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OLHARES CINEMATOGRÁFICOS SOBRE A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
CINEMATOGRAPHIC VIEWS ON THE CARNATION REVOLUTION
Róbson Pereira da Silva1
https://orcid.org/0000-0001-6517-0842
http://lattes.cnpq.br/5608673598392485
Grace Campos Costa2
https://orcid.org/0000-0002-8449-7178
http://lattes.cnpq.br/3230047528753742
Lays da Cruz Capelozi3
https://orcid.org/0000-0002-4632-0742
http://lattes.cnpq.br/8785972568211269
Recebido em: 01 de outubro de 2024.
Aprovado em: 28 de outubro de 2024.
https://doi.org/10.46401/ardh.2024.v16.22007
1 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Doutor em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Uberlândia. Graduado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso/Campus
Universitário de Rondonópolis. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em História da Universida-
de Federal de Goiás (Mestrado). E-mail: rpsilva@ufscar.br
2 Mestra em História, pela Universidade Federal de Uberlândia, na linha Linguagem, Estética e Her-
menêutica. Membro do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura - Nehac. E-mail:
gracecamposcosta@gmail.com
3 Doutora em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pela mesma instituição, con-
cluiu o Mestrado em História e o Curso de Graduação em História - Bacharelado e Licenciatura.
Editora assistente das Edições Verona (editora de livros acadêmicos). Membro do NEHAC - Núcleo
de Estudos em História Social da Arte e da Cultura e da Rede de Pesquisa em História e Cultura no
Mundo Contemporâneo. E-mail: syalcc@gmail.com
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RESUMO: A Revolução dos Cravos foi uma
das mais significativas mudanças políticas em
Portugal, representando um ponto de virada
crucial na sua história. Neste artigo, nossa
intenção é explorar como esse evento se refletiu
em produções cinematográficas. Para isso,
selecionamos dois documentários: “Torre Bela”
(Thomas Harlan, 1977) e “As Armas do Povo”
(Glauber Rocha, 1975), que foram realizados
durante os acontecimentos, com o objetivo de
evidenciar as ambivalências desse processo
histórico. Também incluímos um filme de ficção,
“Non ou a Vã Glória de Mandar” (Manoel Oliveira,
1990), que rememora a história portuguesa
por meio de suas derrotas, promovendo uma
reflexão sobre a construção e edificação da
nação até o momento da guerra colonial. Diante
dessas obras, buscamos ressaltar e examinar
os ecos desse evento na perspectiva histórica
da sociedade portuguesa, formando, assim,
um caleidoscópio de representações narrativas
sobre a Revolução dos Cravos. Para sustentar
parte das nossas análises, dialogamos com
interpretações sobre as linguagens documental
e ficcional que o cinema comporta, referenciando
Xavier (2013), Junqueira (2010), Ramos (2008)
e as investigações sobre a Revolução de Hannah
Arendt (2014, 2010).
Palavras-chave: Revolução dos Cravos;
Narrativas cinematográficas; processo
revolucionário português; Thomas Harlan,
Manoel de Oliveira; Glauber Rocha
ABSTRACT: The Carnation Revolution was
one of Portugal’s most significant political
changes, representing a crucial turning point in
its history. In this article, we intend to explore
how this event was reflected in film productions.
For this, we selected two documentaries:
“Torre Bela” (Thomas Harlan, 1977) and “As
Armas do Povo” (Glauber Rocha, 1975), which
were made during the events, to highlight the
ambivalences of this historical process. We
also included a fiction film, “Non ou a Vã Glória
de Mandar” (Manoel Oliveira, 1990), which
recalls Portuguese history through its defeats,
promoting a reflection on the construction and
improvement of the nation until the moment
of the colonial war . Before these works, we
highlight and analyz tthe echoes of this event
from the historical perspective of Portuguese
society, thus forming a kaleidoscope of narrative
representations about the Carnation Revolution.
To support part of our analyses, we dialogue
with interpretations about the documentary
and fictional languages that cinema involves,
referencing Xavier (2013), Junqueira (2010),
Ramos (2008) and the investigations into
Hannah Arendt’s Revolution (2014, 2010).
Key words: Carnation Revolution;
Cinematic narratives; Portuguese revolutionary
process; Thomas Harlan, Manoel de Oliveira;
Glauber Rocha.
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“a história deste filme não cabe nas imagens de alegria de um
povo, não são apenas as palavras libertas nas bocas dos ex-
plorados e dos oprimidos”
(Glauber Rocha)
Filmes, filmes, os melhores se assemelham aos grandes
livros que, por sua riqueza e profundidade, dificilmente são
penetráveis.
(Manoel de Oliveira)
Quando nos referimos à Revolução dos Cravos, nos designamos a falar
do esfacelamento e da derrota da ditadura mais longa da Europa Ocidental
do século XX. Foram quarenta e oito anos de ditadura em solo português,
incluindo a experiência da guerra colonial no solo africano, entre 1961 e 1974.
O elemento de peculiaridade da Revolução dos Cravos, em relação a outros
processos revolucionários, está na capacidade que um exército, por meio de
soldados intermediários, teve de impulsionar um país em ditadura para a via
progressista, independentemente de questões partidárias. Porém, a partir disso,
especialmente em 1975, a esquerda pôde se aproximar da população, no que se
convencionou chamar de Processo Revolucionário em Curso que, segundo José
Rebelo1 oportunizou a liberação das utopias e a polifonia dos inconformados.
Foi nessa altura que começaram as ocupações das fábricas que passaram a ser geridas
por comissões de trabalhadores. Foram ocupadas propriedades agrícolas no Alentejo,
os grandes latifúndios, com a criação de unidades colectivas de produção. O Partido
Comunista tinha uma posição forte junto destas comunidades, impulsionando e en-
corajando essas ocupações. Mas o movimento alargou-se muito, não era só o Partido
Comunista. Houve uma multiplicidade de organizações da esquerda mais radical que
participavam também neste movimento. E, sobretudo, o que é extraordinário é que
havia gente que se manifestava e gente que gritava nas ruas sem pertencer a nenhum
partido. Foi uma espécie de libertação das vozes e das utopias das pessoas que pen-
savam que conseguiam tudo realizar e que se juntavam. Juntava-se um grupo e ocu-
pava, mesmo sem ser com um partido político a apoiar. Nessa altura fala-se muito do
poder popular, o poder popular que extravasa as próprias dimensões partidárias. [...]
Não estava muito claro o que é que as pessoas queriam efectivamente fazer, qual era o
modelo político. Quase que podíamos pensar nesse modelo mais pela negativa do que
pela positiva, isto é, pensava-se democracia, sim senhor, mas não na democracia tra-
dicional europeia. Daí que alguns grupos e até mesmo militares fossem apelidados de
terceiro-mundistas porque pensavam um bocado naquele sonho do terceiro mundo.
Não havia uma ideia muito clara quanto às instituições a criar, mas havia uma vontade
clara que era de fazer alguma coisa de diferente. No género de economia directa, das
tomadas de decisão por grupos de trabalhadores informais, etc, sem serem enquadra-
1 José Rebelo, além de professor e pesquisador, foi correspondente do jornal Le Monde em Portugal
durante o período em causa (e até 1991).
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52 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
dos politicamente. Foi extraordinário. Depois, há uma confrontação entre duas legiti-
midades: a legitimidade eleitoral, sobretudo pelo Partido Socialista, e a legitimidade
revolucionária, sobretudo pelo Partido Comunista. O Partido Comunista, que invocava,
para defender a sua posição como expressão da legitimidade revolucionária, a resis-
tência contra o salazarismo e os seus heróis e os anos que passaram na cadeia e as
torturas a que foram sujeitos. O Partido Socialista não tinha este passado. O Partido
Socialista tinha sido criado na Alemanha pouco tempo antes. O que sucedeu foi que,
em 25 de Abril de 1975, um ano imediatamente após a Revolução dos Cravos, houve
eleições para a Assembleia Constituinte e o Partido Socialista teve um resultado ab-
solutamente inesperado que ultrapassou os 37%. Quer dizer, as pessoas tinham um
bocado a ideia que o poder estava na rua e, portanto, atribuíam ao Partido Comunista
uma grande força junto do povo, que não se traduziu em termos eleitorais. Em contra-
partida, o PS, que até então estava mais ou menos ausente dessas manifestações de
rua, foi o PS que captou essa maior atenção eleitoral. E isso permitiu ao PS assumir-se
como representante dessa legitimidade eleitoral. E deu-se a eclosão do chamado ‘caso
República’ que teve uma grande repercussão, nomeadamente em França. (RFI, 2024,
s.n.)
Tratou-se, então, do momento histórico “refundador da democracia
portuguesa” (ABREU, 2014, p. 49), com uma busca ampla e diversa de legitimidades
de segmentos políticos e sociais. Mário Matos (2014), na ocasião do Colóquio dos
40 anos da Revolução dos Cravos, refere-se a esse processo como autolibertação
que foi formulado, mobilizado e aprovado pela sociedade portuguesa, bem como o
empreendimento da derrubada da condição de isolamento português promovido
desde o Estado Novo de Salazar diante do cenário europeu. Nas palavras de Mário
Matos (2014, p. 11):
Depois dum longo período de (auto)isolamento que votaria Portugal a um tendencial
silenciamento internacional, sobretudo devido à anacrónica obsessão do regime mo-
ribundo do Estado Novo em manter o seu império colonial, o país passaria a estar, li-
teralmente da noite para o dia, “nas bocas do mundo”. Se para os observadores mais
atentos da política nacional poderia haver sinais e rumores que indicariam, ainda que
de forma muito ténue, uma reviravolta política em Portugal, certo é que a comunidade
internacional foi, modo geral, tomada de completa surpresa pelos acontecimentos re-
volucionários ocorridos naquele pequeno país na extrema periferia da Europa. Como
referem Vieira e Monico (2014: 19) num volume recente dedicado ao impacto do 25 de
Abril e do PREC na imprensa internacional, dum momento para o outro, Portugal pas-
sou a ocupar “primeiras páginas de jornais, capas de revistas e aberturas de noticiários
radiofónicos e televisivos um pouco por todo o mundo, com uma intensidade que nun-
ca antes ocorrera na sua História.”
Essa mobilização inicialmente promovida por soldados, diante da fadiga da
guerra colonial, buscou interromper o poder do uso legítimo da força pelo Estado,
de modo a questionar as suas próprias operações nas colônias africanas, como
em Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, a partir de
uma atitude antidisciplinar, o que o difere do modus operandi das forças armadas
na América Latina, especialmente, no Brasil, Argentina e Chile, onde as forças
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militares estiveram alinhadas a projetos ditatoriais, na década de 1960. É lícito
apontar que a ditadura salazarista começa com um golpe militar e termina com
outro. Lincoln Secco (2013, p. 366) aponta que a Revolução Portuguesa possui um
duplo posicionamento peculiar; de um ponto ela é “europeia”, encerrando o “último
palco leninista” do Velho Mundo; e, em outro ponto, ela é “africana”, respondendo
a uma insurreição anticolonial enquanto incorpora também os ideais e guerras
de libertação nacional dos povos da África (alvo da colonização portuguesa)
que perdurou por quatorze anos, destacando por exemplo figuras de luta como
Amílcar Cabral (articulador da luta de independência na Guiné-Bissau)2.
Lincoln Secco (2013) aponta que a Revolução em Portugal foi inicialmente
um golpe militar para salvar a “dignidade” dos militares contra um regime
que levou à derrota colonial. Para Secco, a Revolução dos Cravos levou a uma
contradição entre a legitimidade popular e a hierarquia militar formal. O papel
dos militares mudou do apoio colonial para ações anticoloniais, influenciado por
contextos internacionais e locais mais amplos. A Revolução teve como objetivo
desmantelar as estruturas coloniais e fazer a transição para a democracia, com
vários modelos democráticos considerados.
Sobre isso, Pamela Peres Cabreira (2019, 02) aponta:
Podemos afirmar que a Revolução de abril de 1974 inicia com as revoluções africanas
em prol da libertação das amarras coloniais que já duravam séculos. Com o início
dos confrontos em 1961, Portugal viria a mudar toda a sua estrutura econômica para
sustentar o insustentável. A utilização dos termos para designar estas guerras de
guerrilha perpassa por questões ideológicas que não cabem espaço neste artigo para
serem discutidas, contudo, é importante demarcar que “Guerra Colonial” geralmente
é usado na historiografia para designar o período de 1961 a 1974 contra as lutas
independentistas das colônias africanas.
Assim, para Pamela Peres Cabreira (2019), a Revolução dos Cravos em
Portugal foi um ponto fulcral na transição do autoritarismo para a democracia
portuguesa, sobretudo no anseio por mudanças sociais e políticas significativas.
O processo da revolução foi caracterizado por lutas sociais, movimentos de
trabalhadores e desafios econômicos, levando a uma estrutura de poder paralela
dos trabalhadores e a uma subsequente crise econômica.
2 Embora Amílcar Cabral tenha fundado o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC), que preconizava a independência das colônias, a luta armada que dirigiu ocorreu
apenas na Guiné e não em Cabo Verde.
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A revolução documentada pelas lentes do cinema (Torre Bela e As Armas e o Povo)
O foco no controle organizado da produção pelos trabalhadores foi visto como crucial
para a transição socialista e o avanço do processo revolucionário. Sobre isso, podemos
nos remeter ao filme documentário franco-alemão Torre Bela, de Thomas Harlan, que
trata da ocupação da herdade Torre Bela, no Ribatejo, em 23 de abril de 1975, tendo como
desdobramento a criação de uma cooperativa de trabalhadores do campo. As atividades de
luta dos trabalhadores foram filmadas por Harlan durante oito meses, nas terras improdutivas,
atuante apenas na especialização de silvicultura, de aproximadamente cento e cinquenta mil
hectares, pertencentes ao Duque de Lafões; sendo este um dos cenários de desenvolvimento
político e revolucionário encabeçados por sujeitos precarizados que desejavam reorganizar a
vida comunitária e o mundo do trabalho agrícola.
Em Torre Bela, podemos ver vividamente como as palavras dos ocupantes não eram
apenas usadas para se posicionarem em relação à velha ordem social deposta, mas
também em relação uns aos outros dentro da própria cooperativa. As palavras ditas
em público tornavam-se um instrumento de posicionamento e reorganização comuni-
tária. Isto é patente, por exemplo na sequência da eleição tumultuosa de uma comis-
são da Junta, nas discussões sobre quem detinha o poder no interior do grupo, a pro-
priedade colectiva de uma pá ou enxada concretas ou sobre questões logísticas – o uso
a dar ao Palácio, o funcionamento de um refeitório, quem cozinharia ou o calendário
diário das actividades. A intensidade destes momentos é proporcionada pela monta-
gem de longos planos-sequência com som directo, de onde emergem as contradições
e as dúvidas dos ocupantes. Ora, em muitos dos filmes que atrás referimos, a palavra
e a voz são sempre pronunciadas depois do acontecimento e não no seu interior. São
muitas vezes reflexões de algo que já passou. Possuem obviamente um valor testemu-
nhal, mas, muitas vezes, são proferidas numa situação visivelmente construída para a
câmara, como é o caso das entrevistas ou depoimentos. Além disso, a palavra e a voz
têm neste tipo de cinema a função de enquadrarem, contextualizarem e intervirem de
forma directa sobre a organização das imagens. (COSTA, 2011, p. 227)
Para Alexandra Sofia Miranda dos Santos (2017), esse filme traz uma
abordagem materialista aos processos sociais da revolução portuguesa,
sobretudo por Harlan dimensionar o trabalhador enquanto sujeito político “até
o momento da intervenção da força militar contrarrevolucionária, como mostra
o final do filme” (SANTOS, 2011, p. 07). Para Santos, o filme se interessa pelas
contradições da Revolução dos Cravos, assim empreende a narrativa fílmica sob
o ponto de vista da ambiguidade:
As personagens da película Torre Bela afirmam-se pela sua ambiguidade, apesar da
sua postura política determinada, no momento mais radical e incerto da Revolução.
E, é talvez nestes termos, que podemos compreender a representação dos militares
do Movimento das Forças Armadas (MFA) no filme, do ponto de vista da “neutralidade”
em relação à luta dos trabalhadores, desconstruindo o mito criado em torno da ideia
de militar “herói” e “revolucionário” que domina algumas histórias sobre a Revolução
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55 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
portuguesa. E, ao mesmo tempo, por hipótese, aludindo ao “vazio de poder” que do-
minou o período da democracia-direta ou de duplo-poder (25 de abril de 1974 - 25 de
novembro de 1975), assim designado por Arcary (2004) e Varela (2011). A abordagem
cinematográfica ao processo revolucionário português, de que trata o filme, resgata
da raiz do cinema-verdade a perspectiva materialista e histórica que o filme Chronique
d’un Été (Crônica de um Verão) parece superar pela preferência dada à lógica do pensa-
mento formalista. Neste caso, opõem-se no debate entre Rouch, Morin e Harlan duas
formas distintas de produção de conhecimento implicadas na aproximação ao concei-
to de cinema-verdade: uma assente na dimensão subjetiva; e a outra na integração das
dimensões subjetiva e objetiva na abordagem aos fenômenos da vida social. (SANTOS,
2017, pp. 15-16).
Figura 1 – Cena de Torre Bela, de Thomas Harlan. Wilson e Eugénio em um acalorado diálogo. Eugénio
expressa preocupação com o fato de a cooperativa assumir seus pertences de trabalho, até mesmo suas
roupas, levando à percepção do impacto da experiência de coletivização.
FONTE: https://filmspot.pt/artigo/torre-bela-o-mais-marcante-documentario-do-periodo-a-seguir-ao-25-de-
-abril-disponivel-online-de-forma-gratuita-11692/
Nesses termos, na figura 01, podemos observar a cena que registra e captura
um evento micro-histórico em que o agricultor, Eugénio, questiona as diretrizes
da Cooperativa Agrícola Popular da Torre Bela, mostrando as complexidades
e contradições da situação que se desenrola. Assim, a representação se faz
com Wilson Zabu parado do lado de fora da residência dos trabalhadores na
fazenda, quando é questionado por Eugénio acerca do valor de sua ferramenta
de trabalho. Enquanto o trabalhador permanece invisível, sua resposta pode ser
ouvida indicando sua incerteza sobre o valor da ferramenta. Wilson reitera sua
associação com a cooperativa, no processo de coletivização. A interação entre
Wilson e Eugénio permanece ininterrupta na cena. Cinematicamente, o diálogo
não retrata a oposição conflitante entre Wilson e o fazendeiro, enfatizando mais
a discussão cooperativa sobre a propriedade coletiva dos meios de produção.
O foco está na continuidade que une os dois personagens, em vez de qualquer
ruptura em seu relacionamento. Segundo Alexandra Sofia Miranda Dos Santos
(2017, pp. 178-179), o potencial conflito de perspectivas é sugerido por meio dos
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cortes estabelecidos no processo de montagem do filme3, sobretudo, entre os
retratos de Wilson e Eugénio, contrastando com as fotos de outros agricultores
observando a conversa. Esses personagens são observadores passivos, não se
engajando prontamente no conflito dialogado, isso, até Maria entrar em cena
segurando uma panela, preenchendo a lacuna entre os dois trabalhadores e o
grupo. Maria apoia a sugestão de Wilson de garantir a ferramenta cooperativa
fazendo com que o trabalhador doe sua própria ferramenta, fortalecendo assim
a cooperativa. Essa cena aponta para as contradições próprias do processo de
luta.
José Filipe Costa (2011) nos apresenta que esse filme de Thomas Harlan
é visto como uma construção narrativa com um enredo dramático seguindo
os códigos narrativos clássicos, semelhante ao cinema documentário
observacional4. O autor compreende que a imagem em questão (figura 1) seja
reveladora do desenvolvimento das tensões pós-revolução, evidenciando as
dúvidas de um agricultor em relação ao processo de coletivização surgido na
constituição das atividades da cooperativa. Nesse sentido, o registro de Harlan
destaca a autenticidade da situação política em locus, sem recorrer a estratégias
argumentativas exteriores, assim basta registrar. É importante, neste filme,
destacar essa autenticidade de forma quase espontânea e compreender as
preocupações genuínas do agricultor, a fim de estabelecer um diálogo eficiente
sobre a coletivização resultantes dos processos da revolução. Ao reconhecer e
abordar essas questões com um olhar testemunhal e participativo da câmera, é
possível promover um entendimento mútuo e encontrar soluções inclusivas para
os desafios enfrentados e dispostos na cena que se desenrola na Cooperativa.
O filme apresenta personagens proeminentes como Wilson Zabu e José
Pedro Andrade, que estavam associados aos esforços políticos em prol da
3 A montagem é um item indispensável da gramática do cinema, ou seja, trata do processo de tornar
história apreensível. Segundo a Julia Gonçalves Declie Fagioli (2011, p. 47), a montagem é respon-
sável por construir narrativas cinematográficas, lidando com o que está fora de campo e o que fica
de fora. Ela organiza a sucessão dos planos e estabelece sua duração, inscrevendo o tempo no filme.
Além disso, a montagem é um componente essencial da escritura fílmica, dando sentido final às ima-
gens. Toda imagem guarda algo invisível, mas que pode ser imaginado.
4 Segundo Allan Barbosa (2009, p. 34), o documentário do modo observacional se caracteriza por
comunicar um acesso imediato ao mundo, sem intervenções, situando o espectador como um obser-
vador ideal. O roteiro é suprimido e a direção é minimizada, com os métodos de direção transmitindo
a impressão de invisibilidade da equipe técnica.
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Reforma Agrária na época, fornecendo informações sobre a ocupação e os
tensionamentos políticos envolvidos na ocupação da Torre Bela, como um caso
singular de desdobramento das imagens produzidas a partir de abril de 1974. Cabe
salientar a ênfase heroica dada a figura de Wilson Filipe, “Sabu” (1948-2020), em
todo o documentário, que se dá pelo seu histórico de “bandido social”, ala Robin
Wood, como expressa Thomas Halan a apontar algumas de suas motivações para
filmar Torre Bela.
Durante uma das assembleias do RAL I um soldado de- legado das unidades da escola
prática da cavalaria de Santarém, ponto de partida da «revolução dos cravos», fez um
relatório sobre o movimento camponês dessa zona: anunciava a ocupação iminente
das terras da família real de Bragança em Torre Bela, com Zabu à cabeça do movimen-
to. Zabu era o sobrenome de Wilson, rufia bem conhecido da escumalha de Lisboa,
condenado a quatro anos e meio de prisão em cativeiro por ter atacado um banco à
mão armada, terror da burguesia e herói popular, sobretudo junto dos jovens rapazes.
Rapidamente a equipa interrompe a rodagem nas casernas, onde trabalhava já há 40
dias e desloca-se a Torre Bela. Aí fica durante 8 meses. (HARLAN, 2013, p. 02).
Nas palavras de Costa (2011, p. 222):
[...] Os ocupantes eram trabalhadores agrícolas, alguns desempregados, outros
assalariados rurais ou pequenos proprietários, muitos deles com uma história pessoal
marcada pela participação na guerra colonial ou pela imigração. A ocupação da
herdade levada a cabo a 23 de abril de 75 insere-se num movimento geral de tomada
do poder popular nas fábricas, propriedades rurais e escolas que irrompeu depois
do golpe militar do 25 de Abril. As primeiras ocupações de terras datadas em finais
de 1974 ou inícios de 1975 (Rezola, 2007:209), começaram por ocorrer sobretudo nos
grandes latifúndios do sul, movimento que depois se expandiu para o Ribatejo. Muitos
historiadores têm sustentado a tese que foi esta dinâmica popular que transformou
o golpe de Estado do 25 de Abril numa revolução de caráter coletivo, baseada em
reivindicações relativas ao emprego, aumentos salariais e falta de exploração de
muitas terras férteis. As ocupações feitas à margem da lei, fundadas naquilo que se
designou de legalidade revolucionária, tiveram posteriormente a cobertura do Estado
em julho de 1975, quando foram publicados os Decretos-Lei 406-A/75 e 407-A/75
(Rezola, 2007:211)
Os acontecimentos em Torre Bela, documentados no filme de Thomas
Harlan, se apresentam como um tesouro da Revolução, sobretudo na medida
em que as ações da ocupação sofreram a influência direta da Liga de Unidade e
Ação Revolucionária (organização não partidária), e pela vontade expressa dos
ocupantes de não ceder o controle direto da gestão da cooperativa às estruturas
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partidárias. O tesouro revolucionário5 português está na capacidade de marcar o
país em uma sensibilidade revolucionária comum, como um modo de vida – uma
estrutura de sentimento, pela qual a revolução, como um movimento regulador
necessário, se torna uma linguagem vivida, pensada e articulada de forma pública,
na configuração de laços espirituais e políticos que se registrou historicamente.
Para Cabreira (2019), o estabelecimento de uma nova constituição, políticas
econômicas beneficiando populações desfavorecidas e precarizadas, o
enfrentamento das questões coloniais, dão um caráter destacado as atividades
revolucionárias portuguesas de então. Essas foram as principais prioridades
pós-revolução.
Ou seja, o Movimento das Forças Armadas, de certa forma, empreendeu
o incentivo à formação de um corpo populacional político revolucionário, que
foi impulsionado, mobilizado e representado pelos capitães de abril, que se
desdobrou em conselhos e comissões de trabalhadores, de camponeses,
mulheres, etc. Assim, como promessa democrática, se fez um processo de
incorporação de cidadãos no espaço público que, até então, esteve interditado
pela ditadura salazarista. Além Hannah Arendt, no texto A tradição Revolucionária
e seu tesouro perdido, Martorano indica que as práticas dos conselhos6 e
comissões de trabalhadores7 estiveram atreladas à vontade direta por democracia
5 Esse tesouro é disposto nas análises de Hannah Arendt (2011), em Sobre a Revolução, no capítulo
A tradição Revolucionária e seu tesouro perdido, no qual ela discute os aspectos distintivos das Re-
voluções Americana e Francesa, a partir do processo de memorização, daquilo que se desenvolveu
e restou do processo revolucionário. Segundo Antônio Batista Fernandes (2016), Hannah Arendt se
refere ao tesouro perdido da revolução como os sistemas de conselhos, dos quais ela acredita repre-
sentarem um sistema capaz de oportunizar a participação individual direta no governo, como uma
espécie de adensamento do espaço público. Nesses termos, segundo Fernandes, a filósofa vê os siste-
mas de conselhos como um meio de criar um espaço para a liberdade e o surgimento da ação política,
na medida em que permitem que os indivíduos se envolvam ativamente na governança. Assim, Aren-
dt contrasta esses sistemas de conselhos com os sistemas partidários, destacando como ambos eram
desconhecidos antes das revoluções e são uma consequência do postulado revolucionário moderno
que concede a todos os habitantes o direito de participar das esferas políticas públicas. A participação
é o adensamento do processo revolucionário, ou seja, o seu tesouro. O conceito de Arendt do tesouro
perdido enfatiza a importância desses sistemas de conselhos na revolução, retratando-os como um
componente valioso, mas muitas vezes esquecido, da mudança política; afinal, contemporaneamente,
optamos pelos partidos políticos em detrimento dos sistemas de conselhos. Ademais, a filósofa sugere
que esses sistemas têm o potencial de facilitar a governança democrática direta e aprimorar a agência
individual dentro da esfera política. Ao enquadrá-los como um tesouro perdido, Arendt ressalta a
importância desses sistemas de conselhos na preservação e promoção da liberdade política e do enga-
jamento ativo dos cidadãos. Cf.: (FERNANDES, 2016)
6 Cf.: (KORSCH; MATTICK, 1973).
7 Cf.: (SUARÉZ, 2023).
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59 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
e designaram, historicamente, o ensejo de superação da burocracia do Estado
burguês. Ademais,
o estudo do conselhismo [que] engloba não apenas os autores apresentados de forma
restritiva como integrantes dos “grupos comunistas de conselhos” – isto é, Karl Korsch,
Anton Pannekoek, Herman Gorter etc., conforme a posição defendida por Paul Mattick.
Se assim o fizéssemos estaríamos excluindo da pesquisa autores como Lênin, Leon
Trotsky, e mesmo Antonio Gramsci, entre outros. Para nós, os “conselhistas” são to-
dos aqueles que pensaram a questão dos conselhos operários em sua relação com o
partido socialista e com o Estado operário, e não exclusivamente os que considera-
vam estes novos organismos como expressão automática da democracia direta e da
superação dos partidos, como é o caso de alguns dos marxistas analisados por Paul
Mattick. (MARTORANO, 2009, p. 17)
Trata-se de um tesouro revolucionário, nos moldes apontados por Hannah
Arendt (2011), na medida em que emergem organismos de mobilização popular
içados por anseios por transformações que pusessem fim da precariedade na
vida social portuguesa pelos entraves antidemocráticos. Assim, “eles sempre
surgiam como organismos espontâneos do povo, não apenas fora do âmbito de
todos os partidos políticos, mas inteiramente inesperado por eles e seus líderes”
(ARENDT, 2011, p. 241). Assim, nos interessa perceber o desenvolvimento de uma
sensibilidade revolucionária, a qual o cinema foi um dispositivo mobilizador e
arquivo dessa estrutura de sentimento revolucionária.
Segundo Jacques Lemière (2005), o cinema português, após a revolução de
1974, encontrou uma vazão de liberdade artística e expansão cinematográfica.
Após o regime ditatorial (1926-1974)8, de ênfase salazarista, ser derrubado em 25
de abril de 1974, os cineastas portugueses puderam explorar temas anteriormente
censurados e expressar suas ideias livremente através do cinema, bem como
exibir filmes estrangeiros até então censurados, como Último Tango em Paris
(Bernardo Bertolucci, 1972).9
O referido filme foi exibido pela primeira vez em 30 de abril de 1974, sendo
que em dois meses houve filas gigantescas à porta do Cinema São Jorge. Esse
8 Acerca das referências cronológicas: Não obstante o regime salazarista (Estado Novo) ter sido ins-
titucionalizado com a entrada em vigor da Constituição de 1933, a historiografia portuguesa aponta
geralmente como baliza cronológica inicial do regime ditatorial o ano em que ocorreu o golpe de
Estado que lhe deu origem, 1926. Daí ser habitual a periodização 1926-1974 para a ditadura, que
se prolongou para além da “morte” política de Salazar em 1968 (antecipando a sua morte física em
1970). [contribuição de parecerista não identificado]
9 Sobre isso conferir: Documentário “Portugal 74-75 - O retrato do 25 de Abril”, de Joaquim Furta-
do, RTP, 1994. Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/portugal-7475/
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exemplo aponta para o expurgo erótico a um regime político caracterizado pela
repressão, controle midiático e educacional de forma centralizada e com ações
de sufocamento da dissidência e da oposição política. Assim, podemos perceber
o poder libertador de Eros pelo cinema. O projeto autoritário “descarta as forças
criativas de Eros, restringindo-lhe a ação, no máximo, ao âmbito puramente sexual
e limitando sua força como elemento constitutivo da sociedade” (FIGUEIREDO,
1992, p. 31).
No bojo dos acontecimentos revolucionários, as lentes do cinema não
faltaram à revolução. Prova disso, é olhar do cineasta brasileiro Glauber Rocha
registrado na obra “As Armas e o Povo”, que recebe a assinatura do Coletivo de
Trabalhadores da Actividade Cinematográfica. Lemiére (2005) aponta que o
referido filme destacou o envolvimento de grupos políticos de esquerda e o papel
do MFA (Movimento das Forças Armadas) durante o período revolucionário de
1974-75, bem como levantou questões controversas sobre a proteção oferecida
aos ex-líderes do regime e as potenciais tensões políticas dentro das estruturas
de poder emergentes. No filme, Glauber Rocha atua como uma espécie de
repórter que age no calor do acontecimento, ao entrevistar os agentes inseridos
na cena revolucionária e os trabalhadores no dia 01 de maio de 1974, a fim de
sentir a ambiência revolucionária por parte da população portuguesa dispostas
nas praças e ruas de Lisboa. As pessoas entrevistadas, por Glauber em um
tom quase censitário, apresentam as mazelas de uma vida precarizada pelo
regime, suas reclamações ganhavam a cena na medida que as ações do MFA se
desenrolavam. O filme tem como práxis a dimensão sindical e a luta de classes,
ou seja, “uma prática revolucionária assumiu proporções de completo impasse
no Sindicato dos Profissionais de Cinema” (GEADA, 1977, p. 119). Natália Tavares
(2021, p. 41) aponta que As Armas e o Povo é construído com uma montagem fílmica
que faz das informações explicativas e apreendida por meio da organização dos
planos, da temporalidade alternada entre o narrador e a população entrevistada.
Assim, o documentário adota uma estrutura expositiva que intercala a voz do
narrador com imagens e entrevistas, sem desafiar as categorias que organizam
o conhecimento dos acontecimentos. O filme, então, aponta características do
modelo participativo, transmitindo a sensação de comunicação direta com o
público durante as manifestações históricas e revolucionárias.
Tanto Torre Bela quanto As armas e o Povo são filmes documentários que
ingressam em acontecimentos concernentes e desdobrados da Revolução
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dos Cravos, dando destaques para as ações e posições populares diante do
empreendimento revolucionário. Assim, com esse anseio participativo da
câmera no bojo dos acontecimentos, esses últimos passam a ser filmados onde
o olhar do diretor tem a câmera como testemunha, o olhar do personagem, como
agente do processo, e do espectador que participa de uma troca de olhares
simulada, com as devidas mediações pelas quais o acontecimento é produzido
e, por conseguinte, passa a ser reproduzido pela linguagem construtora do filme
e com aquilo que foi filmado. Geralmente, o documentário recebe uma espécie
de estatuto de maior proximidade com o real, pois flerta com a figuração realista
dada pelo ato violento de filmar e tomar a palavra.
Diferentemente do jornalismo, o documentário se realiza após o acontecimento, mas
diferentemente do espetáculo, é-lhe proibido “reconstituir” o que não filmou. Assim,
ele coloca em jogo o primado do real que parece cada vez mais necessário ao motor
libidinal que faz girar as sociedades. (Seria preciso fazer a história da impressão de
realidade no cinema.). (COMOLLI, 2008, p. 20)
Porém, como arte, o documentário produz uma espécie de retoque da
realidade (assim, fazendo dela material manuseado pela invenção), a partir do ponto
de captação da câmera que escolhe o que deve ser inserido no campo de visão,
bem como o que deve ser deixado de lado, de quem deve ser ou não entrevistado
etc. Por exemplo, em Torre Bela, a cena em que os trabalhadores deliberam acerca
da adesão da constituição da Cooperativa, para dar dramaticidade aos discursos
das lideranças diante da massa de trabalhadores do campo, Thomas Harlan usa
do artificio do zoom sobre os rostos e corpos dos líderes em construção, como
Wilson, e a figura combatente de Camilo Mortágua, um dos fundadores da Liga de
Unidade e Acção Revolucionária (LUAR). A escrita da câmera e a montagem a todo
tempo quer imprimir artisticamente a intensidade da luta, como acontecimento.
Assim, a câmera é usada de forma crítica a fim de produzir um efeito enfático de
realidade, a partir de um critério de dramaticidade que, de certa forma, é uma
operação da ficção. Alexandra dos Santos (2017, pp. 75-76) faz uma detalhada
descrição da referida cena de Torre Bela.
A imagem abre em fade in, a câmera segue num plano de costas um grupo de
trabalhadores que caminha para a escadaria lateral de pedra. Vários trabalhadores
já se encontram aguardando no alto. É anunciada a data do dia, por meio da legenda
“Quarta- feira, 24 de abril”. A câmera continua seguindo os trabalhadores de costas
que caminham para o espaço da assembleia. Uma grande movimentação é captada
pela câmera. Depois de um corte, do alto, a câmera capta o plano de um grupo de
trabalhadores que faz parte da assembleia. Num movimento de afastamento com a
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técnica do zoom, a imagem abre. O olhar do espectador foi ampliado, e agora pode
aceder a toda a imagem da assembleia. A câmera está situada por detrás de Wilson, o
trabalhador que dirige a reunião. Wilson através do megafone informa que “Os donos
desta terra não estão de acordo com a cooperativa” e confirma o que já havia sido
comentado por Maria no fechamento da cena anterior sobre a garantia de trabalho
para alguns trabalhadores e não para todos. O resultado da reunião é exposto entre
os trabalhadores e são abertas falas entre os diferentes protagonistas. Um dos
trabalhadores manifesta o propósito da luta dos trabalhadores: “(...) dar a terra a quem
a trabalha”. E Wilson segue comentando sobre o processo de Reforma Agrária que
decorre no resto do país, e a necessidade de firmar um acordo de cooperativa entre
os trabalhadores. A câmera não procura mais os protagonistas de forma incessante,
eles estão posicionados na frente da assembleia, e aos poucos vão surgindo outros
entre o quórum dos trabalhadores. As diferentes “vozes” que se destacam como Camilo
Mortágua, que apela à continuidade da luta dos trabalhadores pelo acesso à terra, “(...)
com serenidade e conscientes dos direitos”, garantem o desenvolvimento da assem-
bleia, expondo os pontos de interesse dos trabalhadores para uma tomada de posição.
Nesta cena Mortágua está no alto falando para a assembleia. No próximo quadro já se
encontra no meio da multidão, e do seu lugar afirma ainda a importância de ter aces-
so às terras, mas “(...) também às instalações, também imóveis, também máquinas e
também tudo aquilo que é necessário para amanhar a terra”. Wilson reforça do alto
que para amanhar a terra “teremos de ter dinheiro”, e Mortágua afirma que existe o
Instituto da Reforma Agrária (IRA) para apoio financeiro e técnico. Neste plano de se-
quência terminamos com o tema da modernização do campo pelo trabalhador, que por
hipótese, já é anunciado nos momentos iniciais do filme com o uso dos sons do motor
agrícola e dos pássaros – máquina e natureza -, introduzido por montagem vertical so-
bre a imagem aérea da Quinta Torre Bela. Além disso, e por suposição, começa a for-
mar-se o enredo em torno da busca dos trabalhadores pela propriedade coletiva dos
meios de produção, apoio técnico e financiamento para que possa ser investido capital
na cooperativa de trabalhadores. No final da cena, Wilson apela ao voto de todos so-
bre o acordo de cooperativa. Os trabalhadores são unânimes em afirmar o acordo de
cooperativa que garante trabalho para todos, para ser encaminhado como decisão dos
trabalhadores nas negociações com o proprietário D. Miguel.
Em Mas afinal o que é documentário, Fernão Ramos delineia certas
características definidoras dos documentários, incluindo a incorporação de
narração de voz, entrevistas, depoimentos, a utilização de imagens de arquivo,
o envolvimento pouco frequente de atores de ofício, a ênfase única na escala
de cenas e técnicas distintas, como operação de câmera portátil. Para Ramos
(2008, p. 22), o “documentário estabelece asserções ou proposições sobre o
mundo histórico.” Assim, Ramos afirma que se trata de uma narrativa contendo
imagens-câmeras que transmitem afirmações e informações sobre o mundo,
dando a condição de intérprete para o espectador. É responsabilidade da narrativa
documental articular eficazmente essas afirmações, que têm o potencial de
serem diluídas ou fragmentadas por natureza. Entre o diversificado conjunto
de narrativas que envolvem o cinema, a narrativa documental destaca-se pela
sua característica distintiva, dada pela sua estrutura sígnica que funciona como
uma ferramenta de comunicação transparente facilitando o estabelecimento de
afirmações ou postulados sobre o mundo ou o eu que a narrativa representa, a
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partir do seu cotejamento do ideal de verdade, também ambicionado, de forma
diferente, pelo cinema ficcional, assim, ambas as formas de cinema compartilham
certas estruturas e procedimentos expressivos que, segundo Teixeira:
Tanto para um como para o outro, a verdade não resultava da criação cinematográfi-
ca, não era um efeito-verdade que os processos imagético- narrativos do cinema
compunham e punham em circulação no mundo, mas algo que lhes era exterior, dado
de antemão e que se expunha como objeto de descoberta e revelação pelo cinema.
A verdade como revelação de algo imerso na espessura, opaca ou transparente, do
mundo, e a que se tinha acesso, fosse por meio de uma parafernália de artifícios do
cinema ficcional, fosse pela visão límpida e direta do cinema documental. (TEIXEIRA,
2006, p. 255).
Essas “parafernálias” é que possibilitam o retoque dado ao real que só
pode ser acessado por efeitos compartilhados tanto pela dimensão ficcional
e documental. Assim, ambas as entidades, ficção e documentário, exibem
semelhanças e particularidades em suas composições estruturais e operações de
comunicação, indicando assim uma relação ou conexão potencial entre as duas.
Além disso, essas duas possuem características compartilhadas que sugerem
uma semelhança em seus princípios subjacentes e estruturas operacionais,
destacando a possibilidade de um dialogismo ou influência compartilhada
em seu desenvolvimento. Essas formas de dar retoque e acessar o real se
possibilitam a partir da mobilização da gramática do cinema que oferece formas
para interpretação da realidade, como expõe Comolli (2008, p. 262):
Os inocentes falarão de realidade manipulada, trucada. Mas filmar, cortar, montar -
escrever, em suma - é, evidentemente, manipular, orientar, escolher, determinar, em
resumo, interpretar uma realidade que nunca se apresenta a nós como “inocente” ou
“pura”, a não ser que assim a fantasiemos. Como os filmes de ficção, os documentá-
rios são colocados em cena. Acontece que o alvo dessa mise-en-scène é a realidade
reapresentada apenas de maneira acessória, ela está muito mais direcionada para o
espectador, interessada no funcionamento de seu olhar, no jogo de seus desejos e de
suas crenças.
O papel da narrativa documental e sua posição direta é crucial na transmissão
destas afirmações ao público, garantindo uma representação organizada e
coerente do mundo ou de si mesmo no processo de apresentação. Existe uma
dimensão artística e estética que corrobora para a construção dos efeitos
de realidade embutidos nos documentários, como uma espécie de operação
desconstrutiva do cinema enquanto ilusão. “Há na prática do cinema documentário
uma espécie de redução do cinema ao essencial: corpo e máquina.” (COMOLLI,
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2008, p. 20). Para Ramos (2008), o cinema documentário se caracteriza também
como narrativa que carrega consigo intenções e as indexações projetadas pelo
diretor na obra e que, muitas vezes, devem ser prontamente percebidas pelos
espectadores. Segundo Comolli, no documentário existe uma ideia de relação
direta com o objeto a ser filmado (o que não lhe é exterior), a representação do real
com o retoque artístico cinematográfico, ou mesmo, com a realidade referenciada,
mesmo quando sonega o seu referente. “O cineasta filma representações já em
andamento, mises-en-scène incorporadas e reencenadas pelos agentes dessas
representações” (COMOLLI, 2008, p. 85). Desse modo, segundo Guimarães e
Caixeta (In: COMOLLI, 2008, p.212), o real pressiona e ronda a cena filmada.
Dessa feita, o documentário suscita a invenção da realidade quanto um objeto do
mundo, que produz uma inscrição verdadeira:
A inscrição verdadeira concerne à duração partilhada entre quem filma e quem é filma-
do, de tal modo que o tempo do filme se compõe com o tempo do mundo, que sempre
deixa seu vestígio nas imagens, nos sons e nas falas. Se o documentário não perde sua
diferença para a com a ficção é justamente porque “um filme é feito de brechas por
onde sopra o vento do real, a corrente de ar do inconsciente”. O real, aqui, refere-se
tanto ao referente (apanhado em sua dimensão espacial e temporal) quanto à noção
lacaniana. Comolli insistirá que a potência do filme documentário consiste justamente
nessa sua dificuldade convertida em virtude: “O cinema, na sua versão documentária,
traz de volta o real como aquilo que, filmado, não é totalmente filmável, excesso ou
falta, transbordamento ou limite - lacunas ou contornos que logo nos são dados para
que os sintamos, os experimentemos, os pensemos.” Evidentemente, se o documen-
tário convoca o real dessa maneira, ele não desconhece o quanto toda representação
é obra de linguagem e nem ignora o fato de que os signos jamais se fundem ao real, por
mais intensa que seja a força acontecimental com que ele vem cindir a cena filmada.
(COMOLLI, 2008, p.212)
Nesses termos, não nos interessa, de forma direta, as tensões entre o
cinema ficcional e o documental, sobretudo, a partir do primado do real. Nos
interessa, então, que as filmagens de Torre Bela e As armas e o Povo, na forma do
documentário, tratam do acontecimento a partir do apelo realista e espetacular
que nos permitiu rastrear parte do resíduo do tesouro revolucionário português,
pois, os filmes na mesma medida em que documentam também ficcionalizam a
revolução e suas possibilidades. Isso é possível, pois, o documentário lida de certa
forma com o rastro empírico da imagem, pois foi feito como registro pensado sob
o modo de relação entre quem filma e quem é filmado e, por conseguinte, por
quem olha-o como acontecimento filmado com critérios da escrita e linguagem
cinematográfica e suas operações específicas (montagem, trilha sonora,
fotografia, etc.).
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A revolução e o campo da ficção (Non ou a Vã Glória de Mandar)
Acerca da Revolução dos Cravos como último cenário revolucionário europeu
e a questão da luta anticolonial em África, esse duplo movimento apontado por
Secco e Cabreira pode ser visto no filme Non ou a Vã Glória de Mandar (de Manoel
Oliveira, 1990). Nessa película, a História de Portugal é tomada como alegoria e,
com isso, ainda que se trate de uma ficção, o filme se apresenta com um toque
de história monumental, movido pela capacidade narrativa dos personagens
soldados - que narram e reconstituem, em uma perspectiva professoral e
pedagógica, alguns dos principais episódios de guerra que o país já enfrentou,
especialmente aqueles em que saiu derrotado.
Os atores, que vivem os soldados em guerra, também vivem sujeitos
históricos que são apresentados em seus processos narrativos sobre os eventos
históricos anteriores as guerras coloniais na África. Por exemplo, o personagem
Alferes Cabrita, vivido por Luís Miguel Cintra, é também Viriato e Don João de
Portugal. O personagem Soldado Manuel, vivido por Diogo Dória, é também o
Guerreiro Lusitano e Primo de D. João. Já o personagem do ator Luis Lucas,
o soldado Brito, é também o Guerreiro Lusitano e o Guerreiro Alcácer. Por fim,
o ator Miguel Guilherme vive o Soldado Salvador e o Guerreiro Lusitano. Essas
inversões se dão pelo uso de cenas em flashback. As disposições dos personagens
se caracterizam na execução de dois tempos históricos na composição diegética
do filme. Os soldados vivem o seu presente no tempo da ação do filme, mas o
acessam de forma narrativa na busca por sentido de estarem numa guerra
fracassada, o que os faz despertar para a História, a partir da capacidade ativa
de narrar as vãs glórias de um passado português carregado de derrotas. Ou seja,
o filme de Manoel Oliveira dimensiona a história política de Portugal sob a égide
da alegoria da derrota.
Segundo Idelber Avelar (2003), as alegorias da derrota, em contextos pós-
ditatoriais, funcionam no enfraquecimento da dimensão épica, pois indicam os
índices do fracasso histórico e se propõe a interpelar o presente na condição
de alegoria, se posicionando como um desvio imposto pelas ruínas de derrotas
históricas não completamente simbolizadas no plano político e social. No
filme Non ou a vã glória de mandar, isso funciona em um enredo fragmentado
entre o passado e o presente, pelo qual Manoel de Oliveira criou uma reflexão
DOSSIÊ
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peculiar sobre a história de Portugal, trazendo como índices alegóricos as ações
referentes à vã glória de mandar, da lenda de Viriato até à Guerra Colonial (tema
enfático na relação passado e presente neste filme), passando por personagens
como D. Afonso Henriques a batalha de Toro, o decepado D. Duarte de Almeida, a
união dinástica com Castela através do casamento dos infantes Afonso e Isabel,
a Ilha dos Amores de Luís de Camões, a morte do príncipe D. João, a inglória
batalha histórica de Alcácer Quibir, o trágico destino de D. Sebastião e, por fim, o
desfecho final nas terras africanas, no dia 25 de Abril de 1974 - data em que toda
a ação do filme ocorre no presente, representando o fim do sonho português do
Quinto Império.
Essa vontade interrompida é culminada na última sequência do filme, em
que o Alferes Cabrita, um estudante do curso de licenciatura em História, começa
a delirar em um hospital de Luanda, devido aos graves ferimentos adquiridos no
front de guerra em território africano. Ismail Xavier (2013) chama isso de “percurso
na tônica de uma poética do desastre”. O personagem tem sua voz embargada,
quase silenciada, na medida que vai tomando altas doses de morfina e uma
imagem interna a sua mente vai se formando.
No plano dos delírios resultantes da violência das dores sobre o corpo de
Cabrita, a partir do cruzamento de imagens interiores versus imagens exteriores
que configuram o estado de espírito do alferes, surge a imagem alegórica de um
cavaleiro da Guerra de Alcácer Quibir10, sendo ele D. Sebastião, que tem a sua mão
ensanguentada no centro do enquadramento, com um jorro volumoso de sangue,
na medida em que sua mão está em contato direto com a lâmina dos gumes da
espada. A figuração mítica do sebastianismo se faz na imagem interna da mente
do alferes e, dentro dela, se transfigura a aparição do personagem histórico D.
Sebastião com as mãos ensanguentadas que, por sua vez, encontra referência
10 A Batalha de Alcácer Quibir, que aconteceu em 1578, foi um confronto militar entre o Rei Dom
Sebastião de Portugal e o Sultão de Marrocos. O motivo da batalha foi a preocupação de Dom Sebas-
tião com o avanço dos muçulmanos sobre Marrocos, pois acreditava que eles poderiam tentar retornar
à Península Ibérica. Dom Sebastião recebeu o apoio das tropas do Sultão Mulei Mohammed, e juntos
enfrentaram as tropas lideradas por Abd al-Malik, com o suporte dos otomanos. Nesse confronto os
portugueses foram derrotados e Dom Sebastião desapareceu sem maiores explicações, o que gerou
especulações e alimentou o mito do Sebastianismo. Esse evento histórico é de grande importância
para a cultura portuguesa, pois marcou o início desse fenômeno mítico, no qual surgiu a crença na
volta do rei desaparecido para restaurar o país e consolidar a posição de um Império português.
Cf.: https://blogdabn.wordpress.com/2017/08/04/fbn-documentos-literarios-um-alvara-de-d-sebas-
tiao-o-desejado-nos-manuscritos-da-inquisicao-de-goa/
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no acontecimento externo, as gotas de sangue pingando na bolsa de transfusão e
o vomito hemorrágico do soldado, fruto de uma sua hemoptise terminal, quando
está prestes a morrer. Ismail Xavier vê Cabrita como o oposto de Dom Sebastião,
personificando os efeitos e o padecimento da violência histórica discutida no
filme:
Derramado nas várias instâncias do “Non”, esse sangue se identifica com o destino na-
cional trabalhado em cada momento do passado através de personificações, figuras
que condensaram situações, portadoras das noções nucleares que marcam a difícil
superação de um traço de identidade que o filme desenha e redesenha, mas que por
fim questiona, ao figurar a passagem do domínio da vaidade, vontade de poder obsti-
nada e arrogância, para o domínio da lealdade, da sensatez e do diálogo encarnado em
Cabrita. Nesse esquema bem afinado à alegoria tipológica do cristianismo, Cabrita é o
anti-Dom Sebastião que encara o seu par antitético e recolhe no seu corpo a violência
sobre a qual ele próprio discorreu ao longo do filme. (XAVIER, 2013, p. 44).
A figura de D. Sebastião será retomada por Manoel de Oliveira no filme O
quinto império–ontem como hoje (2004). O sebastianismo é carregado por uma
mística da conquista interrompida que se apresenta da seguinte forma no filme
de 2004:
O quinto império–ontem como hoje (2004): acompanha os momentos que ante-
cedem a decisão tomada por D. Sebastião (interpretado por Ricardo Trêpa), em 1578,
de invadir o Marrocos e, com isso, deflagrar a Batalha de Alcácer-Quibir. A narrativa
do filme segue sempre em seu castelo, num clima claustrofóbico que parece sugerir
a presença de uma mescla entre angústia e loucura, nos comportamentos de um rei
obcecado pela glória futura. Após a derrota de Portugal nessa batalha, surge o mito
do sebastianismo, que consiste na ideia de que um dia D. Sebastião retornará montado
num cavalo branco para tirar Portugal do jugo de outras nações e conduzi-lo ao tão
aguardado Quinto Império. (PIANCO, 2011, p. 51)
Em Non..., D. Sebastião, antepassado de Cabrita, não corresponde a imagem
do retorno do antigo rei no cavalo branco a fim de conduzir Portugal ao Quinto
Império, mas sim ao flagelo e agonia da derrota que, segundo Mariana Veiga Silva
(2014, p. 84)
[se] vê a figura de Dom Sebastião, que desembainha a espada e segura-a com tal força
que acaba por machucar suas mãos; o sangue d’El rei goteja pela espada no mesmo
ritmo que o sangue do alferes goteja na bolsa de transfusão. Existe todo um diálogo de
imagens, mas a cena toda – que tem aproximadamente 15 minutos de duração – passa-
-se completamente sem palavras.
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Ismail Xavier (2013, p. 44) aponta que a morte de Cabrita possui um paradoxo
que a faz ao mesmo tempo “heroica e vexaminosa”, pois a morte gerenciada
e exposta é de um cidadão comum sem significado messiânico e que ganha
significado por fazer parte de uma constelação maior, simbolizando virtudes e
valores perdidos em um processo em que a morte marca o fim das obsessões
nacionais evocadas pela história de Portugal durante o filme. Segundo Luís Krus
(1991, p. 174), essa imagem reforça a narrativa autoflageladora e sacrificial dos
soldados, constantemente, evocada nas narrativas sobre os acontecimentos
referentes à história da expansão portuguesa e dos conflitos coloniais, nas cenas
antes da agonia final de Cabrita. Ou seja, a evocação da História e do patrimônio
cultural de Portugal é também feita no filme pelo uso referencial e poético de
Os Lusíadas (Luís de Camões) quase de forma monumental, sobretudo na voz e
no corpo de Cabrita, a quem cabe posicionar, pelo ato de narrar, o lugar do país
lusitano na construção civilizatória moderna que, ao mesmo tempo, produziu
cultura também construiu a barbárie sob a mesma base. Isso nos remonta a
sétima tese de Walter Benjamin em As teses sobre o conceito de história (1940),
onde o filosofo alemão aponta:
[...]Os despojos, como é de praxe, são também levados no cortejo. Geralmente lhes
é dado o nome de patrimônio cultural. Eles poderão contar, no materialista histórico,
como um observador distanciado, pois o que ele pode abarcar desse patrimônio cul-
tural provém, na sua globalidade, de uma tradição que ele não pode pensar sem ficar
horrorizado. Porque ele deve a sua existência não apenas ao esforço dos grandes gê-
nios que criaram, mas também à escravidão anônima de seus contemporâneos. Não há
documento de cultura que não seja documento de barbárie. E, do mesmo modo que ele
não pode libertar-se da barbárie, assim também não o pode o processo histórico em
que ele transitou de um para o outro. (BENJAMIN, 2016, p. 12-13).
Essa alegoria tem um caráter dramático, a fim de indicar uma morte também
simbólica de uma história oficial consonante com o autoritarismo salazarista
e suas justificativas de guerra com base na história épica e desbravadora de
Portugal. O sangue derramado aponta para o esvaziamento de sentido dos
embates épicos e do colonialismo dado no presente da ação do filme, antes
posto pela “mediação de memórias nacionais que enunciava, pela ilusão da
história, o sentido de sua missão, do seu comum destino” (RAMOS, 1991, p. 173).
Essa dimensão de uso da história, por parte dos soldados, se apresenta como
uma espécie de compensação imaginária de cumprimento de um destino trágico
que os esperava, o que se confirma na cena final do filme. Nas palavras de Rui
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69 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
Ramos (1991, p. 174) “a campanha militar era feita, contra o Mundo, em nome
dessa História. Talvez o facto de a ouvir ajudasse os combatentes a descobrirem
o sentido, para a morte que os esperava”.
Quando a morfina não faz mais efeito, Cabrita é levado a óbito, e esse sendo
registrado na data que eclodiu a Revolução dos Cravos. A imagem de registro no
prontuário do alferes é vocalizada literalmente em consonância com a imagem,
a palavra é tomada e dada pela voz over para escrever junto da imagem a ênfase
do acontecimento. Assim, a morte do soldado simboliza a derrota de inúmeras
glórias narradas e listadas por ele nas carrocerias dos caminhões de guerra nos
embates coloniais. Porém, a Revolução para ele não é experiência a ser narrada,
se torna um objeto exterior ao filme, na medida em que ele se encerra com a
morte. A voz que antes vocalizava textos de cronistas e religiosos, agora, agoniza
e se cala no dia que outro marco da história portuguesa se estabelecia longe do
alcance do seu conhecimento. Sobre essa cena que aponta para o uso das formas
teatrais e integração e preservação do teatro na linguagem do cinema nos filmes
de Manoel de Oliveira, como já descrito por Francisco Javier Ruiz del Olmo (2023),
Luíz Krus (1991, p. 172) nos aponta:
A verdade secreta... inexplicável... o sentido último... São estas as palavras que Manoel
de Oliveira faz dizer ao alferes Cabrita, antes de lhe substituir a voz pelo sangue e de lhe
determinar uma agonia cuidadosamente datada no dia 25 de Abril de 1974. A sequên-
cia situa-se num hospital militar anónimo, numa enfermaria ocupada por um grupo
de soldados feridos, mutilados e ausentes pela dor. Apenas um deles, um rosto a que
uma espessa ligadura descobre um olho atónito e perscrutador, parece consciente do
momento. O grande plano que lhe capta o olhar visionário pelo sofrimento, escolhe-o
como o último testemunho, como o registo e a memória final da morte do alferes, o mi-
litar-universitário, o estudante de história que, ao longo do filme, por entre as intermi-
náveis estradas africanas, contava aos seus subordinados, aos seus soldados, coisas
do passado, do país, coisas sobre Portugal. (KRUS et al., 1991, p. 172)
Figura 2 - O Olho que testemunha a História e a Morte
DOSSIÊ
70 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
Cabe salientar que o plano, no qual se encontra um olho envolto de uma
grande bandagem branca, apresenta-se um olhar testemunhal e partícipe que
expecta a morte do alferes narrador da História de Portugal, ao mesmo passo
que testemunha a derrota da guerra colonial e a impossibilidade de narrá-la em
seus próprios termos, sem o auxílio monumental da História oficial. Esse olhar
aponta para nós o caminho inglório da guerra colonial sobre ele próprio e Cabrita,
conforme aponta Xavier (2013, p.131).
[...] o olhar sem rosto do ferido no hospital moderno que, envolto em bandagens, ex-
pressa o horror diante da morte de Cabrita; e, por fim, há as feições do próprio alferes,
que acentuam o contraste entre a bonomia das preleções históricas, onde se insinuam
as inclinações melancólicas do intelectual, e o momento dramático da sua agonia, que
se desenha como um ajuste de contas, e de olhares, na hora da morte, longe da refle-
xão serena.
Com essa cena, o personagem Cabrita morre sem atribuir um sentido
específico para a guerra e ao montante de histórias, de homens que desejaram
fazer a guerra, em prol de Portugal, que o mesmo alferes narrou durante os
tempos de combate em terras africanas. Sobre isso, Rui Ramos afirma que o
destino trágico dado ao personagem, por Manoel de Oliveira, não permitiu Cabrita
ver o sentido de sua própria História por morrer no Dia da Revolução dos Cravos,
que simbolizou a posição histórica e aclamada acerca da iniciativa de parte das
forças armadas diante de uma ditadura longeva, iniciada por Salazar, na década
de 1930. Por isso, nesse caso, a história seria vã. Nas palavras de Ramos:
Enquanto desconhecermos o que se segue, nunca descobriremos o sentido do que se
passa. O alferes-historiador morre no dia 25 de abril de 1974. Se tivesse sobrevivido,
teria talvez descoberto um sentido na guerra (preparou a queda da ditadura, etc.). A
morte fez que o que lhe aconteceu permanecesse para ele um enigma, isto é: um puro
acaso, o azar de quem tentou a fortuna que rege o mundo. (RAMOS et al, 1991, p. 75)
Nesse sentido, é importante frisar que o filme de Manoel de Oliveira coloca
a história em uma posição central no ecrã, o que o faz estar muito próximo
daquilo que caracteriza o que chamamos de filme histórico. Segundo Alcides
Freire Ramos (2002), a partir de seu diálogo crítico com Sorlin, o filme histórico
é um filme de ficção, que coloca o público diante de seu patrimônio histórico
de forma propositada. A história toma o centro dos debates, na medida em que
ficção e história se sobrepõe, inclusive, mesmo que o filme cite e ou dialogue
DOSSIÊ
71 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
com documentos e considere a consultoria de historiadores, ele se faz a partir
do uso da imaginação histórica diante dos fatos constituídos, documentados
e conhecidos historicamente, a fim de apresentar pelo passado questões que
inquirem o presente de produção da obra.
Tínhamos visto que para P. Sorlin “todos os filmes históricos são filmes de ficção”. Ao
afirmar isso, o autor queria salientar que os cineastas “até mesmo quando se baseiam
sobre documentos, devem reconstruir de maneira puramente imaginária a maior parte
daquilo que mostram (grifo nosso)”. “ Sorlin tinha apresentado como exemplo disso a
seguinte situação: cenários, móveis ou roupas, que deverão ser colocados em cena,
podem ser feitos “à semelhança daqueles do período histórico representado”, se o di-
retor se basear “sobre textos ou quadros” de época, mas, por outro lado, “só os atores
são responsáveis pelos gestos, pelas expressões e pela entonação”. Para ele, estamos,
neste último caso, no campo puramente ficcional. Por isso, arremata sua argumenta-
ção, dizendo: “Ficção e história se sobrepõem constantemente uma sobre a outra. E é
impossível estudar a segunda ignorando a primeira (grifos nossos)”. Neste ponto, Sorlin
chama a nossa atenção para o fato de que o filme histórico contém dados retirados dos
documentos (não-ficção = história) e, de acordo com o exemplo oferecido, imagens
criadas pela imaginação dos atores (ficção = não-história). (RAMOS, 2002, p. 328).
O salto dado por Ramos (2002, p. 329), em relação a concepção de filme
histórico de P. Sorlin, está quando ao analisar o filme Os Inconfidentes (de Joaquim
Pedro Andrade, 1972), Ramos indica que mesmo com um filme entremeado de
pesquisas, citações, ambientação da mise en scène, pode haver o impacto da
imaginação no processo de interpretação da História, pois, a partir da relação
forma e conteúdo, os dados históricos não se separam de maneira evidente.
Segundo Ramos (2002, p. 329): “Por vezes, onde há os documentos tidos como
tradicionais verificados, ao mesmo tempo, há imaginação do autor recortando e
criando novos dados.”
No caso de Non, o desejo por história, por parte de Manoel de Oliveira, solicitou
o auxílio de dois historiadores, tidos como conselheiros: Aurélio de Oliveira e o
Padre João Francisco Marques, esse último especialista na produção de Padre
António Vieira, o qual o Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma é a matéria
moral posta em Non. Isso pode ser visto no monólogo do último combatente de
Alcácer-Quibir sobre o “Non”, no qual ele diz com ênfase o texto do Sermão da
terceira quarta-feira da Quaresma, em uma situação de deflagradora derrota:
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Terrível palavra é um NON. Terrível palavra é um NON. Não tem direito nem avesso. Por
qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim,
ou do fim para o princípio, sempre é NON! Quando a vara de Moises se converteu naquela
serpente tão feroz que fugiu dela para que o não mordesse, logo perdeu a figura, a fe-
rocidade e a peçonha. O NON não é assim! Por qualquer parte que o tomeis, sempre é
serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança,
o último remédio que a natureza deixou a todos os males. Não há corretivo que o mode-
re, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoece. Por mais que confeiteis um NON,
sempre amarga. Por mais que o doureis, sempre é de ferro.
Assim, a presença desses conselheiros se dá, na obra fílmica de Oliveira,
a partir da necessidade de reafirmar uma consciência histórica e uma reflexão
moral, a partir da produção literária do cânon português. Segundo Alessandra
Zuliani (2013, p. 58), o título do filme de Oliveira tem suas raízes no “Não” disposto
no sermão do Padre António Vieira e na imprecação do Velho do Restelo, no Canto
IV, de “Os Lusíadas”, postas nos termos: “Ó glória de mandar, ó vã cobiça desta
vaidade a quem chamamos Fama!”, no filme adaptado na frase “Vã Glória de
Mandar”.
Segundo Anamaria Filizola (2010, p. 151), uma dimensão de ficcionalização
da história se coloca na maneira teatralizada que os episódios históricos são
apresentados no filme, bem como o aspecto do estilo realista se faz nas cenas
dos soldados no espaço da guerra. Nas palavras de Filizola (2010, p. 151):
Enquanto a viagem do comboio merece um tratamento fílmico realista no que respeita
ao tempo, espaço e personagens, os episódios históricos, e embora concebidos com
cuidadosa reconstituição de época, principalmente na composição dos personagens,
figurino e cenário, resultam numa representação mais teatral. Tal procedimento tem
um efeito bastante interessante: é como se o passado mais distante não pudesse ser
recuperado senão de uma forma metafórica, de uma aproximação do que foi.
Ademais, junto com a composição estilística para designar os tempos
históricos, o filme aponta para a relação intrínseca entre cultura e barbárie,
tendo na História o material para demonstração disso, na medida em que aponta
desastres causados pela vaidade do poder e ao mesmo passo em que destaca
um projeto universal para um mundo melhor sob a égide portuguesa e seu afã
colonizador, sobretudo na África naquele próprio contexto do acontecimento
da ação. Sobre esse processo ambíguo posto na produção da cultura, no filme,
Ismail Xavier encontra a ambiguidade posta na vontade de narrar de Cabrita e o
argumento do “Non” sugerido no texto de Padre Antonio Vieira, durante o período
anterior a agonia do personagem:
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Este é o terreno de ambiguidades em que se move o alferes: ao expressar seu descré-
dito no falido colonialismo, se move menos no terreno das ideias que alimentavam a
oposição a Salazar e mais num terreno de generalidade humanista que ora absorve a
linguagem do jesuíta, ora assume a pertinência do princípio do “Non” como ordenador
da história portuguesa enquanto perdurar o messianismo imperial. Por outro lado, o
filme compensa suas afinidades barrocas expressas no título e na forma como dese-
nha a sucessão dos desastres causados pela vaidade do poder, introduzindo na fala do
alferes o senso de um movimento civilizatório cuja dimensão ascensional marca um
projeto universal de criação de um mundo melhor. Nessas oscilações, pode falar de Vi-
riato do jeito que fala (condições para entrar na história mundial) e pode insinuar o lado
positivo da presença portuguesa nessa mundialização dos africanos, pois lhes oferece
condições para unificar e constituir uma nação. (XAVIER, 2013, p. 141)
Na percepção de Anamaria Filizola (2010, p. 152), a perspectiva do soldado
é historicista, o que faz com que ele inclua Guerra Colonial no espectro da
longa duração. Segundo a autora, isso se dá, pois a Guerra Colonial é apenas
um dos eventos escolhidos pelo alferes no manancial de exemplos dos seus
conhecimentos monumentais da história portuguesa, a qual ele apresenta para
os soldados. No discurso do alferes, ele menciona a influência e intervenção
dos deuses, fazendo referência aos Lusíadas, no qual os deuses simbolizam a
transcendência e a vontade humana. Esse simbolismo é aplicado aos destinos
individuais, coletivos, nacionais e civilizacionais da história portuguesa em
diferentes períodos. O afã da monumentalização da História de Portugal no filme,
se apresenta na busca de minimizar o efeito prático da relação intrínseca entre
cultura e barbárie. Embora essa não desapareça, segundo Xavier (2013, p. 142),
é como se houvesse uma cisão entre o plano da dádiva (processo cultural de
civilização efetuada pelos portugueses no mundo moderno) e o plano violento
das conquistas (empresa colonial portuguesa sobre outros territórios). Cabe
dimensionar, em concordância com Filizola (2010, p. 157-158), que as dádivas
são postas na ideia de grandes feitos que estetizam o uso de Os Lusíadas no
filme, a partir da estetização de um inventário das conquistas e navegações
ultramarinas no qual se apresenta o engrandecimento acrítico de Portugal: “eis
o melhor da história, literatura, o contato com outras civilizações como troca,
como conquistas compartilháveis, como mar-oceano, e não como tomada, seja
de territórios seja de gentes” (FILIZOLA, 2010, p. 157).
Na sequência da Ilha dos Amores, segundo a autora, é onde se concentra no
filme a simbolização dessa ideia de destino, porém essa é tomada para fora da
ação do filme e da suspensão da História factual, objeto da narração de Cabrita,
mas se apresenta na construção poética e teatral do poema de Luís de Camões,
DOSSIÊ
74 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
em que os deuses e humanos celebram o cumprimento da missão civilizatória
esperada de Portugal:
O episódio escolhido para simbolizar essa missão cumprida se encontra fora da Histó-
ria, mas está no poema: trata-se do prêmio recebido pelos portugueses dos deuses: o
descanso na Ilha dos Amores, preparada por Cupido a mando de Vênus. Surgida dentre
um nevoeiro, a Ilha se oferece aos valentes marinheiros, fatigados depois de cumpri-
rem com o que estava previsto e destinado à pátria, como um banquete, para o corpo
e o espírito, de abundância de frutos e amor das ninfas. Os putti flecham a todos, Tétis
mostra, ao Gama, Vênus, que desce sentada numa concha segura por três cisnes. A
Máquina do Mundo, presente no discurso do alferes, não aparece na representação fí-
lmica da sua narrativa.
Dessa feita, ao se fazer com base no enaltecimento do documento de cultura, o filme
de Manoel de Oliveira acaba, em certa medida, por obliterar os efeitos e resultados dessa
“missão civilizatória” que produziu um “círculo que se iniciou em 1578”, carregado de violência,
do qual Cabrita seria tributário no filme dando seu o suspiro final e pagando com a própria
morte (XAVIER, 2013, p. 141). Assim, a Revolução dos Cravos no filme seria um desvio desse
círculo, pois indica a derrota da Guerra Colonial e a vitória da qual o alferes participou, mas não
pôde ver acontecer. Por conseguinte, o destino e a missão se tornam trágicos e vinculados a
construção monumental da alegoria da derrota que indica o fim no continuum de uma longa
duração remetida durante todo o filme. Cabrita é posto como o último mártir da “Estação da
Paixão portuguesa” (XAVIER, 2013, p. 130). Por isso que a revolução é o marcador da morte e a
questão colonial em África é recalcada no filme. Segundo Xavier (2013, p. 134),
a questão específica da África permanece, em verdade, recalcada no filme, seja nos
seus aspectos mais recentes (anos 1970), seja em sua história geral, pois a recapitu-
lação do passado em grande escala elide toda a questão da colonização na África, a
escravidão e o tráfego negreiro, experiência de que Portugal manteve o controle entre
os séculos XVI e XIX, enriquecendo senhores do comércio e o Estado num período que
é posterior ao que os flashbacks põe em cena, concentrados que estão nas refregas da
península Ibérica e na luta contra os mouros, sendo a derrota de 1578 seu último e mais
dramático episódio, referência a partir da qual se faz o salto para 1974.
Assim, percebemos que o processo de monumentalização produz uma
seleção violenta no ensejo de construir e consolidar uma tradição cultural
e histórica, produzindo escombros que encobrem determinados agentes e
seus respectivos pontos de vista sobre os acontecimentos, bem como induz a
hierarquia e as posições no jogo da enunciação do filme. Ismail Xavier (2013, p.
131) aponta que, para a produção de presença da monumental missão civilizatória
portuguesa, o negro e o continente africano são tornados ausentes na relação
passado e presente produzida no filme. O crítico demonstra isso, quando analisa
que os negros estão ausentes nos flashbacks (das lutas inglórias e integrante
das missões dos portugueses) e só são vistos como combatentes à distância
DOSSIÊ
75 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
no momento de desenlace, quando Cabrita é violentamente atingido. Nas cenas
de guerra, o interesse da câmera está concentrado na ação e no destino dos
protagonistas portugueses, deixando os negros em segundo plano. Temos como
exceção, apenas a figura de violência mais impactante, produtora de grande
horror, que se dá quando negro africano é ferido violentamente, ao aparecer em
cena correndo e gritando, segurando o ventre dilacerado e com suas vísceras
na mão. Assim, a posição e as lutas anticoloniais dos africanos se apresentam
como um subentendido, para não dizer um interdito no filme. A opção de Manoel
de Oliveira está intensamente voltada para o outro lado, a partir do argumento
sobre a negatividade do “Non”, o diretor incide em representar a absorção
poética da derrota, do desastre e do fracasso e a interrupção do sonho imperial
e histórico almejado por Portugal, tendo em 25 de abril de 1974 o banho de “água
fria” numa vontade remontada a séculos. Assim, o povo, os negros africanos,
a ação dos “capitães de abril”, os trabalhadores etc., não coincidiram com a
mobilização monumental da História Portuguesa optada por Oliveira, para os fins
da construção do seu filme de ficção histórica, diferentemente, por exemplo, dos
filmes documentais supracitados, mesmo considerando as especificidades das
intenções e linguagem utilizadas por cada um deles.
Do povo à vã glória revolucionária: apontamentos acerca das representações fílmicas da
Revolução dos Cravos
Apesar de diferentes gêneros trabalhados entre os filmes escolhidos para
serem analisados ao longo do artigo, onde cada um explora a sua representação
acerca da Revolução dos Cravos, faz-se necessário apontar algumas
considerações sobre as películas elencadas.
Nos documentários Torre Bela (1977) e As Armas do Povo (1975), cujos
eixos centrais refletem nos camponeses e trabalhadores durante o processo
revolucionário, abordam um tom muito mais efervescente diante da ruptura das
políticas salazaristas.
Diante de um regime que durou mais de quarenta anos, mesmo após a
ausência da figura política de Salazar em 1968, o então presidente de Portugal,
Américo Thomaz, deu continuidade à ditadura no país até 1974, momento da
eclosão da Revolução dos Cravos. Tal denominação foi de um acontecimento
DOSSIÊ
76 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
esperançoso para os tempos sombrios até então: uma popular oferece um cravo
vermelho para um soldado, que posteriormente, este o coloca em seu fuzil. Nas
palavras de Cláudio de Farias Augusto (2012, p. 22),
a partir daquele momento existiriam, ali, novas perspectivas de vida; um futuro com
uma orientação política mais à esquerda – esperança, aliás, cultivada há tempos por
uma parte considerável dos revolucionários e almejada pela sociedade recém-liberta-
da do jugo ditatorial.
Este período marca a população portuguesa como um caminho inverso
à ditadura e na direção da democracia pluripartidária e dos avanços das ideias
políticas de inclinações socialistas. Destarte, os documentários Torre Bela e
As Armas do Povo representam esse otimismo presente em Portugal durante o
processo revolucionário no início dos anos de 1970.
Após a Revolução dos Cravos, Portugal nomeou através da Comissão
Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA), o general Spínola e
Costa Gomes.11 Mesmo com a volta dos exilados políticos e com uma Constituição
Democrática, Portugal ainda enfrentava problemas de instabilidade econômica
e questões relativas a políticas de imigração. Em 1986, Portugal decide entrar
na Comunidade Econômica Europeia – posteriormente rebatizada de União
Europeia, em 2007 – cuja tentativa era buscar uma recolocação sociopolítica
entre os principais países europeus, após muitos anos de isolamento e de sanha
colonial.
Dessa forma, sobretudo na década de 1980, o clima que antes era de
festividade pelas promessas democráticas e reconstrutivas de Portugal,
materializa-se ao sentimento de desilusão entre a população:
A cada aniversário da Revolução, pode-se constatar, no geral, uma desilusão angustia-
da tanto por parte dos que a fizeram e dos que a viveram quanto por parte de algumas
das atuais forças políticas institucionalizadas e da população mais jovem. A experiên-
cia democrática não trouxe, por si só, a necessária alavancagem do setor econômico,
já que o país ocupa um desconfortável segundo lugar dentre as economias mais frá-
geis da zona do euro – situando-se abaixo apenas da Grécia. Desilusão assombrada
pela sensação de que, ironicamente, foi implantada uma ditadura econômico-finan-
ceira pela União Europeia para o favorecimento de certos países-membros que, desde
outrora e de uma forma ou de outra, sempre estiveram no comando do mundo – e que
também colonizaram implacavelmente a África. (AUGUSTO, 2012, p. 170 – 171).
11 O militar Antônio de Spínola, eleito em março de 1974, mas que em pouco mais de seis meses
renuncia o cargo após as constantes pressões dos grupos conservadores. Consequentemente, o militar
Francisco da Costa Gomes assume a presidência pelos próximos dois anos. Após o sufrágio universal,
ocorrido em 1976, o militar Antônio Ramalho Eanes assume o posto por uma década. In: AUGUSTO,
Cláudio de Farias. A revolução Portuguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
DOSSIÊ
77 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
Por isso, os documentários no calor dos acontecimentos apontavam para
as possibilidades do tesouro revolucionário que, nas décadas subsequentes, se
tornava perdido. Não obstante, Non, ou a Vã Glória de Mandar, lançado em 1990,
explora uma concepção menos otimista do processo revolucionário. Conforme
já dito, o diretor Manoel de Oliveira teve os primeiros lampejos sobre o filme
ainda em 1970. Entretanto, após um período significativo de distanciamento dos
acontecimentos de 1974, o clima já não é de festividade como os abordados pelos
documentários aqui trabalhados.
Rememorando o imperialismo português do passado, sobretudo com a
figura mítica de Dom Sebastião, Oliveira dirige uma trama com um olhar irônico
sobre as glórias vividas em tempos mais distantes. Uma das cenas do filme
enfatiza as grandes navegações portuguesas como um dos maiores legados do
país, segundo o diálogo entre Soldado Brito e Alferes Cabrita.
Soldado Brito: Os descobrimentos do século XV são então a nossa maior dádiva ao
mundo?
Alferes Cabrita: Não é sem motivo que Luís de Camões da prémio aos nossos
navegadores “os deuses faz descer ao vil terreno e os humanos subir ao céu sereno.”
Sob a ótica salazarista, rememorar com saudosismo às glorias imperialistas
do país, além de enaltecer a figura mítica de Dom Sebastião, eram práticas
comuns do período pré-revolucionário, conforme aponta a historiadora Maria
Luisa de Almeida Pasckes (1985, p.86).
Antes disso, a sociedade portuguesa foi contaminada pelo passado épico da nação das
grandes descobertas marítimas. O salazarismo difundiu a “grande missão histórica”
que Portugal tinha a cumprir, sobretudo nas colônias africanas. Aliás, não foi a partir
daí que que estava assentada a ideia de “Comunidade Lusíada’? Ora, com isto Salazar
suscitou nos espíritos portugueses o mito do sebastianismo: a salvação nacional pas-
sava pela preservação de todas as raças e credos (desviando novamente o conflito de
classes sociais).
D. Sebastião também aparece de maneira inglória ao longo de Non, pois se
desconstrói a imagem do mito, além de buscar explicações de cunho pessoal para
justificar a derrota de Alcácer-Quibir, como fica visível em uma fala do Alferes
Cabrita.
Alferes Cabrita: É o senhor da sua vontade e todos que recomendam prudência, o rei
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taxa de covardes. Era assim impetuoso nosso rei D. Sebastião. Dizem que sofriam de
um corrimento, doença chamada gonorreia. E até culpavam disso o seu temperamento
voluntarioso e irascível. Mas a verdade é que era esse o seu caráter. Quando um rene-
gado português veio dar fé do ocorrido no arraial mouro, e dar-lhe conselhos vanta-
joso, o rei mandou correr com ele. O nosso D. Sebastião só queria glória. Glória sem
contradita, glória ganha a peito descoberto, sem ardis de tática, nem espécie alguma
de manhã no combater.
O soldado, neste momento, se vale da deformação do mito glorioso, quase
de forma grotesca. As imagens de batalha de Alcácer-Quibir em Non, também
revela essa face pouco lisonjeira dada ao mito do sebastianismo. As sequências
são confusas, com planos abertos, sem recorrer à velocidade ou diversidade de
ângulos tão comuns em filmes sobre guerras, uma vez que “o espetáculo aqui é
mais para o patético, com uma trilha predominantemente árabe para mostrar os
24 mil combatentes do lado lusos cercados pelos 87 mil (mais 25 mil atiradores)
mouros”. (CONTRERA, 2012, p.68-69). A monumentalização da História, dessa
feita, se dá forma carnavalizada.
Vale ressaltar que na filmografia de Manoel de Oliveira, que a ironia do
saudosismo do império português também aparece em outra obra. Em Filme
Falado, lançado em 2003, temos alguns pontos muito próximos à estrutura de
Non. Ambos os protagonistas ocupavam a função de narradores e historiadores
que explicam os grandes momentos europeus do passado, com destaque para
os feitos de Portugal. A morte dos dois personagens também se torna inevitável
perante à trama:
A morte das duas portuguesas no final de Um Filme Falado relaciona uma alegoria liga-
da a certos eventos do século XVI, [...] a outros (fictícios) de 2001, com a morte da pro-
tagonista Maria Joana e a sua mãe na explosão do navio. Em Oliveira, teleologicamente
portanto, há uma ligação do Portugal do século XVI com a Revolução dos Cravos (Non)
e com a morte da história e do futuro desse Portugal parte de uma União Europeia que
não o reconhece muito bem (Um Filme Falado). (CONTRERA, 2013, p. 7)
Portanto, temos aqui não só a distinção de gêneros fílmicos de dois
documentários e um filme de ficção. Temos diferentes percepções acerca do
processo revolucionário: ora no calor dos acontecimentos, ora com um certo
distanciamento temporal. Assim, as películas referenciadas representam
exposições de mentalidades, que vai desde agentes revolucionários até a das
lembranças saudosistas, porém decadentes, de um Portugal que não existe mais.
Referências
DOSSIÊ
79 albuquerque: revista de história - v. 16, n. 32, ago. - dez. 2024 I e-issn: 2526-7280
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