro analítico da época, muito influenciado pelas
produções e festivais estadunidenses. Tanto Ruy Gardnier quanto Reichenbach
argumentam as problemáticas de um tempo no qual ao invés de analisar a obra
pelo que ela é, interpretam a partir do que ela deveria ser do ponto de vista da
lógica de mercado.

17  Público – 10.746 espectador. (BALLERINI, 2012, p. 290).
18  O crítico faz a seguinte contextualização do filme. “Há um componente subversivo no próprio
princípio de “Garotas do ABC” (2003). Ao localizar o enredo no ABC Paulista e colocar operárias
como protagonistas, Carlos Reichenbach abre diálogo com todo um conjunto de filmes que, realizados
entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, se engajaram no registro do nascente “novo sindicalismo”
brasileiro, nessa mesma região. “Braços Cruzados, Máquinas Paradas” (1979), de Roberto Gervitz e
Sérgio Toledo, “Greve!” (1979), de João Batista de Andrade, “Linha de Montagem” (1982), de Renato
Tapajós, “ABC da Greve” (1990) e “Eles Não Usam Black-Tie” (1981), de Leon Hirszman, aderiram
aos valores e bandeiras desse movimento, tomando-o como uma força de combate à ditadura militar,
naquele momento ainda vigente, e também renovaram a esperança nos trabalhadores como agentes
de transformação social, adormecida no cinema de esquerda desde o golpe de 1964.” (ANDRIOLI,
2020).

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Talvez valha como valor de posição de um outro status internacional da figura dele,
talvez seja por isso que ele tenha aceitado, ou talvez porque tinha coisas que lhe
interessavam de fato, esteticamente, para trabalhar. Agora, a gente passou pelo
olhar do público, pela expectativa de público e o que um filme significa em relação ao
público, mas uma coisa decisiva esse ano me pareceu também, tanto em relação ao
público em geral como ao público especializado, se dar nesse aspecto da imprensa e
da crítica, sobretudo com relação ao filme do Carlão, Garotas do ABC, que foi recebido
mesmo pelo público mais sofisticado, não só da crítica como de um típico espectador
cinéfilo, como já se falou aqui, como se fosse um filme cm más atuações e esquisito,
quando ele nunca teve a idéia de ser um filme com atuações naturalistas. E o que me
choca nessa opinião avalizada, de críticos, é o fato de que eles não sabem mais olhar
para um filme que não tem interpretações naturalistas. (GARDNIER, 2005).

Ao longo da obra, nota-se uma pluralidade de referências cinematográficas,
de Spike Lee a Lucio Fulci. Há no filme uma preocupação com a circulação
dos significantes em vez de uma construção de representação através da
performance naturalista. Reichenbach não estava necessariamente interessado
em representar a vida das operárias ou dos neofascistas, mas sentir do ponto
de vista simbólico a mudança de comportamento e ambiência, na acepção de
Gumbrecht19, após a vitória do líder sindical. A proposta do artigo foi analisar a obra
para compreender como Reichenbach sistematizou essa leitura simbólica, os
sentimentos que proporcionaram o acesso dos trabalhadores ao espaço público,
mas, ao mesmo tempo, reprimido violentamente pelos aversos a qualquer prática
democrática.

REFERÊNCIAS

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BALLERINI, Franthiesco. Cinema brasileiro no século 21: reflexões de cineastas, produtores,

19  Para Gumbrecht a ambiência cumpre a seguinte função na linguagem. “De maneiras diferentes,
por meio de diferentes elementos textuais, todas essas obras permitem que o leitor encontre realida-
des do passado. Temos uma obrigação profissional, para os acadêmicos e os críticos de hoje, que os
desconsiderem. Essa imediatez na experiência de presentes passados ocorre sem que seja necessário
compreender o sentido das atmosferas e dos ambientes; não temos de saber quais motivações ou cir-
cunstâncias os ocasionaram. É aquilo que nos afeta no ato da leitura envolve o presente do passado
em substância – e não um sinal do passado, nem a sua representação. (GUMBRECHT, 2014 , p. 25).

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101 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280

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