PRÁTICA PEDAGÓGICA E INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO

ESPECIAL


PEDAGOGICAL PRACTICE AND SCHOOL INCLUSION IN BRAZIL: TEACHER TRAINING IN SPECIAL

EDUCATION


Jackeline Miranda de Barros1

https://orcid.org/0000-0001-7364-2539 http://lattes.cnpq.br/9953567281062166


Yara Fonseca de Oliveira e Silva2

https://orcid.org/0000-0001-5725-478X http://lattes.cnpq.br/1269420694190937


Recebido em: 1º de junho de 2025. Revisão final: 14 de setembro de 2025. Aprovado em: 27 de setembro de 2025.


https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23479


  1. Mestrado em Educação, Linguagem e Tecnologia, Especialização em Educação Infantil e em Psicopedagogia. Gra- duação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás, graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás e graduação em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atualmente, é servidora pública efetiva da Secretaria Estadual de Educação de Goiás e da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. E-mail: jackmbarros@ gmail.com

  2. Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Psicopedagogia (ULBRA/RS) e em Avaliação Institucional (UEG/GO). Graduada em Pedagogia (PUC-GO). Atua como professora titular da Universidade Estadual de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: yara.silva@ueg.br


    RESUMO: O estudo objetiva analisar a relação entre a formação docente e a prática pedagógica, na educação especial na perspectiva inclusiva amparada pelas reflexões de autores como Michels (2017) e Mazzotta (2011) e ainda associada a análise de marcos legislativos como a LDBEN (1996) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008). Conclui-se a necessidade de uma política de formação docente coesa e contínua que sustente práti- cas pedagógicas inclusivas e supere as dualidades históricas.


    Palavras-chave: formação docente, prática pedagógica, pessoas com deficiência, inclusão escolar.


    ABSTRACT: This study aims to analyze the relationship between teacher training and pedagogical practice in special education from an inclusive perspective, supported by the reflections of authors such as Michels (2017) and Mazzotta (2011). It also includes an analysis of legislative milestones like the LDBEN (1996) and the National Policy on Special Education from the Perspective of Inclusive Education (PNEEPEI, 2008). We conclude that there is a need for a cohesive and continuous teacher training policy that can support inclusive pedagogical practices and overcome historical dualities.


    Keywords: teacher training, pedagogical practice, people with disabilities, school inclusion.

    INTRODUÇÃO


    Esse estudo propõe uma análise crítica da trajetória histórica observada na formação de professores (as) para a educação especial no Brasil e refletir acerca da intrínseca relação entre a formação docente e a prática pedagógica na perspectiva da inclusão escolar de pessoas com deficiência proposta na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) (BRASIL, 2008a).

    A PNEEPEI definiu como público da educação especial os estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/ superdotação e orientou os sistemas de ensino a promoverem respostas às necessidades educacionais específicas que esses estudantes apresentassem, preferencialmente na escola comum.

    No que se refere à formação dos(as) professores(as), esse mesmo documento do MEC, definiu que:

    Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial (BRASIL, 2008a).


    Otextoemdestaqueafirmaaimportânciadaformaçãodos(as)professores(as) para atuarem na educação especial e deixa evidente a especificidade dos(as) profissionais de apoio, dentre os(as) quais o(a) professor(a), o(a) professor(a) de AEE, com especialização necessária para área de educação especial/inclusão escolar, bem como o(a) professor(a) da sala comum do ensino regular, com demanda de formação inicial e continuada. Enfatiza também a necessidade de uma base sólida de conhecimentos gerais e específicos para o exercício da docência, de modo a possibilitar a atuação do(a) professor(a) em diferentes ambientes e contextos, desde as salas comuns do ensino regular até ambientes domiciliares, para garantir a oferta de serviços e recursos de educação especial. Assim, torna-se relevante refletir sobre a trajetória e as discussões atuais acerca da formação de professores (as) para o ensino de estudantes com necessidades educacionais específicas. A formação, seja inicial ou continuada,

    é a base para o desenvolvimento da prática pedagógica, e compreender seus desafios e avanços é fundamental para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva.


    FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL – UM BREVE HISTÓRICO

    A busca por uma educação especial em uma perspectiva inclusiva não nasce da noite para o dia, pois é fruto de um processo sócio-histórico que conjuga interesses e contingências de diferentes atores. A temática sobre a inclusão escolar de pessoas com deficiência assume relativa importância nos debates da área educacional a partir da década de 1990, e, portanto, pensar sobre a formação de professores(as), tanto inicial quanto continuada, constitui um desafio a ser enfrentado pelas instituições acadêmicas.

    Para a construção de uma escola inclusiva, há de se considerar a prática pedagógica organizada para o atendimento das necessidades educacionais específicas de todos os estudantes, dentre os quais, aqueles com deficiência. O exercício da prática pedagógica demanda do(a) professor(a) uma base teórica sólida, que contribua efetivamente para que pense e planeje as atividades do dia a dia. É essencial que o(a) docente disponha de conhecimentos para além do conteúdo curricular que leciona, o que implica em uma visão ampla, que compreenda o papel da educação.

    Alegislaçãoemvigorinfluenciaeorientaasaçõespedagógicasdesenvolvidas no espaço escolar, mas não determina de fato os acontecimentos em cada instituição. Em face do modo de vida social, a escola assume forma indeclinável de cenário para as apropriações do conhecimento elaborado pelos seres humanos. Assim, as transformações em busca de uma escola inclusiva perpassam por mudanças na formação de professores(as) e pela prática pedagógica, fatores importantes para tal empreitada.

    Para discutir as questões acerca das práticas pedagógicas que se pretendam inclusivas, não há caminho possível senão o da reflexão sobre o processo de formação de professores(as) para a educação especial no Brasil, que teve início na década de 1970 como uma habilitação do curso de Pedagogia.

    De acordo com Michels (2017, p. 24),


    A formação de professores para a Educação Especial no Brasil, em nível superior, se iniciou em 1972 como habilitação específica do curso de Pedagogia. Essa possibilidade de formação teve início por meio do Parecer do Conselho Federal de Educação nº 252/69, cujo relator foi Valnir Chagas, e que instituiu a formação docente e de especialistas em educação, regulamentando as habilitações de Magistério, Orientação Educacional, Administração Escolar, Supervisão Escolar e Inspeção escolar, dentro do curso de Pedagogia.


    O parecer citado pela autora está relacionado com as mudanças propostas pela Reforma Universitária implementada pela Lei n.º 5.540/1968, que buscou atender à demanda de força de trabalho e de formação de estudantes decorrente da expansão do desenvolvimento econômico do país durante aquele período. A organização social, em sua totalidade e orientada então por essa demanda, repercutiu na formulação dos currículos de formação de professores(as), que passaram a incluir a disciplina Economia da Educação em alguns cursos de Pedagogia.

    As primeiras propostas de formação de professores(as) para atuarem na educação especial se deram no bojo das mudanças desencadeadas por essa discutível reforma. Nasceu daí a concepção de especialização requerida para o ensino dos diferentes, verificada na ênfase dada a técnicas e recursos muito específicos.

    Bueno (2002) explica que a Lei n.º 5.692/1971 corroborou essa dualidade formativa, na medida em que esse documento legal definiu a formação de professores(as) e de especialistas para o ensino dos então denominados 1º e 2º graus. No documento original, o Art. 29 determina:

    A formação de professôres e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais de cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos educandos (BRASIL, 1971, p. 06).


    Essa regulamentação confirmou uma diferenciação formativa entre professores(as) para a docência no 1º grau (etapa correspondente na atualidade ao Ensino Fundamental ) e no 2º grau (equivalente ao atual Ensino Médio), sendo que dos primeiros era exigida a qualificação mínima de magistério (2º grau técnico) ou superior. A graduação profissional em nível superior poderia ser licenciatura plena ou curta, o que implicava em formações distintas para a mesma função.

    O curso de Pedagogia poderia ser ofertado com longa ou curta duração, e o currículo era estruturado em habilitações específicas, a depender das especialidades escolhidas: formação de profissionais para o magistério, e supervisão, orientação ou inspeção escolar. Para essa última especialidade, o curso era de caráter mais técnico.

    Ainda na década de 1970, a publicação do Parecer n.º 252 pelo MEC corroborou esse entendimento de dualidade ao criar o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP)3, primeiro órgão de política para o setor. Reforçaram-se, assim, a exclusão dos estudantes com deficiência, mediante a segmentação dos sistemas de

    ensino entre “comum” e “especial”, incluindo aí a ideia de uma formação diferenciada

    de professores(as) específica para cada sistema.

    Bueno(1993)explicaque,acontardessemomento,aformaçãodeprofissionais para atuarem na educação especial ficou a cargo do CENESP, bem como seus respectivos planos de ação e programas. Foram também definidas metas para a qualificação dos(as) profissionais, abrangendo os diferentes níveis de pós- graduação: doutorado, mestrado e especialização. Também houve a criação de cursos de licenciatura para a educação especial, dentre outras iniciativas.

    A tendência pedagógica tecnicista dessa fase alcançou também a área da educação especial e orientou a perspectiva crescente de lidar com as questões relativas à aprendizagem das pessoas com deficiência. A lógica agora era a “correção” das divergências sensoriais, cognitivas e motoras, por meio da especificação de técnicas e recursos de aprendizagem, confirmando a intenção de segregar os ditos anormais. O princípio de normalização estabeleceu então os “critérios de pertencimento” ao ensino regular, ou de segregação, e forçosamente delineou um perfil de profissional “especialista”, em oposição a outro “generalista”, para o ensino dos estudantes sem deficiência, gerando uma dualidade de percursos formativos.

    A formação em nível superior dos(as) professores(as) especialistas em educação especial foi proposta como habilitação do curso de Pedagogia. Assim explica Michels (2017 p. 30):


  3. CENESP – O Centro Nacional de Educação Especial foi um órgão criado no Brasil pelo Decreto nº 72.425, de 3 de julho de 1973, durante o governo Médici, com o objetivo de gerir a Educação Especial no país. Sua função era promover a expansão e a melhoria do atendimento a pessoas com deficiência e superdotação, impulsionando ações e políticas nessa área.


    Com este encaminhamento se propôs a formação, em um mesmo curso, de dois profissionais: o professor do ensino básico e os especialistas. Os primeiros teriam como base a formação docente, o “ser professor”; já os especialistas teriam como máxima na sua formação as especificidades de cada uma de suas áreas. Enquanto os primeiros teriam sua formação centrada na ação pedagógica realizada em sala de aula, os segundos teriam pouco preparo como professor, tendo como centralidade na sua formação as especificidades da habilitação.


    Essa formação profissional estava assentada na compreensão de deficiência influenciada pelo modelo médico vigente, que buscava a normalização do déficit e a aproximação de um padrão estabelecido de corporeidade, de modo que aqueles que não estivessem “aptos” não poderiam ser incorporados ao sistema regular de ensino. Conforme Jannuzzi (2012 p. 37), a teoria da “normalização” nasceu na Dinamarca, onde foi incorporada na legislação em 1959, e tinha como objetivo “[...] criar condições de vida para a pessoa retardada mental semelhantes, tanto quanto possível, às condições normais da sociedade em que vive”.

    A ênfase dada a esse ponto nesta análise está na importância de se compreender que a especialização a que se refere o trecho citado anteriormente está relacionada com a formação desses profissionais em uma perspectiva compensatória e reabilitadora, centrada no ensino para a “superação” das diferenças individuais. Isso terminou por reforçar a exclusão desses estudantes do ensino regular, em detrimento dos benefícios do processo de escolarização, em seu sentido amplo.

    A partir da década de 1980 e até o fim da década de 1990, os sistemas de ensino viveram os reflexos da transição para a perspectiva integradora da educação especial. De acordo com Jannuzzi (2004, p. 11),


    [...] a teoria da integração pregava a não-extinção dos serviços existentes nas instituições, mas procurava colocar a pessoa com deficiência na rede regular, com acompanhamento e criação de condições de atendimento. Havia a necessidade da implantação dos serviços necessários complementares na educação regular, salas de recursos, salas de apoio pedagógico para esse atendimento a fim de garantir-lhes a permanência.


    Ao tomar por base o exposto, fica demonstrado que, ao se considerarem as características individuais de natureza sensorial, cognitiva e motora das pessoas com deficiência, o papel dos sistemas de ensino para garantir as condições de aprendizagem desses sujeitos como estudantes foi minimizado, isto é, os aspectos individuais foram sobrepostos aos econômicos, sociais e políticos

    quando foram pensadas as questões do ensino. Nesse contexto, a formação do(a) professor(a) especialista em educação especial acompanhou a orientação da política de “integrar” o(a) estudante com deficiência no ensino regular, caso houvesse o desenvolvimento dos requisitos necessários a esse modelo.


    Durante os anos de 1980, no Brasil, a integração foi a base da formação de professores de Educação Especial. Neste período, a formação do chamado “especialista”, ou melhor, do habilitado em educação especial nos cursos de Pedagogia, centrava-se na possibilidade de inserção dos estudantes considerados deficientes na rede regular de ensino. Tal inserção, porém, estava sujeita ao desenvolvimento apresentado pelos estudantes, suas condições físicas, emocionais e intelectuais (MICHELS, 2017, p. 39).


    Fica demonstrado que a dualidade de atuações permaneceu nessas duas décadas quanto à orientação das práticas realizadas nos contextos das escolas especial e comum, e confirmou a necessidade crescente de revisão desse maniqueísmo formativo. Contudo, convém lembrar que essa perspectiva integradora não alcançou o êxito esperado. Em razão do insucesso da política de educação especial na perspectiva de integração, ou seja, integrar os estudantes com deficiência nas salas regulares, a culpabilização pelo fracasso, como de costume, recaiu sobre o preparo inadequado dos(as) professores(as) para receber esses sujeitos na escola comum e suscitou um intenso debate sobre a urgência de alterações na formação profissional.

    Não restam dúvidas de que a formação de professores(as) é relevante para o desenvolvimento acadêmico das pessoas com deficiência; todavia, é preciso considerar que, com a organização do ensino especializado em bases organicistas, houve um descuido com o fazer pedagógico propriamente dito. Assim, a responsabilização pelo fracasso da proposta integradora não pode ser creditada unicamente às práticas desses(as) profissionais.

    Na década de 1990, as discussões internacionais sobre a perspectiva inclusiva ganharam corpo também no Brasil. Temas como “preparação da escola”, flexibilização curricular, dentre outros, passaram a fazer parte dos debates, de modo que a formação de professores(as) para esse novo modelo assumiu uma nova centralidade no eixo acadêmico e político. Se durante a vigência da concepção integradora da educação especial a escola ficou isenta da atribuição de promover a aprendizagem de todos os sujeitos, em tempos de perspectiva inclusiva, a instituição foi chamada a repensar suas práticas e a promover mudanças estruturais e pedagógicas por meio da adaptação da aprendizagem às

    necessidades dos estudantes em toda a sua diversidade.


    É oportuno lembrar que na Declaração de Salamanca (1994), endossada pelo Brasil, a inclusão é apresentada como um avanço em relação à integração, além de ensejar a reestruturação dos sistemas de ensino, e não apenas a “superação” dos déficits individuais, e indicar que a formação de professores(as) compunha a estrutura de ação para a inclusão. A diferenciação entre as duas perspectivas está relacionada com a ênfase dada ao papel da escola e da sociedade para o desenvolvimento de todos.

    A perspectiva da inclusão e da integração adotou como princípio agregar as pessoas com deficiência ao sistema educacional, mas divergiu em dois aspectos fundamentais, na visão de Bueno (1999, p. 2):


    [...] a integração tinha por pressuposto que o problema residia nas características das crianças excepcionais, na medida que centrava toda sua argumentação na perspectiva da detecção mais precisa dessas características e no estabelecimento de critérios baseados nessa detecção para a incorporação ou não pelo ensino regular, expresso pela afirmação “sempre que suas condições permitirem”. A inclusão coloca a questão da incorporação dessas crianças pelo ensino regular sob outra ótica, reconhecendo a existência das mais variadas diferenças.


    E Carvalho (2012) reforça que a proposta de inclusão é muito mais abrangente e significativa do que o simples fazer parte da escola, e que essa perspectiva não cumpre seu papel sem assegurar e garantir a ativa participação de todos os estudantes em todas as atividades dos processos de ensino-aprendizagem, principalmente em sala de aula.

    O autor transcende a ideia de “estar na escola”, e propõe outro patamar de participação ativa de todos os estudantes nas atividades escolares. O ponto é crucial, pois desvela uma fragilidade da compreensão de inclusão escolar enquanto o simples ato da matrícula de estudantes com necessidades educacionais especiais em classes regulares, sem a garantia das condições necessárias para sua efetiva integração e desenvolvimento.

    Na percepção de Carvalho (2012), incluir não é um mero ato administrativo, mas um processo dinâmico e contínuo que exige adaptação curricular, estratégias pedagógicas diferenciadas e, acima de tudo uma cultura de coexistência que busca a colaboração, o engajamento e a personalização do ensino, a fim de atender às demandas específicas de cada estudante.

    A PERMANENTE DUALIDADE DE PERCURSOS FORMATIVOS APÓS A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA

    A perspectiva inclusiva da educação especial conferiu visibilidade a diversos problemas históricos e estruturais que as escolas já vinham enfrentando, dos quais podem-se destacar: as condições precárias de ensino, a pobreza, a carência de recursos humanos e materiais, dentre tantos outros. No bojo de tantas demandas, a formação de professores(as) como agentes centrais do processo de inclusão compõe o cenário de discussões.

    Nesse contexto, vale recorrer à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBEN) de 1996, que estabelece em seu Art. 62:


    A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996, p. 48).


    A ambiguidade formativa é mantida nessa LDBEN quanto ao nível de formação exigida para professores(as) da Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental, permanecendo a possibilidade de exercício da docência a profissionais com nível médio (magistério) ou superior (pedagogia ou normal superior). Em relação ao local de formação dos(as) profissionais, o Art. 63 da mesma lei estabelece:


    Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis (BRASIL, 1996, p. 49).


    A LDBEN normatizou que a formação poderia ocorrer tanto em universidades, em cursos de licenciatura plena, como nos institutos de educação superior, em cursos denominados normal superior.

    Outras medidas legais foram tomadas pelo Governo Federal em relação à formação de professores(as) para a educação especial. A Resolução CNE n.º 02/2001, que instituiu as “Diretrizes nacionais para a educação de estudantes

    que apresentem necessidades educacionais especiais na Educação Básica”, classificou os(as) professores(as) que trabalhavam com estudantes portadores de necessidades educacionais especiais4 em dois tipos distintos: os capacitados e os especializados. A diferenciação entre ambos está discriminada no Art. 18 da Resolução:

    § 1º São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com estudantes que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que com- provem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para:

    1. perceber as necessidades educacionais especiais dos estudantes e valorizar a

      educação inclusiva;

    2. flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; A formação de professo- res de Educação Especial no Brasil.

    3. avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais;

    4. atuar em equipe, inclusive com professores (as) especializados em educação es- pecial.

      § 2º São considerados professores especializados em educação especial aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais espe- ciais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequadas aos atendimentos das mesmas, bem como trabalhar em equi- pe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para pro- mover a inclusão dos estudantes com necessidades educacionais especiais.

      § 3º Os professores especializados em educação especial deverão comprovar:

      1. formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental;

      2. complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educa- ção especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio;

      § 4º Aos professores que já estão exercendo o magistério devem ser oferecidas opor- tunidades de formação continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instân- cias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2001b, p. 13).


  4. Terminologia adotada no período histórico em destaque e usado por muito tempo para se referir aos estudantes com de- ficiências ou outras dificuldades de aprendizagem. Embora tenha sido criado com a intenção de reconhecer as diferenças e as necessidades específicas desses estudantes, a expressão não é utilizada atualmente sob a perspectiva dos princípios da educação inclusiva.


    Otextodestacadoinformaqueaformaçãodeprofessores(as) capacitados(as) e especializados(as) poderia ocorrer em dois níveis: médio ou superior para os(as) professores(as) capacitados(as), e em nível superior ou de pós-graduação para os(as) especializados(as).

    Para os(as) professores(as) capacitados(as), houve uma indicação de que disciplinas ou tópicos relacionados à educação de estudantes com deficiência fossem incluídos no currículo, enquanto os(as) professores(as) especializados(as) seriam responsáveis pela orientação das ações pedagógicas dos(as) professores(as) capacitados(as). Isto é, a formação em nível superior foi enfatizada, seja mediante cursos de licenciatura, especialmente no campo da pedagogia com ênfase na educação especial, seja por meio de cursos de especialização.

    Assim, a Resolução CNE n.º 02/2001 despontou como uma peça central nesse panorama, redefinindo e delineando a variedade de níveis e os tipos de formação possíveis para professores (as) da educação especial. O texto aponta que a formação de professores(as) para a educação especial, no âmbito do curso de pedagogia, formalizou uma mudança em razão da necessidade de abordagens mais especializadas e aprofundadas para lidar com as demandas específicas dos estudantes a serem atendidos.

    A ambiguidade formativa quanto ao nível, classificando os(as) professores(as) em capacitados(as) e especializados(os), e quanto ao lócus são apenas algumas das complexidades enfrentadas nesse novo cenário e parecem inerentes a essa questão. Como consequência, houve uma complexa interseção entre a pedagogia tradicional e as abordagens personalizadas.

    A coexistência desses dois grupos de profissionais levanta questões sobre a profundidade e a abrangência da formação oferecida. Enquanto a formação dos(as) professores(as) capacitados(as) requeria uma compreensão básica das necessidades educacionais especiais e estratégias de inclusão, a dos(as) professores(as) especializados(as) deveria ser mais intensiva e focada. Esse fato suscitou a preocupação de que a qualidade formativa poderia ficar comprometida sob certas circunstâncias, devido à falta de recursos ou de capacidade das instituições.

    O Art. 5º Resolução CNE n.º 02/2001 considerou como estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE), aqueles que,


    [...] durante o processo educacional, apresentarem: I- dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II- dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais estudantes, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III- altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001b).


    A tendência inclusivista alcançou mais espaço com a publicação em 2006 das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia pelo Ministério da Educação, que marcaram um ponto de virada significativo na formação de professores(as) no Brasil, particularmente na área da educação especial. Essas diretrizes vieram acompanhadas de transformações cruciais na política de educação especial, que indicaram a aproximação com uma abordagem mais inclusiva, como ficou evidenciado posteriormente no documento “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (Brasil, 2008a). Essas mudanças sinalizaram uma guinada em direção à inclusão dos sujeitos da educação especial nas escolas comuns, que até então eram frequentemente escolarizados nas instituições especializadas, e demonstraram como as transformações políticas e curriculares caminhavam de mãos dadas.

    Como visto anteriormente, a reformulação mais incisiva dessa tendência na política educacional foi ratificada pelo documento “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (PNEEPEI), de 2008, que delineou uma nova abordagem para a formação de professores(as) para a educação especial. O enfoque agora volta-se para a inclusão dos sujeitos da educação especial nas escolas comuns, e a intenção implícita passou a ser a transformação dos sistemas educacionais em sistemas inclusivos. Começou-se também a adotar o conceito de Atendimento Educacional Especializado (AEE), em conformidade com a Resolução n.º 02/2001 do CNE (Brasil, 2001b).

    A abordagem que até então dividia os cursos de especialização por áreas de deficiência foi substituída pela possibilidade de centrar o foco no AEE como um todo. A ambiguidade das opções e a evolução das estratégias de formação apontam que uma abordagem mais coordenada e direcionada foi e continua sendo necessária para prover aos(às) professores(as) capacitados(as) ou especializados(as) as habilidades e os conhecimentos necessários para enfrentar os desafios educacionais que estão em constante mudança.

    A formação dos(as) profissionais que atuariam no AEE foi deslocada para os cursos de licenciatura em educação especial e/ou cursos de aperfeiçoamento, mas essa nova política também reforçou a ambiguidade, já que professores(as) formados(as) em diferentes licenciaturas trabalhariam com os mesmos estudantes em ambientes regulares.

    A crescente chegada de pessoas com deficiência nas salas de aula demandou a necessidade de adequar a formação de professores(as) para lidar com uma variedade de desafios de aprendizado, conforme expresso na PNEEPEI.


    Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área [...] a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parcerias com outras áreas [...] (BRASIL, 2008a, p. 17).


    Essa reorganização também envolveu a criação de cursos de licenciatura em educação especial e/ou cursos de aperfeiçoamento para os profissionais que desejassem atuar no AEE. A mudança não apenas redefiniu o local de formação, como também introduziu a possibilidade de cursos mais especializados e focados no desenvolvimento de habilidades específicas necessárias para o sucesso da inclusão na educação regular.

    Um modelo dessa emergente reorganização aconteceu o sistema educacional de Goiás que, nas últimas duas décadas, passou por um processo de transformação significativo, refletindo as mudanças nas políticas educacionais brasileiras em direção a um modelo mais inclusivo, por meio de uma transição progressiva, com vistas ao alinhamento às diretrizes nacionais de educação inclusiva. Esse movimento se refletiu nas políticas estaduais, que, historicamente reorganizaram a formação de professores, enfatizando a necessidade de profissionais capacitados para o trabalho docente. Documentos oficiais como as Orientações Gerais para a organização da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás, detalham as vias de formação – como licenciaturas em Educação Especial e programas de pós-graduação – e demonstram a preocupação em capacitar não apenas os especialistas, mas também os professores da educação regular, reconhecendo que a inclusão é uma responsabilidade compartilhada. Essa abordagem coloca o estado de Goiás como um modelo relevante para compreensão de como as políticas de inclusão são implementadas e adaptadas

    à realidade local.

    No que diz respeito à formação dos(as) professores(as) que se destinavam ao AEE, as Orientações Gerais para a organização da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás 2011-2012, acompanhando as diretrizes nacionais, dispunham que:


    A formação de professores para a educação especial em nível superior dar-se-á: em cursos de licenciatura, em Educação Especial; em curso de pós-graduação, específico para educação especial; em programas especiais de complementação pedagógica, nos termos da legislação vigente. A formação de professores das classes regulares para a educação inclusiva e para o atendimento educacional especializado pode ser feita de forma continuada, integrada e concomitante com o trabalho docente, sem prejuízo do disposto no Art. 62 da Lei Federal N. 9.394/96 e 84, da Lei Complementar Estadual N. 26/98. São considerados professores capacitados para atuarem em classes comuns com estudantes que apresentem necessidades educacionais especiais, aqueles que comprovem que, em sua formação superior, foram incluídos temas e conhecimentos sobre Educação Especial e diversidade, adequados ao desenvolvimento de competências e valores para: perceber as necessidades educacionais especiais dos estudantes, respeitar a diversidade e valorizar a educação inclusiva. (GOIÁS, 2011, p. 189


    No âmbito da educação especial, uma ambiguidade persistente relacionada à formação de professores(as) emergiu novamente nesse novo contexto. Se, por um lado, os responsáveis por ministrarem aulas aos estudantes públicos-alvo da educação especial concluíam seus cursos de pedagogia obtendo uma capacitação destinada a atendê-los de maneira adequada, por outro lado, os(as) profissionais que iriam desempenhar funções ligadas a esses estudantes no chamado AEE poderiam obter formação em outras áreas da licenciatura, frequentando cursos de aperfeiçoamento.

    Curiosamente, esses dois grupos de profissionais com percursos formativos diferentes acabaram atuando com os mesmos estudantes dentro do ambiente da escola. Esse cenário criou um paradoxo: embora pudessem ter origens formativas distintas, os dois grupos se deparavam com a mesma tarefa: atender às necessidades educacionais dos estudantes com deficiências, transtornos ou outras particularidades.


    É possível afirmar que o papel do(a) professor(a) de educação especial foi eclipsado pelo(a) professor(a) de AEE, que se tornou central no novo discurso político.

    A mudança é exemplificada pelo foco nos cursos de formação continuada, que podem ser oferecidos pelo Ministério da Educação ou pelas secretarias de Educação estaduais e municipais, e representou um esforço para alinhar a formação dos(as) professores(as) com a nova abordagem inclusiva, centrada no AEE.

    Vaz (2017, p. 72) confirma a afirmação ao destacar:


    É nítido que os documentos da política que endossam a perspectiva inclusiva, ao privilegiar o espaço do AEE como o serviço da Educação Especial no ensino regular, privilegia esse modelo de professor específico, o que nos leva a questionar: onde está o professor de EE na política analisada? Esse profissional, que historicamente era tido como o detentor do conhecimento especializado sobre os estudantes público-alvo da Educação Especial, deixou de ser referenciado.


    A ambiguidade histórica e permanente na formação dos educadores e na atuação profissional suscita o debate de questões como a concepção de educação especial como subsistema à parte, o que invariavelmente promove a “separação entre os profissionais” que ensinam/trabalham com pessoas com deficiência e os(as) demais professores(as). Na prática, o que se tem observado é a pouca articulação entre os profissionais: professor de referência ou de área, profissional de apoio (Seduc Goiás) ou AAE5 (Agente Administrativo Educacional), família, escola e demais serviços disponíveis (SME) que atendem a esse estudante, contrariando o que prevê a PNEEPI.

    Essa formação heterogênea dos(as) profissionais envolvidos(as) na educação especial levanta questionamentos sobre a adequação e a uniformidade das abordagens pedagógicas empregadas no exercício das práticas de ensino. A diferença entre os percursos formativos de professores(as) especializados(as) ou professores(as) capacitados(as) de escolas comuns expõe, portanto, a fragilidade desse segundo grupo para o exercício da docência com esse público em particular, a de pessoas com deficiência.

    A concepção de inclusão escolar emerge como uma contribuição fundamental para a transformação social, uma vez que esse paradigma exalta o papel da escola e da educação como agentes de mudança. Contudo, a inclusão é frequentemente confundida com acesso universal a esse espaço, o que nem sempre é garantia de aprendizagem e desenvolvimento de todos os indivíduos.


  5. AAE – Profissional do corpo administrativo da rede municipal de Goiânia, com função de higienizador dos (as) estu- dantes com deficiência matriculados nas unidades escolares.


Para corresponder às demandas desse enfoque de universalização educacional vigente, despontam estudos com base na teoria histórico-cultural que compreendem a educação como atividade de mediação. Nessa concepção, a educação é vista como uma parte integrante da organização social, atuando como um percurso intermediário para a transformação da sociedade e favorecendo o processo de inclusão dos sujeitos com deficiência.

Nessa direção, a educação especial não é percebida como algo apartado, ou um subsistema ao contrário, e sim como parte integrante da educação básica e superior. Por isso, deve ser pensada como um componente de um conjunto de políticas públicas que busquem a qualidade do ensino para os sujeitos com deficiência, tornando-os conscientes das ferramentas e dos conhecimentos necessários para a vida e para a transformação social


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A análise da formação docente para a educação especial na perspectiva inclusiva revela um percurso histórico complexo, marcado por uma transição gradual de modelos segregacionistas para abordagens mais integradoras e, finalmente, as pretensamente inclusivas. Essa trajetória, no entanto, não esteve isenta de desafios e ambiguidades, principalmente no que se refere à qualificação e ao papel dos(as) professores(as) no sistema de ensino. A dualidade de percursos formativos, que historicamente separou o(a) professor(a) “especialista” do(a) professor(a) “generalista”, e a persistência de diferentes níveis de formação para o atendimento a estudantes com deficiência, evidenciam uma lacuna formativa coesa e universal.

Alegislaçãobrasileira,emboratenhaavançadosignificativamentenagarantia do direito à educação inclusiva, por vezes contribuiu para a manutenção de certas indefinições, como a diferenciação entre professores(as) “capacitados(as)” e “especializados(as)”. Mais recentemente a emergência da figura do(a) professor(a) de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a centralidade conferida a este profissional, embora essenciais, também suscitaram debates sobre o papel do professor(a) de educação especial e a abrangência de sua formação.

Nesse cenário, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008 assume um papel crucial ao instituir o

AEE como serviço complementar ou suplementar à escolarização na rede regular de ensino e marca um ponto de inflexão no histórico da formação docente, ao impor a necessidade de que o professor da sala de aula comum, antes visto como “generalista” e sem formação específica para a educação especial, passasse a ser o principal agente da inclusão, em colaboração com o professor de AEE. Essa mudança de paradigma exigiu e ainda exige uma revisão profunda dos currículos de formação inicial e continuada, visando preparar todos os educadores para a diversidade inerente à sala de aula e para a corresponsabilidade no processo de aprendizagem dos estudantes com deficiência.

A política de 2008, portanto, não apenas direcionou a prática pedagógica para a inclusão, mas também lançou um desafio incontornável à formação docente, demandando que a academia e as instituições de ensino se adequem à nova realidade de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo.

Resta evidente que a efetivação da inclusão educacional dos estudantes com deficiência guarda intrínseca relação com a prática pedagógica desenvolvida pelo(a) professor(a) na escola, e supõe-se que seja, ao mesmo tempo, flexível, adaptada e embasada em um sólido conhecimento teórico. Para que isso se concretize, é imperioso que as políticas de formação de professores(as), tanto inicial quanto continuada, superem as históricas dualidades e ambiguidades e que se promova uma formação que prepare todos os(as) educadores(as) para lidar com a diversidade inerente à sala de aula, garantindo que o(a) professor(a) da classe comum, em colaboração com o(a) professor(a) do AEE, possua as ferramentas necessárias para mediar a construção do conhecimento de cada estudante, independentemente de suas especificidades. Talvez e deveras assim, a escola poderá cumprir sua função social de promover a aprendizagem e o pleno desenvolvimento para todos, em um ambiente verdadeiramente inclusivo.


REFERÊNCIAS


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