EDITORIAL - SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DE UM PERIÓDICO: UMA LEITURA DE

ALBUQUERQUE


EDITORIAL – ABOUT THE TRANSFORMATIONS OF A JOURNAL: A READING OF

ALBUQUERQUE


Aguinaldo Rodrigues Gomes1

https://orcid.org/0000-0002-2398-8088

http://lattes.cnpq.br/3408519048864585


Miguel Rodrigues de Sousa Neto2

https://orcid.org/0000-0001-9672-3315

http://lattes.cnpq.br/1581653418017053

https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24274


Em 2009 começou a circular Albuquerque: revista de história, um periódico elaborado por pessoas dos cursos de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Uma tarefa difícil, considerando que, desde sua proposição, foram publicados dois números anuais, o que implica em esforço editorial significativo para divulgação da revista, captação de artigos, análise e elaboração de pareceres, diagramação, publicação, circulação, inicialmente de um período apenas impresso.

Após um período marcado por dificuldades em sua continuidade, foi realizada uma recomposição de seus conselhos, com novas responsabilidades sendo atribuídas e alterações quanto ao escopo de publicação e mesmo o layout sendo repensado. Um importante fator foi sua transposição efetiva para o mundo virtual, com a publicação de todos os números anteriores em formato digital, compondo um importante acervo para livre consulta, corroborando para a divulgação de uma ciência histórica aberta para toda a comunidade. Parte dessas mudanças já foram objeto de nossa reflexão no editorial do número 21 (vol. 11, 2019), voltada mais diretamente para o nome de revista que, desde então, homenageia Camila Albuquerque, mulher transexual assassinada em Salvador, Bahia, em 15 de março


  1. Docente do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: aguinaldorod@gmail.com

  2. Docente do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais, ambos do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: miguelrodrigues.snetto@gmail.com


de 2017, tornando evidentes, mais uma vez, os assombrosos números e narrativas

de eliminação da população lgbtia+ no país.

Ao tomar cada um dos trinta números publicados até aqui, percebemos que, desde o seu nascimento, Albuquerque tem uma ênfase para questões complexas, contemporâneas e interdisciplinares. Nos volumes encontramos dossiês/textos voltados à “cidade como objeto de reflexão interdisciplinar”, “Corumbá: economia, cultura, fronteiras”, “Guerra contra o Paraguai”, “Mato Grosso do Sul e seu caráter fronteiriço”, “Amazônia, Pantanal, seus povos e suas histórias”, “história, identidade e memória local”, “arqueologia”, incluindo aquela realizada em Mato Grosso do Sul, “cultura indígena” e “força de trabalho indígena em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, “povos originários e Covid-19 na América Latina”. “história indígena como campo interdisciplinar”, “patrimônio cultural, material e imaterial”, “história e linguagens”, “história e literatura”, “história, cultura e linguagens”, “experiência estéticas contemporâneas”, “outras histórias do design no Brasil”, “cinema e cidades”, um conjunto de textos sobre gênero e corporalidades, tais como “saúde e doença nos séculos XX e XXI”, “os estudos corporais”, “outras eróticas e desejos possíveis” (em dois volumes), “gênero em perspectiva multidisciplinar”, “vestir,

consumo e emancipação feminina”, sobre a América Latina e sobre a democracia, “América Latina em perspectiva”, “história e política”, “história e democracia”, “cultura e democracia”, e ainda, “história e mídia”, “cinema e cidades”, “cinema e Estudos Culturais”.

Esses são os termos que emergem de uma mirada rápida sobre cada um dos trinta números de Albuquerque publicados até aqui, todos disponíveis na página da revista, acessíveis a todas as regiões do globo por meio da rede mundial de computadores. Na mesma página, a imagem ao lado pode ser vista, uma nuvem de palavras que expressa a revista neste momento de sua existência.

Agradecemos a todas as pessoas que se ligaram à trajetória de Albuquerque enviando artigos, ensaios, resenhas e outros tipos de contribuição, a todas as pessoas que compuseram e compõem sua equipe editorial, seu conselho editorial e seu conselho consultivo, a todas as pessoas que dedicaram parte de seu tempo para ler os originais e elaborar seus pareceres, uma tarefa árdua e pouco reconhecida, sem a qual periódico algum consegue existir, as pessoas


que auxiliaram/auxiliam na secretaria da revista. Especialmente, agradecemos a Antonio Ricardo Calori de Lion e a Róbson Pereira da Silva, pessoas que se dedicaram à reestruturação desta revista, sua consolidação e manutenção: se chegamos até aqui, chegamos também por eles. E agradecemos a Roger Luiz Pereira da Silva pelo cuidado e criatividade na criação de arte e diagramação de Albuquerque.

E, mais uma vez, Albuquerque se abre a novos tempos. Tendo sido vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGCult/CPAQ/UFMS) e ao Laboratório de Estudos em Diferenças & Linguagens (Ledlin), onde estão os integrantes da Equipe Editorial, a revista se tornou gradativamente mais aberta ao diálogo interdisciplinar (área de avaliação do PPGCult na Capes), recebendo contribuições do campo dos Estudos Culturais, das Linguagens, das Ciências Humanas e Sociais, das Artes, das Ciências da Natureza e da Saúde, entre outras mais. Seu escopo, por isso, se abriu tanto que a equipe editorial, para lhe permitir continuar seu trajeto com liberdade, alterou sua área de vinculação (para avaliação), agora no campo das Ciências Sociais, e seu nome, que passa a ser: Albuquerque: revista de Estudos Culturais.

A mudança expressa dois movimentos: a leitura do passado da revista e sua abertura ao diálogo interdisciplinar, voltado às questões complexas e prementes da contemporaneidade, e a perspectiva de futuro, na qual esse diálogo se aprofunda, fazendo com que Albuquerque publique contribuições para uma ciência de ponta, de alta complexidade, para as artes contemporâneas, híbridas e em diálogo. Há um forte lastro com o passado e uma firme aposta no futuro. Que todas as pessoas se sintam muito bem-vindas a continuarem conosco nesta nova fase da revista.

E, neste número, seu trigésimo primeiro, Albuquerque: revista de Estudos Culturais, publica mais um dossiê de encontros: Formação de professores no contexto neoliberal: inclusão escolar, educação inclusiva e diversidade. A presente coletânea de textos, organizada neste dossiê, apresenta acentuada relevância acadêmica e social ao abordar a preponderância do modelo neoliberal na esfera educacional. As decisões de ordem pedagógica, curricular e institucional são crescentemente submetidas a uma racionalidade que prioriza lógicas político- econômicas, impactando decisivamente tanto as instituições públicas quanto as privadas, e redefinindo tanto a estrutura escolar quanto as práticas didáticas

cotidianas. Nesse contexto, a análise do impacto do neoliberalismo na Educação Inclusiva é incontornável. A garantia de um ensino efetivamente acessível transcende a mera rotulação de “escola inclusiva”, exigindo investimentos substanciais, formação continuada de profissionais e a implementação de políticas públicas consistentes. Assim, as investigações se concentram na análise da correlação entre normação, normalização e a racionalidade neoliberal, articulando-se à crítica que postula o imperativo da inclusão como um tópos potencialmente a serviço dos interesses neoliberais, conforme teorizado por Veiga Neto (2012). Ou seja, os autores a as autoras examinam como a formalização da inclusão, desprovida do devido suporte material e técnico, pode servir para camuflar a precarização em vez de efetivar o direito à diferença.

O primeiro estudo, Governamentalidade e educação inclusiva em tempos neoliberais, problematiza a Educação Inclusiva como um recurso estratégico de governamentalidade em um contexto neoliberal. O estudo sustenta que, com o avanço da lógica neoliberal, o campo educacional se transformou no principal espaço para a implementação da inclusão por meio de um complexo de políticas, discursos, estratégias e tecnologias de saber-poder. Utilizando a perspectiva foucaultiana sobre a arte neoliberal de governar, propõe-se no texto que a inclusão é mobilizada não apenas como um direito, mas como um mecanismo de normalização e de produção de subjetividades que se alinham e se tornam úteis às exigências e à racionalidade do mercado.

O artigo Educação, neurociência e linguagem volta-se à imprescindibilidade da formação continuada de professores alfabetizadores para que possam identificar e atuar diante das variáveis do processo de aprendizagem. A pesquisa, de cunho bibliográfico, enfatiza a função crítica da neurociência no entendimento das disfunções específicas de aprendizado, como a dislexia, permitindo ao docente distingui-las das dificuldades de aprendizado meramente pedagógicas. Essa distinção é vital para o planejamento e a implementação de intervenções educativas adequadas. Em suma, no artigo defende-se que a qualificação do professor, aliada ao conhecimento neurocientífico das particularidades do desenvolvimento e à integração da família no processo, constitui um tripé essencial para garantir a eficácia da alfabetização.

No terceiro artigo, Prática pedagógica e inclusão escolar no Brasil, procede-se uma análise crítica da formação docente para a Educação Especial no país, contextualizada na perspectiva inclusiva, explorando sua evolução

histórica desde o modelo segregacionista até o paradigma atual. Por meio da análise de marcos normativos cruciais (como a LDBEN/96 e a PNEEPEI/2008), o estudo demonstra as ambiguidades persistentes nas trajetórias formativas e as implicações na qualificação e no papel do professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE). O texto aponta que a superação das dualidades históricas e a garantia de uma educação de qualidade para todos os estudantes com necessidades educacionais especiais no sistema comum de ensino exigem, fundamentalmente, o desenvolvimento e a implementação de uma política de formação docente coesa e contínua que sustente práticas pedagógicas efetivamente inclusivas.

O estudo Educação inclusiva em tempos de precarização examina como a lógica neoliberal de contenção de gastos impacta a Educação Inclusiva na rede pública da Região Metropolitana de Goiânia, evidenciando que a precarização do trabalho educacional e a redução de investimentos fragilizam a inclusão de estudantes com deficiência. A análise de editais de contratação de profissionais de apoio demonstra a adoção de um modelo assistencialista por meio de exigências mínimas de qualificação, o que compromete a formação docente e a efetividade das práticas pedagógicas inclusivas. O argumento central é que a divergência entre as diretrizes pedagógicas inclusivas e as práticas administrativas precarizantes revela a necessidade urgente de políticas públicas que priorizem o fortalecimento da qualificação profissional e o aumento dos investimentos para garantir uma inclusão educacional de qualidade.

Encerrando o dossiê, o artigo Educação brasileira em tempos de neoliberalismo propõe uma reflexão crítica sobre a problemática central da educação brasileira contemporânea: a dissonância entre os índices educacionais frequentemente divulgados e a percepção de estagnação nos diversos setores da economia nacional. Para aprofundar essa discussão, no artigo analisa-se a influência de políticas educacionais em um contexto de neoliberalismo e globalização, além de fatos do cotidiano da primeira década do século XXI, visando identificar os fatores elementares que delinearam aquele cenário educacional.

Assim, o conjunto dos textos aqui reunidos não apenas evidencia os efeitos adversos da lógica neoliberal na educação pública e na formação, mas também aponta para a urgência de fortalecer práticas críticas, interdisciplinares e politizadas que possam resistir a essa lógica e promover uma educação verdadeiramente inclusiva, equitativa e plural. Este dossiê convida leitoras e

leitores a uma reflexão que, ao problematizar os desafios contemporâneos, estimula o diálogo e a mobilização em prol de políticas educacionais comprometidas com a justiça social e a inclusão.

Encerra o número a resenha crítica sobre o livro O estrangeiro e a diferença: as leis de migração no Brasil e em Portugal no século XXI. A obra é apresentada sob a perspectiva antropológica, destacando a compreensão das legislações migratórias não como simples instrumentos regulatórios, mas como dispositivos que produzem discursos sobre identidade, pertença, exclusão e alteridade. Essa reflexão amplia o contexto do dossiê ao tocar em temas relacionados à diferença e à questão racial, aportando uma leitura valiosa sobre as políticas públicas e seus impactos socioculturais.


Bem-vindas, todas as pessoas. Boa leitura a todas vocês.