SUMÁRIO  
Sumário  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais - v. 17, n. 33, jan.- jun. 2025  
EXPEDIENTE...............................................................................................................................................................................................................4  
EDITORIAL - SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DE UM PERIÓDICO: UMA LEITURA DE ALBUQUERQUE .................................................................................7  
Aguinaldo Rodrigues Gomes (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil), Miguel Rodrigues de Sousa Neto  
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil)  
Dossiê  
APRESENTAÇÃO – DOSSIÊ: FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO NEOLIBERAL: INCLUSÃO ESCOLAR, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DIVERSIDADE......13  
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias (Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Yara Fonseca de Oliveira e Silva  
(Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Carlos Eduardo Candido Pereira (Secretaria Municipal da Educação de  
Fortaleza, Brasil)  
EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO: ENTRE DISCURSOS DE MELHORIA E REALIDADES EXCLUDENTES...........................................19  
Gilson Xavier de Azevedo (Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias  
(Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Joana Corrêa Goulart (Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Eloane  
Aparecida Rodrigues Carvalho (Universidade Estadual de Goiás, Brasil)  
EDUCAÇÃO, NEUROCIÊNCIA E LINGUAGEM: UM TRIPÉ FUNDAMENTAL PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES ...................................41  
Márcia Friedrich (Faculdade Impacto de Porangatu, Brasil), Kênia Bomtempo (Instituto Tecnológico Federal  
Goiano, Brasil), Sangelita Miranda Franco Mariano (Instituto Tecnológico Federal Goiano, Brasil)  
EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS DE PRECARIZAÇÃO: ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE APOIO NA REGIÃO  
METROPOLITANA DE GOIÂNIA...................................................................................................................................................................................62  
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias (Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Yara Fonseca de Oliveira e Silva  
(Universidade Estadual de Goiás, Brasil), Carlos Eduardo Candido Pereira (Secretaria Municipal da Educação  
de Fortaleza, Brasil), Edna Maria de Jesus (Centro Universitário Alves Faria, Brasil), Maria José do Nascimento  
(Secretaria Municipal da Educação de Goiânia, Brasil), Sonilda Aparecida de Fátima Santos (Faculdade Dinâmica,  
Brasil)  
GOVERNAMENTALIDADE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS NEOLIBERAIS................................................................................................................83  
Thelma Bergamo (Instituto Federal Goiano, Brasil), Laís Alice Oliveira Santos (Instituto Federal Goiano, Brasil)  
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SUMÁRIO  
PRÁTICA PEDAGÓGICA E INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL..................................................................104  
Jackeline Miranda de Barros (Secretaria Estadual de Educação de Goiás, Brasil), Yara Fonseca de  
Oliveira e Silva (Universidade Estadual de Goiás, Brasil)  
Artigos  
AS LUZES EM PERSPECTIVA: O CASO PORTUGUÊS....................................................................................................................................................123  
Marília Tofanetto Alves (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil), Maria Fernanda Minutti  
Teixeira (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil)  
PROJETOS DE HABITAÇÃO REALIZADOS ENTRE 1915 E 1935, CAMPO GRANDE (MS).................................................................................................140  
Felipe Anitelli (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil)  
O CONSELHO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE PIRAJU: TENSÕES POLÍTICAS E PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS DECISÕES AMBIENTAIS (1992-2015)...170  
Marcela dos Santos Alves (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil)  
Resenhas  
O ESTRANGEIRO E A DIFERENÇA: AS LEIS DE MIGRAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL NO SÉCULO XXI.....................................................................195  
Letícia de Luca Torres (Universidade Federal de São Carlos, Brasil)  
PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO.................................................................................................................................................................................209  
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EXPEDIENTE  
EXPEDIENTE  
v. 17, n. 33, jan.- jun. 2025  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24293  
Editores-chefes  
Aguinaldo Rodrigues Gomes (Doutor em Educação), Universidade Federal de Mato  
Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Miguel Rodrigues de Sousa Neto (Doutor em História), Universidade Federal do Mato  
Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Editores de seção  
Róbson Pereira da Silva (Doutor em História), Universidade Federal de São Carlos  
(UFSCar), Brasil  
Antonio Ricardo Calori de Lion (Doutor em História), Universidade Estadual de Goiás  
(UEG), Brasil  
Diagramação  
Roger Luiz Pereira da Silva (Mestre em Tecnologia e Sociedade), Universidade  
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil  
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Estudos Culturais (PPGCult)  
Aguinaldo Rodrigues Gomes (Doutor em Educação), Universidade Federal de Mato  
Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Membros pesquisadores/as do Laboratório de Estudos em Diferenças & Lin-  
guagens - LEDLin - UFMS  
Aguinaldo Rodrigues Gomes, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),  
Brasil  
Ana Letícia Bonfanti, Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança, Adoles-  
cente e Idoso (DEDDICA/MT), Brasil  
Antonio Ricardo Calori de Lion, Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SE-  
DUC-SP), Brasil  
Edvaldo Correa Sotana, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Helen Paola Vieira Bueno, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Isabel Camilo de Camargo, Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Ensino, Ciência  
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EXPEDIENTE  
e Tecnologia de Mato Grosso do Sul, (FUNDECT/MS), Brasil  
Marcos Antonio de Menezes, Universidade Federal de Jataí (UFJ), Brasil  
Miguel Rodrigues de Sousa Neto, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),  
Brasil  
Róbson Pereira da Silva, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil  
Thaís Leão Vieira, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Conselho Consultivo (biênio 2022 – 2024)  
Alexandre Busko Valim - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil  
Alexandre de Sá Avelar - Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil  
Ana Paula Squinelo - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Camila Soares López - Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil  
Durval Muniz de Albuquerque Junior - Universidade Federal do Rio Grande do Norte  
(UFRN), Brasil  
Eduardo José Reinato – Pontifícia Universidade de Goiás (PUC Goiás), Brasil  
Edvaldo Correa Sotana - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Fábio Henrique Lopes - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil  
Flávio Vilas Boas Trovão - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Helen Paola Vieira Bueno - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Iara Quelho de Castro - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Jiani Fernando Langaro - Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil  
João José Caluzi - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),  
Brasil  
João Pedro Rosa Ferreira - Universidade Nova de Lisboa (NOVA), Portugal  
José Marin - Université de Genève, Suíça  
Leonardo Lemos de Souza – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), Brasil  
Lúcia Helena Oliveira Silva- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), Brasil  
Lúcia Regina Vieira Romano - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), Brasil  
Luisa Consuelo Soler Lizarazo – Universidad Autónoma de Chile (UA), Chile  
Márcio Pizarro Noronha – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil  
Maria Betanha Cardoso Barbosa - Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA),  
Brasil  
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EXPEDIENTE  
Marcos Antonio de Menezes – Universidade Federal de Jataí (UFJ), Brasil  
Murilo Borges Silva - Universidade Federal de Jataí (UFJ), Brasil  
Nadia Molek - Universidad de Buenos Aires (UBA), Argentina  
Patrícia Zaczuk Bassinello - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Raquel Gonçalves Salgado - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Regiane Corrêa de Oliveira Ramos – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul  
(UEMS), Brasil  
Renan Honório Quinalha - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Brasil  
Robson Corrêa de Camargo - Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil  
Rosangela Patriota Ramos - Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil  
Sebastián Valverde – Universidad de Buenos Aires (UBA), Argentina  
Tadeu Pereira dos Santos - Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Brasil  
Tanya Saunders - University of Florida (UF), Estados Unidos da América  
Thaís Leão Vieira – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Tiago Duque - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Zélia Lopes da Silva - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), Brasil  
Capa  
Capa: Antonio R. C. de Lion. Imagem: gerada por Inteligência Artificial (ChatGPT).  
Projeto Gráfico e Diagramação  
Roger Luiz Pereira da Silva  
Contato  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais  
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Câmpus de Aquidauana, Unidade  
I.  
Praça Nossa Senhora Imaculada Conceição, 163 - Centro, Aquidauana/Mato Grosso do  
Sul, Brasil.  
CEP: 79200-000  
Telefone +55 67 3241-0309  
E-mail: revista.albuquerque@ufms.br  
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EDITORIAL  
EDITORIAL - SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DE UM PERIÓDICO: UMA LEITURA DE  
ALBUQUERQUE  
EDITORIAL – ABOUT THE TRANSFORMATIONS OF A JOURNAL: A READING OF  
ALBUQUERQUE  
Aguinaldo Rodrigues Gomes1  
https://orcid.org/0000-0002-2398-8088  
http://lattes.cnpq.br/3408519048864585  
2
Miguel Rodrigues de Sousa Neto  
https://orcid.org/0000-0001-9672-3315  
http://lattes.cnpq.br/1581653418017053  
htps://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24274  
Em 2009 começou a circular Albuquerque: revista de história, um  
periódico elaborado por pessoas dos cursos de História da Universidade Federal  
de Mato Grosso do Sul (UFMS). Uma tarefa difícil, considerando que, desde sua  
proposição, foram publicados dois números anuais, o que implica em esforço  
editorial significativo para divulgação da revista, captação de artigos, análise e  
elaboração de pareceres, diagramação, publicação, circulação, inicialmente de  
um período apenas impresso.  
Apósumperíodomarcadopordificuldadesemsuacontinuidade, foirealizada  
uma recomposição de seus conselhos, com novas responsabilidades sendo  
atribuídas e alterações quanto ao escopo de publicação e mesmo o layout sendo  
repensado. Um importante fator foi sua transposição efetiva para o mundo virtual,  
com a publicação de todos os números anteriores em formato digital, compondo  
um importante acervo para livre consulta, corroborando para a divulgação de  
uma ciência histórica aberta para toda a comunidade. Parte dessas mudanças  
já foram objeto de nossa reflexão no editorial do número 21 (vol. 11, 2019), voltada  
mais diretamente para o nome de revista que, desde então, homenageia Camila  
Albuquerque, mulher transexual assassinada em Salvador, Bahia, em 15 de março  
1 Docente do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da  
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: aguinaldorod@gmail.com  
2 Docente do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais, ambos do Campus  
de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: miguelrodrigues.snetto@gmail.com  
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Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
EDITORIAL  
de 2017, tornando evidentes, mais uma vez, os assombrosos números e narrativas  
de eliminação da população lgbtia+ no país.  
Ao tomar cada um dos trinta números publicados até aqui, percebemos que,  
desde o seu nascimento, Albuquerque tem uma ênfase para questões complexas,  
contemporâneas e interdisciplinares. Nos volumes encontramos dossiês/textos  
voltados à “cidade como objeto de reflexão interdisciplinar”, “Corumbá: economia,  
cultura, fronteiras”, “Guerra contra o Paraguai”, “Mato Grosso do Sul e seu  
caráter fronteiriço”, “Amazônia, Pantanal, seus povos e suas histórias”, “história,  
identidade e memória local”, “arqueologia”, incluindo aquela realizada em Mato  
Grosso do Sul, “cultura indígena” e “força de trabalho indígena em Mato Grosso e  
Mato Grosso do Sul”, “povos originários e Covid-19 na América Latina”. “história  
indígena como campo interdisciplinar”, “patrimônio cultural, material e imaterial”,  
“história e linguagens”, “história e literatura”, “história, cultura e linguagens”,  
“experiência estéticas contemporâneas”, “outras histórias do design no Brasil”,  
“cinema e cidades”, um conjunto de textos sobre gênero e corporalidades, tais  
como “saúde e doença nos séculos XX e XXI”, “os estudos corporais”, “outras  
eróticas e desejos possíveis” (em dois volumes),  
“gênero em perspectiva multidisciplinar”, “vestir,  
consumo e emancipação feminina”, sobre a  
América Latina e sobre a democracia, “América  
Latina em perspectiva”, “história e política”,  
“história e democracia”, “cultura e democracia”,  
e ainda, “história e mídia”, “cinema e cidades”,  
“cinema e Estudos Culturais”.  
Esses são os termos que emergem de uma mirada rápida sobre cada um dos  
trinta números de Albuquerque publicados até aqui, todos disponíveis na página  
da revista, acessíveis a todas as regiões do globo por meio da rede mundial de  
computadores. Na mesma página, a imagem ao lado pode ser vista, uma nuvem  
de palavras que expressa a revista neste momento de sua existência.  
Agradecemos a todas as pessoas que se ligaram à trajetória de Albuquerque  
enviando artigos, ensaios, resenhas e outros tipos de contribuição, a todas  
as pessoas que compuseram e compõem sua equipe editorial, seu conselho  
editorial e seu conselho consultivo, a todas as pessoas que dedicaram parte de  
seu tempo para ler os originais e elaborar seus pareceres, uma tarefa árdua e  
pouco reconhecida, sem a qual periódico algum consegue existir, as pessoas  
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EDITORIAL  
que auxiliaram/auxiliam na secretaria da revista. Especialmente, agradecemos  
a Antonio Ricardo Calori de Lion e a Róbson Pereira da Silva, pessoas que se  
dedicaram à reestruturação desta revista, sua consolidação e manutenção: se  
chegamos até aqui, chegamos também por eles. E agradecemos a Roger Luiz  
Pereira da Silva pelo cuidado e criatividade na criação de arte e diagramação de  
Albuquerque.  
E, mais uma vez, Albuquerque se abre a novos tempos. Tendo sido vinculada  
ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais do Campus de Aquidauana  
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGCult/CPAQ/UFMS) e ao  
Laboratório de Estudos em Diferenças & Linguagens (Ledlin), onde estão os  
integrantes da Equipe Editorial, a revista se tornou gradativamente mais aberta  
ao diálogo interdisciplinar (área de avaliação do PPGCult na Capes), recebendo  
contribuições do campo dos Estudos Culturais, das Linguagens, das Ciências  
Humanas e Sociais, das Artes, das Ciências da Natureza e da Saúde, entre  
outras mais. Seu escopo, por isso, se abriu tanto que a equipe editorial, para  
lhe permitir continuar seu trajeto com liberdade, alterou sua área de vinculação  
(para avaliação), agora no campo das Ciências Sociais, e seu nome, que passa a  
ser: Albuquerque: revista de Estudos Culturais.  
A mudança expressa dois movimentos: a leitura do passado da revista e sua  
abertura ao diálogo interdisciplinar, voltado às questões complexas e prementes  
da contemporaneidade, e a perspectiva de futuro, na qual esse diálogo se  
aprofunda, fazendo com que Albuquerque publique contribuições para uma  
ciência de ponta, de alta complexidade, para as artes contemporâneas, híbridas  
e em diálogo. Há um forte lastro com o passado e uma firme aposta no futuro.  
Que todas as pessoas se sintam muito bem-vindas a continuarem conosco nesta  
nova fase da revista.  
E, neste número, seu trigésimo primeiro, Albuquerque: revista de Estudos  
Culturais, publica mais um dossiê de encontros: Formação de professores no  
contexto neoliberal: inclusão escolar, educação inclusiva e diversidade. A  
presente coletânea de textos, organizada neste dossiê, apresenta acentuada  
relevância acadêmica e social ao abordar a preponderância do modelo neoliberal  
naesferaeducacional.Asdecisõesdeordempedagógica,curriculareinstitucional  
ocrescentementesubmetidasaumaracionalidadequepriorizalógicaspolítico-  
econômicas, impactando decisivamente tanto as instituições públicas quanto  
as privadas, e redefinindo tanto a estrutura escolar quanto as práticas didáticas  
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DOSSIÊ  
cotidianas. Nesse contexto, a análise do impacto do neoliberalismo na Educação  
Inclusiva é incontornável. A garantia de um ensino efetivamente acessível  
transcende a mera rotulação de “escola inclusiva”, exigindo investimentos  
substanciais, formação continuada de profissionais e a implementação de  
políticas públicas consistentes. Assim, as investigações se concentram na  
análise da correlação entre normação, normalização e a racionalidade neoliberal,  
articulando-se à crítica que postula o imperativo da inclusão como um tópos  
potencialmente a serviço dos interesses neoliberais, conforme teorizado por  
Veiga Neto (2012). Ou seja, os autores a as autoras examinam como a formalização  
da inclusão, desprovida do devido suporte material e técnico, pode servir para  
camuflar a precarização em vez de efetivar o direito à diferença.  
O primeiro estudo, Governamentalidade e educação inclusiva em tempos  
neoliberais, problematiza a Educação Inclusiva como um recurso estratégico de  
governamentalidade em um contexto neoliberal. O estudo sustenta que, com o  
avanço da lógica neoliberal, o campo educacional se transformou no principal  
espaço para a implementação da inclusão por meio de um complexo de políticas,  
discursos, estratégias e tecnologias de saber-poder. Utilizando a perspectiva  
foucaultiana sobre a arte neoliberal de governar, propõe-se no texto que a  
inclusão é mobilizada não apenas como um direito, mas como um mecanismo de  
normalização e de produção de subjetividades que se alinham e se tornam úteis  
às exigências e à racionalidade do mercado.  
O artigo Educação, neurociência e linguagem volta-se à imprescindibilidade  
da formação continuada de professores alfabetizadores para que possam  
identificar e atuar diante das variáveis do processo de aprendizagem. A pesquisa,  
de cunho bibliográfico, enfatiza a função crítica da neurociência no entendimento  
das disfunções específicas de aprendizado, como a dislexia, permitindo ao  
docente distingui-las das dificuldades de aprendizado meramente pedagógicas.  
Essa distinção é vital para o planejamento e a implementação de intervenções  
educativas adequadas. Em suma, no artigo defende-se que a qualificação do  
professor, aliada ao conhecimento neurocientífico das particularidades do  
desenvolvimento e à integração da família no processo, constitui um tripé  
essencial para garantir a eficácia da alfabetização.  
No terceiro artigo, Prática pedagógica e inclusão escolar no Brasil,  
procede-se uma análise crítica da formação docente para a Educação Especial  
no país, contextualizada na perspectiva inclusiva, explorando sua evolução  
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DOSSIÊ  
histórica desde o modelo segregacionista até o paradigma atual. Por meio da  
análise de marcos normativos cruciais (como a LDBEN/96 e a PNEEPEI/2008), o  
estudo demonstra as ambiguidades persistentes nas trajetórias formativas e as  
implicações na qualificação e no papel do professor de Atendimento Educacional  
Especializado (AEE). O texto aponta que a superação das dualidades históricas  
e a garantia de uma educação de qualidade para todos os estudantes com  
necessidades educacionais especiais no sistema comum de ensino exigem,  
fundamentalmente, o desenvolvimento e a implementação de uma política  
de formação docente coesa e contínua que sustente práticas pedagógicas  
efetivamente inclusivas.  
O estudo Educação inclusiva em tempos de precarização examina como a  
lógica neoliberal de contenção de gastos impacta a Educação Inclusiva na rede  
pública da Região Metropolitana de Goiânia, evidenciando que a precarização  
do trabalho educacional e a redução de investimentos fragilizam a inclusão de  
estudantes com deficiência. A análise de editais de contratação de profissionais  
de apoio demonstra a adoção de um modelo assistencialista por meio de  
exigências mínimas de qualificação, o que compromete a formação docente  
e a efetividade das práticas pedagógicas inclusivas. O argumento central é  
que a divergência entre as diretrizes pedagógicas inclusivas e as práticas  
administrativas precarizantes revela a necessidade urgente de políticas públicas  
que priorizem o fortalecimento da qualificação profissional e o aumento dos  
investimentos para garantir uma inclusão educacional de qualidade.  
Encerrando o dossiê, o artigo Educação brasileira em tempos de  
neoliberalismo propõe uma reflexão crítica sobre a problemática central da  
educação brasileira contemporânea: a dissonância entre os índices educacionais  
frequentemente divulgados e a percepção de estagnação nos diversos setores  
da economia nacional. Para aprofundar essa discussão, no artigo analisa-se  
a influência de políticas educacionais em um contexto de neoliberalismo e  
globalização, alémdefatosdocotidianodaprimeiradécadadoséculoXXI, visando  
identificar os fatores elementares que delinearam aquele cenário educacional.  
Assim, o conjunto dos textos aqui reunidos não apenas evidencia os  
efeitos adversos da lógica neoliberal na educação pública e na formação, mas  
também aponta para a urgência de fortalecer práticas críticas, interdisciplinares  
e politizadas que possam resistir a essa lógica e promover uma educação  
verdadeiramente inclusiva, equitativa e plural. Este dossiê convida leitoras e  
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DOSSIÊ  
leitores a uma reflexão que, ao problematizar os desafios contemporâneos,  
estimula o diálogo e a mobilização em prol de políticas educacionais  
comprometidas com a justiça social e a inclusão.  
Encerra o número a resenha crítica sobre o livro O estrangeiro e a diferença:  
as leis de migração no Brasil e em Portugal no século XXI. A obra é apresentada  
sob a perspectiva antropológica, destacando a compreensão das legislações  
migratórias não como simples instrumentos regulatórios, mas como dispositivos  
que produzem discursos sobre identidade, pertença, exclusão e alteridade. Essa  
reflexão amplia o contexto do dossiê ao tocar em temas relacionados à diferença  
e à questão racial, aportando uma leitura valiosa sobre as políticas públicas e  
seus impactos socioculturais.  
Bem-vindas, todas as pessoas. Boa leitura a todas vocês.  
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DOSSIÊ  
APRESENTAÇÃO – DOSSIÊ: FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO NEOLIBERAL:  
INCLUSÃO ESCOLAR, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DIVERSIDADE  
INTRODUCTION – DOSSIER: TEACHER TRAINING IN THE NEOLIBERAL CONTEXT: SCHOOL  
INCLUSION, INCLUSIVE EDUCATION AND DIVERSITY  
1
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias  
https://orcid.org/0000-0003-3476-8109  
http://lattes.cnpq.br/3100475653423566  
2
Yara Fonseca de Oliveira e Silva  
https://orcid.org/0000-0001-5725-478X  
http://lattes.cnpq.br/1269420694190937  
3
Carlos Eduardo Candido Pereira  
https://orcid.org/0000-0002-9871-0160  
http://lattes.cnpq.br/7698913311024550  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24260  
1 Mestre e doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduada em Ciências  
Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e em Pedagogia pela Faculdade Alfa América. Docen-  
te do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Câmpus Sudoeste – Sede: Quirinópolis.  
Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de Professores (GPEFORP/CNPq/UEG/  
GO). E-mail: jacqueline.iglesias@ueg.br  
2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UEG). Doutora em Políticas Públicas, Estraté-  
gias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Pedagogia pela  
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Professora titular da Universidade Estadual de Goiás  
no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (UEG/PPG-IELT).  
Líder do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de Professores (GPEFORP/CNPq/UEG/ GO).  
E-mail: yara.silva@ueg.br  
3 Mestre e doutor em Educação Escolar pela Faculdade de Filosofia e Letras de Araraquara da Universidade  
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCLAr/Unesp). Graduado em Pedagogia pela Universidade Esta-  
dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Professor Formador da Secretaria Municipal da Educação de  
Fortaleza. Membro do Grupo de Pesquisa Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de Professores (GPE-  
FORP/CNPq/UEG/ GO). E-mail: candidounesp@gmail.com  
13  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
DOSSIÊ  
A formação do professor, no contexto das políticas neoliberais, tem sido  
objeto de discussões na maioria dos países neste século XXI. No Brasil, a  
discussão tem se ampliado ao considerar o professor como um sujeito otimizador  
do mercado de trabalho, no qual a educação pública se configura como uma  
mercadoria sujeita à privatização. Tal tendência está explícita na intenção do  
governo federal de diminuir os investimentos nas instituições públicas e ampliá-  
los nas privadas.  
No que se refere à formação especializada do professor, a educação  
inclusiva tem se revelado como um desafio. A carência de recursos e de apoio  
das instâncias governamentais tem impelido o próprio educador a buscar, de  
forma autônoma, os meios para sua formação continuada. Essa realidade reflete  
e, ao mesmo tempo, reforça a lógica neoliberal, na qual a responsabilidade pela  
qualificação profissional é transferida do Estado para o indivíduo.  
Não por outro motivo, as instituições privadas vêm se capitalizando  
significativamente com a crescente demanda por cursos e formações, apesar  
de grande parte das ofertas que disponibilizam se restringir a uma abordagem  
pragmática, focada na mera reprodução de práticas pedagógicas, negligenciando  
a necessária e aprofundada base teórica que sustenta a educação inclusiva. Tal  
lacuna compromete a formação integral do professor, transformando a prática  
pedagógica em um mero conjunto de técnicas desprovidas de reflexão crítica e  
de um embasamento conceitual sólido.  
Nesse contexto, instaura-se uma divergência entre a legislação e a realidade  
escolar, uma vez que, apesar de os marcos legais legitimarem o direito à educação  
inclusiva, sua implementação enfrenta diversos desafios, o que evidencia  
uma exclusão velada e que exige denúncias e ações concretas de ruptura.  
Consequentemente, fortalecer a discussão sobre a formação do professor surge  
como um requisito essencial para garantir a criação de uma proposta de práticas  
pedagógicas adequadas e alinhadas às demandas contemporâneas de inclusão  
escolar.  
Este dossiê reúne, portanto, estudos que analisam criticamente os impactos  
do neoliberalismo nas políticas públicas educacionais e sua repercussão na  
formação docente, nas condições de trabalho e nas práticas pedagógicas  
voltadas à inclusão. Os artigos abordam diferentes dimensões da temática e estão  
organizados em cinco eixos: Políticas Educacionais e Neoliberalismo; Formação  
Docente e Saberes Interdisciplinares; Educação Inclusiva e Precarização do  
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DOSSIÊ  
Trabalho; Governamentalidade, Normalização e Subjetividades; e Formação  
Docente na Educação Especial.  
No que tange ao eixo Políticas Educacionais e Neoliberalismo, o artigo  
“Educação brasileira em tempos de neoliberalismo: entre discurso de melhoria e  
realidades excludentes”, de Gilson Xavier de Azevedo, Jacqueline de Oliveira Veiga  
Iglesias, Joana Correa Goulart e Eloane Aparecida Rodrigues Carvalho, reflete  
sobre as principais questões hodiernas que envolvem a educação brasileira,  
com ênfase na primeira década do século XXI. O texto destaca a relação entre a  
educação e o desenvolvimento econômico, as políticas públicas e econômicas  
que a afetam e a efetividade das ações governamentais para a transformação  
social.  
Nos meios de comunicação, é comum observar a divulgação de índices  
educacionais positivos, sobretudo, em épocas de campanhas eleitorais. Os  
autores do artigo questionam, que se a educação oferecida ao brasileiro de  
fato melhorou, por que isso não é tão visível nos diversos setores da economia  
nacional? A busca pela resposta a essa questão que se levanta conduzirá o leitor  
aos pontos elementares desta discussão, perpassando análises de fatos do  
cotidiano realizadas no período de 2001 e 2008, bem como em artigos que tratam  
da educação e políticas públicas em tempos neoliberais.  
Neste texto, constata-se que, sob a influência da globalização e do  
neoliberalismo, as políticas educacionais brasileiras estão imersas em discursos  
de melhoria que, todavia, estão entrelaçados com a permanência de problemas,  
tais como a falta de recursos, a privatização da educação, o clientelismo e a  
exclusão social. É urgente, portanto, aprofundar os questionamentos sobre  
as políticas educacionais à luz da complexidade da sociedade brasileira e dos  
impactos da globalização, para que a educação possa efetivamente promover  
inclusão e atuar como agente de emancipação social.  
Em referência ao eixo Formação Docente e Saberes Interdisciplinares,  
o estudo “Educação, neurociência e linguagem: um tripé fundamental para a  
formação de professores alfabetizadores”, de Kênia Bomtempo, Márcia Friedrich  
e Sangelita Miranda Franco Mariano, aborda a relevância da capacitação do  
professor alfabetizador para reconhecer problemas de aprendizagem e enfatiza  
a função da neurociência no entendimento dos transtornos de aprendizagem  
como a dislexia. Trata-se de uma revisão de literatura na qual as autoras deste  
artigo, destacam a importância de o professor compreender as particularidades  
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das disfunções e distingui-las das dificuldades de aprendizagem, planejando  
intervenções apropriadas. Também é ressaltada a relevância do envolvimento da  
família nesse processo.  
No eixo Educação Inclusiva e Precarização do Trabalho, destaca-se o  
artigo “Educação Inclusiva em Tempos de Precarização: análise das Políticas  
de Contratação de Profissionais de Apoio na Região Metropolitana de Goiânia”,  
de Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias, Yara Fonseca de Oliveira e Silva, Carlos  
EduardoCandidoPereira,EdnaMariadeJesus,MariaJosédoNascimentoeSonilda  
Aparecida de Fátima Santos. Nele, é analisado o impacto do neoliberalismo na  
educação pública em Goiás, com foco na inclusão de estudantes com deficiência.  
O estudo destaca os desafios enfrentados pelas instituições, tais como  
a inadequação da formação de profissionais e a precarização do trabalho  
educacional, sob a ótica de que é a lógica neoliberal que reduz investimentos,  
dificultando a qualificação docente e a implementação de práticas inclusivas.  
A análise de editais revela que são mínimas as exigências para o exercício  
de funções essenciais, o que reforça a prática de um modelo assistencialista,  
enquanto divergências entre diretrizes pedagógicas e práticas administrativas  
evidenciam fragilidades na gestão pública. O estudo aponta a necessidade de  
políticas que fortaleçam a qualificação e os investimentos na educação inclusiva.  
O eixo Governamentalidade, Normalização e Subjetividades tem como  
diretriz a obra “Governamentalidade e educação inclusiva em tempos neoliberais”,  
de Thelma Bergamo e Laís Alice Oliveira Santos . Com o avanço do neoliberalismo,  
a educação tem se configurado como um espaço privilegiado para a efetivação  
da inclusão por meio de políticas, discursos, estratégias e tecnologias de saber-  
poder. Nesse contexto, o Estado governamentalizado assume especial interesse  
entre a população, ao elaborar e fazer circular práticas que moldam formas de  
vida orientadas para a competitividade, a eficiência e a autorresponsabilização.  
As reformas neoliberais instituem normas que posicionam os sujeitos em redes  
de saberes e espaços mercadológicos, convertendo-os em capital humano  
normalizado e adaptado às demandas do sistema econômico.  
O artigo das professoras Bergamo e Santos presente neste dossiê, tem  
como objetivo problematizar a educação inclusiva como recurso estratégico  
de normalização e produção de subjetividades úteis ao mercado, articulando-a  
aos conceitos de governamentalidade e biopolítica. Trata-se de um estudo  
exploratório, decaráterbibliográfico, desenvolvidopormeiodaanálisequalitativa  
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de obras de referência e produções acadêmicas de Michel Foucault e de outros  
autores que discutem a interface entre neoliberalismo e educação inclusiva.  
Os resultados indicam que, embora amparada por marcos legais, a inclusão  
escolar é fragilizada por racionalidades neoliberais que reduzem seu potencial  
emancipatório e reforçam processos de in/exclusão, exigindo uma abordagem  
crítica capaz de tensionar discursos hegemônicos e fomentar práticas  
pedagógicas que valorizem as diferenças como potência transformadora.  
Por fim, no eixo Formação Docente na Educação Especial foi analisado o  
ensaio “Prática pedagógica e inclusão escolar no Brasil: breve análise sobre a  
formação docente na educação especial”, de Jackeline Miranda de Barros e Yara  
Fonseca de Oliveira e Silva, que faz uma análise crítica da intrínseca relação  
entre a formação docente e a prática pedagógica. O estudo apresenta a evolução  
histórica da formação de professores para a educação especial no Brasil, desde a  
fase segregacionista e compensatória até a transição para o paradigma inclusivo  
atual.  
A análise das autoras do ensaio associa marcos legislativos importantes,  
tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), a  
Resolução CNE n.º 02/2001, esta resolução determina que as escolas regulares  
precisam se organizar para atender os alunos da inclusão, a Política Nacional de  
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008) e os  
impactos que causam na qualificação e nos papéis dos professores “capacitados”  
e “especializados”. A ambiguidade persistente nas trajetórias formativas e a  
emergência do professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE) são  
exploradas, evidenciando desafios para a garantia de uma preparação docente  
abrangente. O texto conclui enfatizando a necessidade crucial de uma política  
de formação docente coesa e contínua, que sustente práticas pedagógicas  
inclusivas, supere as dualidades históricas e assegure que todos os estudantes  
com NEE — Necessidades Educacionais Especializadas dentre os quais, aqueles  
com deficiência — recebam educação de qualidade no sistema comum de ensino.  
A análise dos cinco eixos propostos neste dossiê sobre a formação do  
professor no contexto do neoliberalismo revela uma interconexão profunda e  
multifacetada entre eles. Embora abordem diferentes facetas, todos convergem  
para uma crítica central: a submissão da educação e da formação docente, em  
particular, a uma lógica de mercado que precariza o trabalho e despolitiza a  
prática pedagógica.  
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A relação entre políticas educacionais e neoliberalismo estabelece  
o cenário macro. As reformas educacionais, sob o manto de eficiência e  
qualidade, frequentemente promovem a privatização de serviços, a redução  
do financiamento público e a responsabilização individual do profissional. Essa  
lógica neoliberal não apenas molda, como também distorce a formação docente  
e os saberes interdisciplinares. Em vez de uma formação sólida e crítica, pautada  
no diálogo entre diferentes campos do conhecimento, o que se observa é a  
valorização de uma formação técnica, fragmentada e orientada para a “prática  
pela prática”, ignorando a complexidade do contexto educativo.  
Ao reunir vozes comprometidas com a transformação educacional, este  
dossiê propõe uma reflexão profunda sobre os caminhos possíveis para a  
implementação de uma educação pública de qualidade, pautada na equidade, na  
justiça social e na valorização da diversidade. Os artigos aqui apresentados não  
apenas denunciam os efeitos da mercantilização da educação, como também  
apontam estratégias de resistência e fortalecimento da formação continuada  
como instrumento de emancipação.  
O leitor deste dossiê é, portanto, convidado a mergulhar nestas análises  
e a participar do debate sobre os rumos da formação docente em tempos de  
neoliberalismo — com olhar crítico, sensível e comprometido com a inclusão  
educacional.  
REFERÊNCIAS  
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação na-  
cional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.  
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Reso-  
lução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Espe-  
cial na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 set. 2001. Seção 1, p. 39.  
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação  
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEE, 2008.  
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EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO: ENTRE DISCURSOS DE  
MELHORIA E REALIDADES EXCLUDENTES  
BRAZILIAN EDUCATION IN TIMES OF NEOLIBERALISM: BETWEEN DISCOURSES OF  
IMPROVEMENT AND EXCLUSIVE REALITIES  
1
Gilson Xavier de Azevedo  
https://orcid.org/0000-0001-5207-1351  
http://lattes.cnpq.br/7422465237646518  
2
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias  
https://orcid.org/0000-0003-3476-8109  
http://lattes.cnpq.br/3100475653423566  
3
Joana Corrêa Goulart  
https://orcid.org/0000-0003-1914-9756  
http://lattes.cnpq.br/7175850978145171  
4
Eloane Aparecida Rodrigues Carvalho  
https://orcid.org/0000-0003-4082-0516  
http://lattes.cnpq.br/7224881465469635  
Recebido em: 15 de junho de 2025.  
Revisão final: 07 de setembro de 2025.  
Aprovado em: 28 de setembro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23540  
1 Doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e mestre em Ciências da Re-  
ligião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Graduado em Filosofia (Dom Felício/FAE-  
ME), Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA-CE) e Teologia (CETHEL/MACKENZIE).  
Pós-graduado em Administração Escolar e Coordenação Pedagógica (UVA-RJ), Ética e cidadania (UFG),  
Filosofia Clínica (Inst. Packter/PUC), Neuropsicopedagogia (Prominas), Ensino de Filosofia e Sociologia  
(Prominas). Docente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). E-mail: gilsoneduc@  
yahoo.com.br  
2 Professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Câmpus Sudoeste – Sede: Quirinópolis, no curso de Pedagogia.  
Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Graduada em Pedagogia  
pela Faculdade Alfa América. Doutora e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).  
Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Instituto Adventista de São Paulo e em Educação Socioe-  
mocional pelo Instituto Brasileiro de Formação de Professores. Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e  
Formação de Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: jacqueline.iglesias@ueg.br  
3 Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Faculdade de Ciências e Letras de Ara-  
raquara. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). Professora titular da Univer-  
sidade Estadual de Goiás - Câmpus Sudoeste - Sede: Quirinópolis. E-mail: joana@ueg.br  
4 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestra em Ciências Sociais e Humanidade  
pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Especialista em Psicopedagogia. Graduada em História na Universidade  
Estadual de Goiás (UEG) e em Pedagogia. Docente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás - Câmpus  
Sudoeste - Sede: Quirinópolis. E-mail: eloane.rodrigues@ueg.br  
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RESUMO: O objetivo deste artigo é refletir sobre as principais questões hodiernas que envolvem  
a educação brasileira com ênfase na primeira década do século XXI, destacando sua relação com  
o desenvolvimento econômico, a influência das políticas públicas e econômicas, e a efetividade das  
ações governamentais na transformação social. Nos meios de comunicação, é comum observar os  
mais variados índices educacionais, sobretudo em épocas de campanha eleitoral. No entanto, se a  
educação oferecida ao brasileiro de fato melhorou, por que isso não é tão visível nos diversos se-  
tores da economia nacional? Essa problemática será desmembrada e conduzirá o leitor aos pontos  
elementares da discussão, perpassando análises de fatos do cotidiano (2001–2008), bem como os  
artigos das professoras Rosa Barone (1999 – Educação e políticas públicas: questões para o debate),  
Celito Luft e Berenice Corsetti (2000 – Políticas educacionais em tempos neoliberais: o econômico)  
e o texto intitulado “Relação Estado–Educação no processo de globalização neoliberal, de Santos  
(2004). Para tanto, ao analisar criticamente as políticas educacionais brasileiras sob a influência da  
globalização e do neoliberalismo, percebe-se que está imersa em discursos de melhoria, entrelaça-  
das à permanência de problemas como falta de recursos, privatização, clientelismo e exclusão social.  
Desse modo, concluímos que é urgente avançar nos questionamentos das políticas educacionais à  
luz da complexidade da sociedade brasileira e dos impactos da globalização, para que a educação  
possa efetivamente promover inclusão e atuar como agente de emancipação social.  
PALAVRAS-CHAVE: políticas educacionais, influências econômicas, discursos de melhoria, realida-  
des excludentes.  
ABSTRACT: The purpose of this article is to reflect on the main contemporary issues surrounding  
Brazilian education, with an emphasis on the first decade of the 21st century, highlighting its rela-  
tionship with economic development, the influence of public and economic policies, and the effec-  
tiveness of government actions in social transformation. In the media, it is common to see a wide  
variety of educational indicators, especially during election campaigns. However, if the education  
offered to Brazilians has indeed improved, why is this not so visible in the various sectors of the  
national economy? This issue will be broken down and will lead the reader to the basic points of the  
discussion, covering analyses of everyday facts (2001–2008), as well as articles by professors Rosa  
Barone (1999 – Education and public policies: issues for debate), Celito Luft and Berenice Corsetti  
(2000 – Educational policies in neoliberal times: the economic) and the text entitled “State–Educa-  
tion relationship in the process of neoliberal globalization” by Santos (2004). To this end, when criti-  
cally analyzing Brazilian educational policies under the influence of globalization and neoliberalism, it  
is clear that they are immersed in discourses of improvement, intertwined with persistent problems  
such as lack of resources, privatization, clientelism, and social exclusion. Thus, we conclude that it  
is urgent to advance in questioning educational policies in light of the complexity of Brazilian society  
and the impacts of globalization, so that education can effectively promote inclusion and act as an  
agent of social emancipation.  
Keywords: educational policies, economic influences, discourses of improvement, exclusionary  
realities.  
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INTRODUÇÃO  
A educação é concebida dentro das sociedades como um lugar de suma  
importânciaparaaformaçãodegrupossociaisdiversos,devidoaisso,aodebruçar  
minuciosamente pelas multiplicidades de interrelações, estamos diante de  
contextos complexos, sujeitos avariadasperspectivaspolíticas, sociais, culturais  
e econômicas. Nas perspectivas dos educadores progressistas, a educação  
é frequentemente concebida como um agente privilegiado de transformação  
social. Ao democratizar o conhecimento, a educação torna-se um espaço para a  
construção de novas realidades. Esse processo não ocorre de forma espontânea  
ou isolada do cotidiano, mas resulta de ações integradas às diversas dimensões  
da vida humana.  
A educação brasileira contemporânea desempenha um papel estratégico  
nas discussões sobre desenvolvimento social e econômico, configurando  
frequentemente os discursos políticos, planos governamentais e nos meios  
de comunicação. Durante períodos eleitorais, há um aumento na divulgação  
de dados e índices educacionais que, apesar de indicarem avanços em alguns  
aspectos, não resultam necessariamente em melhorias concretas nas condições  
de vida da população ou no fortalecimento dos setores produtivos nacionais. Essa  
discrepância entre discursos de progresso e a realidade vivida por grande parte  
da população exige uma análise crítica da efetividade das políticas educacionais  
implementadas nas últimas décadas.  
Este artigo propõe uma análise crítica das políticas educacionais  
brasileiras, com um pouco mais de ênfase na formação de professores, levando  
em consideração o contexto da globalização e do neoliberalismo, que têm  
influenciado diretamente as diretrizes e ações do Estado na área da educação. A  
partir da observação de fatos cotidianos ocorridos entre os anos de 2001 e 2008, e  
do diálogo com produções acadêmicas como os trabalhos de Rosa Barone (1999),  
Celito Luft e Berenice Corsetti (2000), e Santos (2004), busca-se compreender  
como essas políticas têm sido formuladas e aplicadas, e quais os impactos reais  
sobre a qualidade da educação pública, a inclusão social e a formação cidadã.  
Aanálisetemcomopontodepartidaqueapesardaexistênciadeumaretórica  
constante de melhoria e modernização do sistema educacional, persistem  
entraves estruturais que comprometem sua efetividade. Entre esses obstáculos,  
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destacam-se a insuficiência de recursos financeiros, a crescente privatização  
do ensino, a clientelização das políticas públicas e a exclusão social que ainda  
marca profundamente a inserção e a permanência de estudantes nas escolas.  
Tais questões revelam a necessidade de repensar o papel da educação no Brasil,  
não apenas como instrumento de capacitação técnica, mas como agente de  
transformação social capaz de promover equidade, justiça e cidadania.  
Ao longo do texto, serão discutidos os limites e possibilidades das políticas  
educacionais frente aos desafios impostos pela lógica neoliberal e pelos  
múltiplos aspectos do contexto social brasileiro na primeira década do século  
XXI. A intenção é contribuir para o debate sobre a construção de uma educação  
pública de qualidade, democrática e inclusiva, que responda às demandas reais  
da sociedade e que esteja comprometida com a formação integral dos indivíduos.  
Dessa forma, reafirma-se a urgência de se repensar as políticas educacionais à  
luz de uma perspectiva crítica e transformadora, capaz de romper com modelos  
excludentes e promover uma educação que seja, de fato, um direito de todos e  
um instrumento de emancipação social.  
Que “Lugar” ocupa a educação?  
No dia 15 de março de 2007, o Economista, especialista em educação  
e colunista da Revista Veja escreveu um artigo que ou foi mal interpretado,  
ou estava incompleto a sarcástico. O título do mesmo era “Os quatro mitos da  
escola brasileira” destacando os aspectos que este estudo passa a destacar  
resumidamente.  
1º Mito - O professor brasileiro é mal remunerado: para o colunista os  
professores no Brasil querem comparar seus salários com o dos americanos,  
que segundo ele ganha 15% menos que a média de outros tetos salariais e que  
no Brasil é de 56% superior à média nacional; outro fator é a jornada de trabalho;  
o professor tem jornada de trabalho mais leve do que o restante da população:  
70% trabalham até quarenta horas semanais e conclui Ioschpe: “Se a classe  
docente fosse realmente injustiçada, o magistério não seria uma das carreiras  
mais populares do país, com mais de 2 milhões de profissionais - número que só  
faz crescer”.  
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2ºMito-Aeducaçãosóvaimelhorarnodiaemqueos professores receberem  
salário mais alto: segundo Gustavo, desde a criação do Fundef (Atual Fundeb) o  
salário dos professores melhorou, as notas nos exames nacionais despencaram.  
Aqui, ele faz uma crítica capciosa: “O que mais prejudica a performance dos  
docentes no Brasil é um sistema que despreza talentos individuais e resultados  
acadêmicos e forma professores com uma mentalidade equivocada - enquanto  
apenas 9% consideram ser prioritário ‘proporcionar conhecimentos básicos’ aos  
alunos, a maioria prefere ‘formar cidadãos conscientes’”. No entanto, o sociólogo  
Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE no governo FHC em entrevista à  
Folha em fevereiro de 2008 afirma que “Bons salários podem atrair melhores  
talentos, mas aumentar o vencimento de quem já está trabalhando não muda  
muita coisa. No entanto, para mudar o prestígio da profissão, é preciso também  
melhorar a qualidade dos cursos de pedagogia e educação, hoje desmoralizados.  
Uma combinação interessante poderiam ser cursos bem articulados, criados ou  
supervisionados por secretarias de educação como as de São Paulo ou Minas”.  
3º Mito - O Brasil investe pouco dinheiro em educação: de acordo com o  
artigo: “enquanto o Estado brasileiro destina 3,4% do PIB às escolas básicas, nos  
paísesdaOCDE(organizaçãoformadaporpaísesdaEuropaepelosEstadosUnidos)  
esse gasto corresponde a 3,5% do PIB. O governo brasileiro também aparece  
como um investidor generoso no ensino superior: reserva às universidades 0,8%  
do PIB - a média da OCDE5 é de 1% do PIB (e olhe que no Brasil apenas 20% dos  
jovens estão na universidade, enquanto nos países mais desenvolvidos a média é  
de 50% de universitários)”.  
4º Mito - A escola particular é excelente: para Gustavo: “o resultado dos  
estudantes 25% mais ricos do Brasil foi inferior ao dos 25% mais pobres dos  
países mais desenvolvidos”. Ele ainda aponta que: “90% de sua superioridade em  
relação à rede pública deve-se à condição socioeconômica de seus estudantes,  
que vivem num ambiente mais favorável ao aprendizado. Apenas 10% são  
atribuídos ao maior brilhantismo acadêmico da escola”. Haja visto o resultado no  
ano de 2006 as melhores notas ficaram com instituições públicas e federais.  
5 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou OECD em inglês) é uma organização  
internacional dos países comprometidos com os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado.  
A sede da organização fica em Paris, na França. Também é chamada de Grupo dos Ricos. Juntos, os 30 países partici-  
pantes produzem mais da metade de toda a riqueza do mundo. A OCDE influencia a política econômica e social de seus  
membros. Entre os objetivos está o de ajudar o desenvolvimento econômico e social no mundo inteiro, estimulando in-  
vestimentos nos países em desenvolvimento (https://portal.mec.gov.br).  
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Mas é necessário aqui fazer algumas ressalvas. Ao tentar desfazer tais mitos,  
o autor acima tenta mostrar que a culpa inicial da educação está não no sistema  
como se diz desde o fim do militarismo, nem na estrutura financeira do país, mas  
na condição acadêmica dos profissionais. Nesse sentido, não há o que discordar,  
mas lembre-se o leitor que 78% dos professores que estão atuando no ensino  
básico brasileiro, foram formados em escola públicas do país, o que na visão do  
professor Paulo Ghiraldelli é sinônimo de precariedade e falta de objetividade  
formativa:  
A licenciatura no Brasil de hoje se resume ao sistema de grade curricular, que é o  
de “núcleo de conteúdo mais disciplinas pedagógicas”. O estudante universitário  
faz disciplinas básicas e, depois, mais quatro ditas pedagógicas. Em geral, são as  
seguintes (os nomes podem variar um pouco): Prática de Ensino (estágio), Psicologia  
da Educação, Didática e Legislação. Estamos nisso há anos e todos os estudantes  
dizem que não funciona. Isso não forma o professor (Folha, 2007).  
Assim Gustavo Ioschpe encerra o seu artigo: “seus professores passaram  
por escolas ruins e cursaram faculdades precárias. Infelizmente, eles estão  
igualmente desqualificados para dar uma boa aula. O Brasil só vai deixar a lanterna  
na educação quando conseguir fazer um diagnóstico correto - e se livrar desse  
e dos demais mitos que rondam as escolas do país”. Falar assim dá inicialmente  
a entender que o fato de ter estudado em Yale nos EUA faz dele superiormente  
melhor que os demais profissionais do Brasil, mas em tom de desabafo esse artigo  
expõe nesse parágrafo certa indignação com um aristocrata que nunca pisou em  
uma sala de aula de Ensino Fundamental ou Médio. A arrogância tem sido sua  
marca registrada nos artigos que escreve para a revista veja6. Dessa maneira,  
considere como resultados da educação no Brasil, a atuação do governo nesse  
aspecto que soma um montante de mais de 60% que como em todo país é uma  
questão de responsabilidade social como aponta o comentário a seguir:  
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) não é propriamente um plano, é uma  
colcha de retalhos. E exagerado nas ambições. É um pulverizador de recursos e, ao  
mesmo tempo, seus objetivos são vagos e mal redigidos. Sua “pedagogia” é a proposta  
estranha, vinda do grupo do Todos pela Educação, que tem por base a idéia do “faça  
você mesmo”. Tudo é jogado nas costas da tal de “comunidade”. Ninguém mais poderia  
ir para o trabalho caso essa idéia vingasse, pois todos nós teríamos de ir para a escola  
para ajudá-la a funcionar. Essa ficção chamada “comunidade”, e não mais o Estado,  
é vista como a real responsável pela educação pública (Folha; Paulo Ghiraldelli, 2007,  
s.p.).  
A esperança nacional com o lançamento do PDE – Plano de Desenvolvimento  
6 Cf. http://veja.abril.com.br/gustavo_ioschpe  
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da Educação no Brasil seria reverter em 8 anos esta situação de maneira que  
os mercados fossem atendidos por indivíduos realmente formados e não apenas  
por possuidores de diplomas 7.  
Segundo Rosa Barone (2000), o mercado não quer mais um profissional  
consciente, mas exige produtividade, qualidade e competitividade, alguém ligado  
às tecnologias baseadas na microinformática. Na fala da autora: “um trabalhador  
conectado ao processo de mudança. A exigência de adquirir a capacidade  
de adaptação às mudanças, de compreender os novos processos técnicos  
decorrentes das novas tecnologias, de saber comunicar-se de forma eficiente”  
(Barone, 2000, s.p.).  
Em tempos de crise educacional do ponto de vista do “ensino-aprendizagem”  
quem está em processo de formação hoje ou quem está no mercado, precisa  
rapidamente “aprender a aprender”. Se por um lado o mercado exige certo  
raciocínio lógico, rápida resolução de questões e proatividade para alguns  
problemas que surgem no cotidiano do trabalho, bem como disposição de estar  
sempre aprendendo, por outro, Barone aponta a necessidade de uma força de  
trabalho cooperativa, que tenha autonomia, seja comunicativa e, sobretudo, que  
se identifique com a empresa; as empresas hoje trabalham com o conceito de  
soma ou sinergia 8.  
É um fenômeno notável no Brasil a proliferação de indivíduos que se  
autodenominam especialistas em educação, como coaches, mentores e  
supervisores educacionais. Esses profissionais têm se inserido de forma  
crescente no contexto das instituições de ensino, oferecendo “apoio” aos  
educadores e, em alguns casos, prestando consultoria a figuras do governo para  
influenciar as políticas educacionais. Essa tendência suscita debates sobre  
a qualificação e o papel desses agentes na complexa arena da pedagogia e da  
gestão educacional.  
Nesta complexa rede educacional, o que muito se questiona, é como de fato  
o Plano Nacional da Educação - PNE tem proporcionado mudanças na realidade  
práticadocotidianoescolardoBrasil.Pode-sedizerqueoquemudounaeducação  
7 Tiago Francisco Vieira Pereira, de 22 anos, foi preso em Tangará da Serra, em Mato Grosso, e levado para o prédio da  
Polícia Federal, em Cuiabá. Segundo as investigações, que duraram um ano, ele vendia diplomas universitários em todo  
o país (JN, 14 mar 08).  
8 Sinergia deriva do grego synergía, cooperação sýn, juntamente com érgon, trabalho. É definida como o efeito ativo  
e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de vários subsistemas na realização de uma tarefa complexa ou função  
(WKP, 2008).  
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foram as dificuldades de se educar sem estrutura social, como foi visto na  
reportagem do Fantástico em março 2008, em que apresentou na terceira maior  
cidade do Maranhão, crianças não têm lanche para comer na escola. E o banheiro  
delas é o matagal. Sem merenda, alunos levam de casa tudo o que têm para o  
momento do lanche: itens como farinha, óleo e sal. Enquanto isso, a prefeitura  
compra 22 toneladas de uma carne que não existe (Fantástico, 30 Mar. 08).  
Considera-se desta forma que, a educação é um todo e como cita Ioschpe  
“a ignorância custa um mundo”. Além do que é preciso perguntar se o Brasil  
está educando ou simplesmente profissionalizando seus alunos como cita a  
professora Elisa Barone (2000, s.p.):  
[...] educar para a competitividade, educar para o mercado, educar para incorporar o  
Brasil no contexto da globalização. Tal visão restrita acabou por deixar de lado muitos  
dos valores que anteriormente vinham informando o fazer educacional: educar para a  
cidadania, educar para a participação política, educar para construir cultura, educar  
para a vida em geral.  
Observa-se que a produtividade, a competitividade, a formação para um  
mercado cada vez mais dentro dos princípios neoliberais, negligência uma  
formação voltada para a cidadania, participação para vida e principalmente para  
uma participação política.  
Umestudodivulgadoemjunhode2008,conduzidopelaconsultoriaamericana  
McKinsey, intitulado “Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do  
Mundo Chegaram ao Topo”, coordenado por Mona Mourshed, é o resultado de uma  
extensa pesquisa que incluiu mais de 200 entrevistas e visitas a 120 escolas em  
20 nações. O objetivo principal do trabalho foi desvendar os fatores que levaram  
determinados países a alcançar as melhores posições no Programa Internacional  
de Avaliação de Estudantes (Pisa), bem como aqueles que demonstraram um  
rápido avanço nesse ranking (Ratier, 2008)  
Neste estudo foram levantadas quatro lições que poderiam ser consideradas  
para a melhoria da educação no Brasil: “1. A qualidade de um sistema educacional  
não pode ser maior que a qualidade dos seus professores. 2. A única maneira  
de melhorar os resultados é melhorar a instrução. 3. Alto desempenho significa  
que todas as crianças devem ser bem-sucedidas. 4. Toda escola precisa de um  
grande dirigente” (Nova Escola, 2008).  
O já mencionado processo de desresponsabilização do estado frente a isso  
está se tornando real desde a gestão Paulo Renato de Souza no governo FHC  
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via municipalização ou prefeiturização do Ensino. A Rede Globo com o projeto  
“Amigos da Escola”. Na visão de Arroyo (2000 p. 23-24):  
o direito à educação nunca será garantido por um clube de amigos. Já temos amigos e  
amigas da cultura, de animais de estimação ameaçados, de crianças de rua, de órfãos  
e agora a mídia e os governos lançam a Campanha Amigos da Escola; mais um capítulo  
de nossa longa história, de sua descaracterização. A educação escolar é tratada como  
uma terra vadia, sem cercas, facilmente invadida por aventureiros ou por amigos.  
Muitos amigos! Qualquer um entende, palpita sobre a Escola, aceita ser professor(a)  
ou gestor de educação. Paralelo a esse processo tivemos a descaracterização dos  
seus profissionais ou a desprofissionalização dos mestres de Escola. Qualquer um que  
domine um conhecimento é uma técnica, poderá ensiná-los como um biscate e um  
complemento a seus salários.  
Segundo Luft e Corsetti (2005, p. 43), durante o governo de FHC o que se  
pode notar em termos de educação é um completo paradoxo; Ana Lúcia Gazzola  
em entrevista à Folha diz a esse respeito que “O governo anterior [Fernando  
Henrique Cardoso] fez uma desmontagem da instituição pública”. Marcado por  
um processo de centralização, profundamente antidemocrático, controle do  
trabalho do professor: a avaliação da educação básica e superior e pela imposição  
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).  
O indivíduo na história recente do Brasil é posto como capital humano,  
ou seja, quanto de “mais valia” é capaz de produzir para uma empresa; idéia  
questionável se nos perguntarmos onde essa ganância de mercado os tem  
levado que indiretamente questiona o filme “O Gangster (2008)”. O ser humano  
passa de cidadão a consumidor sendo está a sua nova identidade: “Quanto você  
consome ou pode consumir? esse é seu valor”. Esse é o tempo da educação como  
necessária para a formação de “cidadãos trabalhadores” ou aqueles com reais  
chances de competitividade.  
Prontamente se disseminou a idéia de que, para sobreviver na pós-  
modernidade ou conseguir emprego, a educação será indispensável. À educação  
compete a tarefa de manter a competitividade, fundamental para a inserção do  
Brasil no mercado globalizado neoliberal (Luft Ib, p. 44). De acordo com Tarso  
Genro: “O cidadão-consumidor e o espectador da revolução futura não fazem a  
história no cotidiano, pois se abrigam na mesma visão metafísica de democracia,  
que gera duas fontes de alienação política: aquela que subsume a cidadania no  
exercício do consumo e aquela que se nega a produzir conquistas dentro da  
ordem” (Folha, 20 Jan 02).  
Na Conferência Mundial de Educação para Todos, os mais de 150 países  
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participantes, incluindo o Brasil, se comprometeram a oferecer educação  
básica de qualidade; o coordenador do programa na Unesco, o alemão Wolfgang  
Vollmann, esteve nessa ocasião no Brasil para preparar o encontro, e mencionou:  
“O Brasil é o bom aluno do grupo”, mesmo que país só tenha cumprido duas das  
seis metas básicas da Conferência Mundial de Educação para Todos, subiu para  
95%, tendo aumentado quase 10%.  
Na primeira década do século XXI, o Brasil viu um crescimento significativo  
nas políticas de inclusão e programas sociais. O governo implementou iniciativas  
como as cotas raciais, que geraram amplas discussões, e um sistema de bolsas  
escolares, o Bolsa Escola, para manter crianças e adolescentes nas escolas. Com  
o apoio do Banco Mundial, esses programas foram expandidos e contribuíram  
para um aumento notável nos índices de permanência e acesso à educação nos  
níveis fundamental, médio e até superior.  
Essas ações foram parte de um esforço maior para combater a desigualdade  
e promover a inclusão social no país. Segundo a Folha de São Paulo (29 mar. 08):  
“taxa de escolarização dos jovens de 14 ou 15 anos ocupados é de 84,2%. Entre os  
que não trabalham, o percentual chega a 93,7%. Para os jovens de 16 ou 17 anos, a  
taxa dos que trabalham é de 70,8% contra 82,4% entre os não ocupados”. Diante  
desses dados, as percepções de Gentili (1998) contribuem para uma análise  
crítica contundente ao modelo neoliberal, que transfere a responsabilidade pelo  
sucesso ou fracasso social para o indivíduo, ignorando as condições estruturais  
que influenciam esses resultados.  
Para concluir esse tópico, é necessário destacar que a educação é tratada  
como um bem privado, onde o mérito e a competição definem quem triunfa.  
Assim contribui para a crise educacional, pelo fato de não ser apenas vivida pela  
sociedade,mastambémgeradaeperpetuadaporela,aonaturalizaraprecarização  
do ensino e responsabilizar professores e alunos pelos seus próprios insucessos.  
Mudar a educação”: o papel dos Organismos Internacionais  
As relações internacionais entre Ensino Brasileiro e ONGs ou mesmo órgãos  
avaliadores, como o Iaep (Avaliação Internacional do Progresso Educacional) têm  
mostrado um lento crescimento nacional em relação ao nível de aprendizado  
de nossos educandos. Talvez isso se dê em decorrência das arcaicas posturas  
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assumidas nos diferentes governos, pois tratam a educação com medidas  
distributivas; redistributivas e regulatórias, ou como aponta Barone (2000), o  
caráter indutor e um comportamento mimético.  
O aumento no uso de avaliações padronizadas tem gerado um debate  
significativo sobre a qualidade do ensino, o foco excessivo nesse tipo de prova  
tem levado as instituições a priorizar o treinamento dos alunos para responder  
a questões específicas, em vez de promover uma aprendizagem mais profunda.  
Como resultado, aspectos fundamentais da educação, como o diálogo, o  
raciocínio crítico, a apropriação do pensamento científico e a capacidade de  
analisar a realidade, acabam sendo negligenciados por não serem mensurados  
nesses exames, pois tudo volta-se novamente para o ensino tecnicista, deixando  
de lado a função social da escola (Saviani, 2011).  
O fato é que mesmo no Ensino Superior, os índices ainda não são tão  
positivos, as universidades brasileiras durante o ano de 2007 tiveram uma  
expressiva melhora no ranking do Ensino Superior. O ranking internacional que  
mede a produção científica feito pelo Instituto de Altos Estudos da Universidade  
Xangai Jiao Tong, na China. A melhor posição no País é a da Universidade de São  
Paulo (USP), que ficou em 128º lugar, seis acima do que em 2006. Outra instituição  
brasileira, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), integrou o ranking em  
2007 e se juntou às outras quatro universidades que já integraram a (Cf. O Estado  
14 ago. 07). No Ensino Fundamental II a taxa de pessoas em sua idade escolar  
matriculadas em 2004 foi de 87,5%, e o número de alfabetizados, de 88,6% (JN,  
27 nov. 07).  
Fábio Takahashi na reportagem intitulada “A carreira docente atrai menos  
preparados” comentou um estudo realizado pelo ENEM e ENADE que apenas 5%  
dos alunos formados considerados melhores no Ensino Médio querem atuar como  
docentes do ensino básico. Dos alunos considerados melhores, 31% querem a  
área da saúde e 18% Engenharia. Ressalta ainda a fala de Roberto Leão, presidente  
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, afirma que: “Como  
a profissão é desprestigiada, a maioria daqueles que escolhem trabalhar como  
professor o faz porque o curso superior na área é mais fácil de entrar, barato e  
rápido” (Folha, 09 jun. 08).  
Mesmo internacionalmente, é o mercado que dita o que se deve formar nas  
universidades; as tendências mundiais atingem fatalmente os grandes centros  
brasileiros, seja por meio de mitos sociais, seja pelas solicitações do BM (Banco  
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Mundial). Em sua proposta original The Dividends of Learning (Dividendos da  
Aprendizagem), o Banco Mundial, impõe sua política de educação, requerendo  
das Universidades via MEC resultados das pesquisas desenvolvidas com ênfase  
no mercado inicialmente, e depois na escola e na aprendizagem de modo que é  
dever das instituições de ensino superior criar e ou desenvolver meios ampliar  
a formação de professores. O BM na visão de Barone (Ib) também “solicita”  
trabalhadores mais flexíveis, adaptáveis e com capacidade de aprender novas  
habilidades exigindo especial atenção financeira ao Ensino Básico.  
Para Haddad, o entendimento é de que o Estado deveria avaliar, e o mercado,  
por função, regular o seguimento privado. Nossa compreensão é de que o Estado  
deve sim avaliar e regular. Se não houver regulação do Estado, a tendência é o  
sistema competir no mercado por preço. Se houver efetiva presença do Estado,  
a tendência é que o sistema busque competir por qualidade(Folha, 26 Mar. 08).  
Em resumo, deve segundo o então, Ministro da Educação à época, existir uma  
inter-relação entre os segmentos de ensino, sendo o EB (Educação Básica) o  
mais importante desses, como ressalta Barone:  
[...] Para apoiar esta teoria utilizam-se estimativas – por meio de regressões  
estatísticas históricas – relativas ao aumento da renda de uma pessoa analfabeta (em  
cuja educação se investe determinada quantia), que seria proporcionalmente maior  
que o aumento de salário de um profissional com pós-graduação em cuja educação  
adicional fosse investido o mesmo montante. Por esta razão, o investimento na  
educação primária traria mais vantagens sociais do que na secundária e na superior,  
uma vez que, somando os maiores aumentos de rendas pessoais se conseguiria um  
incremento maior da renda nacional por unidade de valor adicional investida. Em  
análises deste tipo apóia-se a hipótese de que a vantagem ‘social’ coincidiria com a  
vantagem dos setores mais carentes (Barone, 2000, p. 10).  
Quando se pensa em EB o conjunto de medidas também deve ser global; as  
políticas públicas devem atingir a família como um todo e os agentes sociais têm  
a responsabilidade direta nisso (Guareschi et al., 2004).  
A relação entre pobreza e educação é complexa e, muitas vezes, cíclica,  
desta forma, o investimento em educação é frequentemente apontado como  
a principal estratégia para romper o ciclo de pobreza. Dados de um estudo  
desenvolvido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apontam que  
se a família permanecer por dois meses abaixo da linha que separa pobres e não-  
pobres, a chance de ultrapassar esse limite é de 50%. Após 15 meses, diminui  
e se estabiliza em 10%; aos três meses, a família tem 40% de possibilidade de  
abandoná-la e com um ano nessa condição, as chances declinam para 20%. Para  
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Lygia Cesar, da MCM, uma solução de curto prazo. “O ideal é ampliar o investimento  
em educação”, visando uma mudança estrutural e duradoura (Folha, 13 jul. 08).  
Para Barone (2000), volta a ideia de que a educação é elementar para a  
formaçãodoqueelachamadecapitalhumano”,adequadoaestanovamodalidade.  
O BM já indicou a EB como caminho para o aumento sustentável de taxas de  
crescimento econômico, a fim de superar as desigualdades e para construção de  
um espaço político estável.  
Em parte, a Grande Reforma educacional feita a partir de 1995, com a  
criação dos PCN`s (Parâmetros Curriculares Nacionais,), A LDB 9394/96, Siedsup,  
Programas de Avaliação como IDEB, ENEM e ENADE, o incremento do livro  
didático, e mais recentemente dos Lap Tops e a exacerbada privatização do ES,  
fez com que a redefinição educativa fosse pelo menos entendida no Brasil como  
um caminho real para o desenvolvimento.  
[...] Neste sentido, o caráter da reforma educacional está bastante afinado [...] com a  
reforma do Estado promovida pela área econômica e com suas orientações. O ministro  
vem mostrando bastante agilidade em cumprir os compromissos com o BIRD e o BID,  
e facilidade em obter os recursos para seus projetos, o que comprova as afinidades de  
orientações (Barone, 2000, s.p.).  
9
A CEPAL , pensado pelos economistas, sociólogos, planejadores, dentre  
outros, écontínuocomosorganismosinternacionaisaoafirmar:atransformação  
educativa passa a ser um fator fundamental tanto no exercício da moderna  
cidadania como para alcançar altos níveis de competitividade”. Para haver a  
integração da América Latina ao panorama econômico internacional é preciso  
criar parâmetros de competitividade dos produtos e serviços aqui produzidos.  
[A Cepal evidenciou que] O Brasil foi o país da América Latina que mais recebeu  
investimento estrangeiro direto (IED) no ano passado, com quase US$ 35 bilhões,  
superando o México, que liderou o ranking de 2006, segundo a Cepal (Comissão  
Econômica para a América Latina e o Caribe). O investimento estrangeiro no país  
cresceu 84% em 2007 em relação ao ano anterior e totalizou US$34,59 bilhões.  
O México recebeu US$23,23 bilhões, seguido por Chile, com US$14,46 bilhões, e  
Colômbia, com US$9,03 bilhões. Os investimentos no Brasil representaram quase um  
terço dos realizados na América Latina, US$105,93 bilhões (Cf. Folha, 09 Mai. 08).  
Conforme Barone (2000) a CEPAL ainda menciona que a educação como  
9 A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Con-  
selho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile. A CEPAL é uma das cinco  
comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). Foi criada para coordenar as políticas direcionadas à promo-  
ção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, coordenar as ações encaminhadas para sua promoção e  
reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo.  
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mecanismo importante para assegurar o acesso universal aos elementos de  
interpretação da modernidade. O maior desafio segundo os técnicos é fazer com  
queospaísese/ouempresassaibamacumulareaplicarconhecimentotecnológico,  
sendo a educação e escolarização as alavancas principais nesse processo. As  
Universidades Brasileiras devem passar a dominar mais expressivamente a  
difusão e inovação científico-tecnológica; também aponta a necessidade de se  
estabelecer um compromisso da sociedade civil com a Educação.  
O Fórum Econômico Mundial divulgou nesta quarta-feira o ranking de competitividade  
em Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC), no qual o Brasil aparece em 53º no  
geral e em terceiro lugar na América Latina. Entre os países latino-americanos, o país  
é superado apenas por Chile (31º) e México (49º). Também destacaram seu alto nível no  
uso da internet e dos computadores, além do chamado “governo eletrônico” e de um  
entorno de “e-empresas” muito dinâmico (Folha, 28 mar. 07).  
Essas informações estão em diálogo com informações de junho de 2008, “os  
brasileiros já haviam atingido o patamar dos 40 milhões no primeiro trimestre do  
ano, o que representa cerca de 22% da população do País”. Segundo pesquisa  
do Ibope, “são 41,565 milhões de maiores de 16 anos com acesso à rede mundial  
de computadores”. A categoria “e-Commerce” figurou na terceira colocação,  
pontuando com 4,7% de aumento em número de usuários, batendo a marca de  
visitas de 13,1 milhões de pessoas; seguido de “Telecom e Serviços de Internet,  
que cresceu 3,8% em número de usuários, atingindo 21,3 milhões de brasileiros;  
e de “Finanças, Seguros e Investimentos”, cujo crescimento no período atingiu  
3,7%, recebendo a visita de 9,2 milhões de brasileiros” (Yahoo Notícias, 2008).  
A partir de exemplos tidos como bem-sucedidos, renova-se a crença de  
que basta seguir o “receituário” para alcançar os mesmos resultados apontados  
nos documentos oficiais. No entanto, esse tipo de abordagem desconsidera o  
percurso histórico que moldou cada país e ignora as particularidades de seus  
contextos econômicos, sociais, políticos e culturais. Não há, ao que parece,  
espaço para refletir sobre as distintas relações que esses fatores estabelecem e  
nem sobre os efeitos que produzem nos processos educativos.  
Já citada Conferência Mundial de Educação para Todos”, realizada em  
Jomtien na Tailândia em 1990 em parceria com o UNICEF/PNUD, ressaltou  
o papel primordial da educação básica na estruturação dos países latino-  
americanos. Trata-se de elevar assim um dos quatro termômetros do IDH ou  
“Índice de desenvolvimento humano”; segundo o PNUD (Programa das Nações  
Unidas para o Desenvolvimento) Ipea, o Brasil que chegou em 1991 a um Índice de  
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Desenvolvimento Humano de 0,797, integra a lista dos países com alto Índice de  
Desenvolvimento Humano (IDH). Alcançou a marca de 0,8 numa escala que vai até  
1, entrando oficialmente na categoria de alto desenvolvimento humano. Segundo  
dados da ONU, a renda per capita da população em 2005 foi de US$8.402 ao ano,  
por brasileiro — valor ligeiramente superior ao registrado em 2004, que era de  
US$8.195.  
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)  
em uma pesquisa divulgada em 2006, indicou que dos 45 países cujos índices de  
repetência são superiores a 10%, o Brasil, com taxa de 21% (a pesquisa usa como base  
o ano de 2002), tem situação melhor apenas que 15 países, a maioria da África e do  
Caribe. O Camboja, por exemplo, tem 11%. Já o Haiti, 16%, e Ruanda, 19%. No Chile, o  
índice é de 2%, e na Argentina, 6%. A meta de 2004 a 2007 era diminuir de 9,3% para  
7% a proporção de alunos que repetem no EM, mas a taxa, porém, subiu para 17,6%. No  
estudo, os dados oficiais de 2007 mostram que 71% dos alunos que concluem o ensino  
médio têm dificuldades até para lidar com conceitos elementares, como subtração e  
porcentagem (Folha, 17 jul. 08).  
Tais indicadores têm influência direta, ou são uma parte do que se pode  
chamar de falta de perspectiva de futuro, pois de acordo com uma pesquisa  
feita no ano de 2008 com 11 mil jovens brasileiros, descobriu que dos medos e as  
expectativas que pesam na escolha da profissão, o medo da decepção: 33% dos  
jovens temem errar na escolha. “Passar o curso inteiro pensando se era aquilo  
que realmente eu queria fazer e aí ser um mau profissional” (JN, 28 jun. 08).  
Em junho de 2005, O BM divulgou um estudo que avalia a redução da pobreza  
em diversos países, destacando que a maior redução da pobreza ocorreu em  
países que mais investiram em educação. Neste mesmo relatório foi destacado  
por Malú Villela, embaixadora da Boa Vontade da Unesco na reportagem de 2005,  
que “não fosse o déficit educacional no Brasil, o número de pessoas pobres teria  
caído entre 35% e 50% em vez dos 24% registrados entre 1981 e 2001” e caso o  
país queira que os mais pobres aproveitem seu crescimento, de modo a ampliar a  
entrada as escolas de qualidade, é prioritário (Folha, 12 jul. 2005).  
Os estudos que têm sido desenvolvidos na América Latina, têm reiterado o  
ideáriodifundidopelosorganismosinternacionaisdequeasquestõesidentificadas  
em nosso sistema educacional precisam ser superados rapidamente, incluindo  
conquistas como a descentralização, gestão de qualidade, financiamento e  
avaliação da educação; sem, contudo, supervalorizar o papel da iniciativa privada  
na busca de soluções para a problemática educacional no país.  
Para Barone (2000), o “Relatório Delors”, o resultado dos debates que  
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ocorreram no âmbito da UNESCO no final da década de 90, retoma a educação  
voltada aos processos de desenvolvimento sustentável é um tema amplamente  
debatido por diversas agências e organismos internacionais. No entanto,  
destaca-se a necessidade de não tratá-la como um “remédio milagroso” — como  
se, sozinha, como se fosse capaz de resolver todas as questões enfrentadas  
pelos países.  
Nesse cenário, Pascal Lamy, então diretor-geral da OMC, reconhece os  
avanços de países emergentes como o Brasil, cuja atuação tem contribuído para  
a construção de um novo equilíbrio nas relações internacionais. Para ele, trata-  
se de um movimento sem volta. Inclusive, afirma ver como inevitável a entrada  
do Brasil no Conselho de Segurança da ONU — uma das principais metas da  
diplomacia brasileira no governo Lula (Folha, 23 dez. 2007).  
[...] muitas vezes atribui-se ao sistema de formação a responsabilidade pelo  
desemprego. A constatação só é justa em parte, e, sobretudo, não deve servir para  
ocultar outras exigências políticas, econômicas e sociais a satisfazer, se se quiser  
alcançar o pleno emprego ou permitir o arranque das economias subdesenvolvidas.  
Dito isto, e voltando à educação, a Comissão pensa que sistemas mais flexíveis, com  
maior diversidade de cursos e com possibilidades de transferências entre diversas  
categorias de ensino ou, então, entre a experiência profissional e o retomar da  
formação, constituem respostas válidas às questões postas pela inadequação entre  
a oferta e a procura de emprego. Tais sistemas levariam, também, à redução do  
insucesso escolar que [...] causa enorme desperdício de recursos humanos (Barone,  
2000, s.p.).  
Existe uma necessidade intensa de se resolver os problemas  
socioeconômicos. O relatório destaca a superação de diversas tensões ainda  
presentes nas sociedades atuais. Nesse contexto, propõe-se uma educação  
fundamentada em quatro pilares essenciais: aprender a conhecer 10, aprender a  
viver juntos 11, aprender a fazer 12 eaprender aser 13. Soma-seaissoanecessidade  
de garantir ao educando a possibilidade de fazer parte das múltiplas dimensões  
formativas: ética e cultural, científica e tecnológica, e econômico-social.  
10 Este tipo de aprendizagem visa nem tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio  
dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e uma finalidade da  
vida humana.  
11 Quando se trabalha em conjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, as diferenças e até os conflitos inter-  
-individuais tendem a reduzir-se, chegando a desaparecer em alguns casos.  
12 Aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais  
estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e,  
também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução? É a esta última  
questão que a Comissão tentará dar resposta mais particularmente.  
13 Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pen-  
samentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo,  
como agir nas diferentes circunstâncias da vida (Chomsky, 2005).  
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O desenvolvimento do país é, sem dúvida, responsabilidade do Estado. No  
entanto, não pode ser atribuição exclusiva dele. Cabe também às empresas —  
especialmente às multinacionais que atuam em território nacional e, muitas  
vezes, se beneficiam de uma força de trabalho barata — assumir o compromisso  
com a justiça social. A chamada “responsabilidade social” empresarial precisa,  
de fato, refletir-se na ampliação das oportunidades de educação de qualidade.  
Aos poderes públicos, por sua vez, cabe assegurar a estabilidade do sistema  
educacional e fomentar parcerias capazes de promover a inovação nas práticas  
educativas.  
Para o final dos anos 90, a UNESCO enfatiza a necessidade de que as políticas  
educativas promovam a inclusão dos excluídos, não mais através de medidas com-  
pensatórias como ocorria no passado, mas introduzindo modificações no sistema  
educativo comum que permitam ajustar o ensino às diferenças individuais, sociais e  
culturais. Ao mesmo tempo, destaca a importância de fortalecer a função do Estado  
para assegurar a igualdade de oportunidades (Barone, 2000, s.p.).  
Assim, deve-se questionar, como a política educacional brasileira, seja nas  
suas orientações, estratégias ou ações, se posiciona frente a tais desafios? Até  
que ponto a política educacional em andamento vem incorporando os marcos do  
mundo globalizado?  
O Plano Nacional da Educação frente ao Ensino Superior  
Responder às questões propostas acima, é ao mesmo tempo propor uma  
agenda de desenvolvimento setorial e cumpri-la com contínuos superávits. É  
dar respostas às novas solicitações, revisando a relação educação e trabalho.  
De outro modo, outrora, o país que dominava a baixa qualidade do sistema  
escolar. Esse fator associado a burocratização do sistema educacional, aliada à  
privatizaçãoclientelizaçãodaspolíticaspúblicasdaárea, bemcomoàexclusão  
da comunidade escolar e dos profissionais da educação dos processos decisórios  
e de gestão, acabou por comprometer — de forma estrutural — qualquer tentativa  
real de modernização do setor (Hanke, 1987).  
Já na década de 1990, apesar da crescente presença das inovações  
tecnológicas e da exigência por novas qualificações e competências, a educação  
vigente não conseguiu acompanhar plenamente tais transformações. É nesse  
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cenário que o debate sobre a qualidade da educação ganha centralidade neste  
novo século. Passa-se, então, a orientar esforços no sentido de reduzir os altos  
índices de repetência e evasão no Ensino Fundamental, implantar sistemas de  
avaliação, adequar os conteúdos às especificidades das populações atendidas,  
diminuir o número de alunos por sala, investir de forma efetiva na formação e  
valorização do corpo docente — com capacitação contínua, melhores salários  
e condições dignas de trabalho — e garantir o fornecimento de equipamentos e  
recursos básicos (Barone, 2000).  
Ainda para Barone (2000, s.p.) “Há [todavia] uma lógica de reformar sem  
aumentar as despesas, procurando adequar o sistema educativo às orientações  
e necessidades prioritárias da economia”.  
Repensar e pôr em prática a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), ampliar a  
intervenção do governo federal no financiamento para a educação, favorecendo  
a descentralização e municipalização do Ensino Fundamental, promover a  
valorização do Magistério (garantindo a transferência de verbas para o Ensino  
Fundamental dos Estados, Distrito Federal e Municípios) são os caminhos seguros  
para se promover uma real reforma educacional, para então se atingir aceleração  
de estudos e regularização do fluxo escolar, além do crescimento econômico.  
É igualmente necessário considerar o Plano Nacional de Educação (PNE) de  
2001, que estabeleceu metas e objetivos tanto para a educação básica quanto  
para o ensino superior. No que se refere a este último, ganha destaque a formação  
inicial e continuada de professores, evidenciando-se a urgência de políticas que  
promovam a valorização da carreira docente. Entre as diretrizes, incluem-se a  
ampliação de vagas em regiões com déficit de profissionais, a expansão da oferta  
de cursos no período noturno — fundamental diante do perfil trabalhador da  
maioria dos estudantes de licenciatura — e a integração entre ensino, pesquisa e  
extensão na formação. Além disso, torna-se indispensável incorporar temáticas  
transversais que dialoguem com a realidade escolar e social contemporânea,  
bem como garantir a preparação de professores para atuar nos contextos da  
educação especial, indígena e de jovens e adultos. (Brasil, 2001).  
Segundo Draibe (1999), a educação brasileira básica, bem como a do Ensino  
Superior, tem sido marcada por um conjunto de transformações estruturais  
e orientações voltadas à reorganização do sistema. Entre essas mudanças,  
destacam-se medidas relacionadas à redistribuição e descentralização de  
recursos, à busca por maior equilíbrio regional na aplicação dos investimentos,  
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bem como à aproximação com a sociedade civil por meio de parcerias. Além  
disso, enfatiza-se a modernização curricular, a diversificação das trajetórias  
profissionais, a criação de programas nacionais de formação de professores e a  
implantação de um sistema integrado de avaliação educacional.  
Nesse afã, a Unesco formulou a “Declaração de Paris”, documento produzido  
como síntese final de diferentes conferências regionais e da Conferência Mundial  
sobre o Ensino Superior, realizada em Paris, em outubro de 1998. Mais do que fixar  
metas claras sobre o que deve ou não deve ser feito, a declaração mostra que  
toda a humanidade enfrenta (e continuará enfrentando) problemas semelhantes  
nessa área. Ampliar a inlcusão d apopulação nesse nível de educação, equilibrar  
os investimentos públicos e privados, treinar profissionais ou formar cidadãos,  
relacionar o ensino à pesquisa (Cf. Folha, 12 out. 98). Os pontos abordados na  
Declaração de Paris, relacionados pela por Zanette à missão e dever da Educação  
Superior são os seguintes:  
Educar, formar e realizar pesquisas com estrita observância de garantir alta qualidade;  
2) Submeter todas as suas atividades às exigências da ética e do rigor científico  
e intelectual; 3) Cuidar da relevância da educação superior que deve ser avaliada  
em termos do ajuste entre o que a sociedade espera das instituições e o que estas  
realizam. Esta avaliação deverá levar em conta padrões éticos, imparcialidade  
política, capacidade crítica e uma melhor articulação com os problemas da sociedade  
e do mundo do trabalho; 4) Ampliar a contribuição da educação superior para o  
desenvolvimento do sistema educacional como um todo, especialmente por meio da  
melhoria da formação do pessoal docente; 5) Fortalecer a cooperação com o mundo  
do trabalho e analisar e prevenir as necessidades da sociedade; 6) Introduzir inovações  
que permitam o desenvolvimento de uma nova visão e novo paradigma que tenha seu  
interesse centrado no estudante. Para tanto, a política de acesso deve mudar para  
poder incluir categorias cada vez mais diversificados de pessoas; 7) Formar cidadãs e  
cidadãos bem informados e motivados, capazes de pensar criticamente e de analisar  
os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos; 8) Estabelecer  
políticastransparentesemrelaçãoaopessoaldocenteeaosestudantes.Osprofessores  
devem estar preocupados, sobretudo em ensinar seus estudantes a aprender e a  
tomar iniciativas, ao invés de serem unicamente fonte de conhecimento; 10) Estimular  
a parceria com base em interesses comuns, respeito mútuo e credibilidade. A parceria  
pode ser uma matriz estratégica para a renovação da educação superior (Zanette,  
2004, p. 4).  
Conforme esse artigo mostrou um pouco acima, investir em pesquisa é  
essencial para desenvolver a alteridade universitária e ampliar as verbas para a  
pesquisa. A Universidade Estadual de Goiás (UEG), por exemplo, onde os autores  
trabalham, têm investido em pesquisa e extensão; são cerca de 150 projetos  
de pesquisa nas mais variadas áreas, desenvolvidos por semestre. Para Jorge  
Werthein (apud Zanette, 2004, p. 5).  
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A universidade é semelhante a uma torre de vigia. Trata-se de um lugar privilegiado  
de observação da sociedade, localizada no seu topo. Dela se avistam as tendências  
e as perspectivas. Dela se pode partir para desenhar os horizontes do futuro. Futuro  
marcado não só pelos conhecimentos e competências, mas também pelos valores  
de aceitação da diversidade, da paz, da valorização do desenvolvimento humano, da  
igualdade e tantos outros.  
É preciso diminuir a distância entre o Estado e as suas Universidades,  
ampliando a ação do Governo para reverter o atual, más em alguns casos falta  
material humano para promover o crescimento; é o caso do ProUni (Programa  
Universidade para Todos) que no segundo semestre de 2008 teve sobra de 46.623  
bolsas oferecidas, o correspondente a 39,2% do total. No último processo seletivo  
do programa, foram oferecidas 118.871 bolsas, mas apenas 72.248 candidatos  
foram pré-selecionados (Cf. Folha 30 jun. 08).  
Na visão de alguns autores, é preciso reafirmar o compromisso e a confiança  
do país no real papel das Universidade para o desenvolvimento sustentável por  
meio de políticas claras, em que não participe apenas o Governo, mas também  
os atores envolvidos no processo: estudantes, docentes, reitores, governo e  
a sociedade civil organizada. O papel revolucionário da universidade não pode  
ceder em tudo às imposições do mercado que segundo Zanette (2004, p. 5),  
“a lei selvagem só permite a sobrevivência das carreiras mais lucrativas, dos  
estudantes mais prudentes, da investigação que corresponda aos anseios das  
empresas privadas e não o desenvolvimento do país”. Para a pesquisadora:  
O papel do Estado deve ser claro em todo este assunto: deve velar, por exemplo, por  
impedir o crescimento desordenado das instituições privadas, que buscam seu próprio  
lucro ao invés do desenvolvimento da nação, valorizando e investindo nas instituições  
pública, propiciando seu fortalecimento e crescimento no país, devendo também velar  
e controlar a qualidade dos cursos em todas as instituições [tanto privadas quanto  
particulares] (Zanette, 2004, p. 5).  
CONCLUSÃO  
Diante das reflexões apresentadas, este estudo demonstrou que as políticas  
educacionais brasileiras, especialmente no período de 2001 a 2008, embora alvo  
constante de reformas, diagnósticos e promessas de reestruturação, ainda  
sofrem com a distância entre as intenções políticas e a realidade concreta das  
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escolas e até mesmo das universidades. A recorrência a modelos externos, o  
predomínio do economicismo nas diretrizes curriculares, a descentralização  
sem o devido suporte técnico-financeiro, e a ausência de mecanismos efetivos  
de participação social, têm enfraquecido a materialização de uma educação  
verdadeiramente democrática, inclusiva e de qualidade. O que se constata é  
que políticas públicas mal estruturadas, muitas vezes guiadas por interesses de  
mercado ou por recomendações internacionais, desconsideram os contextos  
históricos, culturais e socioeconômicos locais, gerando mais descontinuidades  
do que avanços.  
Nesse cenário, torna-se imprescindível repensar a educação como política  
públicaarticuladaaumprojetosocialmaisamplo,quereconheçasuacentralidade  
na construção da cidadania e na redução das desigualdades. A valorização da  
formação docente, a ampliação de oportunidades educacionais em todos os  
níveis, a efetiva participação da sociedade civil nos processos decisórios e a  
superação de lógicas estritamente economicistas devem compor a agenda de  
prioridades para que a educação cumpra sua função transformadora.  
Mais do que preparar indivíduos para atender às demandas do mundo  
do trabalho, a educação deve afirmar-se como espaço de emancipação e de  
produção crítica do conhecimento, comprometida com a diversidade cultural, a  
justiça social e a inclusão. Somente assim será possível consolidar um sistema  
educacional democrático, capaz de responder às complexidades do presente e  
de projetar um futuro no qual o direito à educação seja plenamente assegurado e  
vivido como prática social de liberdade.  
A análise dos fatos e a observação de autores como Rosa Barone, Celito Luft,  
Berenice Corsetti e Santos, reforçam a tese de que a precarização da formação  
docente, a insuficiência de recursos e a privatização do ensino são sintomas de  
um modelo que privilegia o mercado em detrimento da equidade e da inclusão. A  
superação desses desafios não reside apenas na criação de novas políticas, mas  
em uma mudança de paradigma. A educação não pode mais ser tratada como  
panaceia ou vitrine de governos, mas como direito fundamental e alicerce para a  
transformação social.  
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EDUCAÇÃO, NEUROCIÊNCIA E LINGUAGEM: UM TRIPÉ FUNDAMENTAL PARA A FORMAÇÃO  
DE PROFESSORES ALFABETIZADORES  
EDUCATION, NEUROSCIENCE AND LANGUAGE: A FUNDAMENTAL TRIPOD FOR THE TRAINING  
OF LITERACY TEACHERS  
1
Márcia Friedrich  
htps://orcid.org/0009-0007-1638-5872  
htp://lates.cnpq.br/7823308595065001  
2
Kênia Bomtempo  
htps://orcid.org/0009-0001-2431-1829  
htp://lates.cnpq.br/6409847692106462  
3
Sangelita Miranda Franco Mariano  
htps://orcid.org/0000-0003-3895-4291  
htp://lates.cnpq.br/1240496516313247  
Recebido em: 02 de junho de 2025.  
Revisão final em: 05 de agosto de 2025.  
Aprovado em: 02 de setembro de 2025.  
htps://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23483  
1 Mestra em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Goiás (UFG), possui graduação em  
Ciências Naturais pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), graduação em Matemá-  
tica Lic. Plena pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), graduação em Pedagogia,  
especialização em Matemática e Física, especialização em Atendimento Educacional Especializado. Especialização em  
Administração Escolar com Ênfase em Ensino da Matemática. Especialização em Tecnologias/Tutoria de Educação a  
Distância. Professora concursada da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. Professora da Faculdade Impacto de  
Porangatu-FIP. E-mail: marciafriedrich@gmail.com  
2 Possui graduação em Licenciatura em Matemática e Bacharelado em Matemática Computacional pela Universidade  
Católica de Goiás (UCG), especialização em Educação Matemática pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e em Edu-  
cação Infantil. É Mestra em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda  
em Ciências e Educação Matemática pela UFG. Atualmente, é professora no Instituto Tecnológico Federal Goiano (IF  
Goiano) - Campus Morrinhos. E-mail: kenia.bomtempo@ifgoiano.edu.br  
3 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É especialista em Docência na Educação  
Superior pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestra e doutora em Educação pela Universidade Federal de  
Uberlândia (UFU). Atualmente, trabalha no Instituto Federal Goiano (IF Goiano) - Campus Morrinhos, como docente do  
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. E-mail: sangelita.mariano@ifgoiano.edu.br  
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RESUMO: O estudo aborda a relevância da capacitação do professor de alfabetização para reco-  
nhecer problemas de aprendizagem, enfatizando a função da neurociência no entendimento de  
distúrbios como a dislexia. Este é um estudo de estado do conhecimento, baseado em autores como  
Fonseca (2011), Relvas (2015) e Thies (2021). Destaca-se a importância de o professor entender as  
particularidades das disfunções e distingui-las das dificuldades de aprendizagem, planejando inter-  
venções apropriadas. Destaca-se também a relevância do envolvimento da família nesse processo.  
Palavras-chave: neurociências, formação dos professores, dificuldades de aprendizagem, trans-  
tornos de aprendizagem.  
ABSTRACT: The study addresses the relevance of training literacy teachers to recognize learning  
problems, emphasizing the role of neuroscience in understanding disorders such as dyslexia. This is  
a literature review study, based on authors such as Fonseca (2011), Relvas (2015) and Thies (2021).  
The study highlights the importance of teachers understanding the particularities of dysfunctions  
and distinguishing them from learning difficulties, planning appropriate interventions. The study also  
highlights the relevance of family involvement in this process.  
Keywords: neuroscience, teacher training, learning difficulties, learning disorders.  
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Ao iniciarmos essa reflexão, é importante repensar a educação como um  
campo que perpassa a sociedade de todas as formas, e em todos os momentos da  
história da humanidade. Desde os povos primitivos, a necessidade de organização  
e desenvolvimento para a sobrevivência e subsistência estava presente,  
tornando a transmissão de saberes essencial. Hoje, cada vez mais, a educação  
se faz necessária, não somente para alcançar o conhecimento científico, mas  
para compreender a essência do ser humano e o seu desenvolvimento diante das  
diversidades.  
Para estabelecer um recorte, focaremos o aspecto educacional escolar,  
desenvolvimento e compreensão da linguagem diante das dificuldades de  
aprendizagem de leitura e escrita. Nesse cenário, a formação do professor  
alfabetizador aflora de maneira imprescindível. Afunilando mais ainda, vamos  
tentar entender as disfunções da linguagem diante das questões cerebrais,  
ou seja, da neurociência. A compreensão desse aspecto, para os professores  
alfabetizadores, pode servir de alerta para possíveis dificuldades de estudantes,  
tratados como distraídos, desatentos, agitados, custosos, entre outros adjetivos  
comuns no contexto escolar.  
Portanto, o objetivo é estabelecer um caminho que aponte, por meio da  
bibliografia, a importância de nós, professores, conhecermos essa área tão  
importante que é a neurociência. Igualmente, destaca-se a alfabetização  
e a necessária formação desse professor que promove a alfabetização dos  
estudantes, buscando entender brevemente o funcionamento do cérebro e as  
áreas em que são processadas essas informações.  
Apesquisaconfigura-secomobibliográfica,decunhoqualitativo,comanálise  
de publicações acerca da temática. Os resultados apontam preliminarmente  
para a necessidade de o professor compreender os processos neuronais de  
desenvolvimento, além de disfunções como dislexia, disgrafia, disortografia  
e discalculia, o que é fundamental para um bom trabalho de alfabetização. É  
crucial que o professor alfabetizador tenha compreensão desses assuntos para  
que possa interferir adequadamente e proporcionar os recursos pedagógicos  
necessários para a alfabetização dos estudantes nessa fase.  
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BREVES PINCELADAS SOBRE ESTRUTURA CEREBRAL E LINGUAGEM  
O funcionamento do cérebro proporciona uma viagem a qualquer leigo que  
deseja se embrenhar na mágica estrutura desse órgão, bem como na percepção  
e compreensão do sistema nervoso central (SNC). É possível perceber a confusão  
terminológica em relação aos órgãos que compõem o SNC. O cérebro é a maior  
parte do encéfalo e onde se localizam as funções da linguagem (Thies, 2021). É  
também conhecido como córtex cerebral e é formado pelos neurônios, que são  
as células nervosas. Segundo Thies (2021), o córtex compõe-se de giros e sulcos,  
também conhecidos como dobras, presentes nos hemisférios cerebrais direito  
e esquerdo. Também está dividido em lobos, a saber: lobo frontal, lobo parietal,  
lobo occipital e o lobo temporal.  
Figura 1 – Representação dos lobos cerebrais.  
Fonte: Thies (2021, p. 26).  
Cada um desses lobos tem funções específicas.  
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Quadro 1 – Divisão do córtex cerebral  
Lobo Frontal  
Lobo Parietal  
Lobo Occipital  
Lobo Temporal  
[...] envolvido com  
a memória de curto  
[...] envolvido com a  
sensação somática,  
[...] está envolvido  
com a visão.  
[...] está envolvido  
com a audição  
e – por meio de  
suas estruturas  
profundas, o  
hipocampo e  
os núcleos da  
amígdala – com  
o aprendizado,  
a memória e a  
emoção.  
prazo e o planejamen- a formação de uma  
to de ações futuras,  
além do controle do  
movimento.  
imagem corporal e sua  
relação com o espaço  
extra pessoal.  
Fonte: Elaborado com base em Kandel et al. (2014 apud Thies, 2021).  
A autora ressalta ainda que, além das especificidades, o processamento das  
funções cerebrais está distribuído por todo o cérebro.  
A NEUROCIÊNCIA E A LINGUAGEM  
A linguagem no cérebro se conecta por meio de diversas áreas, entretanto,  
localiza-se de maneira lateralizada. Os hemisférios são ligados por estruturas que  
possibilitam uma interconexão importante para o desenvolvimento das áreas da  
linguagem, mesmo que parte dela se localize no hemisfério esquerdo.  
Popularmente, diz-se que a emoção está do lado esquerdo do cérebro,  
sendo uma cognição ligada à linguagem. Thies (2021) ressalta que a prosódia é a  
característica que confere emoção à fala, e a emoção nos proporciona diferentes  
entonações, algo muito importante na compreensão da linguagem.  
Os neurologistas Paul Broca e Karl Wernicke formularam teorias sobre a  
linguagem e o processamento no cérebro. Broca foi o primeiro a descobrir que a  
linguagem se processava no hemisfério esquerdo. Poucos anos depois, Wernicke  
formulou sua teoria do processamento distribuído, desenvolvendo o modelo  
inicial da linguagem (Thies, 2021).  
Por meio desses modelos, foi possível compreender que, inicialmente, o  
processoneuraldapalavrafaladaouescritaocorreemáreassensoriaisseparadas  
do córtex, especializadas em informação visual ou auditiva.  
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Essa informação é então retransmitida para uma área cortical associativa, o giro  
angular, especializado no processamento de informações tanto visuais quanto  
auditivas. De acordo com Wernicke, palavras faladas ou escritas são transformadas  
em um código sensorial neural, compartilhado tanto pela fala quanto pela escrita.  
Essa informação é retransmitida para a área de Wernicke, onde é reconhecida como  
linguagem e associada a seu significado. Essa informação também é retransmitida  
para a área de Broca, que contém as regras, ou gramática, para transformar a  
representação sensorial em uma representação motora que possa ser percebida como  
linguagem falada ou escrita. Quando essa transformação de representação sensorial  
em motora não ocorre, o paciente perde sua capacidade de falar e escrever (Kandel et  
al., 2014 apud Thies, 2021, p. 27).  
Dessaforma,épossívelafirmarqueasáreasresponsáveispeloprocessamento  
da linguagem são a Área de Wernicke e a Área de Broca.  
Segundo Thies (2021), a Área de Broca é responsável pela recepção  
da linguagem, processa os sinais auditivos recebidos e está envolvida na  
compreensão da fala. Como se localiza próxima ao giro angular e ao córtex  
auditivo primário, essa área também combina a entrada dos sons com outros  
sentidos, sendo responsável por controlar a produção da fala. Como está próxima  
à área motora, atua no controle de língua e boca, ou seja, do aparelho fonador que  
articula as palavras.  
As áreas não trabalham sozinhas, mas se complementam para realizar o  
trabalho da linguagem. A imagem a seguir ilustra as estruturas implicadas na  
linguagem.  
Figura 2 – Áreas de Broca e Wernicke  
Fonte: Thies (2021, p. 28).  
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Depreende-se, com base em Thies (2021), que a linguagem se processa  
primordialmente no hemisfério esquerdo, envolvendo as áreas de Broca e  
Wernicke e áreas adjacentes a essas duas principais. Hoje, é possível identificar  
o momento em que a linguagem acontece, isto é, observar o cérebro no momento  
da recepção ou emissão da linguagem oral ou escrita.  
É importante compreender as áreas envolvidas na linguagem para a  
aprendizagem das crianças em processo de alfabetização, pois, se houver algum  
distúrbio, os profissionais que conhecem o desenvolvimento da linguagem  
poderão identificar o problema, caso algo não esteja dentro do considerado  
normal na aprendizagem.  
METODOLOGIA  
A metodologia de uma pesquisa se caracteriza pelo percurso trilhado pelo  
pesquisador e pelo conjunto de ações realizadas para a consecução da pesquisa.  
Minayo (2001, p. 16) entende “por metodologia o caminho do pensamento e a  
prática exercida na abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa  
um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas”.  
A presente pesquisa é bibliográfica, visando à investigação em material  
teórico sobre a neurociência, a estruturação da linguagem e a importância  
desse conhecimento para a formação do professor alfabetizador, seus principais  
conceitos e teorias sobre o tema. De acordo com Gil (2002, p. 44):  
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído  
principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos  
seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas  
exclusivamente a partir de fontes bibliográficas.  
Assim, busca-se relacionar o tema estudado com a prática dos professores  
alfabetizadores e o necessário conhecimento sobre neurociência e linguagem.  
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DOSSIÊ  
A EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR  
A legislação educacional, mais especificamente a voltada à educação  
especial, prevê a inclusão irrestrita de todo cidadão aos bancos escolares, seja  
na escola regular ou especial. A educação está presente na vida do ser humano  
em todos os espaços da sociedade. Mas, quando se trata do campo escolar, a  
perspectiva muda.  
A educação básica no Brasil passa pela organização de diferentes elementos  
amparados legalmente, essenciais para o planejamento das ações inerentes ao  
campo escolar e para a fluidez do trabalho docente. A construção desse campo  
elenca saberes e práticas integradas à “[...] comunidade educativa para a  
superação progressiva dos desafios específicos de cada realidade observada na  
escola” (Lima; Silva; Tahim, 2017, p. 10).  
Os documentos normativos fundamentais para compreender a estruturação  
da educação básica são: a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a Lei de  
Diretrizes e Bases (LDB) (Lei n. 9.394/96), o Plano Nacional de Educação (PNE)  
(Brasil, 2014), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1997), as  
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) (Brasil, 2013), a Base Nacional Comum  
Curricular (BNCC) (Brasil, 2017) e documentos curriculares. De acordo com a  
LDB (Brasil, 1996), a educação abarca os processos formativos que ocorrem  
tanto no âmbito familiar quanto nos ambientes laborais, culturais, educacionais  
e de pesquisas, onde se estabelecem diversas interações humanas, bem como  
aqueles inseridos em movimentos sociais.  
A formação do professor alfabetizador acontece em nível de graduação no  
curso de Pedagogia, cuja atuação é direcionada para a Educação Infantil e o  
Ensino Fundamental – Anos Iniciais. A Educação Infantil é a primeira etapa da  
educação básica e visa a desenvolver aspectos físicos, emocionais, cognitivos e  
sociais das crianças com faixa etária de até cinco anos. Os espaços destinados  
a esse período educacional são as creches, para crianças de até três anos, e as  
pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos, onde os processos avaliativos  
ocorrem por meio de registros de seu processo de desenvolvimento. A segunda  
etapa é o Ensino Fundamental, ofertado de modo gratuito e obrigatório,  
compreendendo um período de nove anos de duração, tendo como finalidade  
formar cidadãos. A terceira etapa da educação básica é o Ensino Médio.  
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O nosso olhar se volta para a Educação Infantil, momento em que ocorre o  
primeiro contato das crianças com o campo escolar, e para o Ensino Fundamental,  
quando realmente acontece a alfabetização. Essas duas fases da educação  
formal são de responsabilidade dos municípios, que devem se preocupar com a  
organização,amanutençãoeodesenvolvimentodesistemasdeensinointegrados  
às políticas estaduais e federais, visando a garantir a oferta de educação infantil  
em espaços de creches e pré-escolas, com prioridade para o ensino fundamental.  
É nesse segundo momento, início da escolarização, que se torna necessário  
o olhar atento dos professores quanto ao desenvolvimento psicomotor das  
crianças. As dificuldades de interação, coordenação motora e relacionamentos  
da criança podem servir de alerta para identificar, caso ainda não tenha sido  
identificado, possíveis disfunções, que deverão ser acompanhadas com atenção.  
Alguns aspectos importantes da aprendizagem dependem de certo grau  
de desenvolvimento cognitivo, percepção visual suficiente com habilidade para  
diferenciar símbolos, capacidade de relacionar experiências anteriores com a  
fala e a escrita, bem como o interesse em aprender. Além disso, a aprendizagem  
escolar depende do desenvolvimento da linguagem oral e corporal, percepção  
auditiva e visual, senso espacial, análise, síntese e memória cinestésica.  
É comum que dificuldades de aprendizagem sejam confundidas com  
distúrbios de aprendizagem. Cabe esclarecer que o distúrbio de aprendizagem  
(transtorno) é um quadro de disfunção neurológica, enquanto a dificuldade  
de aprendizagem está relacionada a questões de âmbito psicológico e/ou  
sociocultural, ou seja, não é centrada exclusivamente na criança e somente  
pode ser diagnosticada em crianças cujo déficit de aprendizagem não se deva a  
problemas neurológicos.  
Segundo Ciasca e Rossini (2000, p. 13), a dificuldade de aprendizagem se  
caracteriza por “qualquer tipo de dificuldade apresentada durante o processo de  
aprender, em decorrência de fatores variados, que vão desde causas endógenas  
e exógenas”. O distúrbio se caracteriza pela perturbação de um processo, sendo  
que qualquer distúrbio implicaria uma perturbação na aquisição, utilização ou  
aplicação de habilidades cognitivas necessárias para a solução de problemas.  
Percebe-se que o termo tem um significado mais restrito em comparação com a  
dificuldade de aprendizagem, pois envolve uma disfunção específica, geralmente  
neurológica e/ou neuropsicológica (Gimenez, 2005).  
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Portanto a aprendizagem só é obtida quando esse conjunto trabalha de forma  
única, visando a um só propósito, o aprender. Essa compreensão é fundamental  
para o professor alfabetizador, pois ele terá como analisar o desenvolvimento  
das crianças. Trataremos de alguns distúrbios a seguir.  
OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM  
Os distúrbios de aprendizagem são caracterizados por problemas no sistema  
nervosocentralquefazemcomqueosindivíduostenhamdificuldadeemaprender  
conteúdos ou atividades específicas, tais como: ler, escrever ou fazer cálculos  
matemáticos. Segundo a Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição (CID  
– 10), da Organização Mundial de Saúde (OMS), tais distúrbios estão nos  
[...] grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e  
significativos no aprendizado de habilidades escolares. Estes comprometimentos no  
aprendizado não são resultados diretos neurológicos grosseiros, problemas visuais ou  
auditivos não corrigidos ou perturbações emocionais, embora eles possam ocorrer  
simultaneamente em tais condições (1993, p. 237).  
Os maiores problemas percebidos atualmente são os transtornos de  
aprendizagem, pois envolvem dinâmicas de atendimento não somente da família,  
mastambémdaescola.Verificam-sequandoosresultadosdetestespadronizados  
em matemática, escrita e leitura estão aquém dos resultados considerados para  
a idade da criança. De acordo com a 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico  
de Transtornos Mentais (DSM – IV) da Associação Psiquiátrica Americana (APA):  
Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do indivíduo  
em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática  
ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade,  
escolarização ou nível de inteligência. Os transtornos de aprendizagem podem persistir  
até a idade adulta (1995, p. 46).  
De acordo com o Comitê Misto Nacional sobre Dificuldades de Aprendizagem  
(NJCLD):  
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Distúrbio de Aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo  
de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso da audição, da  
fala, escrita e raciocínio matemático. Essas desordens são intrínsecas ao indivíduo  
e presume-se ser uma disfunção de sistema nervoso central. Entretanto, o distúrbio  
de aprendizagem pode ocorrer concomitantemente com outras desordens como  
distúrbio sensorial, retardo mental, distúrbio emocional e social, ou sofrer influências  
ambientais como diferenças culturais, instruções inapropriadas ou insuficientes.  
Porém, não são resultados diretos destas condições ou influências (Hammill, 1990, p.  
77).  
Os distúrbios de aprendizagem precisam ser identificados para que o  
trabalho seja direcionado para as reais dificuldades dos estudantes.  
A DISLEXIA  
O termo “dislexia” foi primeiramente citado pelo médico oftalmologista  
alemão Dr. Rudolph Berlin. Na busca por respostas sobre o que é dislexia, as  
pesquisas definiram também as dificuldades com as linguagens expressiva e  
receptiva, oral, escrita, leitura e soletração. Passados alguns anos, a linguagem  
matemática também foi incluída nessas dificuldades a serem estudadas. O  
entendimento sobre dislexia foi enriquecido pela contribuição do insight das  
Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner.  
De acordo com Fonseca (2011, p. 36), o conceito básico de dislexia expressa a  
“dificuldadedafalaoudadicção”. Trata-sedeumtranstornogenéticoehereditário  
da linguagem, de origem neurobiológica, que se caracteriza pela dificuldade de  
decodificar o estímulo escrito ou o símbolo gráfico. Ela compromete a capacidade  
de aprender a ler e escrever com correção e fluência e de compreender um texto.  
Em diferentes graus, os portadores desse transtorno congênito não conseguem  
estabelecer a memória fonêmica, isto é, associar os fonemas às letras.  
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia, o transtorno acomete  
de 0,5% a 17% da população mundial, pode se manifestar em pessoas com  
inteligência normal ou mesmo superior e persistir na vida adulta. A causa do  
distúrbio é uma alteração cromossômica hereditária, o que explica a ocorrência  
em pessoas da mesma família. Caracterizada por dificuldades no reconhecimento  
da palavra, nas áreas de leitura e escrita, é considerada um transtorno específico  
da aprendizagem.  
Segundo Fonseca (2011), na pré-escola, é possível identificar alguns sinais,  
tais como: depressão, falta de atenção, atraso na fala e na linguagem, dificuldade  
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em aprender rimas e canções, fraco desenvolvimento da coordenação motora  
fina, dificuldade com quebra-cabeças, falta de interesse por livros impressos.  
Já na idade escolar, a autora apresenta os seguintes sinais: dificuldade  
na leitura e na escrita, dispersão e desatenção, dificuldade em copiar textos  
tanto do quadro quanto dos livros, desorganização, falta de noção temporal e  
espacial, dificuldade na coordenação motora, vocabulário pobre. Esses sinais  
podem interferir consideravelmente na aprendizagem das crianças. Além disso,  
a escola precisa compreender essas dificuldades para poder atender às reais  
necessidades dessas crianças.  
Odiagnósticoéfeitoporumaequipedemédicos,psicólogos,psicopedagogos,  
fonoaudiólogos e neurologistas. Para ser feito o diagnóstico, é observada a  
ocorrência de deficiências visuais e auditivas, problemas emocionais, déficit  
de atenção, escolarização inadequada, entre outros fatores. Para chegar a  
um diagnóstico, deve-se atentar a alguns fatores, como o histórico familiar,  
características hereditárias, o percurso escolar do indivíduo, o desenvolvimento  
físico e cognitivo. É importante o diagnóstico precoce da dislexia, para que a  
crianças se desenvolvam buscando projetos de vida, sabendo que são capazes  
de seguir as carreiras profissionais que desejarem.  
A DISGRAFIA  
A disgrafia é caracterizada como um distúrbio funcional que compromete  
aspectos motores e perceptivos da escrita, afetando diretamente a fluidez, a  
formaealegibilidadedagrafia, sem, contudo, estarvinculadaadéficitscognitivos  
ou intelectuais. Conforme aponta Bastos (2011, p. 1), trata-se de uma dificuldade  
relacionada à escrita manual, cuja origem está frequentemente associada a  
falhas nos processos de desenvolvimento ou aquisição da linguagem escrita.  
Em muitos casos, a disgrafia é acompanhada de disortografia, levando algumas  
crianças a sobrepor letras na tentativa de ocultar erros ortográficos. Contudo,  
é importante frisar que nem todos os sujeitos com disgrafia apresentam essa  
comorbidade.  
Popularmente referida como “letra feia”, a disgrafia manifesta-se por meio  
de uma escrita lenta e de difícil leitura, decorrente da incapacidade de integrar  
adequadamente as informações visuais com os comandos motores necessários  
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à produção escrita. Podem ser identificados dois tipos principais de disgrafia:  
a motora, mais recorrente entre as crianças, e a disgrafia pura. A primeira  
refere-se à dificuldade de execução gráfica na formação de palavras e números,  
evidenciando limitações na coordenação motora fina.  
A disgrafia de origem emocional, também conhecida como disgrafia  
secundária ou reativa, é mais complexa de ser identificada, uma vez que sua  
manifestação decorre de fatores afetivos e psicológicos, como traumas ou  
situações de estresse vivenciados pela criança. Bastos (2011) observa que, nesse  
tipo de disgrafia, os traços gráficos tornam-se expressão simbólica de estados  
emocionais internos, podendo revelar aspectos da personalidade ou da condição  
psíquica do sujeito. Assim, a caligrafia adquire significados que ultrapassam a  
simples legibilidade: letras excessivamente pequenas podem sugerir retraimento  
ou insegurança; letras exageradamente grandes podem indicar necessidade  
de autoafirmação; e grafismos muito pressionados, que marcam as páginas  
seguintes do caderno, podem refletir tensão ou ansiedade. Tais manifestações  
podemserindíciosdequeháumarelaçãoentreaspectosemocionaiseaexpressão  
escrita da criança (Aleman; Diaz; Ferrer, 2024; Likforman-Sulem, 2017).  
É comum que os sinais da disgrafia só se tornem evidentes um ou dois  
anos após o início da aprendizagem da escrita, momento em que se espera  
maior estabilidade motora e refinamento da coordenação visomotora.  
Contudo, o reconhecimento precoce do distúrbio nem sempre ocorre, dado  
que o foco pedagógico frequentemente privilegia o desempenho cognitivo em  
detrimento dos aspectos motores da escrita. Conforme enfatiza Bastos (2011,  
p. 1), “as dificuldades de escrita geralmente são percebidas tardiamente, pois os  
professores se concentram mais no conteúdo que os alunos produzem do que na  
forma como escrevem”.  
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Figura 3 – Disgrafia  
Fonte: https://www.domlexia.org.br/post/2018/10/18/disgrafia-e-distorgrafia-o-que-%C3%A9-isso.  
Apesar de não haver, na maioria das vezes, um trabalho sistemático voltado  
à organização espacial durante a Educação Infantil, espera-se que as crianças  
desenvolvam precocemente uma escrita legível e organizada. Tal contradição  
configura-se como um desafio relevante no contexto educacional, sobretudo  
quandosetratadaidentificaçãoedotratamentodadisgrafia.SegundoRodrigues,  
CastroeCiasca(2009), aidademaisadequadaparainiciaraintervençãoéporvolta  
dos oito anos, momento em que a escrita tende a apresentar maior estabilidade.  
Quando não diagnosticada e acompanhada adequadamente, a disgrafia pode  
acarretar prejuízos significativos na vida adulta, incluindo dificuldades de  
comunicação escrita.  
Essas limitações tornam-se ainda mais evidentes em situações de alta  
exigência escrita, como vestibulares e outros processos seletivos, em que  
o tempo é reduzido e são solicitadas produções textuais extensas. Nesses  
contextos, indivíduos com disgrafia enfrentam desvantagens expressivas em  
relação aos demais candidatos. Cabe ressaltar que os sintomas da disgrafia não  
se restringem à caligrafia, podendo comprometer outros aspectos da produção  
escrita, o que amplia seus impactos no desempenho escolar e acadêmico.  
Alguns outros sinais de alerta podem ajudar os pais antes mesmo da  
alfabetizaçãodoslhos. SegundoRaquelCaruso, psicomotricistaecoordenadora  
da Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico (Edac), em São Paulo: “Se você  
leva a criança a uma festa junina, por exemplo, observe se ela tem ritmo para  
acompanharasmúsicas,memóriaparaxarospassoseatençãoaosmovimentos”  
(apud Goulart, 2010).  
Se observada alguma dificuldade nesse sentido, é hora de estimular a  
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prática de exercícios físicos como correr e nadar, além de brincadeiras como  
amarelinha, pintura e recorte para estimular a parte motora dos pequenos. A  
falta dessas atividades pode comprometer o tônus muscular, piorando a já difícil  
situação dos disgráficos.  
É importante ressaltar que a disgrafia não compromete o desenvolvimento  
intelectual da criança, nem é um indicador de que o quociente de inteligência  
(Q.I.) dela é baixo. Geralmente, os disgráficos são alunos muito inteligentes. A  
comunicação oral deles é muito boa, mas, na hora de colocar as ideias no papel,  
eles têm muita dificuldade.  
O diagnóstico da disgrafia costuma ocorrer apenas após um ou dois anos  
de escolarização, pois, nas fases iniciais, é comum a escrita apresentar traços  
irregulares. A identificação pode ser tardia, já que muitos professores priorizam  
o desempenho cognitivo e o conteúdo do que é escrito, em detrimento da forma  
como a escrita se desenvolve (Capellini; Tonelotto, 2003).  
Diversas estratégias podem ser adotadas para atenuar os prejuízos  
ocasionados pela disgrafia, especialmente aquelas voltadas ao aprimoramento  
dacoordenaçãomotoraedapercepçãoespacial. Atividadeslúdicasqueenvolvam  
movimentos amplos, como o uso de brinquedos do tipo “vai e vem”, jogos com  
peteca e práticas que estimulem o uso das mãos e punhos – a exemplo do  
manuseio de massinhas, argilas e materiais gráficos como giz de cera ou lápis de  
cor – revelam-se eficazes no estímulo à motricidade fina. Além disso, a inserção  
de práticas esportivas e recreativas, como voleibol, xadrez e brincadeiras com  
bola, contribui significativamente para o desenvolvimento da orientação espacial  
e do planejamento motor, elementos fundamentais para a melhoria da escrita.  
O tratamento da disgrafia, por sua natureza multifacetada, exige uma  
abordagem interdisciplinar que envolva profissionais especializados, como  
neurologistas, psicopedagogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.  
Essa articulação visa a compreender as especificidades de cada caso e propor  
intervenções integradas que favoreçam o processo de aprendizagem e o bem-  
estar da criança no ambiente escolar.  
A DISORTOGRAFIA  
A disortografia se caracteriza por um conjunto de erros da escrita que afetam  
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a palavra, mas não o seu traçado ou grafia, e nem sempre se repetem na leitura.  
Figura 4 - Disortografia  
Fonte: https://brinquedosterapeuticos.blogspot.com/2018/03/disortografia-voce-sabe-o-que-e-di-  
cas.html  
De acordo com Fernández et al. (2010, p. 3),  
[...] a disortografia é parte do quadro da dislexia do desenvolvimento. As crianças que  
apresentam dislexia do desenvolvimento possuem o sistema fonológico deficiente,  
ocasionando alterações na conversão letra-som. Assim, a correspondência letra-som  
não consegue ser armazenada, provocando leitura e escrita lenta, confusão entre  
palavras similares tanto na leitura como na escrita e alteração na compreensão da  
leitura e escrita ineficiente.  
Grande parte tem causa no atraso da linguagem ou no atraso global do  
desenvolvimento. A disortografia também é um problema encontrado na  
linguagem. A criança apresenta dificuldades em realizar a escrita e a fala, em  
lidar com todas as sinalizações gráficas e outros conhecimentos. Caracteriza-  
se pelas trocas, inversões, adições, junções e omissões. Troca de letras que se  
parecem sonoramente: faca/vaca, chinelo/jinelo, porta/borta. Há confusões de  
sílabas, como em encontraram/encontrarão; adições: ventitilador; omissões:  
cadeira/cadera, prato/pato; fragmentações: en saiar, a noitecer; inversões:  
pipoca/picoca; junções: No diaseguinte, sairei maistarde.  
Segundo Fernández et al. (2010), essas situações podem ser superadas e  
estão presentes no processo de apropriação do sistema ortográfico da língua.  
No caso de crianças com disortografia decorrente do quadro de transtorno de  
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aprendizagem, essas características não desaparecem com a progressão da  
escolaridade, mostrando-se persistentes.  
Orientações são importantes para o professor, que deve estimular a memória  
visual por meio de quadros com letras do alfabeto, números e famílias silábicas,  
adotando uma abordagem positiva para garantir o progresso da criança.  
A DISCALCULIA  
Caracteriza-se pela falha na aquisição e na habilidade de lidar com conceitos  
esímbolosmatemáticos, napráticadetranscrevernúmerosesinaiserradamente,  
no momento em que resolve um problema matemático, podendo estar associada  
à dificuldade com processamento de linguagem (dislexia). A criança apresenta  
lentidão no trabalho e não assimila os mecanismos necessários para a resolução  
de tarefas, tais como a tabuada decorada e as sequências decoradas. Além  
disso, apresenta problemas com orientação espacial: não sabe posicionar os  
números de uma operação na folha de papel, gasta muito espaço ou faz contas  
“apertadas” num cantinho da folha; tem dificuldade em lidar com operações  
básicas: soma, subtração, multiplicação e divisão; apresenta dificuldade na  
memória de curto e longo prazo, tabuadas, fórmulas; mostra dificuldade em lidar  
com grande quantidade de informações de uma vez só; faz confusão de símbolos  
(= + - : . < >). O estudante é capaz de compreender a matemática representada  
simbolicamente (3+2 = 5), mas é incapaz de resolver problemas com enunciados  
simples, por exemplo: “Maria tem três balas e João tem duas balas. Quantas balas  
eles têm no total?”  
Estratégias para trabalhar com estudantes com discalculia passam por  
permitir o uso de calculadora e tabela de tabuada; uso de caderno quadriculado;  
aplicar provas com questões claras e diretas, reduzindo o número de questões;  
permitir fazer prova sozinho, sem limite de tempo e com um tutor para certificar  
que entendeu as questões; fazer prova oralmente, desenvolvendo as expressões  
mentalmente e ditando para que alguém transcreva; moderar a quantidade de  
lição de casa (Moraes, 2025).  
Além disso, o estudante apresenta dificuldade em visualizar conjuntos  
de objetos dentro de um conjunto maior e conservar a quantidade. Apresenta  
dificuldades como: entender e usar os sinais de soma, multiplicação e os demais;  
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sequenciar números, como o que vem antes do 11 e depois do 15 (antecessor e  
sucessor); classificar números; contar por meio dos números cardinais e ordinais.  
Depreende-se a importância de o professor compreender esses distúrbios  
para subsidiar o seu trabalho.  
CONSIDERAÇÕES FINAIS  
Em muitas situações em que os distúrbios da linguagem são apontados pelo  
professor, a relação entre os pais e filhos já está bastante desgastada, pois os pais  
acreditam que os filhos não querem estudar, são preguiçosos e desinteressados.  
São chamados constantemente na escola para ouvir reclamações de professores  
a respeito da falta de atenção e desinteresse de seus filhos. Quando são realizadas  
as avaliações e exames, ficam aliviados ao saber que seus filhos têm o mesmo  
potencial que todas as outras pessoas. A partir desse diagnóstico, a família  
pode desempenhar atividades que ajudam na escrita e na leitura das crianças,  
juntamente com a escola (Carneiro, 2011 apud Pureza, 2018).  
As crianças com distúrbio de aprendizagem percebem o incentivo familiar  
e desenvolvem opinião positiva sobre si mesmas, acreditando cada dia mais na  
sua capacidade. A família deve organizar uma rotina, para facilitar e incentivar  
a organização da criança, criando horários para a leitura, para brincar, jogar,  
estudar, etc... “É importante que a família veja os seus filhos não mais a partir das  
dificuldades que eles têm, mas sim a partir das habilidades que eles apresentam”  
(Carneiro, 2011 apud Pureza, 2018, p. 21).  
É o professor um dos primeiros a lidar com um estudante com dificuldade  
de aprendizagem. Por isso, ele deve ser observador e ficar atento a cada um e  
a suas formas de aprendizagem, principalmente nos anos iniciais, para poder  
auxiliar no desenvolvimento posterior desse estudante. O diagnóstico imediato  
é fundamental para iniciar o processo de intervenção. Estar sempre aliado ao  
psicopedagogo irá qualificá-lo mais para suas ações diante da situação vivida.  
Segundo Cogan (2002), os professores precisam considerar que os  
estudantes com transtornos podem ser bem-sucedidos na escola. Ao adotarem  
diferentes práticas pedagógicas, com abordagens diferenciadas dos conteúdos,  
eles conseguem promover uma visão positiva da leitura, dado que, nesse domínio,  
a frustração pode levar a uma motivação reduzida para aprender a ler.  
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O professor terá que adaptar sua ação pedagógica ao estudante para que  
este aprenda juntamente com os colegas e deve criar estratégias para motivar a  
aprendizagem. Ele precisa demonstrar simpatia, ser atencioso e compreensivo,  
pois assim ele conquistará a confiança e o afeto tanto do estudante como dos  
pais, o que fará toda a diferença na vida e no desenvolvimento do aluno.  
O estudante disléxico não consegue associar a escrita de uma letra ao som,  
sendo incapaz de reunir escrita, fala e audição. Os ensinos que utilizam esses  
métodos serão falhos. Oliveira, Zutião e Mahl (2020, p. 11) apontam que:  
Quando as dificuldades de aprendizagem se manifestam, o professor tem o desafio de  
observar a criança, auxiliar na aprendizagem dela, desenvolver aulas diversificadas  
para que ela se desenvolva de forma integral, utilizando diferentes estratégias.  
Torna-se fundamental que o educador seja capaz de identificar nas crianças  
indícios de possíveis dificuldades ou distúrbios de aprendizagem, adotando uma  
postura investigativa e sensível frente às particularidades de cada estudante. É  
imprescindível o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que promovam a  
inclusão, respeitando as especificidades individuais e buscando compreender as  
formas pelas quais cada criança pode alcançar uma aprendizagem significativa.  
É de extrema importância observar as formas de ensino que chamam a  
atenção do estudante, como aquelas que conseguem associar a problemática do  
conteúdo a um desenho, ou até mesmo a questões matemáticas. Uma delas é o  
método multissensorial, que une a questão visual, sinestésica e tátil do estudante  
para promover sua aprendizagem.  
Considera-se, portanto, que a educação e a neurociência andam juntas.  
Para o professor alfabetizador, é fundamental essa compreensão para que a  
alfabetização ocorra com o desenvolvimento adequado da linguagem em cada  
caso.  
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DOSSIÊ  
EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS DE PRECARIZAÇÃO: ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS  
DE APOIO NA REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA  
INCLUSIVE EDUCATION IN TIMES OF PRECARIZATION: AN ANALYSIS OF HIRING POLICIES FOR SUPPORT  
PROFESSIONALS IN THE METROPOLITAN REGION OF GOIÂNIA (BRAZIL)  
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias1  
https://orcid.org/0000-0003-3476-8109  
http://lattes.cnpq.br/3100475653423566  
Yara Fonseca de Oliveira e Silva2  
https://orcid.org/0000-0001-5725-478X  
http://lattes.cnpq.br/1269420694190937  
Carlos Eduardo Candido Pereira3  
https://orcid.org/0000-0002-9871-0160  
http://lattes.cnpq.br/7698913311024550  
Edna Maria de Jesus4  
https://orcid.org/0000-0003-3498-4290  
http://lattes.cnpq.br/2527154939418859  
Maria José do Nascimento5  
https://orcid.org/0000-0002-4113-2494  
http://lattes.cnpq.br/5024316847625975  
6
Sonilda Aparecida de Fátima Santos  
https://orcid.org/0000-0001-7760-5065  
http://lattes.cnpq.br/2784078586568046  
1 Professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Câmpus Sudoeste – Sede: Quirinópolis, no curso de Pedagogia.  
Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Graduada em Pedagogia  
pela Faculdade Alfa América. Doutora e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-  
-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Instituto Adventista de São Paulo e em Educação Socioemocional  
pelo Instituto Brasileiro de Formação de Professores. Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de  
Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: jackiglesias@gmail.com  
2 Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ). Mestre em Educação pela Universidade Federal de  
Goiás (UFG). Especialista em Psicopedagogia (ULBRA/RS) e em Avaliação Institucional (UEG/GO). Graduada em Peda-  
gogia (PUC-GO). Atua como professora titular da Universidade Estadual de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa Políticas  
Educacionais e Formação de Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: yara.silva@ueg.br  
3 Doutor em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Educação Escolar pela mesma  
instituição. Licenciado em Pedagogia pela UNESP. Atualmente, atua como professor formador na área da Educação Infantil  
na rede municipal de Fortaleza/CE. Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Formação de Professores da  
GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: candidounesp@gmail.com  
4 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialização em Língua Portuguesa e em Educação  
Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (IFG em parceria com UFG) e  
mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Doutora em Educação pela PUC Goiás.  
Atualmente é professora da Associação Pestalozzi - Unidade Pró-Labor da Seduce-GO; do Instituto Aphonsiano de Ensino  
Superior (IAESup) e do Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA). Membro do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais  
e Formação de Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: ednamariajesus20@gmail.com  
5 Doutoranda em Educação, Linguagem e Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Mestre em Educação  
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Docente Aposentada das Redes Estadual de Educação de Goiás e  
Municipal de Educação de Goiânia. É membro do Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos. Membro dos Grupos de  
Pesquisa “Políticas Educacionais e Formação de Professores” da GPEFORP/CNPq/UEG/ GO. E-mail: nmariaj@gmail.com  
6 Doutora em Educação pela Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural pela  
mesma instituição. Graduada em Pedagogia pela Universidade Evangélica de Goiás - Câmpus de Ceres. Docente aposentada  
da Secretaria Estadual de Educação. Coordenadora Pedagógica e Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Dinâmica  
(FACDIN). Membro dos Grupos de Pesquisa “Políticas Educacionais e Formação de Professores” da GPEFORP/CNPq/  
UEG/GO. E-mail: sonilda1000@gmail.com  
62  
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DOSSIÊ  
Recebido em: 02 de junho de 2025.  
Revisão final: 17 de agosto de 2025.  
Aprovado em: 27 de setembro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23485  
Resumo: O estudo busca refletir dentro do contexto de políticas neoliberais a formação  
de professores na educação pública em Goiás com foco na inclusão de estudantes com  
deficiência. Por ser a formação de professores considerada como um elemento fundamental  
para a inclusão educacional e nesse contexto ser o trabalho desse profissional alvo de  
precarização e desvalorização. Portanto, questiona-se em que medida a formação de  
professores tem sido precarizado no contexto de neoliberalismo e educação inclusiva? A  
lógica neoliberal reduz investimentos, dificultando a qualificação docente e a implementação  
de práticas inclusivas. A análise de editais revela exigências mínimas para funções essenciais,  
reforçando um modelo assistencialista. Divergências entre diretrizes pedagógicas e práticas  
administrativas evidenciam fragilidades na gestão pública. O estudo aponta a necessidade  
de políticas que fortaleçam a qualificação e os investimentos na educação inclusiva.  
Palavras-chave: neoliberalismo, inclusão educacional, formação de professores.  
Abstract: This study examines teacher training in public education in Goiás (Brazil), focusing  
on the inclusion of students with disabilities, within the context of neoliberal policies. Teacher  
training is considered a fundamental element for educational inclusion, yet the work of  
these professionals is subject to precariousness and devaluation. Therefore, the question  
is: to what extent has teacher training been undermined in the context of neoliberalism  
and inclusive education? Neoliberal logic reduces investment, hindering teacher qualification  
and the implementation of inclusive practices. Analysis of the public notices reveals  
minimum criteria for essential functions, reinforcing a welfare-based model. Discrepancies  
between pedagogical guidelines and administrative practices highlight weaknesses in public  
management. The study highlights the need for policies that strengthen qualification and  
investment in inclusive education.  
Keywords: neoliberalism, educational inclusion, teacher training.  
63  
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DOSSIÊ  
EstetrabalhotratasobreaeducaçãopúblicaemGoiás, comfoconoprofessor  
e na inclusão de estudantes com deficiência, em um momento de relevância,  
marcado pela forte influência do modelo neoliberal na educação, no qual decisões  
pedagógicas, curriculares e institucionais são cada vez mais moldadas por  
lógicas políticas e, sobretudo, econômicas. Esse cenário afeta profundamente,  
tanto instituições públicas, quanto privadas, interferindo na estrutura curricular,  
nas diretrizes educacionais e nas práticas pedagógicas diárias. Nesse  
contexto, torna-se impossível ignorar o impacto do neoliberalismo na chamada  
educação inclusiva. A inclusão de estudantes com deficiência, transtornos do  
desenvolvimento - como o autismo - ou outras condições específicas em escolas  
regulares tem sido tema de crescente debate e visibilidade.  
De acordo com Santos (2008) a escola tem papel importante na investigação  
diagnóstica, uma vez que é o primeiro lugar de interação social da criança  
separada de seus familiares. É onde a criança vai ter maior dificuldade em se  
adaptar às regras sociais - o que é muito difícil, por exemplo, para um estudante  
autista e para os docentes. Para o mencionado autor, um dos fatores que pode  
contribuir com a inclusão escolar é a formação docente. Essa pauta constitui-se  
numa ferramenta que possibilita ao professor uma compreensão ampliada das  
situações que acontecem no processo de ensino-aprendizagem, favorecendo  
novas concepções, novas metodologias e reflexões que serão fundamentais para  
a ação pedagógica. Dado isso, a formação docente é considerada como um dos  
elementos de inclusão de alunos com deficiência, porém, não é suficiente para  
superar todos os obstáculos existentes na sala de aula e no sistema de ensino,  
pois a escola possui os próprios problemas estruturais em relação ao acesso e  
escolarização.  
DeacordocomOliveira,DaSilvaFeitosaeDaSilvaMota(2020),asdificuldades  
enfrentadas pelos docentes na educação inclusiva impactam diretamente em  
suas práticas pedagógicas. Embora as políticas públicas evidenciem os direitos  
das pessoas com deficiências, em busca da promoção do acesso igualitário à  
educação de todos, percebe-se que apenas os documentos não garantem a  
efetividade da inclusão. Assim, a questão norteadora é a seguinte: Em que medida  
a formação de professores tem sido precarizada no contexto de neoliberalismo e  
educação inclusiva?  
Ressalta-se que o simples rótulo de “escola inclusiva” não basta se o sistema  
educacional como um todo não oferece condições reais para essa inclusão. A  
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DOSSIÊ  
garantia de um ensino verdadeiramente acessível exige investimentos, formação  
continuada dos profissionais, compromisso coletivo e políticas públicas  
consistentes.  
Entre os desafios mais evidentes está a falta de formação adequada dos  
profissionais responsáveis pelo atendimento educacional especializado. Muitos  
ingressam nessa função sem o preparo técnico e pedagógico necessário para  
assegurar uma inclusão de qualidade, conforme estabelecem os marcos legais  
e normativos da educação brasileira. Como resultado, para Faleiros e Faleiros  
(2008) as denúncias de negligência, exclusão e até maus-tratos contra crianças  
com deficiência no ambiente escolar têm se tornado cada vez mais frequentes.  
Diante dessa realidade, este trabalho objetiva refletir dentro do contexto de  
políticas neoliberais os impactos e ou a precarização na formação de professores  
e na educação inclusiva  
Esse estudo utiliza a metodologia do estudo de caso tendo como recurso a análise  
documental. Para tanto, busca analisar criticamente os editais mais recentes de  
contratação desses profissionais, buscando compreender os critérios exigidos,  
as qualificações solicitadas e sua possível adequação aos princípios da educação  
inclusiva. A pesquisa se fundamenta na análise das condições de trabalho, da formação  
oferecida e das contradições que emergem ao tentar promover a inclusão dentro de  
um contexto neoliberal.  
Portanto, o estudo trata de conhecer quem são os profissionais de apoio que  
atuam na educação inclusiva nas cidades da região metropolitana de Goiânia-  
GO. E avalia a relação entre o que se demanda e o que se faz na função de apoio  
educacional e se o perfil do profissional de apoio corresponde às demandas  
específicas dos estudantes com deficiência. Pois, busca compreender se tais  
ações são inerentes às decisões políticas que se aproximam da perspectiva  
neoliberal e que culmina no enfraquecimento do Estado mínimo, a fim de analisar  
ascondiçõesdetrabalho, daformaçãooferecidaedascontradiçõesqueemergem  
ao tentar promover a inclusão escolar.  
Neoliberalismo e Educação: Impactos e precarização na Formação de Professores e na Educação  
Inclusiva  
O neoliberalismo, enquanto modelo econômico e político, tem exercido uma  
influência significativa sobre as políticas educacionais, impactando diretamente  
a formação de professores e a educação para pessoas com deficiência. Segundo  
65  
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DOSSIÊ  
Felipe, Cunha e Brito (2021), as diretrizes para a formação docente no Brasil  
foram reformuladas sob uma lógica neoliberal, enfatizando princípios gerenciais  
e mercadológicos, sendo que essa abordagem tende a minimizar a dimensão  
crítica da formação dos docentes, priorizando competências técnicas voltadas  
ao mercado de trabalho.  
No contexto da educação inclusiva, Carvalho e Nogueira (2023) analisam  
como a formação de professores para atuar na educação especial ocorre sob  
influência de diretrizes neoliberais, frequentemente caracterizadas por uma  
visão utilitarista e generalista da docência. Para assegurar uma educação  
inclusiva de qualidade, torna-se essencial que a formação inicial e continuada  
dos professores contemple os aspectos técnicos, mas também uma abordagem  
reflexiva e crítica, capacitando-os para atuar com a diversidade.  
Para além, Santos e Silva (2017) examinam as políticas de formação docente  
na educação especial e inclusiva, destacando que a pedagogia produtivista do  
neoliberalismo pode contribuir para a precarização da carreira docente e para  
a alienação dos profissionais. Dessa forma, a formação dos professores deve se  
fundamentar em princípios teórico-práticos que possibilitem uma compreensão  
ampla do processo educacional, evitando uma mera adaptação às exigências do  
mercado.  
Diante desse cenário, as políticas educacionais devem equilibrar os desafios  
impostos pelo neoliberalismo com a necessidade de uma formação docente que  
valorize a inclusão e o desenvolvimento crítico dos educadores. A educação para  
pessoas com deficiência deve seguir princípios que garantam equidade e acesso  
à aprendizagem, sem que a lógica mercadológica comprometa sua qualidade.  
Buscando compreender as origens dessa forma de sistematizar o  
neoliberalismo, porém, na perspectiva das ações dos Estados Nacionais,  
Howlett, Ramesh e Perl (2013) apontam que os governos tomam decisões dentro  
do processo de formulação de políticas públicas (policy making), conferindo-lhes  
caráter oficial.  
As políticas públicas podem ou não ser influenciadas por outros atores, como  
a comunidade científica e diversas instituições. Para os autores, os governos têm  
autonomia para decidir se atuarão ou não em determinada questão, podendo,  
assim, manter ou modificar o status quo. Essas decisões representam escolhas  
estratégicas do governo, que podem resultar em benefícios ou desafios. Um  
exemplo ilustrativo é a elaboração de um auxílio a determinada camada da  
66  
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DOSSIÊ  
população, pois essa ação pode justificar um aspecto (por exemplo, redução da  
evasão escolar), mas também pode acarretar novos dilemas (como o uso indevido  
pelo beneficiário).  
Para Howlett, Ramesh e Perl (2013) as decisões políticas não devem ser  
tomadas sem considerar múltiplas dinâmicas, cenários e possibilidades de ação,  
uma vez que são inter-relacionadas. Dessa forma, o governo é visto como um  
agente de decisão que, apesar de estar sujeito a limitações como restrições  
financeiras, pode superar desafios por meio de uma percepção estratégica e  
orientada a objetivos, sejam tais governos de posição central, de direita ou de  
esquerda.  
Nesse contexto, o neoinstitucionalismo emerge como uma abordagem  
teórica da Administração voltada para a compreensão do papel das instituições  
na formulação de políticas e na organização social. Essa perspectiva surgiu  
como uma reação às escolas comportamentalistas e institucionalistas clássicas  
da administração, enfatizando que as instituições não são meros reflexos da  
sociedade, já que moldam ativamente o comportamento dos indivíduos e a  
tomada de decisões políticas. Sabe-se que governos, imbuídos pela sua vocação  
ideológica e partidária absorvem enfaticamente tais aspectos.  
Segundo Muller (2002, p. 39), as instituições não são apenas reflexos da  
sociedade ou produtos das lógicas individuais, tampouco fatores exógenos ao  
jogo político, à seleção de líderes e à distribuição de recursos. O autor identifica  
doiselementoscentraisdessacorrente:(a)asinstituiçõescomofatoresdeordem  
e (b) a política como interpretação do mundo, permitindo ao Estado interagir com  
diversos atores sociais e globais.  
No que se refere às políticas públicas, o neoinstitucionalismo define  
sistemas de interpretação da realidade nos quais diferentes atores públicos e  
privados inscrevem suas ações (Muller, 2002, p. 44). O autor aponta, como forma  
apenas de mencionar, três formas de pensar políticas públicas nessa abordagem,  
chamadas de “lógicas de posicionamento”: paradigmas, sistemas de crenças e  
referenciais. Essa perspectiva contribuiu para avanços nas teorias científicas,  
à exemplo do keynesianismo, que fortalece a ideia do Welfare State (Estado de  
Bem-Estar Social).  
O Welfare State desempenhou um papel essencial na política educacional  
brasileira desde o século XX, garantindo o acesso à educação como um direito  
social. Esse modelo estatal visa assegurar padrões mínimos de qualidade de vida  
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para a população, abrangendo áreas como saúde, previdência e educação, por  
meio de políticas públicas financiadas pelo Estado, o que se configura na própria  
Constituição Federal de 1988, pois nela prevê-se o mínimo à saúde, assistência  
social, educação, dentre outros direitos sociais.  
Contudo, segundo Oliveira, Rocha e Nobre, (2023), o modelo de Estado  
de Bem-Estar Social enfrenta desafios, especialmente diante das pressões  
neoliberais que buscam reduzir a atuação estatal na educação e incentivar a  
privatização do ensino. Essa transição pode comprometer a equidade no acesso  
à educação, ampliando desigualdades sociais e dificultando a inclusão de grupos  
vulneráveis, como as pessoas com deficiência.  
Para atribuir substância ao que se apresenta é importante mencionar que,  
no mundo globalizado, o Brasil, mesmo garantindo o mínimo pelo Welfare State,  
se vê obrigado a participar do jogo econômico do neoliberalismo, acatando com  
frequência as demandas de órgãos como Banco Mundial, Organização Mundial  
do Comércio, UNESCO e, mais recentemente, instituições privadas que dão  
mais credibilidade a decisões, tais como Fundação Lemann, Fundação Roberto  
Marinho, ao invés de instituições específicas de pesquisa como universidades,  
centros de pesquisa, acadêmicos, etc.  
Todavia, para justificar, no caso brasileiro nos últimos anos, pautas  
importantes, emespecialàEducação, têmcadoacargodePolíticasdeGovernoe  
não Políticas de Estado, menciona-se a abordagem do ciclo de políticas, discutida  
por Mainardes (2006). Essa teoria defende que as políticas educacionais não são  
processos lineares e estáticos, mas sim trajetórias dinâmicas, influenciadas por  
diferentes contextos e atores ao longo do tempo. Mainardes (2006) identifica  
cinco contextos que interagem na formulação e implementação de políticas: o  
contexto de influência, em que grupos de interesse moldam a agenda política; o  
contexto da produção do texto, momento em que as políticas são formalizadas  
em documentos oficiais; o contexto da prática, fase em que as políticas são  
implementadas e reinterpretadas por professores e gestores; o contexto dos  
resultados, que avalia os impactos das políticas na educação; e o contexto da  
estratégia política, onde ajustes e reformulações são realizados conforme  
os desafios encontrados. A abordagem do Ciclo de Políticas, então, permite  
uma análise mais aprofundada das políticas educacionais, reconhecendo que  
sua aplicação não é homogênea e que diferentes atores podem modificar sua  
interpretação.  
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DOSSIÊ  
Na educação especial, essa perspectiva é fundamental, pois destaca que a  
implementaçãodepolíticasinclusivasdependedaadaptaçãofeitaporprofessores  
e gestores. Muitas vezes, políticas que promovem a inclusão enfrentam desafios  
como: falta de recursos, formação inadequada dos docentes e resistência  
institucional.  
No que se refere à formação de professores, a abordagem do ciclo de  
políticas reforça a importância de uma preparação docente que vá além da  
técnica, promovendo reflexão crítica e adaptação às necessidades dos alunos.  
Os professores não são apenas aplicadores de políticas educacionais, mas  
sim agentes que as interpretam e ajustam conforme o contexto escolar. Essa  
visão reforça a necessidade de uma formação que desenvolva a capacidade  
dos docentes de analisar e transformar a prática educativa, garantindo que as  
políticas educacionais sejam efetivamente implementadas.  
Assim, a abordagem do ciclo de políticas se apresenta como um instrumento  
valioso para compreender como as políticas são formuladas, implementadas e  
adaptadas ao longo do tempo, especialmente no contexto da educação especial  
e da formação de professores. Evidencia-se que as políticas educacionais não  
podem ser vistas apenas como normas rígidas, mas como processos dinâmicos  
que envolvem múltiplos fatores e atores sociais.  
Educação Inclusiva no Brasil: princípios e marcos legais  
De acordo com Iglesias (2024), a construção de uma educação inclusiva teve  
como marco inicial a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada  
em Jomtien, na Tailândia, em 1990. Nessa ocasião, diversos países assumiram  
o compromisso de promover a inclusão de estudantes com deficiência,  
reconhecendo a necessidade de adaptações nos espaços escolares para garantir  
a igualdade de oportunidades. Esse compromisso foi reforçado em 1994, na  
Espanha, com a Declaração de Salamanca, um documento fundamental para o  
desenvolvimento da Educação Especial e Inclusiva ao redor do mundo. Desde  
então, várias iniciativas internacionais ampliaram esse debate, destacando-se:  
Convenção de Guatemala (1999); Carta para o Terceiro Milênio (1999); Declaração  
de Madri (2002); Declaração de Caracas (2002); Declaração de Sapporo (2002);  
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006); Declaração de  
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DOSSIÊ  
Incheon (2015) que volta ações à Agenda 2030.  
No Brasil, avanços significativos foram alcançados por meio de legislações  
e políticas públicas que assegurem a inclusão educacional. Entre os principais  
marcos, destacam-se:  
Constituição da República Federativa do Brasil (1988);  
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (1996);  
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1998);  
Decreto Federal n. 3.298 (1999), sobre equiparação de oportunidades;  
Leis federais de acessibilidade (10.048 e 10.098) (2000);  
Plano Nacional de Educação (PNE) (2001);  
Resolução CNE/CEB n. 2 (2001);  
Lei Federal n. 10.432, que reconhece LIBRAS como segunda língua oficial (2002);  
Decreto n. 5.626, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de LIBRAS na formação  
docente (2004);  
Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (2005);  
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008);  
Criação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) (2008, atualizado em 2011);  
Decreto Federal n. 6.949 (2009), incorporando a Convenção Internacional sobre os Di-  
reitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento jurídico brasileiro;  
Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146) (2015), cujo artigo 27 trata da educação;  
Declaração de Incheon (2015), que defende a universalização do acesso à educação bá-  
sica com qualidade.  
Um dos pilares da inclusão escolar é a formação docente, garantindo que  
professores estejam preparados para atuar em ambientes diversos e atender  
às necessidades específicas dos alunos. A Política Nacional de Formação de  
Professores para a Educação Especial/Inclusiva surge como um elemento  
essencial para consolidar práticas pedagógicas inclusivas e ampliar o acesso  
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à educação de qualidade. Entre as ações mais significativas dessa política,  
destacam-se:  
Inclusão da disciplina de LIBRAS nos cursos de licenciatura e Pedagogia, fortalecendo  
a comunicação com alunos surdos;  
Capacitação contínua dos docentes sobre metodologias inclusivas e adaptações cur-  
riculares;  
Formação de professores para o Atendimento Educacional Especializado (AEE), garan-  
tindo suporte adequado aos alunos com deficiência;  
Desenvolvimento de materiais didáticos acessíveis, promovendo práticas pedagógicas  
que contemplem a diversidade;  
Ampliação da pesquisa e inovação na área da educação especial, estimulando o desen-  
volvimento de tecnologias assistivas e estratégias inclusivas.  
Essa política reforça o compromisso do Brasil com uma educação que  
valoriza a diversidade e busca assegurar o direito de aprendizagem para todos.  
Entretanto, a inclusão não pode ser vista apenas como uma responsabilidade  
das escolas. Para que ela aconteça de maneira eficaz, é essencial a participação  
ativa de toda a sociedade, garantindo acessibilidade, respeito à diversidade  
e valorização das diferenças, pois somente por meio da inclusão social será  
possível construir um ambiente mais igualitário, humano e justo.  
Formação e Atuação dos Profissionais de Apoio  
Em nível nacional, a função desempenhada pelo Professor de Apoio recebe  
distintas nomenclaturas, variando conforme a política educacional de cada  
estado, bem como de cada município. Em Goiás, recebeu o título de Professor  
de Apoio à Inclusão (Goiás, 1999; 2006; Freitas, 2013), em 1999, com a criação do  
Programa Estadual de Educação numa Perspectiva Inclusiva (PEEDI). Em Minas  
Gerais, por exemplo, esse profissional é identificado como Professor de Apoio  
à Comunicação, Linguagens e Tecnologias Assistivas – ACLTA (Fargnoli, 2020;  
Tavares, 2020). No Rio Grande do Sul, é denominado Professor Auxiliar (Lima,  
2017); no Paraná, mantém-se a designação Professor de Apoio (Paraná, 2003).  
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Com base na Resolução CNE/CEB n. 2/2001, o profissional de apoio à  
educação especial e inclusiva é aquele que atua de forma colaborativa com os  
professores da educação regular, oferecendo suporte pedagógico especializado  
aos estudantes com necessidades educacionais especiais. Esse profissional  
pode ser um professor especializado em educação especial ou outro profissional  
qualificado, e suas principais atribuições envolvem: identificar as necessidades  
educacionais específicas dos alunos; apoiar o desenvolvimento e a aplicação de  
estratégias pedagógicas adaptadas; participar da elaboração de flexibilizações  
e adaptações curriculares; atuar em salas comuns e/ou em salas de recursos,  
promovendo o acesso ao currículo por meio de recursos específicos; colaborar  
com a equipe escolar, com as famílias e com outros serviços da rede de apoio  
(como saúde e assistência social); inclusiva promover a inclusão escolar por  
meio de práticas que respeitem a diversidade e valorizem as potencialidades dos  
educandos.  
No intuito de entender um pouco mais a respeito do profissional da educação  
inclusiva, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação  
Inclusiva (PNEE-PEI) de 2008, aborda um pouco sobre suas atribuições, contudo  
agora, não necessariamente como professor de apoio, visto que essa função  
só poderia ocorrer exclusivamente em sala de atendimento educacional  
especializado (AEE), sala de multirecursos, passou a ser denominado como  
professor da Educação Inclusiva (Brasil, 2008).  
Avançando um pouco mais no histórico das legislações brasileiras, a Lei  
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (2015), no artigo Art. 3, inciso  
XIII, aponta que o profissional de apoio, desempenha funções de suporte  
individualizado nas atividades de alimentação, higiene, locomoção e demais  
demandas que exꢀam auxílio contínuo, sem, contudo, substituir o trabalho  
pedagógico. Sua atuação visa promover condições de acessibilidade, autonomia  
e segurança, contribuindo para o processo de escolarização dos alunos com  
deficiência, transtornos do espectro autista ou altas habilidades/superdotação.  
Entre as atribuições destacam-se: colaborar com o desenvolvimento da  
rotina escolar do estudante; apoiar a comunicação e interação social; facilitar  
o uso de recursos de tecnologia assistiva; e atuar em articulação com a equipe  
pedagógica,respeitandoasdiretrizesdapropostapedagógicadaescola,tratando  
se agora de uma função não docente (Brasil, 2015). Assim, fica claro que o apoio  
aos estudantes da educação especial e inclusiva na sala de aula comum não é de  
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cunho pedagógico, visto que essa função é exercida apenas pelo profissional de  
carreira docente.  
Consequentemente isso abriu espaço para um novo tipo de profissional na  
educação especial e inclusiva em Goiás, visto que atualmente na rede estadual  
de educação é denominado de Profissional de Apoio escolar, a função passa a ser  
administrativa, exigindo-se que o profissional tenha formação de nível superior,  
preferencialmente, em pedagogia ou psicologia (Goiás, 2023).  
Nesse estudo interessa destacar o contexto dos municípios do estado  
de Goiás e o que se tem é o Documento Curricular para Goiás (DG - GO), que se  
constitui elemento fundamental na consolidação das políticas educacionais  
implementadas nos municípios do estado, ao oferecer diretrizes que articulam  
as demandas locais com os princípios da inclusão e da equidade no ensino.  
O documento ressalta a autonomia das instituições e dos profissionais  
da educação — incluindo professores regentes e intérpretes — para adaptar  
metodologias e práticas pedagógicas conforme as especificidades de cada  
estudante, assegurando a aplicabilidade do currículo. As Necessidades  
Educacionais Especiais - NEE são compreendidas como permanentes ou  
temporárias, exigindo, respectivamente, adaptações amplas ou parciais do  
currículo ao longo do percurso escolar. O DC-GO enfatiza, ainda, a importância da  
acessibilidade comunicacional e arquitetônica, como o ensino de Libras e Braille e  
apresençaderampasesinalizaçõesadequadas.Dessaforma,aointegrarpolíticas  
públicas nacionais e estaduais, o estado de Goiás avança na consolidação de  
ambientes escolares mais acolhedores, equitativos e responsivos às diferentes  
necessidades dos estudantes (Goiânia, 2020).  
Embora o documento não utilize a expressão “profissional de apoio”, faz  
referência à atuação de professores de apoio no contexto da educação inclusiva.  
No entanto, ao analisar os perfis profissionais previstos para contratação em  
municípios da Região Metropolitana de Goiânia, percebe-se que muitas dessas  
funções relacionadas ao suporte educacional não exigem formação superior em  
áreas específicas. Diante disso, ao menos em tese, garante um profissional que  
contribua com um currículo adequado às diferentes condições dos estudantes,  
portanto, faz-se necessário examinar os editais mais recentes das prefeituras  
envolvidas neste estudo, a fim de apreender com maior precisão as exigências e  
atribuições desses cargos.  
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Metodologia  
A realização deste estudo foi por meio da metodologia de estudo de caso,  
de abordagem qualitativa (Gil, 2002), utilizando as seguintes etapas: revisão  
bibliográfica pertinente ao tema e ao material identificado na análise documental  
examinando os editais mais recentes publicados pela Secretaria Municipal de  
Educação, referentes aos processos seletivos e concursos dos municípios que  
integram os quatro principais polos da Região Metropolitana de Goiânia: Goiânia,  
Aparecida de Goiânia, Trindade e Senador Canedo. A análise concentrou-se  
nas diretrizes estabelecidas nos documentos oficiais quanto à atuação dos  
profissionais de apoio educacional, especialmente aqueles designados para  
o atendimento de crianças na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino  
Fundamental. Considerou-se, nesse contexto, a relevância pedagógica e social  
desses profissionais no processo educativo, bem como sua contribuição para a  
promoção de uma educação inclusiva e de qualidade.  
Resultados e discussão  
Para a realização deste estudo, foram analisados editais de concursos  
públicos e processos seletivos simplificados promovidos, nos últimos anos, por  
municípios que integram a Região Metropolitana de Goiânia — especificamente  
Aparecida de Goiânia (2023), Goiânia (2024), Senador Canedo (2023) e Trindade  
(2023). Na análise documental, buscou-se identificar o perfil dos profissionais  
contratados pelas administrações municipais para atuarem diretamente com  
estudantes da educação especial e inclusiva, bem como compreender os  
requisitos exigidos e as atribuições destinadas a esses cargos no contexto da  
política educacional local, além da formação exigida.  
O primeiro edital analisado foi da cidade Aparecida de Goiânia, o Edital Nº.  
001/2023 Processo Seletivo Simplificado para Contratação de Servidores. Cargo  
Agente Educativo apresentando as seguintes atribuições do quadro a seguir:  
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Quadro 1 - Atribuições e requisitos do Cargo de Agente Educativo - Edital 001/2023 Aparecida de Goiânia  
Aspectos  
Descrição  
Cargo  
Agente Educativo  
Natureza do Processo  
Formação Exigida  
Atribuições Gerais  
Processo Seletivo Simplificado para Contratação de Servidores  
Ensino Médio completo  
Participar de todas as atividades da rotina escolar envolvendo crian-  
ças, visando à qualidade do ensino.  
Rotina Escolar com Crianças Apoio em momentos como: lanche, banho, almoço, escovação dos  
dentes, uso do banheiro, sono. Auxílio nas brincadeiras, atividades  
pedagógicas e passeios.  
Atividades Educativas  
Participação no planejamento e execução de atividades que promo-  
vam o desenvolvimento integral das crianças: pedagógicas, cultu-  
rais, esportivas etc.  
Cuidados com Alunos  
Higiene, alimentação, descanso e organização dos utensílios de uso  
comum. Atenção especial aos alunos com necessidades específicas  
de apoio.  
Relacionamento com Famí- Responsável por receber e entregar as crianças aos pais ou respon-  
lias sáveis.  
Organização do Espaço Es- Preparação e organização de materiais pedagógicos e equipamen-  
colar tos utilizados em aulas e oficinas.  
Acompanhamento em Tras- Responsável por acompanhar alunos em deslocamentos externos  
lados  
ou internos, quando necessário  
Fonte: Adaptado pelos autores (2025).  
Do exposto, a ausência de exigência de formação em nível superior para  
os profissionais que atuam junto a estudantes da educação especial, conforme  
evidenciado no edital analisado, revela uma concepção funcionalista do papel  
desempenhado por esses trabalhadores. Tal característica, embora respaldada  
pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que  
prevê a presença de profissionais de apoio para colaborar com as demandas de  
cuidado e auxílio nas atividades escolares cotidianas, evidencia também uma  
lógica de racionalização de custos que se insere no contexto mais amplo das  
políticas educacionais neoliberais.  
Nesse cenário,  
a
contratação de profissionais sem formação  
docente específica configura-se como estratégia de contenção de gastos  
públicos, reduzindo a educação inclusiva a um modelo assistencialista e  
desresponsabilizando o Estado de garantir uma atuação pedagógica qualificada.  
Essa abordagem, ao priorizar a economicidade em detrimento da qualidade  
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do atendimento educacional, pode comprometer a efetivação de uma inclusão  
que vá além da presença física dos estudantes, desconsiderando as dimensões  
formativas, sociais e pedagógicas do processo educativo.  
Destaca-se, ainda, a ausência de documentos públicos disponíveis on-  
line que apresentem informações sobre o plano de carreira ou a descrição das  
atribuições específicas dos profissionais de Agente Educativos que atuam na  
área da educação inclusiva no município de Aparecida de Goiânia.  
No próximo edital analisado, constatamos que este também reflete uma  
diretriz de contenção de despesas, típica das políticas educacionais orientadas  
por princípios neoliberais, em que a contratação de profissionais ocorre com  
menores exigências de formação e capacitação, desconsiderando, muitas  
vezes, a complexidade das demandas do trabalho desenvolvido no contexto da  
educação inclusiva. Bem como, não deixa claro que o profissional irá trabalhar  
com estudantes da inclusão.  
Quadro 2 - Atribuições e requisitos do Cargo de Agente Educativo Goiânia- Edital 001/2024  
Aspectos  
Descrição  
Auxiliar de Atividades Educativas  
Cargo  
Localidade  
Goiânia - GO  
Formação Exigida  
Ensino Médio completo  
Objetivos da Função  
Apoiar os professores em atividades voltadas ao desenvolvimento integral  
dos educandos.  
Cuidados com Alunos  
Alimentação, descanso e higienização dos alunos.  
Limpeza de utensílios de uso comum.  
Organização Pedagógica  
Relação com Famílias  
Preparação e manutenção de materiais pedagógicos e equipamentos utili-  
zados em aulas e oficinas.  
Receber e entregar os educandos aos pais ou responsáveis.  
Acompanhamento em Trasla- Apoiar os deslocamentos internos e externos dos alunos, conforme neces-  
dos  
sidade.  
Atenção Individualizada  
Cuidar de alunos que demandem apoio contínuo nas atividades de higiene,  
alimentação e locomoção.  
Fonte: Adaptado pelos autores (2025).  
Ao contrário da cidade anterior, observa-se que Goiânia apresentou em 2020  
uma Proposta Político-Pedagógica de Educação Inclusiva da Secretaria Municipal  
de Educação e Esporte de Goiânia, que em um de seus pontos proporciona as  
Modalidades de recursos e serviços: ações integradas, no qual exibe que: Com  
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o objetivo de operacionalizar as ações inclusivas no âmbito educacional, a SME  
disponibiliza recursos e serviços:  
Atendimento aos educandos com Necessidades Educacionais Especiais, conforme  
públicodaEducaçãoEspecial,estabelecidopelaPolíticaNacionaldaEducaçãoEspecial  
na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), com o acompanhamento pelo  
Auxiliar de Atividades Educativas, conforme Lei nº 9.128/11, Anexo V e Lei nº 13.146/15,  
art. 3º, inciso XIII; e o Atendimento Educacional Especializado, conforme Decreto nº  
7.611/11, art. 2º, § 2º e Resolução CNE/CEB nº 04/09 (Goiânia, 2020, p. 32).  
Dessa maneira, percebe-se que o documento menciona o auxiliar de  
atividades educativas como o responsável por acompanhar os estudantes da  
educação especial. No entanto, tal atribuição não está claramente prevista no  
edital destinado à contratação deste profissional, o que evidencia uma lacuna  
entre o discurso institucional e as diretrizes formais de seleção e atuação.  
Quadro 3 - Atribuições e Requisitos do Cargo de Agente Educacional Senador Canedo – Edital Nº 01/2023  
Aspectos  
Descrição  
Cargo  
Agente Educacional  
Natureza do Processo  
Processo Seletivo Simplificado para Provimento Temporário de Vagas na  
Secretaria Municipal de Educação e Cultura  
Formação Exigida  
Ensino Médio completo  
Local de Atuação  
CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil  
Auxílio ao professor em todas as atividades desenvolvidas no CMEI.  
Funções de Apoio Pedagógico  
Participação na elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e no pla-  
nejamento coletivo.  
Educação Infantil  
Desenvolvimento de ações voltadas para a infância, com destaque para a  
promoção da higiene dos alunos.  
Apoio à Inclusão Escolar  
Apoio especializado e constante a alunos com Necessidades Educacionais  
Específicas (NEEs).  
Fonte: Adaptado pelos autores (2025).  
Evidencia-se que, entre os editais analisados, este é o único que explicita  
a atuação do Agente Educacional junto aos estudantes da educação inclusiva.  
No entanto, assim como os demais, mantém a tendência de não exigir formação  
específica para a função. Essa característica dispensa a obrigatoriedade de uma  
remuneração condizente com as atribuições de natureza pedagógica, bem como  
a inclusão em um plano de carreira estruturado. Tal cenário reforça a lógica das  
políticas educacionais alinhadas ao ideário neoliberal, em que a contenção de  
gastos se sobrepõe à valorização profissional e à qualidade do atendimento  
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educacional especializado.  
Constata-se que, no município de Senador Canedo, foi elaborado em 2022  
um conjunto de Normas e Parâmetros para a Educação Especial e Inclusiva no  
Sistema Municipal de Ensino. Esse documento estabelece diretrizes claras sobre  
o Atendimento Educacional Especializado (AEE), indicando que ele deve ocorrer  
em contraturno escolar para os estudantes com necessidades educacionais  
especiais. Além de delimitar quem são os estudantes que têm direito a esse  
atendimento, o texto também especifica os profissionais responsáveis por  
sua realização. Destaca, ainda, o papel da família na busca pelos serviços  
complementares necessários ao desenvolvimento do aluno. O documento  
aborda, de forma detalhada, as atribuições do agente educacional, cuja função  
é reafirmada e regulamentada também no edital, evidenciando a tentativa de  
sistematizar as ações voltadas à inclusão no município.  
A última cidade analisada neste trabalho foi Trindade, tal como apresenta-  
se no seguinte quadro:  
Quadro 4 - Síntese das Atribuições e Requisitos – Cargo de Monitor da Educação Infantil Trindade Edital Nº  
001/2023)  
Aspectos  
Formação e Localidade  
Função Educativa  
Descrição  
Ensino Médio completo; Município de Trindade – GO  
Atividades diárias de recreação, artes, apoio ao desenvolvimento  
motor e disciplinar; acompanhamento em passeios e eventos so-  
ciais  
Cuidados com Crianças  
Higiene, alimentação, administração de medicamentos conforme  
prescrição; observação do bem-estar; primeiros socorros e enca-  
minhamento médico  
Relacionamento e Comunicação  
Gestão e Apoio Institucional  
Interação com pais/responsáveis sobre higiene e rotina diária; co-  
municação de incidentes ao chefe imediato; substituição em pe-  
ríodos de ausência  
Controle de frequência; execução de tarefas correlatas; vigilância  
e responsabilidade no cuidado dos educandos  
Fonte: Adaptado pelos autores (2025).  
Dentreoseditaisanalisados,estefoioúnicoqueprevêarealizaçãodeconcurso  
público específico para o cargo em questão, o que configura um diferencial  
significativo. A adoção dessa modalidade de seleção sugere maior compromisso  
com a formalização do vínculo e com a clareza das atribuições profissionais.  
Além disso, entende-se que o ingresso por concurso pode representar, para o  
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candidato, uma escolha mais consciente quanto às responsabilidades da função,  
além de se constituir como uma possível porta de entrada para uma trajetória  
profissional no campo educacional.  
No caso do município de Trindade, não foi localizado um plano específico  
direcionado à educação especial e inclusiva. No entanto, o Plano de Cargos  
e Carreiras da Secretaria Municipal de Educação encontra-se disponível  
publicamente e contempla o cargo de Monitor para a Educação Infantil, inserido  
no grupo de Agente de Apoio Educacional. Esse documento apresenta de forma  
clara as atribuições gerais do cargo, bem como a remuneração correspondente,  
alinhando-se ao que é estabelecido no edital analisado. Contudo, observa-se uma  
ausência de menção explícita à atuação com estudantes da educação especial e  
inclusiva, diferentemente do que o edital explícito ao indicar que esse profissional  
desempenhará funções diretamente relacionadas ao acompanhamento desses  
estudantes. Essa lacuna revela uma possível desconexão entre as diretrizes  
administrativas e as demandas práticas do contexto educacional inclusivo.  
Considerações finais  
A análise dos editais de concursos e processos seletivos dos municípios  
da Região Metropolitana de Goiânia — Aparecida de Goiânia, Goiânia, Senador  
Canedo e Trindade — revela um padrão na exigência de formação em nível médio  
para funções ligadas ao acompanhamento de estudantes com necessidades  
educacionais especiais. Essa prática, embora respaldada pela Lei Brasileira  
de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), adota uma abordagem assistencialista e  
funcionalista sobre o papel desses profissionais, evidenciada pela ausência de  
formação superior específica, pela indefinição das atribuições e pela falta de  
planos de carreira estruturados.  
As funções designadas aos cargos, geralmente intitulados “agentes  
educativo”, “auxiliar de atividades educativas” ou “monitor”, concentram-se em  
cuidados físicos, higiene, alimentação e segurança, deixando de contemplar de  
forma satisfatória a dimensão pedagógica essencial à educação inclusiva. Isso  
compromete a construção de práticas que respeitem as singularidades dos  
estudantes e promovam equidade no processo de ensino, reduzindo o papel  
educativo ao mero suporte operacional.  
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Mesmo diante de documentos como a proposta político-pedagógica de  
Goiânia e as Normas e Parâmetros de Senador Canedo, que tentam regulamentar  
o atendimento especializado, persiste uma desconexão entre essas orientações  
e os critérios dos editais. O caso de Trindade, por exemplo, ao prever contratação  
via concurso público, representa avanço em estabilidade, mas ainda falha ao não  
especificar atuação direta na educação especial, evidenciando a necessidade  
urgente de integrar gestão de pessoas, carreira e legislação educacional.  
Assim, os achados sugerem que a efetivação da educação inclusiva enfrenta  
obstáculos estruturais, especialmente ao precarizar a formação dos professores  
e, consequentemente se tem um desvalor profissional, por ser um contexto que  
desfaz do campo social e valida a diminuição dos gastos para a escola que tem  
legitimidade em fazer a inclusão escolar. Superar esses desafios requer investir  
em formação continuada, revisar critérios de contratação e criar planos de  
carreira compatíveis com as exigências de uma educação inclusiva de qualidade.  
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DOSSIÊ  
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DOSSIÊ  
GOVERNAMENTALIDADE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS NEOLIBERAIS  
GOVERNMENTALITY AND INCLUSIVE EDUCATION IN NEOLIBERAL TIMES  
1
Thelma Bergamo  
htps://orcid.org/0000-0002-9532-2322  
htp://lates.cnpq.br/0108721244666715  
2
Laís Alice Oliveira Santos  
htps://orcid.org/0000-0002-4226-486X  
htp://lates.cnpq.br/5021603348570433  
Recebido em: 02 de junho de 2025.  
Revisão final em: 16 de agosto de 2025.  
Aprovado em: 24 de agosto de 2025.  
htps://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23484  
1 Doutora em Educação Brasileira, na área de Fundamentos dos Processos Educativos, pela Universidade Federal de  
Goiás. Possui graduação em História e Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás e Especialização em Filosofia Po-  
lítica PuC e Informática em Educação (UFLA). Mestre em Educação Brasileira (UFG). É professora efetiva do Instituto  
Federal Goiano - Campus Morrinhos com atuação principalmente nos cursos de Licenciatura em Química e Pedagogia.  
E-mail: thelma.moura@ifgoiano.edu.br  
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em Educação pela UFU, Especialista em  
Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado pelo CEPAE/UFU, Especialista em Transtorno do Espectro  
Autista - TEA pelo Instituto Líbano, especialização em andamento em Alfabetização para Educandos com Deficiência  
pela UFSCAR, e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia - FACIP/UFU. Professora efetiva do  
Instituto Federal Goiano - Campus Morrinhos, atuando no curso de Pedagogia. E-mail: lais.santos@ifgoiano.edu.br  
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DOSSIÊ  
RESUMO: Com o avanço do neoliberalismo, a educação tem se configurado como espaço privilegiado  
para a efetivação da inclusão por meio de políticas, discursos, estratégias e tecnologias de saber-  
poder. Nesse contexto, o Estado governamentalizado assume especial interesse pela população,  
elaborando e circulando práticas que moldam formas de vida orientadas à competitividade, à eficiência  
e à autorresponsabilização. As reformas neoliberais instituem normas que posicionam os sujeitos  
em redes de saberes e espaços mercadológicos, convertendo-os em capital humano normalizado  
e adaptado às demandas do sistema econômico. Este artigo tem como objetivo problematizar a  
educação inclusiva enquanto recurso estratégico de normalização e produção de subjetividades  
úteis ao mercado, articulando-a aos conceitos de governamentalidade e biopolítica. Trata-se de um  
estudo exploratório de caráter bibliográfico, desenvolvido por meio de análise qualitativa de obras  
de referência e produções acadêmicas de Michel Foucault e de autores que discutem a interface  
entre neoliberalismo e educação inclusiva. Os resultados indicam que, embora amparada por marcos  
legais, a inclusão escolar é fragilizada por racionalidades neoliberais que reduzem seu potencial  
emancipatório e reforçam processos de in/exclusão, exigindo uma abordagem crítica capaz de  
tensionar discursos hegemônicos e fomentar práticas pedagógicas que valorizem as diferenças como  
potência transformadora.  
Palavras-chave: educação inclusiva, biopolítica, normalização, neoliberalismo.  
ABSTRACT: With the advance of neoliberalism, education has become a privileged arena for  
implementinginclusionthroughpolicies,discourses,strategies,andtechnologiesofpower-knowledge.  
In this context, the governmentalized State takes a special interest in the population, developing  
and circulating practices that shape ways of life oriented toward competitiveness, efficiency, and  
self-responsibility. Neoliberal reforms establish norms that position individuals within networks of  
knowledge and market-oriented spaces, converting them into normalized human capital adapted  
to the demands of the economic system. This article aims to problematize inclusive education as a  
strategic resource for normalization and the production of market-oriented subjectivities, linking it to  
the concepts of governmentality and biopolitics. It is an exploratory bibliographic study, developed  
through qualitative analysis of reference works and academic productions by Michel Foucault and  
other authors who discuss the interface between neoliberalism and inclusive education. The results  
indicate that, although supported by legal frameworks, school inclusion is weakened by neoliberal  
rationalities that reduce its emancipatory potential and reinforce processes of in/exclusion, demanding  
a critical approach capable of challenging hegemonic discourses and fostering pedagogical practices  
that value differences as transformative potential.  
Keywords: inclusive education, biopolitics, normalization, neoliberalism.  
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DOSSIÊ  
Aparentemente esse lugar é simples.  
(Foucault, 2002, p. 20)  
INTRODUÇÃO  
O século XXI vivencia uma grande mobilização pela inclusão de todos no  
sistema educacional. A escola converteu-se no espaço por excelência em que os  
processosinclusivosdevemcomeçarepassouasercolonizadaporumainfinidade  
de políticas, discursos, estratégias, tecnologias e dispositivos de saber-poder3  
que postulam a realidade fundamental e incontornável de que a educação é um  
direito universal legalmente assegurado.  
Asorigensdesseacontecimentoremontamàstransformaçõesocorridasnas  
tecnologias de poder, particularmente a partir do século XVIII, em que além dos  
dispositivos disciplinares, entendidos como produtores de indivíduos dotados de  
corpos dóceis e úteis, serão desenvolvidas novas estratégias de normalização e  
controle populacional, para as quais o conjunto dos saberes médicos fornecerão  
o aparato científico.  
Foucault(1999;2001;2008a;2008b)buscouoselementosparaacompreensão  
dessa transformação no funcionamento do saber-poder moderno nas análises  
sobre o liberalismo e o neoliberalismo, analisando o Estado governamentalizado  
enquanto dotado de especial interesse pela população e responsável pela  
elaboração e circulação de práticas constitutivas de formas de vida cada vez  
mais orientadas para os princípios de mercado, com os quais os processos de  
ensino-aprendizagem devem estar permanentemente alinhados (Lopes, 2011).  
No contexto das reformas neoliberais, as normas são instituídas com a  
finalidadedeposicionarossujeitosemredesdesabereseespaçosmercadológicos  
de forma a converter seres humanos em capital humano normalizado e adaptado  
às necessidades capitalistas.  
A educação é reconfigurada como um campo estratégico para a formação  
de sujeitos cujos modos de ser são produzidos a partir dos princípios da  
competitividade, da eficiência e da autorresponsabilização. Mais do que garantir  
direitos sociais, a escola é convocada a produzir indivíduos adaptáveis às  
3 Expressão utilizada por Michel Foucault para designar os dispositivos e práticas que articulam formas de conhecimento  
(saber) e mecanismos de dominação/regulação (poder), produzindo modos específicos de subjetividade e organizando as  
relações sociais.  
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exigências do mercado, convertendo a formação em investimento e o estudante  
em capital humano. Assim, o neoliberalismo não se limita a ser uma política  
meramente econômica, mas uma racionalidade governamental que atravessa  
todas as esferas da vida social.  
Foucault (1999; 2001; 2008a; 2008b) recorre a conceitos como “artes de  
governar”, “governamentalidade” e “biopolítica” como as chaves conceituais para  
compreendernãosomenteasestratégiasedispositivosdecontrolepopulacional,  
de modo geral, mas particularmente a forma como essas tecnologias sociais  
colonizam os espaços educacionais, seus discursos, saberes e práticas.  
A partir desses marcos conceituais, este artigo se caracteriza como um  
estudo exploratório de cunho bibliográfico, desenvolvido por meio de análise  
qualitativa das fontes, conforme orienta Gil (2002), que compreende essa  
modalidade como voltada à formulação e aprofundamento de problemas a  
partir do exame sistemático de material já publicado. Foram selecionadas  
obras de referência e produções acadêmicas que dialogam com os conceitos  
de governamentalidade, biopolítica e normalização, especialmente a partir de  
Michel Foucault e de autores que discutem a interface entre neoliberalismo e  
educação inclusiva.  
O objetivo é analisar de que modo as políticas e práticas de inclusão escolar,  
em contextos permeados pelo neoliberalismo, operam como dispositivos e  
tecnologias de saber-poder voltados à produção de subjetividades alinhadas às  
demandas do mercado. Para isso, discutem-se inicialmente os fundamentos do  
neoliberalismo e suas implicações sobre as políticas educacionais; em seguida,  
examinam-se as formas pelas quais os discursos inclusivos se articulam a  
mecanismos de regulação das condutas; e, por fim, apresentam-se reflexões  
críticas sobre desafios e possibilidades para práticas pedagógicas que tensionem  
esses discursos e fomentem formas alternativas de subjetivação.  
Neoliberalismo e educação  
A partir da ascensão do neoliberalismo como racionalidade dominante,  
especialmente a partir dos anos 1970, a educação passou a ser reformulada não  
apenas como um direito social, mas como investimento estratégico na formação  
de capital humano, subordinando seus fins aos interesses do mercado. Essa  
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transformaçãoimplicaumareconfiguraçãodopapeldoEstado, quedeixadeatuar  
como garantidor de direitos universais e assume uma lógica gerencial voltada à  
eficiência, à avaliação de desempenho e à responsabilização dos indivíduos.  
Sob um prisma histórico, o neoliberalismo se efetivou pela primeira vez  
no Chile, com o golpe de Pinochet em 11 de setembro de 1973 contra o governo  
de Salvador Allende, o qual havia sido democraticamente eleito. A elite chilena  
com o apoio de corporações dos Estados Unidos e da Agência Central de  
Inteligência (CIA) reprimiu por meio de atos de violência toda organização social  
de esquerda com o intento de afastar as tendências da implementação de um  
Estado Socialista, o qual Allende apregoava (Harvey, 2014). Em subsequência  
a experiência neoliberal realizada na “periferia do mundo”, considerada pelos  
economistas “Chicago Boys4” como bem sucedida, passa a ser adotada nos  
países centrais, tornando-se a Grã-Bretanha e os Estados Unidos pioneiros5 no  
processo e exemplo para a disseminação.  
Com grande enfoque econômico, o neoliberalismo provoca inúmeras  
reformas, que visam entre outros aspectos modificar o modo de funcionamento  
estatal, um conjunto de reformas de ordem política, econômica e cultural, mas  
fundamentalmente dissemina uma ideologia que modifica os modos das pessoas  
de viverem suas vidas na individualidade e em sociedade. Segundo Harvey (2016,  
p. 15) “nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato  
conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e  
nossos desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social que  
habitamos”.  
Nesse sentido, é importante apresentar a concepção de Estado neoliberal,  
que influencia a constituição de sujeitos empreendedores de si, assim como  
situa a educação como um meio de constituir capital humano para atuação no  
mercado com o objetivo de elucidar algumas bases conceituais fundantes do  
neoliberalismo, essenciais para a compreensão de uma constituição de uma  
educação inclusiva pensada a partir de políticas públicas educacionais de caráter  
neoliberal.  
4 Os “Chicago Boys” era um grupo de economistas chilenos formados na Universidade de Chicago, que tiveram um  
papel central na formulação e disseminação das reformas neoliberais, sob forte influência das ideias neoliberais de Milton  
Friedman e Arnold Harberger.  
5 “O fato de duas restruturações tão obviamente semelhantes do aparelho do Estado ocorrerem em épocas tão diferentes  
do mundo sob influência coerciva dos estados Unidos sugere que o sombrio alcance imperial desse país pode ter por fun-  
damento a rápida proliferação de formas neoliberais de Estado em todo o mundo a partir de 1970 (Harvey, 2016, p. 19).”  
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Do laissez-faire ao empreendedorismo de si: fundamentos do Estado neoliberal  
O neoliberalismo implementou suas reformas na defesa do Estado a partir  
da prerrogativa da autorregulação, que defendia a operação do mercado e do  
Estado com o máximo de liberdade. Após a crise do capitalismo de 1929, Keynes  
(1983, p. 112), denuncia que a disseminação da teoria do laissez-faire não existiria  
se não estivesse em “conformidade às necessidades e desejos do empresariado  
da época”. Nessa direção, Keynes critica a disseminação de um discurso  
individualista que se difundiu no imaginário da população em que progresso  
empresarial e progresso social estariam diretamente associados.  
Por mais que o Estado de Bem-estar social tenha se efetivado em vários  
países do mundo, em contraposição a doutrina do laissez-faire, que previa uma  
maior intervenção estatal, para inclusive resolver as questões do desemprego,  
ele é retomado em nova roupagem com o neoliberalismo, embasado em discursos  
comoodeMises(2010)eHayek(2010)6, pensadoresqueinfluenciaramofenômeno  
na América Latina, inclusive no Brasil.  
O neoliberalismo da corrente norte-americana prioriza a desconstrução do  
caráter positivo da ideia do Estado enquanto interventor para se alicerçar nos  
princípiosdeliberdadeindividual,concorrênciaeconstituiçãodeempreendedores  
de si e da economia. Quando as pessoas em sociedade permitem a intervenção  
estatal, elas permitem que o Estado dite as regras de suas próprias vidas, segundo  
Mises (2010, p. 79), “Abole-se a liberdade individual7 do indivíduo! Ele se torna um  
escravo da comunidade, obrigado a obedecer aos ditados da maioria”.  
Diferentemente da compreensão dos liberais clássicos de que o mercado  
era equilibrado por uma lei dita natural, Mises (2010) vai identificar que sua  
regulação ocorre por um “processo de descoberta e aprendizado que modifica os  
sujeitos, ajustando-se uns aos outros (Dardot; Laval, 2016, p. 139).”, assim como  
eles modificam o mercado por meio da dinâmica humana que tem motivações  
próprias e “competências específicas (Dardot; Laval, 2016, p. 139)”.  
6 Friedrich Hayek (1899-1992) e Ludwing von Mises (1881-1973) eram pensadores que compunham a corrente norte-a-  
mericana do pensamento neoliberal.  
7 Liberdade individual para Mises (2010, p. 58) divergia da liberdade defendida pelos pensadores do liberalismo clássico  
entendida como natural, para ele “Liberdade na sociedade significa que um homem depende tanto dos demais como estes  
dependem dele”.  
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DOSSIÊ  
Portanto, compreender a lógica de organização social, mobiliza o  
entendimento da lógica de livre operação do mercado, isso implica entender que  
a regulação de preços de bens e serviços se modifica numa relação inseparável  
entre economia e conduta humana. À medida que os indivíduos influenciam  
o mercado em suas ações individuais, com seus desejos, necessidades que  
muitas das vezes se convertem em consumo, também são influenciados por ele,  
incitados a se entender como empreendedores.  
Ser empreendedor significa que os conhecimentos devem ser mobilizados a  
partir do surgimento das demandas, sejam elas quais forem. A condução de suas  
vidas se organiza pela “natureza” de mercado, que se constitui como um ambiente  
formador à medida em que é vivenciado.  
À medida que os sujeitos se compreendem como empreendedores de si  
tornam-se aliados ao modo de organização que fundamenta o capitalismo, aos  
princípios que regem a organização da educação numa sociedade neoliberal:  
competitividade, racionalidade e livre comércio. Esse modelo educativo assume  
uma posição de centralidade nos interesses do Estado por ser um caminho de  
aceleração para a formação de sujeitos empreendedores e pela disseminação da  
lógica neoliberal como modo de ser.  
A educação no contexto neoliberal: capital humano e empresariamento  
Gentili (1998, p. 103) ao afirmar que o “O neoliberalismo é, simultaneamente,  
original e repetitivo; cria uma nova forma de dominação e reproduz as formas  
anteriores”, destaca que o Estado, ao não interferir nas questões de mercado,  
mantêm uma ênfase economicista para o funcionamento de toda organização  
social, sendo dotado da liberdade de negociação para “produzir, vender e comprar  
qualquer coisa que possa ser produzida ou vendida (Hayek, 2010, p. 58)”. Nesse  
contexto, a educação deve ser entendida como um produto a ser negociado,  
não um produto qualquer, pois ela “serve para o desempenho do mercado e sua  
expansão potencializa o crescimento econômico (Gentili, 1998, p. 104)”.  
A centralidade estabelecida em torno da educação numa perspectiva  
neoliberal se difere no contexto de um Estado de Bem-Estar Social com relação  
ao investimento e ao planejamento no setor educacional, particularmente a partir  
dos anos 50 e 60, quando as teorias do capital humano começam a ser forjadas.  
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Nesse momento, a educação é reconhecida como um investimento necessário  
para o desenvolvimento no âmbito individual e social assim como para assegurar  
o crescimento econômico.  
A promessa era de que o aumento do nível de escolaridade garantiria aos  
sujeitos em suas individualidades uma ascensão e melhor alocamento no  
mercado de trabalho, assim como um crescimento econômico que geraria  
uma “multiplicação da oferta de empregos e um aumento geral da riqueza, que  
resultaria num incremento dos ingressos individuais. O mercado expandia-se e  
nele existia lugar para todos... ou para quase todos (Gentili, 1998, p. 105)”.  
Para os pensadores neoliberais, esse investimento educacional baseado  
no planejamento centralizado do Estado foi ineficiente. Schultz (1974, p. 50)  
constata nos anos de 1960, que grande parte da população pertencente a grupos  
sociais como os negros, porto-riquenhos, idosos, indígenas, mexicanos, etc.  
continuavam exclusos do sistema educacional, o que refletia o “fracasso de ter  
investido em sua saúde e educação”. Por isso, era preciso que os governos e as  
entidades privadas de maneira aliada investissem em educação e promovessem o  
incentivo para favorecer o aumento de capital humano em países que não tinham  
reconhecido o valor econômico e do saber da educação. É nesse contexto, em  
que as agências internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário  
Internacional (FMI) passam a financiar os países em desenvolvimento e, em  
consequência, criar diretrizes para a execução da assistência, como foi o caso  
do Brasil.  
Ao trazer novos princípios e diretrizes para a organização da educação, o  
EstadoneoliberalpassaaseconfigurarnumalógicadoqueGentili(1996)intitulade  
“descentralização-centralizante e de centralização-descentralizada”. Ao mesmo  
tempo em que o Estado tende a minimizar sua atuação no quesito de investimento  
financeiro, assim descentralizando seu papel ao terceirizar, privatizar os gastos,  
ele assume as rédeas e planifica as metas para a educação e se faz presente e  
operante para regulamentar e acompanhar os processos e êxitos por meio de  
métricas de avaliação, o que representa a centralização.  
O Estado ao assumir o planejamento educacional, acaba por disseminar um  
discurso de educação para todos, ao mesmo tempo em que cria mecanismos de  
controle e de fiscalização que cerceiam os sujeitos que devem permanecer na  
escola. Freitas (2018), explicita a concretização de uma política do alinhamento  
que delineia esse planejamento centralizador do Estado, no qual estabelece um  
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currículo homogeneizante para que os professores sigam os mesmos conteúdos  
para saber o que se deve ensinar e o que se deve avaliar.  
A lógica esperada é que, definindo o que se deve ensinar, a escola saberá o que ensinar,  
os testes verificarão se ela ensinou ou não, e a responsabilização premiará quem  
ensinou e punirá quem não ensinou. A isso a reforma chama de alinhamento (Freitas,  
2018, p. 78).  
Esse alinhamento, numa lógica neoliberal busca instituir uma “nova ordem” à  
escola que se posiciona em submissão aos interesses econômicos do mercado.  
Estabelece uma estreita relação entre qualidade do ensino e dados quantificáveis  
em relação às aprendizagens dos alunos, pois só desta forma os financiadores  
da educação saberão se os investimentos alcançaram sua finalidade. Nesse  
contexto, as avaliações externas8 têm ocupado a centralidade na dupla função,  
de mensurar a qualidade da educação, numa lógica mercadológica, que  
responsabiliza o próprio aluno por seu sucesso ou fracasso, e o de mensurar a  
qualidade do professor, pois será ele quem promoverá o desenvolvimento de  
capital humano para o crescimento econômico.  
Governamentalidade e normalização dos indivíduos  
A partir da perspectiva foucaultiana, discutiremos nesta seção deste artigo  
a relação entre governamentalidade e normalização dos indivíduos, analisando  
como as artes de governar e as tecnologias de biopoder operam na constituição  
histórica do sujeito e na gestão das condutas. Inicialmente, examina-se o  
deslocamento dos dispositivos disciplinares para formas mais amplas de  
regulação populacional, articulando poder disciplinar e biopolítico na produção  
de subjetividades úteis ao projeto neoliberal. Em seguida, problematiza-se  
a apropriação, pelo campo educacional, dessas estratégias e dispositivos,  
discutindo como o discurso da inclusão, ancorado em saberes médico-  
psiquiátricos e políticas públicas, atua na gestão das diferenças e na produção  
de processos de in/exclusão.  
8 Avaliação a nível internacional PISA, avaliações nacionais SAEB.  
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A emergência das artes de governar e da biopolítica  
As investigações sobre as estratégias de saber-poder e seus efeitos nos  
processos de subjetivação são o eixo a partir do qual Foucault desenvolveu suas  
pesquisas, constituindo-se como uma questão cujas diversas perspectivas –  
arqueológicas, genealógicas e éticas – convergem para o fato de que o sujeito  
é, ao mesmo tempo, alvo e efeito dos regimes discursivos e dos dispositivos de  
poder em exercício.  
A dimensão arqueológica da análise permite analisar as próprias formas da  
problematização; a dimensão genealógica, sua formação a partir das práticas e  
de suas modificações. Problematização da loucura e da doença a partir de práticas  
sociais e médicas, definindo um certo perfil de “normalização”; problematização da  
vida, da linguagem e do trabalho em práticas discursivas obedecendo a certas regras  
“epistêmicas”; problematização do crime e do comportamento criminoso obedecendo  
a um modelo “disciplinar” (Foucault, 1984, p. 15-16).  
Asanálisesdosprocessosdenormalizaçãoencontramemsuasinvestigações  
sobre o poder disciplinar o campo teórico privilegiado para compreender a forma  
como esse poder é investido sobre os indivíduos, produzindo corpos dóceis  
e úteis. Nesse espaço investigativo, faz-se necessário compreender que as  
pesquisas foucaultianas sobre o poder exigem o reconhecimento de sua natureza  
como “uma multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se  
exercem e constitutivas de sua organização” (Foucault, 1988, p. 88)9.  
Os efeitos do saber-poder sobre os processos de subjetivação utilizam-  
se de dispositivos e estratégias historicamente constituídos, nos quais os  
regimes discursivos e os saberes socialmente validados como verdadeiros são  
responsáveis pela constituição histórica do “ser como experiência” (Foucault,  
1984, p. 12).  
Afirmar que o sujeito é uma produção histórica dos dispositivos de saber-  
poder implica em recusar pressupostos teóricos que postulem uma natureza  
humana ou pretensões de universalidade sobre os quais seriam erigidos  
valores sociais ou regimes discursivos. Com Nietzche, significa assumir que o  
conhecimento é fabricado, que sua essência é a do combate e do enfrentamento.  
Em 1873, esse filósofo convida a refletir sobre o ato de conhecer:  
9 Para saber mais sobre a relação entre o conceito de poder disciplinar em Foucault e sua relação com a produção de cor-  
pos dóceis e úteis, ver: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42.  
ed. Petrópolis: Vozes, 2014.  
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DOSSIÊ  
Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número  
de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram  
o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”:  
mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-  
se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer (Nietzsche, 1999, p. 53).  
Todo ato de conhecimento é arbitrário e reduz o mundo a metáforas,  
antropomorfismos, conceitos que, pelo uso, se solidificam e assumem um valor  
de evidência no interior de uma cultura. A verdade deve ser problematizada para  
que assuma seu lugar de direito na história das ideias, lugar feito por incertezas,  
disputas e transitoriedades.  
“Pensa-se, logo existe algo que pensa”: a isto se reduz a argumentação de Descartes.  
Tal equivale aceitar de antemão por “verdadeiro a priori” nossa crença na ideia de  
substância. Afirmar que, quando se pensa, é indispensável existir algo “que pensa” é  
simplesmente a articulação de um hábito que liga à ação um autor. Em suma, manifesta-  
se aqui um postulado lógico-metafísico – e não se verifica apenas... No caminho  
indicado por Descartes não se alcança uma certeza absoluta, mas unicamente o fato  
de uma crença forte (Nietzsche, 2011, p. 339).  
Conhecer significa, portanto, tão somente promover uma ordenação  
simplificada de processos que, por meio de sua relação com o mundo exterior,  
desenvolvem a crença de que o “mundo-verdade” e o “mundo-realidade” devem  
ser reconduzidos a relações de valores nas quais o conhecimento assume um  
caráter de estabilidade e imutabilidade necessário à validação da verdade como  
universal.  
A reafirmação da intrínseca relação entre conhecimento e poder implica  
em reconhecer que a produção da verdade sobre o sujeito resulta em processos  
de subjetivação para os quais a aposta em um sujeito universal é estratégia  
fundamental. Esse sujeito é uma ficção criada pelo homem e a partir dele  
interpretada (Nietzsche, 2011).  
Assumindo como pressuposto a compreensão do sujeito como uma ficção,  
um efeito de estratégias e dispositivos de saber-poder, Foucault (2001) analisa  
a forma pela qual o poder disciplinar, utilizando-se dos modelos teóricos da  
Psiquiatria do século XIX, produz os conceitos de normalidade/anormalidade a  
partir dos quais ocorrerá um deslocamento nos discursos sobre a doença mental  
quepassaráasercaracterizadaemtermosdeumafaltaquersejaderacionalidade  
ou de desenvolvimento, assumindo a infância como modelo de intelegibilidade.  
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Descoberta da criança pela psiquiatria. Eu queria notar o seguinte: primeiro, vocês  
estão vendo que, se o que lhes digo é verdade, essa descoberta da criança ou da  
infância pela psiquiatria não é um fenômeno tardio, mas bastante precoce. (...) a  
partir do momento em que a infância ou a infantilidade vai ser o filtro para analisar  
os comportamentos, vocês compreendem que, para psiquiatrizar uma conduta, não  
será mais necessário, como era o caso na época da medicina das doenças mentais,  
inscrevê-la no interior de uma doença (...) bastará que seja portadora de um vestígio  
qualquer de infantilidade (Foucault, 2001, p. 387-388).  
As estratégias e dispositivos associados às artes de governar apropriam-  
se de forma privilegiada da infância que, de acordo com Foucault (1994), emerge  
correlacionada à população e aos interesses socioeconômicos de reprodução da  
coletividade. Assiste-se a um duplo movimento no qual, a um só tempo, ocorre a  
invenção da infância enquanto objeto de conhecimento, alvo das estratégias de  
normalização e controle social e, ao mesmo tempo, suas características passam  
a ser utilizadas como modelo de análise psiquiátrica para a compreensão das  
doenças mentais.  
É a partir do binômio normalidade/anormalidade e da delimitação da infância  
e da infantilidade da conduta como objeto de investigação que “a psiquiatria pôde  
se tornar a espécie de instância de controle geral das condutas, o juiz titular, se  
vocês quiserem, dos comportamentos em geral” (Foucault, 2001, p. 392). Isso não  
significa que a compreensão das doenças mentais deixará de ser pensada em  
termos de patologias, mas que a matriz de intelegibilidade dos comportamentos  
assumirá o modelo infantil como instrumento de universalização possível das  
condutas.  
Entre os anos de 1975 e 1976, é proferido no Collège de France o curso  
“Em defesa da Sociedade”, no qual Foucault analisa a função dos saberes  
médicos enquanto árbitros para duas modalidades de poder em conflito: “O  
desenvolvimento da medicina, a medicalização geral do comportamento, das  
condutas, dos discursos, dos desejos, etc., se dão na frente onde vêm encontrar-  
se os dois lençóis heterogêneos da disciplina e da soberania” (Foucault, 1999, p.  
46).  
No solo sob o qual essas modalidades de poder confrontam suas assimetrias  
e efeitos estratégicos e táticos, a segunda metade do século XVIII assistirá o  
surgimento de uma outra tecnologia de poder. Enquanto o poder disciplinar é  
centrado no indivíduo, buscando assegurar a distribuição espacial dos corpos,  
sua organização em um campo de visibilidade, sua hierarquização, inspeção  
e escrituração, procurando maximizar a força útil dos corpos, o que começa a  
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surgir é  
[...] uma tecnologia de poder que não exclui a primeira, que não exclui a técnica  
disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que,  
sobretudo, vai utilizá-la implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se  
efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa técnica não suprime a  
técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está noutra escala, tem outra  
superfície de suporte e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes (Foucault,  
1999, p. 288- 289).  
Essa nova técnica de poder, a biopolítica, se ocupa não mais do homem-  
corpo, mas do homem vivo, da espécie. Dirigir-se à multiplicidade dos homens  
que são afetados por processos de conjunto inerentes à própria vida e à população  
enquanto problema científico e político, instalando mecanismos de previdência  
cujo objetivo será a otimização da gestão dos fenômenos populacionais.  
Na interseção entre o poder disciplinar e o poder regulamentador da  
biopolítica, encontra-se a norma como elemento que permite, simultaneamente,  
controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleatórios de uma  
multiplicidade biológica.  
A sociedade de normalização não é, pois, nessas condições, uma espécie de sociedade  
disciplinargeneralizadacujasinstituiçõesdisciplinaresteriamsealastradoenalmente  
recoberto todo o espaço – essa não é, acho eu, senão uma primeira interpretação, e  
insuficiente, da ideia de sociedade de normalização. A sociedade de normalização é  
uma sociedade em que se cruzam, conforme uma articulação ortogonal, a norma da  
disciplina e a norma da regulamentação (Foucault, 1999, p. 302).  
Essa problematização acompanha as análises desse filósofo sobre  
duas formas distintas do neoliberalismo – o ordoliberalismo alemão e o  
anarcoliberalismo americano – e oferece as bases para a compreensão de uma  
racionalidade governamental neoliberal na qual o homo oeconomicus oferece  
os elementos necessários para as discussões sobre o capital humano e os  
investimentos nos indivíduos como princípios da tecnologia biopolítica de poder.  
A emergência da norma enquanto nova tecnologia de poder vincula-se às  
exigências da arte de governar neoliberal e ao modelo do homo oeconomicus  
enquanto “ilha de racionalidade possível no interior de um processo econômico”  
(Foucault, 2008a, p. 383) de caráter incontrolável. Sobre ele incidem os processos  
de normalização, em sua dupla dimensão, disciplinar e biopolítica. Sobre ele são  
elaborados saberes, discursos e estratégias para a constituição de um capital  
humano, de uma “competência-máquina” produtora de renda.  
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Nessecontexto,odiscursosobreosinvestimentosemeducaçãodascrianças  
e jovens, cuja infância já havia sido, e continuará sendo submetida ao escrutínio  
dos processos normalizadores alimentados pelos saberes médico-psiquiátricos,  
assume o sentido inédito de formação profissional em um sentido expandido.  
Nele, o tempo dedicado pelos pais a seus filhos, seu nível cultural e o ambiente  
de criação passam a ser contabilizados, assim como os problemas de proteção  
da saúde e da higiene pública enquanto elementos capazes de aprimorar esse  
capital humano.  
Importante ressaltar que esse processo educativo-normalizador deve ser  
compreendido como um projeto em que os indivíduos são pensados a partir da  
lógica neoliberal da utilidade econômica para o sistema capitalista, na qual as  
políticaspúblicasdesaúdeeeducaçãoarticulam-seaosdispositivoseestratégias  
de higiene social e formação para o mercado de trabalho, segundo valores  
científicos e morais de otimização da capacidade desse homo oeconomicus de se  
sujeitar às regras do mercado. Essa seria, para Gadelha (2009) a estreita interface  
entre a Teoria do Capital Humano a educação: atribuir a essa última a importância  
de investimento cujo resultado do acúmulo é o aumento da produtividade do  
indivíduo-trabalhador e a constante maximização de seus rendimentos durante  
a vida.  
Para além dos dispositivos de normalização e medicalização, (Gadelha 2018)  
afirma que o neoliberalismo desenvolveu a partir de 1980 tecnologias de gestão  
empresarial,pormeiodadisseminaçãodeculturascomoasdoempreendedorismo,  
da autoajuda empresarial, coaching, networking e programação neurolinguística,  
comoobjetivodeaperfeiçoarogovernodascondutasedoscorpos-subjetividades  
economicamente úteis.  
Viver em meio ao neoliberalismo implica lidar com uma demanda vital, que não é  
outra senão não a de que cada indivíduo deve garantir, não só a qualificação de sua  
vida e de sua própria subsistência, mas, através de ambas, na sua inclusão social e o  
enriquecimento de suas relações de sociabilidade (Gadelha, 2018, p. 241).  
Essa realidade implica na necessidade de uma agenda educacional capaz  
de consolidar os princípios da liberdade individual de escolha e da meritocracia  
como valores sociais inquestionáveis e suscitar iniciativas governamentais  
eficientes de individualização e integração dos indivíduos ao mercado por meio  
da produção de subjetividades adaptativas e flexíveis.  
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Normalização e Educação: Inclusão?  
As tecnologias e estratégias de biopoder e governamentalidade que,  
conforme mencionado anteriormente, encontraram na infância o seu espaço  
privilegiado de exercício, apoiadas sobre dispositivos de saber-poder médico,  
ampliam constantemente seu escopo de atuação, investindo sobre corpos  
historicamente marginalizados suas estratégias de direção de conduta e  
normalização. Essa capilarização do poder encontrou no campo educacional um  
dos seus espaços mais sofisticados em que, por meio da apropriação do tema da  
inclusão, torna possível a classificação em grupos e a gestão da anormalidade.  
no final do século XIX e começo do século XX, se dá o início da classificação dos alunos  
de acordo com suas capacidades e da separação-confinamento dos anormais em  
instituições especializadas. Saberes médicos e biológicos, ao se unirem às estratégias  
disciplinares e de regulação, se potencializaram de modo a fazer da aprendizagem um  
processo biológico que devia ser desenvolvido. Assim, a aprendizagem no biopoder  
emerge como algo que deveria ser orientado no interior das salas de aula, ou seja,  
caberia ao professor possibilitar um processo que aconteceria de forma espontânea  
na criança (Lopes, 2015, p. 295).  
Nesse sentido, Veiga-Neto (2000) afirma que a escola, pensada a partir  
da perspectiva foucaultiana, opera como uma dobradiça entre as estratégias e  
práticas de condução individuais e populacionais, imbricando a relação entre  
biopoder e educação. Seu efeito imediato é a intensificação dos processos de  
normalização e gestão das liberdades individuais.  
Lopes (2015), afirma que as práticas de normalização e de inclusão guardam,  
a partir da Modernidade, uma relação de imanência na qual as tecnologias  
discursivas e de saber-poder estabelecem a importância social do conceito de  
inclusão e convertem a educação em campo privilegiado para a sua efetivação  
por meio de políticas públicas e leis que devem ser pensadas em sua íntima  
articulação com as estratégias neoliberais.  
O século XX testemunha a emergência de uma miríade de discursos e ações  
cujo escopo é a inclusão social de pessoas com deficiências. Na educação,  
também os transtornos específicos de aprendizagem passam a habitar esse  
espaço de saber-poder a ponto de Acorsi (2011) afirmar que “a inclusão nas escolas  
brasileiras é um fato” (p. 169). Tal afirmação encontra respaldo nos dados oficiais:  
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em 2009, o número de matrículas de estudantes público-alvo da educação  
especial na educação básica representava apenas 1,2% do total, cerca de 640 mil  
registros; já em 2023, esse contingente alcançou aproximadamente 1,8 milhão  
de matrículas, correspondendo a 3,7% do total10.  
Entretanto, esse caráter fático suscita uma série de problematizações,  
pois de acordo com Acorsi (2011), enquanto materializam o processo de inclusão  
escolar, os dados estatísticos também servem para marcar um limiar entre  
exclusão e inclusão em termos de discursos oficiais como uma realidade cuja  
verdade dispensa questionamentos.  
Nesse contexto, em que incluir todos na escola se converte em uma meta educacional,  
problematizar o processo de inclusão passa a ser praticamente “uma indecência”,  
já que os esforços para transformar todas as escolas em escolas inclusivas têm se  
intensificado consideravelmente nos dias de hoje. [...] Entretanto o que me preocupa  
nesse contexto é a naturalização do processo de inclusão, visto que as vozes que  
tratam dessa questão são cada vez mais polifônicas e procuram por receitas, métodos,  
fórmulas para finalmente incluir a todos (Acorsi, 2011, p. 171).  
Osdiscursossobreainclusãoescolarenquantodireitodetodososindivíduos,  
fundamentados em dados estatísticos, discursos médicos e procedimentos  
normalizadores, assume a função de ferramenta teórica cuja finalidade é  
apresentar soluções para os problemas que se multiplicam na educação,  
contribuindo para a sua banalização e para o esvaziamento das reflexões  
comprometidas com a busca do real sentido subjacente a essas práticas. Ao  
assumir o status do que Foucault (2008b) define como caso, entendido como um  
fenômeno coletivo a ser avaliado em termos de risco, perigo, crise, os indivíduos  
que são alvo das políticas de inclusão escolar passam a ser identificados e  
avaliados para sua integração ao campo da população de forma eficiente.  
Faz-se necessário problematizar o conceito de inclusão, que deve ser  
entendido não somente como “abrir os portões da escola a todas as crianças,  
colocando-as para dentro” (Acorsi, 2011, p. 172). Entendida dessa forma, a inclusão  
estaria reduzida à presença física coletiva em um mesmo espaço, sem uma  
análise crítica dos processos de subjetivação, normalização e governamento  
subjacentes.  
A multiplicação dos discursos e discussões sobre a questão da diferença  
10 EQUIPE DIVERSA. Painel de Indicadores da Educação Especial é atualizado com dados do Censo Escolar 2023.  
Diversa, 16 ago. 2024. Disponível em: https://diversa.org.br/noticias/painel-de-indicadores-da-educacao-especial-e-atua-  
lizado-com-dados-do-censo-escolar-2023/. Acesso em: 16 ago. 2025).  
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assegurasuapresençaconstantenasescolasemtermosdepolíticaspúblicaspara  
ainclusão,detalformaqueeducarnadiferença;educarparaadiferençapassaram  
a ser palavras de ordem em planos de educação de órgãos governamentais, em  
projetos políticos pedagógicos de escolas, em projetos de organizações não  
governamentais” (Gallo, 2001, p.7). Mas essa colonização discursiva tem como  
efeito prático um processo de apagamento dessas diferenças e particularidades  
individuais, uma contenção das diferenças, diria Foucault (2001), por meio de um  
processo de normalização das condutas.  
Se na relação direta com o indivíduo o Estado operava com a lógica da normação – a  
partir da norma, determina-se o normal e o anormal (movimento típico da sociedade  
disciplinar) –, na relação com a população o Estado necessitou operar com a  
normalização–apartirdonormalsedeterminaanorma–(movimentotípicodasociedade  
de seguridade). Em ambos os casos, decorrentes da norma, estão implicadas as  
necessidades de tradução, diagnóstico, classificação, ordenamento, hierarquização,  
regulamentação, controle e normalização. Cada necessidade apontada associa-se a  
um tipo de operação da norma, ou seja, algumas estão na ordem do indivíduo, outras  
estão na ordem da população que se quer conhecer e governar (Lopes e Dal’Igna (2012,  
p. 855-856).  
Emtermosdeeducaçãoinclusiva, faz-senecessárioseuentendimentocomo  
uma estratégia de governamento de Estado cujo objetivo é produzir resultados  
estatísticos, disciplinamento de corpos e controle de populações, determinando  
os limites do que pode ser considerado normal, promovendo um gerenciamento  
das diferenças e, a produção de saberes sobre esses grupos a partir dos dados  
extraídos das estatísticas e relatórios. Isso torna possível a elaboração de  
estratégias de governo das condutas alinhadas à redução de todos os indivíduos  
ao conceito capital humano e, consequentemente, a sua exploração eficiente  
pelos dispositivos neoliberais.  
Deve-se, entretanto, reconhecer que apesar desses discursos e estratégias  
de apagamento das diferenças por meio da inclusão social de todos, os  
indivíduos que são alvo dessas políticas públicas e ações estatais, permanecem  
vivendo formas de vida precárias, em que a realidade constante são formas de  
subemprego mal remuneradas, discriminação e uma invisibilidade camuflada  
sob dados e estatísticas. Nas palavras de Lopes (2015, p. 298) “a exclusão, nesses  
casos, não se dá por oposição à inclusão, mas ambas – a inclusão e a exclusão –  
são processos que se complementam forjando um ao outro, pois um só existe na  
medida em que existe o outro”.  
É sob essa perspectiva que Lopes (2015) assume o termo in/exclusão como  
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forma de assinalar a sua relação de imanência, pois, ao contrário do que propagam  
os discursos, essa relação caracteriza o modo contemporâneo de gestão social  
marcado por processos de subjetivação produtores de condições desiguais  
de participação na sociedade, mascarados por discursos que preconizam a  
superação das diferenças e a promoção da igualdade de direitos e condições.  
Caminho sem volta? É possível pensar alternativas para a inclusão que  
escapem às estratégias de governamento do Estado neoliberal? Novamente é  
a filosofia que aponta o caminho. Foucault (1988), ao afirmar que todos estão  
imersos em relações de poder cuja natureza é a imanência e, ao defender que  
o poder carrega em seu âmago a própria possibilidade de resistência, explicita  
a possibilidade de criação de formas de subjetividade inclusivas. Nelas, a  
sensibilidade aos problemas sociais e a compreensão de que a inclusão não deve  
servir como processo homogeneizante que desconsidera as condições objetivas  
de vida, deve ser o ponto de partida para a criação de práticas de cuidado de si  
e dos outros capazes de restituir às diferenças sua centralidade na existência  
humana. Afinal, “de que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas  
a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível,  
o descaminho daquele que conhece?” (Foucault, 1984, p. 13).  
Considerações finais  
Este artigo buscou lançar luz sobre as racionalidades e estratégias  
que sustentam as políticas de educação inclusiva em contextos marcados  
pelo neoliberalismo. Ao mobilizar os conceitos foucaultianos de biopolítica,  
governamentalidade e normalização, evidenciou-se que os discursos e práticas  
que tem como alvo a educação inclusiva operam como instrumentos produtores  
de subjetividades e regulação das condutas, promovendo uma invisibilização das  
diferenças humanas.  
Nesse cenário, a inclusão se converte em exigência de eficiência técnica e de  
adaptação ao mercado, mascarada por discursos universalizantes de equidade  
e igualdade A fragilidade das políticas públicas e o alinhamento com a lógica  
da responsabilização individual revelam a redução do sujeito a capital humano,  
mais ajustado às necessidades do sistema econômico do que às potencialidades  
singulares de cada pessoa. Em vez de promover a valorização das diferenças  
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como potência transformadora, a inclusão é capturada por uma racionalidade  
que converte a escola em espaço de adestramento para a produtividade.  
Os dados estatísticos que apontam a ampliação das matrículas na educação  
básica não podem ser tomados como sinônimo de inclusão efetiva, pois ocultam  
precariedades, silenciamentos e a persistência das desigualdades estruturais.  
É, portanto, urgente desnaturalizar os discursos hegemônicos sobre inclusão,  
colocando-os sob a lente crítica da arqueo-genealogia foucaultiana, a fim de  
tensionar a produção das verdades sobre os sujeitos e criar condições para  
práticas pedagógicas que favoreçam formas alternativas de subjetivação e  
cuidado.  
A educação, nesse sentido, deve assumir o papel de espaço de produção  
de subjetividades inclusivas, nas quais as diferenças sejam reconhecidas e  
valorizadas como expressão da própria condição humana. Compreender os  
interesses neoliberais que permeiam as políticas inclusivas é passo essencial  
para desmontar seus discursos e reorientar a prática pedagógica para além da  
incorporação ao mercado de trabalho, entendendo a inclusão como experiência  
de convivência, emancipação e resistência.  
Por fim, destaca-se como caminho para investigações futuras a  
problematização do papel do professor como sujeito central no processo  
educativo. Em meio ao avanço das racionalidades neoliberais sobre a educação  
inclusiva, torna-se urgente a construção de estratégias que produzam  
subjetividades críticas e subversivas, capazes de afirmar um mundo no qual a  
diferença se sobreponha à normalidade.  
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DOSSIÊ  
PRÁTICA PEDAGÓGICA E INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO  
ESPECIAL  
PEDAGOGICAL PRACTICE AND SCHOOL INCLUSION IN BRAZIL: TEACHER TRAINING IN SPECIAL  
EDUCATION  
1
Jackeline Miranda de Barros  
https://orcid.org/0000-0001-7364-2539  
http://lattes.cnpq.br/9953567281062166  
2
Yara Fonseca de Oliveira e Silva  
https://orcid.org/0000-0001-5725-478X  
http://lattes.cnpq.br/1269420694190937  
Recebido em: 1º de junho de 2025.  
Revisão final: 14 de setembro de 2025.  
Aprovado em: 27 de setembro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23479  
1 Mestrado em Educação, Linguagem e Tecnologia, Especialização em Educação Infantil e em Psicopedagogia. Gra-  
duação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás, graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás e  
graduação em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atualmente, é servidora pública efetiva  
da Secretaria Estadual de Educação de Goiás e da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. E-mail: jackmbarros@  
gmail.com  
2 Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ). Mestre em Educação pela Universidade Federal  
de Goiás (UFG). Especialista em Psicopedagogia (ULBRA/RS) e em Avaliação Institucional (UEG/GO). Graduada em  
Pedagogia (PUC-GO). Atua como professora titular da Universidade Estadual de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa  
Políticas Educacionais e Formação de Professores da GPEFORP/CNPq/UEG/GO. E-mail: yara.silva@ueg.br  
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DOSSIÊ  
RESUMO: O estudo objetiva analisar a relação entre a formação docente e a prática pedagógica,  
na educação especial na perspectiva inclusiva amparada pelas reflexões de autores como Michels  
(2017) e Mazzotta (2011) e ainda associada a análise de marcos legislativos como a LDBEN (1996)  
e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008).  
Conclui-se a necessidade de uma política de formação docente coesa e contínua que sustente práti-  
cas pedagógicas inclusivas e supere as dualidades históricas.  
Palavras-chave: formação docente, prática pedagógica, pessoas com deficiência, inclusão escolar.  
ABSTRACT: This study aims to analyze the relationship between teacher training and pedagogical  
practice in special education from an inclusive perspective, supported by the reflections of authors  
such as Michels (2017) and Mazzotta (2011). It also includes an analysis of legislative milestones  
like the LDBEN (1996) and the National Policy on Special Education from the Perspective of Inclusive  
Education (PNEEPEI, 2008). We conclude that there is a need for a cohesive and continuous teacher  
training policy that can support inclusive pedagogical practices and overcome historical dualities.  
Keywords: teacher training, pedagogical practice, people with disabilities, school inclusion.  
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DOSSIÊ  
INTRODUÇÃO  
Esse estudo propõe uma análise crítica da trajetória histórica observada  
na formação de professores (as) para a educação especial no Brasil e refletir  
acerca da intrínseca relação entre a formação docente e a prática pedagógica na  
perspectiva da inclusão escolar de pessoas com deficiência proposta na Política  
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI)  
(BRASIL, 2008a).  
A PNEEPEI definiu como público da educação especial os estudantes  
com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/  
superdotação e orientou os sistemas de ensino a promoverem respostas às  
necessidades educacionais específicas que esses estudantes apresentassem,  
preferencialmente na escola comum.  
Noqueserefereàformaçãodos(as)professores(as), essemesmodocumento  
do MEC, definiu que:  
Paraatuarnaeducaçãoespecial,oprofessordevetercomobasedasuaformação,inicial  
e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos  
específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento  
educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da  
atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de  
atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições  
de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a  
oferta dos serviços e recursos de educação especial (BRASIL, 2008a).  
Otextoemdestaqueafirmaaimportânciadaformaçãodos(as)professores(as)  
para atuarem na educação especial e deixa evidente a especificidade dos(as)  
profissionais de apoio, dentre os(as) quais o(a) professor(a), o(a) professor(a) de  
AEE, com especialização necessária para área de educação especial/inclusão  
escolar, bem como o(a) professor(a) da sala comum do ensino regular, com  
demanda de formação inicial e continuada. Enfatiza também a necessidade  
de uma base sólida de conhecimentos gerais e específicos para o exercício da  
docência, de modo a possibilitar a atuação do(a) professor(a) em diferentes  
ambientes e contextos, desde as salas comuns do ensino regular até ambientes  
domiciliares, para garantir a oferta de serviços e recursos de educação especial.  
Assim, torna-se relevante refletir sobre a trajetória e as discussões atuais  
acerca da formação de professores (as) para o ensino de estudantes com  
necessidades educacionais específicas. A formação, seja inicial ou continuada,  
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DOSSIÊ  
é a base para o desenvolvimento da prática pedagógica, e compreender seus  
desafios e avanços é fundamental para garantir uma educação verdadeiramente  
inclusiva.  
FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL – UM BREVE HISTÓRICO  
A busca por uma educação especial em uma perspectiva inclusiva não nasce  
da noite para o dia, pois é fruto de um processo sócio-histórico que conjuga  
interesses e contingências de diferentes atores. A temática sobre a inclusão  
escolar de pessoas com deficiência assume relativa importância nos debates da  
área educacional a partir da década de 1990, e, portanto, pensar sobre a formação  
de professores(as), tanto inicial quanto continuada, constitui um desafio a ser  
enfrentado pelas instituições acadêmicas.  
Para a construção de uma escola inclusiva, há de se considerar a prática  
pedagógica organizada para o atendimento das necessidades educacionais  
específicas de todos os estudantes, dentre os quais, aqueles com deficiência.  
O exercício da prática pedagógica demanda do(a) professor(a) uma base teórica  
sólida, que contribua efetivamente para que pense e planeje as atividades do  
dia a dia. É essencial que o(a) docente disponha de conhecimentos para além  
do conteúdo curricular que leciona, o que implica em uma visão ampla, que  
compreenda o papel da educação.  
Alegislaçãoemvigorinfluenciaeorientaasaçõespedagógicasdesenvolvidas  
no espaço escolar, mas não determina de fato os acontecimentos em cada  
instituição. Em facedomododevida social, aescolaassumeformaindeclinável de  
cenário para as apropriações do conhecimento elaborado pelos seres humanos.  
Assim, as transformações em busca de uma escola inclusiva perpassam por  
mudanças na formação de professores(as) e pela prática pedagógica, fatores  
importantes para tal empreitada.  
Para discutir as questões acerca das práticas pedagógicas que se pretendam  
inclusivas, não há caminho possível senão o da reflexão sobre o processo de  
formação de professores(as) para a educação especial no Brasil, que teve início  
na década de 1970 como uma habilitação do curso de Pedagogia.  
De acordo com Michels (2017, p. 24),  
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A formação de professores para a Educação Especial no Brasil, em nível superior, se  
iniciou em 1972 como habilitação específica do curso de Pedagogia. Essa possibilidade  
de formação teve início por meio do Parecer do Conselho Federal de Educação  
nº 252/69, cujo relator foi Valnir Chagas, e que instituiu a formação docente e de  
especialistas em educação, regulamentando as habilitações de Magistério, Orientação  
Educacional, Administração Escolar, Supervisão Escolar e Inspeção escolar, dentro do  
curso de Pedagogia.  
O parecer citado pela autora está relacionado com as mudanças propostas  
pela Reforma Universitária implementada pela Lei n.º 5.540/1968, que buscou  
atender à demanda de força de trabalho e de formação de estudantes decorrente  
da expansão do desenvolvimento econômico do país durante aquele período.  
A organização social, em sua totalidade e orientada então por essa demanda,  
repercutiu na formulação dos currículos de formação de professores(as), que  
passaram a incluir a disciplina Economia da Educação em alguns cursos de  
Pedagogia.  
As primeiras propostas de formação de professores(as) para atuarem na  
educação especial se deram no bojo das mudanças desencadeadas por essa  
discutível reforma. Nasceu daí a concepção de especialização requerida para  
o ensino dos diferentes, verificada na ênfase dada a técnicas e recursos muito  
específicos.  
Bueno (2002) explica que a Lei n.º 5.692/1971 corroborou essa dualidade  
formativa, na medida em que esse documento legal definiu a formação de  
professores(as) e de especialistas para o ensino dos então denominados 1º e 2º  
graus. No documento original, o Art. 29 determina:  
A formação de professôres e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita  
em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais de  
cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada  
grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de  
desenvolvimento dos educandos (BRASIL, 1971, p. 06).  
Essa regulamentação confirmou uma diferenciação formativa entre  
professores(as) para a docência no 1º grau (etapa correspondente na atualidade ao  
Ensino Fundamental ) e no 2º grau (equivalente ao atual Ensino Médio), sendo que  
dos primeiros era exigida a qualificação mínima de magistério (2º grau técnico)  
ou superior. A graduação profissional em nível superior poderia ser licenciatura  
plena ou curta, o que implicava em formações distintas para a mesma função.  
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O curso de Pedagogia poderia ser ofertado com longa ou curta duração,  
e o currículo era estruturado em habilitações específicas, a depender das  
especialidades escolhidas: formação de profissionais para o magistério, e  
supervisão, orientação ou inspeção escolar. Para essa última especialidade, o  
curso era de caráter mais técnico.  
Aindanadécadade1970,apublicaçãodoParecern.º252peloMECcorroborou  
esse entendimento de dualidade ao criar o Centro Nacional de Educação  
Especial (CENESP)3, primeiro órgão de política para o setor. Reforçaram-se, assim,  
a exclusão dos estudantes com deficiência, mediante a segmentação dos sistemas de  
ensino entre “comum” e “especial”, incluindo aí a ideia de uma formação diferenciada  
de professores(as) específica para cada sistema.  
Bueno(1993)explicaque,acontardessemomento,aformaçãodeprofissionais  
para atuarem na educação especial ficou a cargo do CENESP, bem como seus  
respectivos planos de ação e programas. Foram também definidas metas para  
a qualificação dos(as) profissionais, abrangendo os diferentes níveis de pós-  
graduação: doutorado, mestrado e especialização. Também houve a criação de  
cursos de licenciatura para a educação especial, dentre outras iniciativas.  
A tendência pedagógica tecnicista dessa fase alcançou também a área  
da educação especial e orientou a perspectiva crescente de lidar com as  
questões relativas à aprendizagem das pessoas com deficiência. A lógica  
agora era a “correção” das divergências sensoriais, cognitivas e motoras, por  
meio da especificação de técnicas e recursos de aprendizagem, confirmando a  
intenção de segregar os ditos anormais. O princípio de normalização estabeleceu  
então os “critérios de pertencimento” ao ensino regular, ou de segregação, e  
forçosamente delineou um perfil de profissional “especialista”, em oposição a  
outro “generalista”, para o ensino dos estudantes sem deficiência, gerando uma  
dualidade de percursos formativos.  
A formação em nível superior dos(as) professores(as) especialistas em  
educação especial foi proposta como habilitação do curso de Pedagogia. Assim  
explica Michels (2017 p. 30):  
3 CENESP – O Centro Nacional de Educação Especial foi um órgão criado no Brasil pelo Decreto nº 72.425, de 3 de  
julho de 1973, durante o governo Médici, com o objetivo de gerir a Educação Especial no país. Sua função era promover  
a expansão e a melhoria do atendimento a pessoas com deficiência e superdotação, impulsionando ações e políticas nessa  
área.  
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Com este encaminhamento se propôs a formação, em um mesmo curso, de dois  
profissionais: o professor do ensino básico e os especialistas. Os primeiros teriam  
como base a formação docente, o “ser professor”; já os especialistas teriam como  
máxima na sua formação as especificidades de cada uma de suas áreas. Enquanto os  
primeiros teriam sua formação centrada na ação pedagógica realizada em sala de aula,  
os segundos teriam pouco preparo como professor, tendo como centralidade na sua  
formação as especificidades da habilitação.  
Essaformaçãoprofissionalestavaassentadanacompreensãodedeficiência  
influenciada pelo modelo médico vigente, que buscava a normalização do déficit e  
a aproximação de um padrão estabelecido de corporeidade, de modo que aqueles  
que não estivessem “aptos” não poderiam ser incorporados ao sistema regular  
de ensino. Conforme Jannuzzi (2012 p. 37), a teoria da “normalização” nasceu na  
Dinamarca, onde foi incorporada na legislação em 1959, e tinha como objetivo  
“[...] criar condições de vida para a pessoa retardada mental semelhantes, tanto  
quanto possível, às condições normais da sociedade em que vive”.  
A ênfase dada a esse ponto nesta análise está na importância de se  
compreender que a especialização a que se refere o trecho citado anteriormente  
está relacionada com a formação desses profissionais em uma perspectiva  
compensatória e reabilitadora, centrada no ensino para a “superação” das  
diferenças individuais. Isso terminou por reforçar a exclusão desses estudantes  
do ensino regular, em detrimento dos benefícios do processo de escolarização,  
em seu sentido amplo.  
A partir da década de 1980 e até o fim da década de 1990, os sistemas de  
ensino viveram os reflexos da transição para a perspectiva integradora da  
educação especial. De acordo com Jannuzzi (2004, p. 11),  
[...] a teoria da integração pregava a não-extinção dos serviços existentes nas  
instituições, mas procurava colocar a pessoa com deficiência na rede regular, com  
acompanhamento e criação de condições de atendimento. Havia a necessidade da  
implantação dos serviços necessários complementares na educação regular, salas de  
recursos, salas de apoio pedagógico para esse atendimento a fim de garantir-lhes a  
permanência.  
Ao tomar por base o exposto, fica demonstrado que, ao se considerarem as  
características individuais de natureza sensorial, cognitiva e motora das pessoas  
com deficiência, o papel dos sistemas de ensino para garantir as condições  
de aprendizagem desses sujeitos como estudantes foi minimizado, isto é, os  
aspectos individuais foram sobrepostos aos econômicos, sociais e políticos  
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quando foram pensadas as questões do ensino. Nesse contexto, a formação  
do(a) professor(a) especialista em educação especial acompanhou a orientação  
da política de “integrar” o(a) estudante com deficiência no ensino regular, caso  
houvesse o desenvolvimento dos requisitos necessários a esse modelo.  
Durante os anos de 1980, no Brasil, a integração foi a base da formação de professores  
de Educação Especial. Neste período, a formação do chamado “especialista”, ou  
melhor, do habilitado em educação especial nos cursos de Pedagogia, centrava-se na  
possibilidade de inserção dos estudantes considerados deficientes na rede regular  
de ensino. Tal inserção, porém, estava sujeita ao desenvolvimento apresentado pelos  
estudantes, suas condições físicas, emocionais e intelectuais (MICHELS, 2017, p. 39).  
Fica demonstrado que a dualidade de atuações permaneceu nessas  
duas décadas quanto à orientação das práticas realizadas nos contextos das  
escolas especial e comum, e confirmou a necessidade crescente de revisão  
desse maniqueísmo formativo. Contudo, convém lembrar que essa perspectiva  
integradora não alcançou o êxito esperado. Em razão do insucesso da política de  
educação especial na perspectiva de integração, ou seja, integrar os estudantes  
com deficiência nas salas regulares, a culpabilização pelo fracasso, como de  
costume, recaiu sobre o preparo inadequado dos(as) professores(as) para receber  
esses sujeitos na escola comum e suscitou um intenso debate sobre a urgência  
de alterações na formação profissional.  
Não restam dúvidas de que a formação de professores(as) é relevante  
para o desenvolvimento acadêmico das pessoas com deficiência; todavia, é  
preciso considerar que, com a organização do ensino especializado em bases  
organicistas, houve um descuido com o fazer pedagógico propriamente dito.  
Assim, a responsabilização pelo fracasso da proposta integradora não pode ser  
creditada unicamente às práticas desses(as) profissionais.  
Na década de 1990, as discussões internacionais sobre a perspectiva  
inclusiva ganharam corpo também no Brasil. Temas como “preparação da escola”,  
flexibilização curricular, dentre outros, passaram a fazer parte dos debates,  
de modo que a formação de professores(as) para esse novo modelo assumiu  
uma nova centralidade no eixo acadêmico e político. Se durante a vigência da  
concepção integradora da educação especial a escola ficou isenta da atribuição  
de promover a aprendizagem de todos os sujeitos, em tempos de perspectiva  
inclusiva, a instituição foi chamada a repensar suas práticas e a promover  
mudanças estruturais e pedagógicas por meio da adaptação da aprendizagem às  
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necessidades dos estudantes em toda a sua diversidade.  
É oportuno lembrar que na Declaração de Salamanca (1994), endossada pelo  
Brasil, a inclusão é apresentada como um avanço em relação à integração, além  
de ensejar a reestruturação dos sistemas de ensino, e não apenas a “superação”  
dos déficits individuais, e indicar que a formação de professores(as) compunha  
a estrutura de ação para a inclusão. A diferenciação entre as duas perspectivas  
está relacionada com a ênfase dada ao papel da escola e da sociedade para o  
desenvolvimento de todos.  
A perspectiva da inclusão e da integração adotou como princípio agregar as  
pessoas com deficiência ao sistema educacional, mas divergiu em dois aspectos  
fundamentais, na visão de Bueno (1999, p. 2):  
[...] a integração tinha por pressuposto que o problema residia nas características das  
crianças excepcionais, na medida que centrava toda sua argumentação na perspectiva  
da detecção mais precisa dessas características e no estabelecimento de critérios  
baseados nessa detecção para a incorporação ou não pelo ensino regular, expresso  
pela afirmação “sempre que suas condições permitirem”. A inclusão coloca a questão  
da incorporação dessas crianças pelo ensino regular sob outra ótica, reconhecendo a  
existência das mais variadas diferenças.  
E Carvalho (2012) reforça que a proposta de inclusão é muito mais abrangente  
e significativa do que o simples fazer parte da escola, e que essa perspectiva  
não cumpre seu papel sem assegurar e garantir a ativa participação de todos  
os estudantes em todas as atividades dos processos de ensino-aprendizagem,  
principalmente em sala de aula.  
O autor transcende a ideia de “estar na escola”, e propõe outro patamar  
de participação ativa de todos os estudantes nas atividades escolares. O  
ponto é crucial, pois desvela uma fragilidade da compreensão de inclusão  
escolar enquanto o simples ato da matrícula de estudantes com necessidades  
educacionais especiais em classes regulares, sem a garantia das condições  
necessárias para sua efetiva integração e desenvolvimento.  
Na percepção de Carvalho (2012), incluir não é um mero ato administrativo,  
masumprocessodinâmicoecontínuoqueexigeadaptaçãocurricular,estratégias  
pedagógicas diferenciadas e, acima de tudo uma cultura de coexistência que  
busca a colaboração, o engajamento e a personalização do ensino, a fim de  
atender às demandas específicas de cada estudante.  
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A PERMANENTE DUALIDADE DE PERCURSOS FORMATIVOS APÓS A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO  
ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA  
A perspectiva inclusiva da educação especial conferiu visibilidade a diversos  
problemas históricos e estruturais que as escolas já vinham enfrentando,  
dos quais podem-se destacar: as condições precárias de ensino, a pobreza, a  
carência de recursos humanos e materiais, dentre tantos outros. No bojo de  
tantas demandas, a formação de professores(as) como agentes centrais do  
processo de inclusão compõe o cenário de discussões.  
Nesse contexto, vale recorrer à Lei de Diretrizes e Bases da Educação  
Brasileira (LDBEN) de 1996, que estabelece em seu Art. 62:  
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em  
curso de licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores  
de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na  
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental a oferecida em  
nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996, p. 48).  
A ambiguidade formativa é mantida nessa LDBEN quanto ao nível de  
formação exigida para professores(as) da Educação Infantil e as séries iniciais  
do Ensino Fundamental, permanecendo a possibilidade de exercício da docência  
a profissionais com nível médio (magistério) ou superior (pedagogia ou normal  
superior). Em relação ao local de formação dos(as) profissionais, o Art. 63 da  
mesma lei estabelece:  
Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais  
para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de  
docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;  
II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação  
superior que queiram se dedicar à educação básica; III – programas de educação  
continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis (BRASIL, 1996, p. 49).  
ALDBENnormatizouqueaformaçãopoderiaocorrertantoemuniversidades,  
em cursos de licenciatura plena, como nos institutos de educação superior, em  
cursos denominados normal superior.  
Outras medidas legais foram tomadas pelo Governo Federal em relação  
à formação de professores(as) para a educação especial. A Resolução CNE n.º  
02/2001, que instituiu as “Diretrizes nacionais para a educação de estudantes  
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DOSSIÊ  
que apresentem necessidades educacionais especiais na Educação Básica”,  
classificou os(as) professores(as) que trabalhavam com estudantes portadores  
de necessidades educacionais especiais4 em dois tipos distintos: os capacitados  
e os especializados. A diferenciação entre ambos está discriminada no Art. 18 da  
Resolução:  
§ 1º São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com  
estudantes que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que com-  
provem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos  
sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores  
para:  
I- perceber as necessidades educacionais especiais dos estudantes e valorizar a  
educação inclusiva;  
II- flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo  
adequado às necessidades especiais de aprendizagem; A formação de professo-  
res de Educação Especial no Brasil.  
III- avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de  
necessidades educacionais especiais;  
IV- atuar em equipe, inclusive com professores (as) especializados em educação es-  
pecial.  
§ 2º São considerados professores especializados em educação especial aqueles que  
desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais espe-  
ciais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de  
flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas  
alternativas, adequadas aos atendimentos das mesmas, bem como trabalhar em equi-  
pe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para pro-  
mover a inclusão dos estudantes com necessidades educacionais especiais.  
§ 3º Os professores especializados em educação especial deverão comprovar:  
I- formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas  
áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para  
a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental;  
II- complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educa-  
ção especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para  
atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio;  
§ 4º Aos professores que já estão exercendo o magistério devem ser oferecidas opor-  
tunidades de formação continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instân-  
cias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL,  
2001b, p. 13).  
4 Terminologia adotada no período histórico em destaque e usado por muito tempo para se referir aos estudantes com de-  
ficiências ou outras dificuldades de aprendizagem. Embora tenha sido criado com a intenção de reconhecer as diferenças  
e as necessidades específicas desses estudantes, a expressão não é utilizada atualmente sob a perspectiva dos princípios  
da educação inclusiva.  
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DOSSIÊ  
Otextodestacadoinformaqueaformaçãodeprofessores(as)capacitados(as)  
e especializados(as) poderia ocorrer em dois níveis: médio ou superior para os(as)  
professores(as) capacitados(as), e em nível superior ou de pós-graduação para  
os(as) especializados(as).  
Para os(as) professores(as) capacitados(as), houve uma indicação de  
que disciplinas ou tópicos relacionados à educação de estudantes com  
deficiência fossem incluídos no currículo, enquanto os(as) professores(as)  
especializados(as) seriam responsáveis pela orientação das ações pedagógicas  
dos(as) professores(as) capacitados(as). Isto é, a formação em nível superior  
foi enfatizada, seja mediante cursos de licenciatura, especialmente no campo  
da pedagogia com ênfase na educação especial, seja por meio de cursos de  
especialização.  
Assim, a Resolução CNE n.º 02/2001 despontou como uma peça central  
nesse panorama, redefinindo e delineando a variedade de níveis e os tipos de  
formação possíveis para professores (as) da educação especial. O texto aponta  
que a formação de professores(as) para a educação especial, no âmbito do curso  
de pedagogia, formalizou uma mudança em razão da necessidade de abordagens  
mais especializadas e aprofundadas para lidar com as demandas específicas dos  
estudantes a serem atendidos.  
Aambiguidadeformativaquantoaonível,classificandoos(as)professores(as)  
em capacitados(as) e especializados(os), e quanto ao lócus são apenas algumas  
das complexidades enfrentadas nesse novo cenário e parecem inerentes a essa  
questão. Como consequência, houve uma complexa interseção entre a pedagogia  
tradicional e as abordagens personalizadas.  
A coexistência desses dois grupos de profissionais levanta questões sobre  
a profundidade e a abrangência da formação oferecida. Enquanto a formação  
dos(as) professores(as) capacitados(as) requeria uma compreensão básica  
das necessidades educacionais especiais e estratégias de inclusão, a dos(as)  
professores(as) especializados(as) deveria ser mais intensiva e focada. Esse fato  
suscitou a preocupação de que a qualidade formativa poderia ficar comprometida  
sob certas circunstâncias, devido à falta de recursos ou de capacidade das  
instituições.  
O Art. 5º Resolução CNE n.º 02/2001 considerou como estudantes com  
necessidades educacionais especiais (NEE), aqueles que,  
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DOSSIÊ  
[...] durante o processo educacional, apresentarem: I- dificuldades acentuadas  
de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o  
acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a)  
aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a  
condições, disfunções, limitações ou deficiências; II- dificuldades de comunicação  
e sinalização diferenciadas dos demais estudantes, demandando a utilização de  
linguagens e códigos aplicáveis; III- altas habilidades/superdotação, grande facilidade  
de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e  
atitudes (BRASIL, 2001b).  
A tendência inclusivista alcançou mais espaço com a publicação em 2006  
das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia pelo Ministério  
da Educação, que marcaram um ponto de virada significativo na formação de  
professores(as) no Brasil, particularmente na área da educação especial. Essas  
diretrizes vieram acompanhadas de transformações cruciais na política de  
educação especial, que indicaram a aproximação com uma abordagem mais  
inclusiva, como ficou evidenciado posteriormente no documento “Política  
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (Brasil,  
2008a). Essas mudanças sinalizaram uma guinada em direção à inclusão  
dos sujeitos da educação especial nas escolas comuns, que até então eram  
frequentemente escolarizados nas instituições especializadas, e demonstraram  
como as transformações políticas e curriculares caminhavam de mãos dadas.  
Como visto anteriormente, a reformulação mais incisiva dessa tendência  
na política educacional foi ratificada pelo documento “Política Nacional de  
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (PNEEPEI), de 2008,  
que delineou uma nova abordagem para a formação de professores(as) para  
a educação especial. O enfoque agora volta-se para a inclusão dos sujeitos da  
educação especial nas escolas comuns, e a intenção implícita passou a ser a  
transformação dos sistemas educacionais em sistemas inclusivos. Começou-se  
também a adotar o conceito de Atendimento Educacional Especializado (AEE),  
em conformidade com a Resolução n.º 02/2001 do CNE (Brasil, 2001b).  
A abordagem que até então dividia os cursos de especialização por áreas  
de deficiência foi substituída pela possibilidade de centrar o foco no AEE como  
um todo. A ambiguidade das opções e a evolução das estratégias de formação  
apontam que uma abordagem mais coordenada e direcionada foi e continua  
sendo necessária para prover aos(às) professores(as) capacitados(as) ou  
especializados(as) as habilidades e os conhecimentos necessários para enfrentar  
os desafios educacionais que estão em constante mudança.  
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DOSSIÊ  
A formação dos(as) profissionais que atuariam no AEE foi deslocada para os  
cursos de licenciatura em educação especial e/ou cursos de aperfeiçoamento,  
mas essa nova política também reforçou a ambiguidade, já que professores(as)  
formados(as) em diferentes licenciaturas trabalhariam com os mesmos  
estudantes em ambientes regulares.  
Acrescentechegadadepessoascomdeficiêncianassalasdeaulademandou  
a necessidade de adequar a formação de professores(as) para lidar com uma  
variedade de desafios de aprendizado, conforme expresso na PNEEPEI.  
Paraatuarnaeducaçãoespecial,oprofessordevetercomobasedasuaformação,inicial  
e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos  
específicos da área [...] a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de  
sistema educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em  
parcerias com outras áreas [...] (BRASIL, 2008a, p. 17).  
Essa reorganização também envolveu a criação de cursos de licenciatura  
em educação especial e/ou cursos de aperfeiçoamento para os profissionais que  
desejassem atuar no AEE. A mudança não apenas redefiniu o local de formação,  
como também introduziu a possibilidade de cursos mais especializados e focados  
no desenvolvimento de habilidades específicas necessárias para o sucesso da  
inclusão na educação regular.  
Um modelo dessa emergente reorganização aconteceu o sistema  
educacional de Goiás que, nas últimas duas décadas, passou por um processo de  
transformação significativo, refletindo as mudanças nas políticas educacionais  
brasileiras em direção a um modelo mais inclusivo, por meio de uma transição  
progressiva, com vistas ao alinhamento às diretrizes nacionais de educação  
inclusiva. Esse movimento se refletiu nas políticas estaduais, que, historicamente  
reorganizaram a formação de professores, enfatizando a necessidade de  
profissionais capacitados para o trabalho docente. Documentos oficiais como  
as Orientações Gerais para a organização da Rede Pública Estadual de Ensino  
de Goiás, detalham as vias de formação – como licenciaturas em Educação  
Especial e programas de pós-graduação – e demonstram a preocupação em  
capacitar não apenas os especialistas, mas também os professores da educação  
regular, reconhecendo que a inclusão é uma responsabilidade compartilhada.  
Essa abordagem coloca o estado de Goiás como um modelo relevante para  
compreensão de como as políticas de inclusão são implementadas e adaptadas  
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DOSSIÊ  
à realidade local.  
No que diz respeito à formação dos(as) professores(as) que se destinavam  
ao AEE, as Orientações Gerais para a organização da Rede Pública Estadual de  
Ensino de Goiás 2011-2012, acompanhando as diretrizes nacionais, dispunham  
que:  
A formação de professores para a educação especial em nível superior dar-se-á: em  
cursos de licenciatura, em Educação Especial; em curso de pós-graduação, específico  
para educação especial; em programas especiais de complementação pedagógica, nos  
termos da legislação vigente. A formação de professores das classes regulares para a  
educação inclusiva e para o atendimento educacional especializado pode ser feita de  
forma continuada, integrada e concomitante com o trabalho docente, sem prejuízo do  
disposto no Art. 62 da Lei Federal N. 9.394/96 e 84, da Lei Complementar Estadual N.  
26/98. São considerados professores capacitados para atuarem em classes comuns  
com estudantes que apresentem necessidades educacionais especiais, aqueles que  
comprovem que, em sua formação superior, foram incluídos temas e conhecimentos  
sobre Educação Especial  
e
diversidade, adequados ao desenvolvimento de  
competências e valores para: perceber as necessidades educacionais especiais dos  
estudantes, respeitar a diversidade e valorizar a educação inclusiva. (GOIÁS, 2011, p.  
189  
No âmbito da educação especial, uma ambiguidade persistente relacionada  
à formação de professores(as) emergiu novamente nesse novo contexto. Se, por  
um lado, os responsáveis por ministrarem aulas aos estudantes públicos-alvo da  
educaçãoespecialconcluíamseuscursosdepedagogiaobtendoumacapacitação  
destinada a atendê-los de maneira adequada, por outro lado, os(as) profissionais  
que iriam desempenhar funções ligadas a esses estudantes no chamado AEE  
poderiam obter formação em outras áreas da licenciatura, frequentando cursos  
de aperfeiçoamento.  
Curiosamente, esses dois grupos de profissionais com percursos formativos  
diferentes acabaram atuando com os mesmos estudantes dentro do ambiente  
da escola. Esse cenário criou um paradoxo: embora pudessem ter origens  
formativas distintas, os dois grupos se deparavam com a mesma tarefa: atender  
às necessidades educacionais dos estudantes com deficiências, transtornos ou  
outras particularidades.  
É possível afirmar que o papel do(a) professor(a) de educação especial foi  
eclipsado pelo(a) professor(a) de AEE, que se tornou central no novo discurso  
político.  
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DOSSIÊ  
A mudança é exemplificada pelo foco nos cursos de formação continuada,  
que podem ser oferecidos pelo Ministério da Educação ou pelas secretarias  
de Educação estaduais e municipais, e representou um esforço para alinhar a  
formação dos(as) professores(as) com a nova abordagem inclusiva, centrada no  
AEE.  
Vaz (2017, p. 72) confirma a afirmação ao destacar:  
É nítido que os documentos da política que endossam a perspectiva inclusiva, ao  
privilegiar o espaço do AEE como o serviço da Educação Especial no ensino regular,  
privilegia esse modelo de professor específico, o que nos leva a questionar: onde está  
o professor de EE na política analisada? Esse profissional, que historicamente era tido  
como o detentor do conhecimento especializado sobre os estudantes público-alvo da  
Educação Especial, deixou de ser referenciado.  
A ambiguidade histórica e permanente na formação dos educadores e  
na atuação profissional suscita o debate de questões como a concepção de  
educação especial como subsistema à parte, o que invariavelmente promove a  
“separação entre os profissionais” que ensinam/trabalham com pessoas com  
deficiência e os(as) demais professores(as). Na prática, o que se tem observado  
é a pouca articulação entre os profissionais: professor de referência ou de área,  
profissional de apoio (Seduc Goiás) ou AAE5 (Agente Administrativo Educacional),  
família, escolaedemaisserviçosdisponíveis(SME)queatendemaesseestudante,  
contrariando o que prevê a PNEEPI.  
Essa formação heterogênea dos(as) profissionais envolvidos(as) na  
educação especial levanta questionamentos sobre a adequação e a uniformidade  
das abordagens pedagógicas empregadas no exercício das práticas de ensino. A  
diferença entre os percursos formativos de professores(as) especializados(as)  
ou professores(as) capacitados(as) de escolas comuns expõe, portanto, a  
fragilidade desse segundo grupo para o exercício da docência com esse público  
em particular, a de pessoas com deficiência.  
A concepção de inclusão escolar emerge como uma contribuição  
fundamental para a transformação social, uma vez que esse paradigma exalta o  
papel da escola e da educação como agentes de mudança. Contudo, a inclusão  
é frequentemente confundida com acesso universal a esse espaço, o que nem  
sempre é garantia de aprendizagem e desenvolvimento de todos os indivíduos.  
5 AAE – Profissional do corpo administrativo da rede municipal de Goiânia, com função de higienizador dos (as) estu-  
dantes com deficiência matriculados nas unidades escolares.  
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DOSSIÊ  
Para corresponder às demandas desse enfoque de universalização  
educacional vigente, despontam estudos com base na teoria histórico-cultural  
que compreendem a educação como atividade de mediação. Nessa concepção, a  
educação é vista como uma parte integrante da organização social, atuando como  
um percurso intermediário para a transformação da sociedade e favorecendo o  
processo de inclusão dos sujeitos com deficiência.  
Nessa direção, a educação especial não é percebida como algo apartado,  
ou um subsistema ao contrário, e sim como parte integrante da educação básica  
e superior. Por isso, deve ser pensada como um componente de um conjunto  
de políticas públicas que busquem a qualidade do ensino para os sujeitos com  
deficiência, tornando-os conscientes das ferramentas e dos conhecimentos  
necessários para a vida e para a transformação social  
CONSIDERAÇÕES FINAIS  
A análise da formação docente para a educação especial na perspectiva  
inclusiva revela um percurso histórico complexo, marcado por uma transição  
gradual de modelos segregacionistas para abordagens mais integradoras e,  
finalmente, as pretensamente inclusivas. Essa trajetória, no entanto, não esteve  
isenta de desafios e ambiguidades, principalmente no que se refere à qualificação  
e ao papel dos(as) professores(as) no sistema de ensino. A dualidade de percursos  
formativos, que historicamente separou o(a) professor(a) “especialista” do(a)  
professor(a) “generalista”, e a persistência de diferentes níveis de formação para  
o atendimento a estudantes com deficiência, evidenciam uma lacuna formativa  
coesa e universal.  
Alegislaçãobrasileira,emboratenhaavançadosignificativamentenagarantia  
do direito à educação inclusiva, por vezes contribuiu para a manutenção de certas  
indefinições, como a diferenciação entre professores(as) “capacitados(as)” e  
“especializados(as)”. Mais recentemente a emergência da figura do(a) professor(a)  
de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a centralidade conferida a  
este profissional, embora essenciais, também suscitaram debates sobre o papel  
do professor(a) de educação especial e a abrangência de sua formação.  
Nesse cenário, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da  
Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008 assume um papel crucial ao instituir o  
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AEE como serviço complementar ou suplementar à escolarização na rede regular  
de ensino e marca um ponto de inflexão no histórico da formação docente, ao  
impor a necessidade de que o professor da sala de aula comum, antes visto como  
“generalista” e sem formação específica para a educação especial, passasse a  
ser o principal agente da inclusão, em colaboração com o professor de AEE. Essa  
mudança de paradigma exigiu e ainda exige uma revisão profunda dos currículos  
de formação inicial e continuada, visando preparar todos os educadores para a  
diversidade inerente à sala de aula e para a corresponsabilidade no processo de  
aprendizagem dos estudantes com deficiência.  
A política de 2008, portanto, não apenas direcionou a prática pedagógica  
para a inclusão, mas também lançou um desafio incontornável à formação  
docente, demandando que a academia e as instituições de ensino se adequem à  
nova realidade de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo.  
Resta evidente que a efetivação da inclusão educacional dos estudantes com  
deficiência guarda intrínseca relação com a prática pedagógica desenvolvida  
pelo(a) professor(a) na escola, e supõe-se que seja, ao mesmo tempo, flexível,  
adaptada e embasada em um sólido conhecimento teórico. Para que isso se  
concretize, é imperioso que as políticas de formação de professores(as), tanto  
inicial quanto continuada, superem as históricas dualidades e ambiguidades e  
que se promova uma formação que prepare todos os(as) educadores(as) para  
lidar com a diversidade inerente à sala de aula, garantindo que o(a) professor(a)  
da classe comum, em colaboração com o(a) professor(a) do AEE, possua as  
ferramentas necessárias para mediar a construção do conhecimento de cada  
estudante, independentemente de suas especificidades. Talvez e deveras assim,  
a escola poderá cumprir sua função social de promover a aprendizagem e o pleno  
desenvolvimento para todos, em um ambiente verdadeiramente inclusivo.  
REFERÊNCIAS  
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inclusivas. Curitiba: Appris, 2012.  
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. Secretaria de  
Educação Básica. Brasília, 2001a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.  
pdf. Acesso em 30 maio 2023.  
121  
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DOSSIÊ  
BUENO, José Geraldo Silveira. A educação especial nas universidades brasileiras. Brasília: Ministério  
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BUENO, José Geraldo Silveira. Crianças com necessidades educativas especiais, política educacional  
e a formação de professores: generalistas ou especialistas? Revista Brasileira de Educação Especial.  
São Paulo, v. 3, n. 5, p. 07-25, 1999.  
BUENO, JoséGeraldoSilveira. Educaçãoespecialbrasileira. Integração/segregaçãodoalunodiferente.  
2 ed. São Paulo: EDUC, 1993.  
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ed. São Paulo: EDUC, 2016.  
CARVALHO, Rosita Edler. Educação inclusiva: com os pingos nos “is”. 12 ed. Porto Alegre: Mediação,  
2012.  
GOIÁS, Resolução CEE n.º 07, de 15 de dezembro de 2006. Estabelece Normas e Parâmetros para a  
Educação Inclusiva e Educação Especial no Sistema Educativo de Goiás. Conselho Estadual de  
Educação de Goiás. Goiânia, 2006. Disponível em: https://goias.gov.br/cee/resolucoes-conselho-  
pleno/ Acesso em 20 abr. 2023.  
JANNUZZI, Gilberta Martino. Algumas concepções de educação do deficiente. Revista Brasileira do  
Esporte. Campinas, SP, v. 25, n. 3, p. 9-25, 2004. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/  
RBCE. Acesso em 15 de abr. 2023.  
JANNUZZI, Gilberta Martino. A educação do deficiente no Brasil. Dos primórdios ao início do século  
XXI. 3 ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2012 p.37.  
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. 6 ed.  
São Paulo: Editora Cortez, 2011.  
MICHELS, Maria Helena. A formação de professores de educação especial no Brasil: propostas em  
questão. Florianópolis: UFSC/CED/NU, 2017.  
VAZ, Kamille. A concepção de professor na perspectiva inclusiva: disputas e estratégias de consolidação  
da política de Educação Especial no início do século XXI. In: GARCIA, Rosalba Maria Cardoso (org.). A  
concepção de professor na perspectiva inclusiva: disputas e estratégias de consolidação da política  
de Educação Especial no início do século XXI. Florianópolis. UFSC/CED/NUP, 2017.  
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Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
ARTIGOS  
AS LUZES EM PERSPECTIVA: O CASO PORTUGUÊS  
THE ENLIGHTENMENT IN PERSPECTIVE: THE PORTUGUESE CASE  
1
Marília Tofanetto Alves  
https://orcid.org/0000-0002-1300-4313  
http://lattes.cnpq.br/6899472444562082  
2
Maria Fernanda Minutti Teixeira  
https://orcid.org/0000-0001-6182-1759  
http://lattes.cnpq.br/9469363876767340  
Recebido em: 18 de março de 2025.  
Revisão final em: 27 de maio de 2025.  
Aprovado em: 10 de junho de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23014  
1 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), com área de concentração em História e Cultura Social, e bolsista FAPESP. É mestra em História pelo mesmo  
programa. Graduada em História pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP. E-mail: marilia.tofanetto@  
unesp.br  
2 Graduada em História na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências Humanas  
e Sociais (UNESP/FCHS). Graduada em Segunda Licenciatura em Geografia pelo Centro Universitário Claretiano. Pro-  
fessora de História e Geografia da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEDUC/SP). Foi bolsista do Projeto  
de Iniciação à Docência (PIBID) e como bolsista no Projeto Residência Pedagógica. minuttimariaf@gmail.com  
123  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
ARTIGOS  
Resumo: O século XVIII foi marcado pela centralidade da razão no pensamento europeu,  
promovendo transformações profundas nos âmbitos político, econômico e cultural. Este  
artigo propõe uma discussão bibliográfica sobre o movimento das Luzes, com ênfase em  
sua difusão e nas suas ressignificações assumidas em distintos contextos. Em dado ponto  
da análise, dedica-se especial atenção ao caso português, examinando como o pensamento  
iluminista ajustou-se às dinâmicas e tensões características de Portugal setecentista.  
Palavras-chave: Luzes, razão, Portugal, discussão bibliográfica.  
Abstract: The 18th century was marked by the centrality of reason in European thought,  
bringing about profound transformations in the political, economic, and cultural spheres.  
This article offers a bibliographical discussion on the Enlightenment movement, with an  
emphasis on its diffusion and the reinterpretations it underwent in different contexts. At a  
certain point in the analysis, particular attention is given to the Portuguese case, examining  
how Enlightenment thought adapted to the dynamics and tensions characteristic of 18th-  
-century Portugal.  
Keywords: Enlightenment, reason, Portugal, bibliographic discussion.  
124  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
ARTIGOS  
O Iluminismo inaugurou, segundo Ernest Cassirer (1922), uma forma de  
pensamento filosófico. Embora tenham articulado conhecimentos previamente  
estabelecidos pelos séculos anteriores, as Luzes foram responsáveis por  
organizar, sistematizar e ordenar o saber de modo inédito. O Setecentos era tido  
por seus contemporâneos como o Século da Filosofia: pensadores setecentistas  
admitiam os novos métodos adquiridos pela ciência e diagnosticavam uma época  
consciente de si mesma em nível mental e comportamental. Havia um crescente  
interesse a respeito do pensamento e se desejava tomar as rédeas do seu  
curso intelectual. O “espírito iluminista” era um espírito de descoberta, no qual o  
pensamento se encontrava voltado a si próprio (CASSIRER, 1992, p. 21).  
De acordo com Reinhart Koselleck (2006), a periodização que determina a  
Antiguidade, a Idade Média e a Idade Moderna começou a ser utilizada no século  
XVII (2006, p. 31). Quer dizer, a partir dos Seiscentos o homem se concebia como  
moderno. A história da Cristandade é, até o século XVI, uma história da contínua  
expectativa do fim dos tempos e das profecias apocalípticas; simultaneamente,  
é também a história dos repetidos adiamentos do suposto fim do mundo. Com  
o tempo, o apocalipse deixou de ser uma questão escatológica e tornou-se  
um dilema matemático e astronômico (2006, p. 28). Para o autor, o advento  
das filosofias da história permitiu com que uma incipiente modernidade se  
desvinculasse do passado e lançasse luz ao porvir. Daí vem a crença no progresso,  
unificadora da política e da profecia (2006, p. 35).  
Havia uma concepção partilhada pelos homens setecentistas de que se vivia  
o auge do progresso intelectual. Cassirer indica a existência um ímpeto comum  
entre as ideias circunscritas no chamado pensamento iluminista e assevera que  
“Quando o século XVIII quer designar essa força, sintetizar numa palavra a sua  
natureza, recorre ao nome de ‘razão’” (CASSIRER, 1992, p. 22). A razão era, pois, o  
combustível para o Século das Luzes. Contudo, sem embargo da crença inabalável  
que o Setecentos cultivava ao seu respeito, o conceito de razão era familiar e  
havia sido extensamente debatido pelo século anterior, conforme discutiremos  
em momento oportuno.  
Na época moderna, o presente gradativamente superava o seu percursor,  
o passado, e a razão servia como um guia para o conhecimento. Acentuava-  
se o diálogo entre o tempo presente e o futuro. As expectativas em relação ao  
porvir aumentavam e uma nova relação era estabelecida entre o Homem e a  
História (ARAÚJO, 2003, p. 51). O progresso passou a nortear o devir histórico e  
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ARTIGOS  
determinar a insurgência do futuro, que colocava em causa a razão científica e  
o protagonismo das ações humanas no curso da História, conforme explica Ana  
Cristina Araújo.  
O otimismo iluminista acerca do progresso era confirmado pela capacidade  
humana de conceber novas tecnologias, acumular riquezas e fundar instituições;  
de modo semelhante, o avanço da razão se manifestava no aprimoramento da  
condição humana em aspectos jurídicos, políticos, morais e tecnológicos. A  
trégua da peste bubônica igualmente influenciou a tônica esperançosa do  
período (ISRAEL, 2013, p. 17). Posto isso, os pensadores iluministas, fundadores  
e representantes dessa nova corrente de pensamento filosófico, tinham em  
comum a noção de prosperidade.  
O progresso decorrente das Luzes também é abordado por Pierre Chaunu  
(1995), inclinado à abordagem quantitativa do desenvolvimento do Iluminismo  
na Europa. A partir de análises dedicadas ao crescimento da alfabetização, ao  
advento da ciência, aos dados populacionais e à circulação de ideias, o historiador  
conclui que a “Europa das Luzes” condenou o homem a um crescimento contínuo,  
privando-o “da alternativa das cavernas” e da “própria ilusão de um regresso  
impossível ao seio materno” (1995, p. 21).  
Jonathan Israel adverte que o reconhecimento do progresso não era isento  
de ceticismo e vinha acompanhado, ocasionalmente, do pessimismo, gerado  
pela noção dos desafios que prejudicavam o aperfeiçoamento da humanidade,  
dentre eles, a intolerância e o fanatismo religioso (2013, p. 19). O autor chama  
atenção para as divergentes concepções que os próprios iluministas possuíam  
no tocante à ideia de progresso. Havia um contraste entre os pensadores radicais  
e os moderados (2013, p. 24).  
Os adeptos do Iluminismo moderado dispunham de uma abordagem  
conservadora e eram favoráveis à manutenção das hierarquias sociais. Eles  
argumentavam em prol da preservação das estruturas básicas da sociedade,  
comoogovernoeodireito.Deformasuscinta,osmoderadosarguiamembenefício  
do equilíbrio entre razão e tradição. Por seu turno, os radicais reivindicavam a  
primeira e enjeitavam a segunda (ISRAEL, 2013, p. 27).  
Os radicais propunham a separação entre os campos da moralidade, teologia  
e filosofia. Considerando-os âmbitos autônomos, assuntos morais deveriam  
desconsiderar, por exemplo, princípios teológicos, e serem discutidos apenas  
de acordo com critérios seculares. Pode-se definir a vertente radical na ideia de  
126  
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ARTIGOS  
“liberdade plena de pensamento, de expressão e de imprensa”. Na tentativa de  
demonstrar o Iluminismo enquanto um fenômeno “difuso, altamente complexo e  
abrangente” (2013, p. 24), Israel considera essencial essa divisão entre radicais  
e moderados, dicotomia superior mesmo às divergências iluministas em nível  
nacional. Para o autor, a desconsideração dessas distintas concepções põe em  
risco o compreendimento das Luzes.  
O Seiscentos recorria à dedução sistemática com o intuito de construir  
sistemas filosóficos, porém, o século da filosofia renunciou esse pressuposto  
(CASSIRER, 1992, p. 26). Isto é, o século XVIII escusou-se da tentativa de buscar  
a ordem enquanto algo preliminar ao próprio fato. Invés disso, tinha-se em vista  
que os conceitos se formavam a partir dos fenômenos. Assim, enfatizou-se a  
preponderância da experiência e da observação.3 Isso mudou a maneira através  
da qual o pensamento científico era organizado. Cabe destacar, igualmente,  
a importância da análise, comparada por Cassirer à bengala do cego. Para  
além da mera apresentação, a compreensão de um fenômeno era assimilada  
pela verificação de todas as suas condições particulares e sua relação com as  
mencionadas condições.  
Até o século XVIII, o poder que a humanidade dispunha sob a razão a  
aproximava da essência divina, assegurava o acesso humano ao metafísico e  
distinguia o homem enquanto criatura feita a semelhança de Deus, para quem  
a alçada do inteligível estava disponível através do domínio da razão (CASSIRER,  
1992, p. 31). Porém,  
[...] o século XVIII confere à razão um sentido diferente e mais modesto. Deixou de  
ser a soma de ‘ideias inatas’ anteriores a toda experiência, que nos revela a essência  
absoluta das coisas. A razão define-se muito menos como uma possessão do que  
como uma forma de aquisição (CASSIRER, 1992, p. 31).  
O levantamento do edifício do saber, por assim dizer, obrigatoriamente,  
levava em consideração os fenômenos, o real. Dando prosseguimento, por  
meio da inquirição analítica e da reconstrução sintética, detalha, pormenoriza  
e descrimina o concreto para, finalmente, lançar mão dos conceitos. Dessa  
concepção emana o caldo intelectual do qual bebeu o século XVIII. Numa frase,  
3 Carlos Villalta indica que a valorização da experiência em detrimento das certezas, ou seja, a valorização dos fenôme-  
nos em desfavor da dedução sistemática não foi em absoluto comum a todos os pensadores ilustrados. Esse é um indício  
em favor da pluralidade da Ilustração. Nada obstante, essa “inversão metodológica” existiu, mesmo parcialmente, entre  
os pensadores ilustrados (Villalta, 2015, p. 89).  
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a razão, reputada por Cassirer como o aspecto mais elementar do pensamento  
iluminista, preconiza a ação (CASSIRER, 1992).  
É bem verdade, outrossim, a constatação das diferentes características que  
o Iluminismo assumiu ou adquiriu em determinadas regiões do velho continente e  
do ultramar. Pierre Chaunu, em seus estudos, versa a respeito de uma “geografia  
das Luzes”, inferindo que houve uma escala de progresso desse fenômeno que  
surgiu a partir de determinado ponto e se estendeu, de maneira descontínua e  
desuniforme, por seu entorno (1995, p. 23).  
Segundo o mesmo autor, o centro da Europa das Luzes se encontrava no  
Norte. Os países que primeiro presenciaram essa nova corrente de pensamento  
filosófico foram Inglaterra, França, Holanda e, um pouco mais tarde, a parte  
mais ocidental da Alemanha. Com origem nessa região do continente europeu, o  
Iluminismo então se expandiu e adquiriu novos contornos. Chaunu chama atenção  
para o ano de 1680, momento no qual verifica-se “a passagem decisiva de uma  
pequena para uma grande Europa”, em que “a Europa das Luzes foi objetivamente  
mais vasta” (1995, p. 46). Ou seja, nessa data constatou-se a disseminação das  
Luzes do Norte da Europa para a Europa mediterrânea e o Leste Europeu.  
Uma mesma cultura, aquela emergida pelo Iluminismo e pela renovação da  
razão, pululou pelo velho continente, formando e afirmando a unidade europeia,  
tida como culturalmente superior às demais. Vale sublinhar que a assimilação das  
Luzes por cada povo e nação foi sensivelmente distinta. França e Inglaterra, as  
metrópoles centrais do movimento, se estabeleceram como modelos universais  
para o restante da Europa, “constituída como uma enorme periferia” (1995, p. 192).  
Segundo Ana Vicente:  
No caso português, repito, desdenhava-se um espaço que, visto a partir do Norte da  
Europa – o centro do mundo, por excelência – se representa como ultraperiférico.  
A imagem é de um país que não merecia ser europeu, quase um estado selvagem,  
quase à barbárie, que necessitava da influência positiva da civilização mais avançada  
(VICENTE, 2001).  
Desse modo, somos levados a inquerir como o horizonte ibérico, considerado  
aquém das Luzes que emanavam a perder de vista no norte da Europa, sobretudo  
Portugal, vivenciou o chamado Século da Filosofia.  
Para Francisco José C. Falcon (1993), a Península Ibérica encontrava-se em  
uma situação paradoxal. Ao mesmo tempo em que vivenciara uma modernização  
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pioneira, dada pela centralização monárquica, a consolidação do absolutismo,  
a expansão ultramarina e o desenvolvimento do mercantilismo, a estrutura  
do pensamento ibérico permanecia a mesma, e nela as dinâmicas senhoriais  
continuavam predominantes.  
De acordo com Falcon, houve momentos nos quais o espírito moderno cruzou  
o horizonte luso. Um deles teria sido o humanismo renascentista. O intercâmbio  
promovido pela Universidade de Coimbra e os estudantes que se deslocavam  
ao exterior trouxeram aos domínios portugueses lampejos da modernidade.  
Contudo, a reação do conservadorismo luso se fez evidente. Motivados pela  
tônica antirreformista do período, “o moderno foi praticamente expulso e  
impedido a partir daí de penetrar no espaço mental lusitano” (FALCON, 1993, p.  
151). As transformações de base, as quais Cassirer ressalta no caso francês, não  
teriam ocorrido em Portugal.  
O temor oriundo da reforma religiosa serviu como justificativa para censurar  
o novo. Os estrangeiros e cristãos novos tornaram-se representantes da anti  
ortodoxia. O tribunal do Santo Ofício e a Companhia de Jesus trataram de se  
colocar a frente no combate contra o mundo exterior, a heresia e as ameaças  
à ordem. Em vista disso, Falcon assevera: “é válido afirmar que, a rigor, a  
modernidade só irá ter lugar efetivamente no século XVIII, anunciando-se sob D.  
João V e desencadeando-se, como processo, sob D. José I.” (FALCON, 1993, p.  
152). Isto é, com exceção de alguns lances de espírito moderno, em Portugal, não  
se pode falar em modernidade antes do século XVIII.  
A perseguição dos judeus recém-convertidos e a obsessão pela heresia,  
suscintamente, a secularização tardia, dificultou a acumulação primitiva do  
capital. Em outras palavras, entravou o desenvolvimento do capitalismo ibérico  
e, em última instância, tolheu o desenvolvimento da própria modernidade. Como  
argumenta Falcon, a Era Moderna, vivenciada pela Europa Ocidental desde o  
século XV, chegou na Península trezentos anos adiante.  
Na historiografia, muitas vezes, Portugal aparece deslocado da Europa.  
Por isso, o autor sublinha a necessidade de o considerarmos enquanto um país,  
sobretudo, peninsular. O território português se configura enquanto um acidente  
geográfico, isolado do continente e cercado em três lados pelo mar. Cisão  
geográfica, igualmente, política, econômica e social:  
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Estabilidade das estruturas, predomínio esmagador do mundo agrário, dominação,  
enfim, da aristocracia senhorial, leiga e eclesiástica. A ela pertencem a terra e o domínio  
do Estado [...] O dinamismo localiza-se na periferia no comércio com o ultramar,  
na exploração colonial. A vida urbana cresce, hipertrofia-se, no lime geoeconômico  
dessas esferas - a mercantil e fundiária. Na charneira de ambas, em todos os níveis, o  
Estado: monarquia absoluta e política econômica mercantilista. Política e socialmente  
ancorado no mundo agrário, apegado com tenacidade às suas formas de pensamento  
e aos seus valores, o Estado vive praticamente de seus empreendimentos mercantis  
e, cada vez mais, tende a ser parasitário em relação às atividades produtivas (FALCON,  
1993, p.167).  
Tais circunstâncias evidenciam o conservadorismo português, que permitiu  
à aristocracia agrária permanecer no poder, freando o desenvolvimento dos  
grandes centros urbanos e a liberdade dos intelectuais de comunicarem e  
difundirem suas ideias e trabalhos. Mas, mesmo que Falcon e outros historiadores  
concebam os portugueses e espanhóis como defasados a respeito da Europa  
continental, é impossível negar as evidentes interferências das Luzes em  
território ibérico.  
O estudioso Luiz Carlos Villalta (2015) investigou o denominado Reformismo  
Ilustrado português e seu impacto nas práticas de leitura. Com tal objetivo,  
voltou-se aos princípios gerais do Iluminismo. Sob sua perspectiva, do ponto de  
vista histórico, pode-se afirmar que o movimento teve palco por toda a Europa,  
incluindo a Península Ibérica e ainda, os domínios ultramarinos, como a América  
Portuguesa.4 As Luzes compreenderam transformações de ordem econômica,  
social e cultural e foram promovidas por impulsos de caráter revolucionário ou  
reformista, como foi o caso português (2015, p. 79).  
O incremento da produção nas indústrias, a consolidação do mercado  
consumidor, a divisão do trabalho e o comércio transformaram a Europa: regiões  
apartadas geograficamente estabeleceram trocas comerciais responsáveis  
por promover intercâmbios. Isso ocasionou um impacto profundo nos  
sistemas culturais, dessarte, os processos históricos da industrialização e da  
homogeneização cultural atravessaram a Ilustração. Como consequência, Villalta  
enfatiza o avanço na circulação dos impressos e o crescimento do público leitor  
(2015, p. 80).  
Em seus estudos, Pierre Chaunu (1995) acentua o influxo provocado pelo  
4 As luzes se fizeram presentes na América Portuguesa, como indica o autor, contudo, nunca de modo a representar uma  
verdadeira ameaça ao poder metropolitano.  
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desenvolvimento do aprendizado da linguagem nas Luzes, responsável pela  
intensa disseminação de ideias. Segundo ele:  
No fim do século XVIII, a Europa conta com cinco a seis vezes mais alfabetizados do  
que em fins do século XVII, e dez vezes mais, talvez, que ultrapassaram o limiar da  
leitura eficaz e leem mais e outras coisas. Tudo bem pesado, a capacidade de absorção  
pela leitura no espaço limitado de duas gerações (1995, p. 33)  
Essa aprendizagem ganhou um primeiro ímpeto na Inglaterra e França e  
foi ainda mais intensificada pelo desenvolvimento urbano e pelo encurtamento  
das distâncias para a circulação de informações. Em contrapartida, na “Europa  
periférica”, o percurso semântico demorou a chegar e se deu de forma mais  
lenta. Chaunu, ao estabelecer alguns parâmetros de nivelamento da linguagem  
e alfabetização dos países europeus no período, aponta para a existência de uma  
periferia “atrasada”, ou melhor dizendo, uma evolução mais tardia do país nesse  
âmbito. A Península Ibérica se enquadra nesse cenário tardio, com grande foco  
ainda no espaço rural e com a estrutura do Antigo Regime perdurando com mais  
resistência, o que consequentemente criava empecilhos à livre preponderância  
das Luzes, as quais apareciam de maneira mais restrita.  
Ao analisar periódicos de origem portuguesa, Ana Cristina Araújo afirma  
que é possível apreender “um clima favorável ao reformismo ilustrado” em  
território lusitano. Os prelos davam “a conhecer as controvérsias do momento” e  
repercutiam críticas, nas quais nota-se um ambiente de insatisfação e denúncia  
frente aos erros do passado (ARAÚJO, 2003, p. 66). A partir de 1740, os impressos  
portugueses cresceram significativamente. Contudo, esse pico jornalístico  
é ceifado pela criação da Real Mesa Censória, no ano de 1768. Esse declínio na  
produção da imprensa periódica é paralelo à ascensão da política pombalina e à  
intensificação da censura (2003, p. 68).  
O Anónimo (1752-1754) era uma publicação lusa inspirada no periódico crítico  
moderado inglês, o The Speactator. O jornal tinha por objetivo tornar seus leitores  
inclinados à civilidade e à vida em sociedade, através das ciências e da virtude.  
Em Portugal, a folha contou com tiragem considerável: foram 500 exemplares,  
sendo pelo menos 100 desses vendidos em Lisboa, como esclarece Araújo. O  
boletim pretendia demonstrar a validade social propiciada pelo conhecimento.  
Discretamente, condenava-se o clericalismo lusitano. A Gazeta Literária (1761-  
1762), por seu turno, era um jornal biblioteca, adepto ao absolutismo esclarecido,  
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que divulgava as principais discussões concernentes às Luzes e correspondia  
ao gênero enciclopedista. Consumido significativamente por estrangeiros, o  
periódico propagava o ideal cosmopolita da ilustração (ARAÚJO, 2003, p. 69-77).  
No caso francês, as Luzes frequentemente foram interpretadas como um  
movimento que convergiu para a Revolução. Na deserção do culto à tradição,  
homenscertosdanecessidadedesubversãodaordemvigentelevaramoprincípio  
da liberdade ao limite e “puseram abaixo o Antigo Regime” (VILLALTA, 2015, p.  
80). Contudo, Villalta alerta para os riscos dessa leitura:  
Essa perspectiva de compreensão das Luzes – um tanto teleológica, é bem verdade,  
na medida em que se avalia o fato ‘ilustração’ a partir de seus desdobramentos futuros  
– associada a outras transformações, todas elas convergindo para o solapamento  
do Antigo Regime e a constituição da sociedade moderna, no entanto, precisa ser  
matizada (VILLALTA, 2015, p. 80).  
O estudioso adverte quanto a necessidade de interpretarmos o Iluminismo  
enquanto um fenômeno múltiplo, cujos expoentes tiveram manifestações e  
intensidades distintas a depender do tempo e do espaço. Em Portugal, por  
exemplo, as reformas ilustradas foram encabeçadas por monarcas. Considerando  
as Luzes enquanto um projeto intelectual aberto e heterogêneo, o autor busca  
analisar as intervenções promovidas pelo Reformismo Ilustrado português e as  
principais críticas formuladas pelo pensamento ilustrado tocante à realidade  
luso-brasileira, as quais se referiam, principalmente, à Inquisição, religião e  
colonização.  
O axioma da superioridade dos modernos em detrimento dos antigos desde  
muito cedo instigou a elite intelectual portuguesa. Segundo Araújo, na Academia  
Real da História (1727), historiadores de origem lusa flertavam com a historiografia  
moderna, a qual estipulava o método e a verdade como seus princípios. Não  
obstante, na produção da Academia, pode-se verificar, igualmente, perspectivas  
contrárias. Essas fraturas na maneira de conceber a história diziam respeito  
a indeterminação de alguns historiadores com o seu próprio tempo e, por  
consequência, a dúvida em relação a qual sentido atribuir ao passado. De acordo  
com a autora, havia, na Academia, uma “visão bicéfala do presente-passado e do  
futuro-presente”. (2003, p. 29). Esses embates sucedidos no campo da História  
ilustram, em grande medida, os conflitos de paradigma que se faziam presentes  
no século XVIII. Para Araújo, a “mundividência científica moderna” alcançou a  
Península Ibérica e foi propagada por uma elite intelectual interessada na sua  
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divulgação (2003, p. 51).  
A perseguição dos cristãos novos pelo Tribunal do Santo Ofício escancarava  
a intolerância religiosa e era denunciada por grandes pensadores, a exemplo  
de Voltaire. Além disso, homens ilustrados incriminavam o colonialismo  
mercantilista, em outros termos, condenavam o monopólio e arguiam em  
benefício da liberdade de comércio. Alguns dos pareceres elaborados pela elite  
ilustrada europeia foram ponderados e admitidos seletivamente pelo governo  
português, como por exemplo, na figura de D. Rodrigo de Souza Coutinho, como  
verificaremos adiante (VILLALTA, 2015).  
Descartando as ideias mais radicais associadas ao Iluminismo, diz-nos  
Villalta, Portugal apropriou-se das Luzes através de uma “releitura” (2015, p. 111).  
Na associação de elementos aparentemente inconciliáveis, como o absolutismo  
e a igualdade, se desenvolveu o Iluminismo em território ibérico. No governo de  
D. José I e sob a pena de seu Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros  
e da Guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, um  
dos objetivos era assemelhar Portugal às demais potências europeias, como a  
Inglaterra. Desse modo, medidas foram tomadas a fim de fortalecer o Estado e  
reestruturaraeconomia.AconsolidaçãodoEstadodependia,predominantemente,  
da afirmação de sua soberania frente às influências aristocráticas e religiosas. O  
propósito era aderir à Ilustração mantendo o absolutismo e conciliando iniciativas  
“regalistas e reformistas”. (VILLALTA, 2015).  
Ao investimento estatal em manufaturas, que tinha em vista a acumulação  
de capital, somou-se o incentivo aos mercadores e vinicultores portugueses, a  
criação das companhias de comércio e a remodelação da nobreza. O intuito era  
encorajar os nobres “ligados aos negócios, à burocracia, às letras – contra a velha  
nobreza – ligada à propriedade da terra e à agricultura, defensora da pureza de  
sangue e da linhagem, adepta dos velhos métodos de governo” (VILLALTA, 2015,  
p. 116). Segundo Villalta, Pombal abraçou o Reformismo Ilustrado, adaptando-o  
às particularidades portuguesas, ao mesmo tempo em que ansiava por situar  
Portugal na esteira dos demais expoentes ilustrados europeus. A reforma da  
Universidade de Coimbra e a revisão dos currículos que valorizavam as ciências  
naturais são evidências dessas tentativas, as quais representavam o desejo de  
criação de uma elite intelectual e cultural (2015, p. 117).  
Assim sendo, apesar de tardiamente, no Século das Luzes as revoluções  
científicas e intelectuais também chegaram a Portugal. No reinado de D. João  
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V, entre 1706 e 1750, se principiaram as investidas nas reformas e modernização  
o Império português. Posteriormente, foi durante o governo de Pombal que as  
mudanças efetivamente concretas vieram à tona e puderam ser sentidas. Nesse  
período, reconhecendo o advento da Europa central no campo científico, a Coroa  
convidouilustresintelectuaisestrangeirosparaquedesempenhassemumpapel  
formativo “na nova elite do conhecimento ao serviço do Estado português, com as  
viagens filosóficas” (DOMINGUES, 2010, p. 253, grifo da autora). Por conseguinte,  
as reformas feitas por Pombal na esfera das ciências naturais que mais se  
destacaram foram: a reforma da Universidade de Coimbra, concluída em 1772;  
a contratação de naturalistas, com destaque para o italiano Domenico Vandelli  
(1735-1818) para atuar na Universidade de Coimbra; a criação da Academia Real  
de Ciências de Lisboa; a criação do Real Museu da Ajuda; a criação dos primeiros  
Jardins Botânicos do Império (ELIAS; MARTINS; MOREIRA, 2018, p. 22).  
De acordo com Araújo, a noção envolta na ciência moderna era de que a razão  
humana era cumulativa e convidava, portanto, à revisão do passado e à aspiração  
do futuro. Dito isso, autores portugueses discorriam sobre a necessidade  
de historicização das ciências. Conhecer a história permitia a superação do  
passado. Essa interpretação conduziu as reformas de ensino em Portugal. Para  
os reformadores, a educação adquirira o papel de civilizar (2003, p. 53). Logo, a  
desigualdadeentreoshomensnãoeramaisconsideradafrutodoseunascimento,  
mas antes, proporcional ao acesso que dispunham ao aprendizado. Todos os  
indivíduos estariam igualmente aptos a colherem os frutos morais e intelectuais  
do ensino, tornando-se, por conseguinte, “homens livres e cidadãos ativos”  
(ARAÚJO, 2003, p. 54). Influenciado por tais debates, Portugal empreendeu uma  
série de reformas de ensino que visavam a chamada educação nacional, além da  
superação da tradição jesuítica no tocante ao ensino.  
As reformas de modernização encabeçadas pelos ideais da ilustração, que  
proporcionaram uma visão mais racional para exploração, fizeram aumentar  
significativamente as viagens de cunho científico. Desse modo, Portugal e  
Espanha, durante o Século das Luzes, investiram em uma série de missões e  
expedições com objetivos científicos para os territórios sul-americano, africano  
e asiático, alguns deles dependendo ou contando com naturais de outras  
nacionalidades europeias (DOMINGUES, 2010, p. 252). Esse é um reflexo da  
importante rede de cooperação científica que passava a existir no continente.  
Destarte, o Estado português patrocinou as chamadas viagens filosóficas  
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cujo objetivo era racionalizar a análise das riquezas naturais das colônias, com  
destaque para o Brasil, para explorá-la da melhor maneira e delimitar os limites  
geográficos.  
Nesse contexto, as viagens exploratórias enviadas por Portugal passaram a adotar  
uma abordagem mais científica, com práticas sistemáticas e melhor planejamento,  
gerando projetos de investigação do ambiente físico e dos recursos naturais do Brasil,  
com o objetivo de produzir mapeamentos geográficos mais apurados, inventários mais  
naturais, estimulando novas formas de investigação e exploração de riquezas (ELIAS;  
MARTINS; MOREIRA, 2018, p. 21).  
As informações coletadas por essas expedições científicas eram de  
fundamental importância para Portugal, para as suas políticas e administração.  
O Estado necessitava do monopólio de informações para ter maior controle e  
formular estratégias para seus domínios (DOMINGUES, 2010, p. 253-254). Em  
vista disso, segundo Lorelai Kury (2004), Portugal buscou se inserir em meio a  
circulação científica europeia, mesmo que isso significasse um maior risco de  
invasão francesa, inglesa ou espanhola às suas possessões ultramarinas. No  
entanto, ainda que vários estudiosos luso-brasileiros tenham sido enviados  
a outros países onde a ciência possuía maior destaque, o controle do Império  
português do que era divulgado ou publicado por esses, sobretudo em se tratando  
do Brasil, era extremamente rígido.  
Ângela Domingues aponta que  
Em relação ao caso português (e suponho que, em grande medida, também aos  
espanhóis), os resultados da maior parte destes esforços científicos não foram  
divulgados ou publicados, permanecendo inédito nos arquivos das secretarias de  
Estado portuguesas e sendo acessíveis quase exclusivamente a “gente do poder  
central” (embora se deva acrescentar que também em algumas bibliotecas públicas,  
onde podiam ser consultadas com limitações) (2010, p. 254).  
Textos científicos que foram publicados, ou tiveram uma circulação restrita  
ou, como quase todos aqueles que continham informações sobre a América,  
foram tirados de circulação. O Estado português queria evitar a chegada de  
informações ao estrangeiro, com a preocupação de que alguma das publicações  
pudesse beneficiar uma nação inimiga. Tal esforço do conhecimento pode então  
ser concebido como “uma estratégia ao serviço do poder e fortalecimento de  
uma nação perante a sua rival” (DOMINGUES, 2010, p. 260).  
A partir das viagens filosóficas, objetivava-se a publicação de uma “História  
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Natural da América Portuguesa”, o que nunca chegou a ocorrer. Segundo Elias,  
Martins e Moreira, os naturalistas luso-brasileiros,5por vezes auxiliados por algum  
estrangeiro, produziram um vasto conhecimento sobre a colônia luso americana  
e essas contribuições foram debatidas nos círculos científicos, mas acabaram  
sendo relegadas ao esquecimento por decisão do aparato estatal (ELIAS;  
MARTINS; MOREIRA, 2018, p. 30). O Brasil só seria verdadeiramente conhecido  
pelos europeus a partir de 1808.  
A segregação dos cristãos novos e os jesuítas compunham o rol de  
preocupações de Pombal no que concerne à Igreja. Os missionários da Companhia  
de Jesus possuíam ampla influência tanto em Portugal como na colônia luso  
americana. Os inacianos eram relaxados no cumprimento das disposições  
régias nos domínios ultramarinos. De mesmo modo, pesava contra eles o seu  
envolvimento com as teorias corporativas, avessas ao absolutismo de D. José  
I, e a sua oposição à dinamização do comércio e à interferência da cultura das  
Luzes na educação (VILLALTA, 2015, p. 118). Isso motivou a indisposição do  
secretário de Estado com os missionários e, posteriormente, sua expulsão  
de Portugal. Em contrapartida, as práticas judaizantes eram perseguidas e  
condenadas pela Inquisição, evidenciando a intolerância religiosa difundida na  
Península. A coexistência entre os ideais de civilidade promovidos pelas Luzes  
e a persistência da intolerância religiosa — expressa na persecução aos judeus  
recém-convertidos — revela os limites internos do projeto reformista pombalino,  
que articulava esforços de modernização com práticas discriminatórias do  
Antigo Regime.  
Francisco Xavier de Mendonça foi o executante da política pombalina para o  
Brasil (MAGALHÃES, 2011, p. 181). A partir da sua nomeação ao cargo de Governador  
e Capitão-general do Grão-Pará e Maranhão, iniciou-se a interferência pombalina  
nas matérias luso americanas. Para Joaquim Romero Magalhães (2011), a política  
pombalina em referência à colônia foi heterogênea, caracterizada, sobretudo,  
por reações que se sobrepunham às tomadas conscientes de ação vinculadas a  
um plano político sistematizado. Afeito – ou impelido – às intervenções militares,  
Sebastião José de Carvalho e Melo se colocou a frente de conflitos, como a  
expulsão dos jesuítas e as batalhas travadas contra espanhóis pela disputa do  
território. Por conta disso, centrado nas questões militares, relegou ao segundo  
5 Todos os estudiosos de origem brasileira tiveram sua formação universitária em Portugal.  
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plano os aspectos econômicos da política metropolitana no que respeita o Brasil  
(MAGALHÃES, 2011, p. 175).  
A redução do cenário político e econômico do Império Português na  
segunda metade do século XVIII à figura de Sebastião José de Carvalho e Melo  
é um equívoco, resultante do vão desejo de se atribuir uma unidade ao governo  
de Pombal ao longo dos seus 27 anos de duração (MAGALHÃES, 2011, p. 198).  
Magalhães pretende demonstrar quais feitos políticos e econômicos realizados na  
colônia luso americana podem ser creditados a Sebastião José, e quais devem ser  
outorgados às demais conjunturas as quais ultrapassam os intentos de um único  
homem. Posto isso, o autor destaca a autonomia dos agentes régios na colônia  
lusa da América. Visto por esse ângulo, observa-se um governo desuniforme,  
de características militares, cioso dos rendimentos do Estado no que tange o  
comércio, contudo, desprovido de um plano econômico linear e articulado.  
Uma política demarcada, principalmente, por características mercantilistas  
(MAGALHÃES, 2022, p. 173-198).  
A trajetória do padre oratoriano português Teodoro de Almeida (1722-1804),  
para Villalta, é exemplar na medida em que demonstra os limites da Ilustração  
em Portugal. Almeida foi responsável por elaborar uma enciclopédia em língua  
vernácula, intitulada Recreação Filosófica (1751-1799). Nessa obra, o autor  
combinava a explicação de manifestações naturais – utilizando-se, para isso, da  
biologia e da astronomia – com a origem divina desses fenômenos. Sua produção é  
caracterizada pelo ecletismo porquanto associava diversas vertentes filosóficas  
e mantinha Deus enquanto “causa última” (VILLALTA, 2015, p. 120). O padre  
defendia que os cristãos deveriam viver de acordo com os princípios morais de  
seu Criador e se submeter às autoridades impostas pelas leis, desde que essas  
não fossem “exorbitantes” (2015, p. 121).  
Não tardou para que o padre autor fosse perseguido pelo governo português.  
Sua ressalva em relação às autoridades representava um possível dissenso com o  
absolutismo. Vale ressaltar que o escopo do reformismo ilustrado não era abolir  
a religião em Portugal, mas antes, fazer a Igreja se curvar à soberania real.  
Nas palavras de Villalta:  
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Teodoro, enfim, conciliava Luzes e catolicismo, não os opondo como faziam ilustrados  
seus contemporâneos em outros países; seu esforço conciliatório, no entanto,  
desagradou à Coroa, na medida em que se recusava a aceitar a primazia desta sobre  
a Igreja. Isso tudo revela a complexidade de interesses em jogo sob o Reformismo  
Ilustrado português; a dificuldade de se alcançar um equilíbrio entre eles; e, mais  
ainda, a estreiteza dos limites em que se moviam os pensadores (VILLALTA, 2015, p,  
124).  
A respeito da referida censura dos prelos difusores das Luzes, Araújo  
igualmente assinala as limitações que a ilustração enfrentou em Portugal. É  
intrincada a conciliação entre o absolutismo esclarecido pombalino e a imprensa  
periódica, na qual uma elite esclarecida flertava com as novidades do pensamento  
ilustrado (2003, p. 68).  
As iniciativas inauguradas por D. José I e Pombal tiveram continuidade no  
reinado sucessor, no entanto, os mencionados entraves do Reformismo Ilustrado  
português permaneceram. No governo de D. Maria, a política econômica foi alvo  
de modificações. Deu-se continuidade ao combate ao contrabando, o incentivo  
à manufatura e o monopólio nas colônias, a despeito de terem sido dissolvidas  
as companhias de comércio. Não obstante a proibição da produção de tecidos  
no Brasil, outras atividades produtivas foram incentivadas na colônia americana,  
gêneros os quais não representavam concorrência para a indústria portuguesa. A  
industrialização era finalidade e, para alcançar tal desígnio, o plano era o fomento  
da produção de novas matérias primas em território colonial (VILLALTA, 2015, p.  
124).  
D. João, durante sua regência, teve como braço direito D. Rodrigo de  
Souza Coutinho, homem empenhado na formação de elites intelectuais e  
entusiasta das teorias liberais, as quais adaptou ao Império português de forma  
a preservar o mercantilismo. D. Rodrigo propôs diversas reformas: “da máquina  
administrativa instituindo-se um sistema federativo, extinção dos monopólios,  
estímulo à atividade produtiva interdependente de todas as partes do império  
e a diminuição da carga tributária”. (VILLALTA, 2015, p.125). Boa parte de suas  
propostas econômicas não foram contempladas e Coutinho foi afastado do cargo  
de Secretário da Marinha e Ultramar6.  
AIgrejaaindaeratidacomoautoridade,contrapondoopoderreal;aInquisição  
teimava em resistir, embora enfraquecida, fazendo dos pensadores ilustrados  
6 D. Rodrigo de Souza Coutinho retornou ao governo, em 1807, como Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros  
e da Guerra e acompanhou a família real em sua vinda ao Brasil, tornando-se um dos principais conselheiros do príncipe  
regente e mantendo cargos governamentais até sua morte, em 1812.  
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ARTIGOS  
suas vítimas. O conservadorismo se fazia presente e limitava a pretensão da  
liberdade de pensamento. O desenvolvimento cultural esteve subordinado aos  
interesses do Estado absolutista. A preponderância da Universidade de Coimbra,  
de acordo com o autor, cristalizava as relações de dependência entre colônia e  
metrópole. Os luso-brasileiros se viam sujeitos ao ensino coimbrão como a única  
possibilidade de instrução superior. Na América Portuguesa, mudanças nesse  
sentido foram verificadas somente quando a transferência da corte para o Rio de  
Janeiro, seguida pela fundação de colégios e escolas de medicina. Antes disso,  
havia somente academias científicas voltadas à atividade prática, de modo a  
“assegurar e dinamizar a produção de matérias-primas em benefício de Portugal.”  
(VILLALTA, 2015, p. 142).  
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ARTIGOS  
PROJETOS DE HABITAÇÃO REALIZADOS ENTRE 1915 E 1935, CAMPO GRANDE (MS)  
HOUSING PROJECTS, BETWEEN 1915 AND 1935, CAMPO GRANDE (MS)  
1
Felipe Anitelli  
https://orcid.org/0000-0001-9821-5912  
http://lattes.cnpq.br/4756532167393423  
Recebido em: 28 de fevereiro de 2025.  
1ª revisão: 17 de junho de 2025.  
Revisão final: 11 de outubro de 2025.  
Aprovado em: 11 de outubro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.22925  
1 Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pós-doutorado pela FAU-USP, doutorado pelo  
IAU-USP, mestrado pela EESC-USP. Entre 2015 e 2007, foi pesquisador do NOMADS.USP - Núcleo de Estudos de  
Habitares Interativos. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto.  
E-mail: felipe.anitelli@ufms.br  
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ARTIGOS  
Resumo: O objetivo principal deste artigo é estudar exemplares de habitação construídos  
em Campo Grande (MS) entre 1915 e 1935, a partir de duas categorias analíticas: os arran-  
jos espaciais domésticos e os elementos plásticos da fachada. Os projetos arquitetônicos  
estudados foram consultados no arquivo do ARCA. Foram realizadas 14 visitas técnicas en-  
tre julho e dezembro de 2024, que viabilizaram a identificação, a organização, a análise, o  
registro (fotográfico) e a coleta (dados e imagens) de 180 habitações.  
Palavras-chave: história de Campo Grande (MS), história da habitação, arquitetura brasi-  
leira.  
Abstract: The main objective of this article is to study examples of housing built in Campo  
Grande (MS) between 1915 and 1935, based on two analytical categories: domestic spatial  
arrangements and plastic elements of the façade. The architectural projects studied were  
consulted in the ARCA archive. Fourteen technical visits were carried out between July and  
December 2024, which enabled the identification, organization, analysis, registration (pho-  
tographic) and collection (data and images) of 180 housing units.  
Keywords: history of Campo Grande (MS), history of housing, Brazilian architecture.  
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ARTIGOS  
O objetivo principal deste artigo é estudar exemplares de habitação  
construídos em Campo Grande (MS) entre 1915 e 1935, a partir de duas categorias  
analíticas: os arranjos espaciais domésticos e os elementos plásticos da  
fachada2. Entre os projetos da amostra, há diversos casos de uso misto, habitação  
e comércio, por exemplo. No entanto, construções que contém apenas comércio  
não foram consideradas. Além de casas térreas destinadas a uma única família,  
também foram encontradas edificações que abrigam diversas famílias na mesma  
propriedade, configurando, nesses casos, habitação coletiva3.  
Foram considerados todos os projetos habitacionais aprovados pela  
prefeitura no período e disponíveis no arquivo público consultado (ver tópico  
seguinte). É preciso ressaltar que a área urbana nessa época correspondia quase  
à atual região central. Um antigo mapa de 1920 (Figura 1) pontua os limites da  
cidade: avenida Mato Grosso ao norte4, avenida Fernando Correa da Costa  
[córrego Prosa] ao sul5, córrego Segredo à oeste, proximidades da atual rua Rio  
Grande do Sul à leste.  
Figura 1: Mapa da cidade de Campo Grande (MS) em 1920.  
Fonte: WEINGARTNER-2008.  
2 Não se trata de estudar o partido arquitetônico ou as composições volumétricas, mas os elementos quase sempre deco-  
rativos apostos nas fachadas.  
3 Habitação unifamiliar e multifamiliar, na nomenclatura que anos adiante adotaria o Código de Obras de 1979.  
4 Em um mapa de 1909, não há nada ao norte da atual rua Dom Aquino.  
5 Em um mapa de 1909, não há nada ao sul da avenida Afonso Pena.  
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ARTIGOS  
Não foram encontrados estudos acadêmicos com os recortes (cronológico,  
geográfico e temático) estabelecidos neste artigo. Isso valoriza o trabalho  
realizado aqui, em especial a consulta de fontes primárias e a utilização de  
documentos da época. Diversas peças gráficas, inclusive, são apresentadas aqui  
de forma inédita.  
Estudar as qualidades arquitetônicas de projetos habitacionais é  
compreender melhor os espaços de morar e os correspondentes modos de vida  
de grandes parcelas populacionais residentes na cidade na primeira metade do  
século XX. Analisar esses exemplares, portanto, é uma forma de valorizar a cultura  
material de Campo Grande e a própria história da cidade, mapeando, inclusive,  
materialidades domésticas recorrentes no processo de ocupação territorial da  
região Centro-Oeste. Resgatar aspectos desses assentamentos urbanos é uma  
forma de criar consciência crítica sobre o desenvolvimento do meio ambiente  
construído. Ao longo do tempo, as constantes demolições e reconstruções, o  
apagamento da história, a atuação desregulada do mercado imobiliário formal e  
o desinteresse das autoridades públicas competentes em preservar o patrimônio  
edificado reduzem de forma brutal a capacidade da população em reconhecer  
essa cidade pretérita. Reduzem, por consequência, a capacidade da pessoa se  
reconhecer como parte desse lugar. O presente artigo propõe-se a resgatar essa  
história.  
Notas sobre o material estudado: arquivo, desenhos e informações  
Os projetos arquitetônicos estudados foram consultados no arquivo do ARCA  
- Arquivo Histórico de Campo Grande (MS). Foram realizadas 14 visitas técnicas  
entre julho e dezembro de 2024, que viabilizaram a identificação, a organização,  
a análise, o registro (fotográfico) e a coleta (dados e imagens) de 180 habitações6  
de tipologias variadas, que somam 1.649 imagens, todas organizadas em pastas  
digitais. Essas peças gráficas são a totalidade de projetos do gênero aprovados  
entre 1915 e 1935 na cidade e que estão disponíveis para consulta nesse acervo.  
À época não havia uma padronização gráfica exigida pelos órgãos públicos  
responsáveis,oqueresultaemcortes,elevações,implantação,detalhes,etc.,nem  
6 Isso não significa que apenas 180 habitações foram construídas na cidade ao longo das duas décadas estudadas, pois é  
possível que parte desse material tenha se perdido ao longo do tempo.  
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ARTIGOS  
sempre com desenho ou escala padrão7. A planta, no entanto, é um documento  
constante, o que facilita a proposta de estudar os arranjos espaciais domésticos.  
Também há poucas informações textuais nas pranchas (não consta memorial  
descritivo de materiais e técnicas, como é exigência em projetos aprovados nos  
dias de hoje, tampouco há memorial justificativo de projeto), o que dificulta a  
identificação dos materiais e técnicas utilizados, com a exceção dos materiais  
de acabamento que são desenhados na fachada, como alvenaria ou cantaria.  
O carimbo da prancha nem sempre apresenta o nome dos envolvidos, sendo  
mais comum constar apenas o proprietário do imóvel (morador ou investidor), o  
construtor (muitas vezes sem formação acadêmica formal, nomeado “pedreiro”  
ou “empreiteiro”, por exemplo) e o desenhista. É menos frequente nomear o  
autor do projeto, entre engenheiros civis ou agrimensores, mas muito raramente  
um arquiteto. É conveniente lembrar que, no Brasil, a primeira lei federal que  
regulamenta a atuação desses profissionais é de 1933, quase no final do período  
estudado. Funcionários públicos também costumam assinar a aprovação do  
projeto, entre engenheiros ou médicos, por vezes, o próprio prefeito.  
Como a história social desses empreendimentos imobiliários não está  
contemplada nos objetivos deste trabalho, a biografia e as relações pessoais  
desses agentes não serão analisadas, mas reconhece-se a relevância do tema  
para trabalhos futuros que estudem a formação do mercado imobiliário local.  
Brevíssimas notas sobre a história da arquitetura doméstica no Brasil  
Não foram encontrados trabalhos acadêmicos específicos sobre a história  
da habitação emCampoGrande. Aslacunasdessahistoriografia, porconseguinte,  
valorizam a pesquisa documental realizada aqui e a análise de fontes primárias:  
os projetos arquitetônicos aprovados pela prefeitura entre 1915 e 1935. Em outros  
recortes geográficos ou a partir de panoramas mais abrangentes, no entanto,  
há décadas, muitos autores vêm consolidando um campo de estudos sobre  
a produção habitacional no Brasil, suas características arquitetônicas e, em  
específico, como é o foco aqui, os arranjos espaciais domésticos.  
7 Alguns exemplares não têm todos os desenhos.  
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ARTIGOS  
O Nomads.usp8, por exemplo, há quase três décadas vem desenvolvendo  
estudos sobre os arranjos espaciais da habitação brasileira, entre panoramas  
históricos e leituras contemporâneas: Queiroz (2008), Requena (2007), NOMADS.  
USP (2007), Pinho (2005), Tramontano (2004), Villa (2002), Tramontano (1998),  
entre outros. Essas análises são importantes aqui porque reconhecem as raízes  
de um certo modelo de planta cuja origem é europeia, consolidado na Paris do  
século XIX. Traços desse modelo são reconhecidos na amostra estudada, como  
a organização dos ambientes internos a partir de três zonas principais: social,  
íntima e serviço e a presença de certas instâncias de transição, como a copa, no  
geral localizada entre a sala de jantar e a cozinha.  
Esse modelo - comumente chamado de burguês pelos autores consultados  
- pode ser contraposto a arranjos espaciais tradicionais, que são entrevistos na  
habitação citadina brasileira desde a época da colonização. A típica planta da  
casa colonial implantada em lotes urbanos pode ser encontrada em diferentes  
regiões do país, inclusive no Centro-Oeste e no atual estado de Mato Grosso do  
Sul até as primeiras décadas do século XX, como apontam exemplares da amostra  
estudada, em especial nas décadas de 1910 e 1920. Os estudos desenvolvidos  
por Carlos Lemos (1999, 1989, 1985, 1976) são uma referência básica destes  
primórdios. Por vezes, as plantas da amostra são resultado de uma conciliação  
das duas matrizes: burguesa francesa e colonial portuguesa.  
Não foram encontradas “plantas-livres” modernas, nos termos definidos por  
Le Corbusier (2011 e 2004)9 ou parecidas com as soluções adotadas em projetos  
habitacionais concebidos pela República de Weimar ou pelo Construtivismo  
russo (Kopp, 1990). Em termos plásticos também é quase inexistente a estética  
modernistaimplementadanoBrasilapartirde1927comGregoriWarchavchik,seja  
na vertente paulista ou carioca (BRUAND, 1981). As fachadas dessas residências,  
no geral, dialogam com o universo decorativo do Ecletismo, cujos representantes  
máximos são figuras como Arquimedes Memória, Ramos de Azevedo, Giacomo  
Palumbo, entre outros.  
De forma complementar, estudos de autores como Homem (1996) e Bonduki  
8 Núcleo de Estudos de Habitares Interativos, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo  
(IAU-USP), coordenado pelo professor Associado Dr. Marcelo Tramontano.  
9 “Planta-livre”: quando os elementos estruturais da construção estão pontuados em pilares (e não mais distribuídos em  
paredes de alvenaria, por exemplo); nesses casos, a separação entre os ambientes da casa poderia ser feita com divisó-  
rias leves, sendo possível, inclusive, reposicionar essas paredes divisórias a partir de especificidades domésticas de cada  
família, sem reformas barulhentas, demoradas e custosas, ou seja, a planta seria livre para ser facilmente reconfigurada.  
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ARTIGOS  
(1998) ajudam compreender melhor o programa de necessidades da habitação a  
partir do recorte de renda: a primeira autora ao analisar palacetes concebidos  
para elites econômicas e o segundo autor ao analisar políticas habitacionais  
direcionadas para faixas de rendas baixas. Entre os exemplares estudados há  
diferenças programáticas e arranjos distintos que são explicados, em grande  
medida, pelo respectivo perfil socioeconômico daqueles a quem se destinam  
as moradias. Para análises tipológicas é útil a consulta ao clássico livro de Vaz  
(2002), pois há indícios de que alguns exemplares da amostra estudada são  
habitações coletivas dispostas em cortiços. Essa especulação imobiliária  
indicaria o prenúncio de um mercado formal de provisão habitacional10.  
Em uma perspectiva urbana, Reis Filho (1976) apresenta um panorama  
histórico da arquitetura brasileira, com foco em exemplares com programa  
habitacional. A principal contribuição do livro é abordar o assunto a partir das  
transformações do partido projetual e da relação entre a edificação projetada,  
a implantação da construção, a configuração do terreno e a integração da  
arquiteturanoplanourbano.NosprojetoshabitacionaisdeCampoGrande,notam-  
se progressivos melhoramentos que atendem demandas sanitárias, como recuos  
lateraisefrontaleaelevaçãodopavimentotérreodacotadoterreno,queresultam  
em novas possibilidades estéticas. Construções nomeadas como “chalés”, por  
exemplo, ilustram essa arquitetura não mais adoçada nas construções vizinhas  
ou no espaço público. O bloco construído torna-se mais complexo em termos  
volumétricos, o que inclui telhados com várias águas.  
Panoramas e classificações sobre a arquitetura brasileira ao longo do século  
XX (SEGAWA, 2014), por fim, ajudam a situar particularidades ou alinhamentos dos  
casos aqui estudados com correntes nacionais ou internacionais. Historiadores  
também ajudam a problematizar o contexto político e econômico da chamada  
República Velha e o início da ditadura do presidente Getúlio Vargas a partir de  
1930, como Fausto (2008) ou Schwarcz e Starling (2015). O início temporal deste  
artigo (ano 1915) coincide com a consolidação de uma Belle Èpoque cultural  
em certas metrópoles do país, cujo principal agente indutor são empresários  
agrícolas produtores e exportadores de café que, de forma incipiente, iniciavam a  
diversificação de seu capital e os investimentos em outros setores da economia,  
como a indústria (SILVA, 1976); o artigo avança até 1935, época do getulismo e de  
10 Reitera-se que os agentes imobiliários atuantes na cidade não são estudados aqui.  
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ARTIGOS  
muitas novidades: trabalhismo, industrialização, interiorização do país, reforma  
social, etc.. Esse recorte tem uma explicação programática: a partir do final dos  
anos 1930, as moradias começam a se configurar a partir de outras espacialidades  
e novos matizes estéticos, diferentes da tradição colonial luso-brasileira e da  
cultura eclética como, por exemplo, o neocolonial no registro hispânico (também  
chamado missões ou californiano), o art déco em suas diversas variações (zigue-  
zague, aerodinâmico, etc.) e o modernismo como linguagem11.  
Ambientes domésticos e arranjos espaciais  
A zona social é composta por ambientes de maior sociabilidade, mas nem  
todos os cômodos são de uso restrito da família. Por exemplo, o “escriptorio”,  
na grafia da época. Uns têm uma única entrada interna: uma porta que conecta  
o escritório à sala; outros têm duas portas: uma interna e outra externa. Esse  
acesso externo no geral localiza-se em uma varanda, disposta no recuo frontal.  
Esseespaçoéumainstânciamaispúblicapois, nessaconfiguração, oresponsável  
deve receber, para assuntos de trabalho, pessoas estranhas à casa; ao mesmo  
tempo em que mantém a privacidade - e o isolamento - do restante dos membros  
da família no interior da residência.  
Há um exemplo de escritório com porta dupla (acessos por sala e varanda)  
na residência de Wolfrand Pinheiro Cruz, aprovada em 1928, construída por  
José de Souza Rosa & Irmão, localizada na avenida Mato Grosso (Figura 2). Esse  
dispositivo sugere uma condição comum em residências urbanas desde o período  
colonial: trabalhar em casa (REIS FILHO, 1976). Além dos escritórios, existem  
33 projetos estudados (cerca de 18% da amostra) que contemplam uso misto:  
comércio à frente, residência nos fundos. Um fator geográfico ajuda a explicar  
a sobreposição de funções: a grande maioria dos projetos localiza-se na região  
central, com exceção de alguns poucos (principalmente a partir dos anos 1930)  
que estão no bairro vizinho de Amambai. Nesse contexto histórico, o zoneamento  
funcional moderno (LE CORBUSIER, 1993) ainda não estava presente.  
11 Em 2025 o autor continua desenvolvendo pesquisa no ARCA e estudando exemplares de habitação construídos em  
Campo Grande nas décadas de 1940 e 1950. Os projetos identificados e analisados de forma preliminar confirmam as  
considerações feitas no parágrafo acima.  
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ARTIGOS  
Figura 2 - Planta e elevação frontal de residência de propriedade de Wolfrand Pinheiro Cruz, aprovada em  
1928, construída por José de Souza Rosa & Irmão, localizada na avenida Mato Grosso.  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
A residência de Alcides Alves da Silva12 (Figura 3), aprovada em 1929, é uma  
das maiores construções da amostra em termos de área construída e do programa  
de necessidades. Cerca de um-terço da metragem total não são ambientes  
domésticos: uma varanda (6m²) localizada na fachada frontal dá acesso a um  
consultório (16m²), que contém diversos anexos, como sala de espera (12m²),  
curativos (8m²), laboratório (8m²) e gabinete (10m²)13. São cerca de 60m² de área  
não-residencial destinada a atendimento médico e conjugada à casa: composta  
de sala de jantar (20m²), três dormitórios (27m², no total), banheiro (7m²), cozinha  
(7m²), despensa (6m²) e varanda de serviço (10m²) ao fundo da construção.  
12 Também construída por José de Souza Rosa & Irmão. Localizada na rua Dom Aquino.  
13 O gabinete também tem acesso direto do exterior, através de um pergolado (visível na planta e na elevação frontal).  
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ARTIGOS  
Figura 3 - ACIMA: planta, ABAIXO: elevação frontal e implantação. Residência de Alcides Alves da Silva,  
aprovada em 1929, construída por José de Souza Rosa & Irmão, localizada na rua Dom Aquino n. 37.  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Ao entrar na parte residencial, a sala é o principal articulador dos ambientes  
domésticos. Pelo interior da casa, o acesso à cozinha ocorre pela sala, ainda que  
em muitos casos a cozinha esteja aberta para o fundo do terreno, como será  
apresentado adiante. Um dispositivo que aparece no final dos anos 1920 e que se  
populariza a partir de 1930 é a copa14, instância que separa e distancia o espaço  
sujo e de trabalho da cozinha e o espaço limpo e social da sala (TRAMONTANO,  
1998). A copa delimita a transição entre duas zonas: social e serviços.  
Por outro lado, a demarcação das zonas social e íntima pode ser variável:  
foram identificados dois projetos em que o espaço tem uso flexível: “sala de  
visitas ou dormitório” e “sala de jantar e dormitório”, dependendo, ao que tudo  
indica, de demandas familiares específicas de quem mora na casa. A privacidade  
dos quartos depende da posição relativa da zona íntima no arranjo doméstico  
geral. Como anunciado no tópico anterior, foram identificadas composições  
14 Foram identificados 18 exemplares com copa entre 1928 e 1934.  
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ARTIGOS  
que coincidem com certo modelo de planta comum desde a época da colônia,  
cujas características são detalhadas por diversos autores, como Lemos (1976) e  
Homem (1996). Em resumo, há duas instâncias principais de sociabilidade: uma  
sala com caráter mais público15, como primeiro cômodo da casa, junto à calçada;  
uma segunda sala com uso mais privado, reservada à família, localizada ao fundo  
da casa. Entre as duas salas, no centro geográfico da construção, encontram-se  
os dormitórios. Por causa da geometria do terreno residencial urbano colonial  
(estreito e profundo) e da implantação da construção (sem recuos laterais), esses  
dormitórios - chamados “alcovas” - não costumavam ter janelas (Figura 4).  
Figura 4 - plantas, elevação frontal e perspectiva de habitação urbana colonial  
Fonte: (HOMEM, 1996).  
Foram identificados 39 projetos com essa configuração (Figura 5), que  
correspondem a cerca de 21% da amostra, com certas particularidades:  
dormitórios entre as salas, dormitórios entre o comércio (frente) e a sala (fundo)  
e dormitórios entre sala e cozinha. Porém, o sanitarismo trouxe uma alteração  
significativa: os quartos não são mais alcovas, eles sempre têm janelas. Isso  
mostra um descompasso entre o arranjo espacial doméstico ainda influenciado  
15 Essa sala poderia ser um comércio.  
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ARTIGOS  
por um modelo de planta colonial e importantes renovações na fachada, como a  
adoção do ecletismo como decoração, como se verá adiante. Plantas com traços  
coloniais travestidas por um decorativismo típico burguês da Belle Èpoque, ou  
ainda, o processo de modernização cultural brasileiro e suas contradições. Outras  
leituras também são possíveis: uma elite econômica e intelectual moradora da  
cidade no começo do século XX que estava antenada com certas atualizações  
estéticas originárias da Europa, mas que não abria mão de morar sob modos de  
vida tradicionais.  
Figura 5 - Planta e elevação frontal de residência, aprovada em 1915, proprietário Vasques & Cia, localizada  
na rua 15 de novembro  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Há outras soluções típicas da casa colonial urbana, como a ausência de  
corredores de circulação que dão acesso aos dormitórios: 19 projetos da amostra  
(cerca de 10%) não tem circulação na zona íntima, ou seja, o acesso aos quartos  
ocorrepordentrodosprópriosquartos(Figura6).Ainstalaçãodetaiscorredoresé  
decorrência de um longo processo de consolidação de noções como privacidade,  
que durou alguns séculos a partir da Idade Moderna (Rybczynski, 1996). Como é  
previsível concluir, não é possível manter uma intimidade plena se o quarto é  
também local de passagem. Isso indica que a natureza da zona íntima de várias  
residências de Campo Grande de cem anos atrás é bastante distinta dos modos  
de vida contemporâneos. Há 10 projetos na década de 1930 cujos dormitórios  
têm três ou quatro portas, o que reforça a inviabilidade de isolamento ou certas  
condições atuais como, por exemplo, o entendimento do dormitório como o  
último refúgio da casa.  
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ARTIGOS  
Figura 6 - Elevação frontal e planta de residência, aprovada em 1934, propriedade de João Leite da Silva,  
construída por Joaquim Nogueira Pinto, localizada na vila Soares  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Também existem quartos com duas portas, uma interna e outra externa16,  
que abre direto para fora da moradia, ou seja, é possível acessá-lo sem  
entrar pela casa, o que talvez indique alguma autonomia do ocupante desse  
dormitório com relação aos outros membros da família. Um filho adulto ou um  
avô aposentado, por exemplo, pessoas mais independentes - do ponto de vista  
financeiro, inclusive - que não teriam mais que se submeter ao controle do  
responsável da casa? Dormitórios, no geral17, são os cômodos mais protegidos  
da casa, independentemente do arranjo espacial adotado. Sempre existem  
ambientes que antecedem e controlam o acesso à zona íntima, além da própria  
sala: vestíbulo, hall, galerie, corredor, etc.. Portas de dormitórios voltadas para  
o exterior, no entanto, quebram essa hierarquia e a sequência costumeira para  
dispor os cômodos.  
Em certos casos, a justificativa parece certa: existem 14 projetos de  
habitação coletiva (cerca de 7% da amostra) interpretados por este trabalho  
como cortiços, vários deles com uma disposição comum em moradias do gênero,  
encontrada em regiões centrais de metrópoles brasileiras na mesma época, como  
São Paulo (BONDUKI, 1998) e Rio de Janeiro (VAZ, 2002): ambientes padronizados  
em termos espaciais, enfileirados perpendiculares à rua, porta e janela dos  
cômodos voltadas para o recuo lateral (coberto por uma varanda), sem conexão  
16 Foram identificados 20 exemplares do gênero entre as décadas de 1920 e 1930.  
17 Em especial, em projetos habitacionais anteriores à arquitetura moderna.  
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interna entre eles (Figura 8). Esse arranjo configuraria quartos autônomos ou,  
mais precisamente, unidades habitacionais - informais e precárias - autônomas.  
Figura 8 - Planta (acima) e corte longitudinal (abaixo), Habitação coletiva, projeto aprovado em 1928, loca-  
lizada na avenida Calógeras  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Cortiços apontam a existência de especulação imobiliária. Eles indicam  
também desconhecimento, incapacidade ou desinteresse das autoridades  
públicas em condicionar a aprovação das construções ao atendimento de  
requisitossanitáriosbásicos.Cadafamíliacostumahabitarumúnicocômodocom  
usos diversos, sobrepostos e improvisados. Nessas condições, a sociabilidade  
se prolonga na varanda e no quintal, mas a privacidade fica quase inviabilizada.  
Tarefas domésticas diárias são prejudicadas, como é possível observar em um  
projeto de habitação coletiva aprovado pela prefeitura em 1929, construída à  
rua 7 de Setembro (Figura 7): são 9 quartos, no total. Nove famílias diferentes,  
é provável. Porém, a construção prevê apenas uma sala (15m²), uma cozinha  
(10.5m²), um único cômodo nomeado como “ban” (banho ou banheiro?) e um único  
cômodo nomeado como “W.C.”. Em termos hipotéticos, se houvesse entre 25 ou  
30 pessoas nesse cortiço (pai, mãe e filho em cada quarto), todas elas teriam que  
compartilhar um único banheiro. As contradições da modernização das cidades  
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brasileirasentre1870-1950easdesigualdadessocioeconômicasdopaís, inclusive  
os problemas da produção privada de moradia para as classes trabalhadoras,  
podem ser estudados em Correia (2005).  
Figura 7 - Planta, habitação coletiva, projeto aprovado em 1929, localizada na rua 7 de setembro  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Banheiros à parte da construção eram comuns não apenas em cortiços,  
mas também em residências unifamiliares. Foram identificados 21 projetos cujos  
únicos banheiros da casa estão localizados no quintal, ao fundo do terreno (cerca  
de 11% do total, entre 1915 e 1933) (Figura 9). É provável que o número de banheiros  
no quintal seja muito superior ao mapeado pois, entre as pranchas estudadas,  
vários projetos não têm banheiro desenhado, nem dentro nem fora da casa. À  
época da colônia, esse cômodo moderno chamado “banheiro” não existia, como  
também não havia redes de abastecimento de água e coleta de esgoto. De forma  
manual a água era trazida para dentro de casa e o esgoto era levado para seu  
destino final, pelos próprios moradores ou agregados, trabalhadores domésticos  
ou pessoas escravizadas. Esse quadro não existia mais na primeira metade do  
século XX, portanto, isso não se aplicaria aos casos estudados entre as décadas  
de 1910 e 1930.  
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Figura 9 – Implantação e fachada frontal de residência, propriedade de Abilio Fernandes Barbura, localizada  
na rua 15 de Agosto  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Banheiros juntos do restante da construção começam a ser mais frequentes  
a partir do final da década de 1920, mas em muitos desses casos, a porta de  
acesso ainda localizava-se no quintal, ou seja, não havia acesso direto do interior  
da residência ao banheiro. Dois exemplares da amostra, inclusive, apresentam  
uma solução intermediária: banheiro com duas portas (uma interna, outra  
externa). Entre os banheiros com porta e acesso interno à casa (21 exemplares,  
cerca de 11% do total, que começam aparecer a partir de 1928), quase todos  
estão localizados na zona de serviços, vizinhos da cozinha. São bastante raros os  
banheiros que se localizam no corredor dos quartos ou próximos da sala: apenas  
6 casas a partir de 1929 (cerca de 3% da amostra). Banheiros suíte identificaram-  
se apenas dois projetos, um deles a casa de Alcides Alves da Silva, já mencionada  
aqui. Em ambos os casos há duas portas: uma abre para o interior do dormitório  
e outra abre para o corredor da zona íntima.  
É importante esclarecer que, entre os exemplos mencionados, não é possível  
ter certeza sobre a condição da pessoa que solicitou aprovação na prefeitura.  
Não é sabido18 se o nomeado “proprietário” seria o futuro morador ou apenas um  
investidor. Por isso, também não é possível concluir se as idiossincrasias dos  
banheiros e outros cômodos da residência seriam uma demanda doméstica  
específica da família ou a concepção de produtos imobiliários que tentam mapear,  
de forma presumível, demandas de um público-alvo, como acontece, ademais,  
até os dias de hoje.  
Contudo, havia um mercado imobiliário constituído em Campo Grande  
18 Isso significa que essa informação excede os objetivos deste artigo e, por isso, não foi aprofundada. Porém, trata-se  
de uma questão relevante que trabalhos acadêmicos com outros recortes temáticos podem investigar.  
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desde o início do século XX, não nos termos contemporâneos com empresas  
profissionalizadas (incorporador, construtor, corretor, etc.), mas investidores  
individuais (talvez de outros setores da economia) que aportavam recursos  
financeiros na construção civil e na produção habitacional privada. Foram  
identificados terrenos com duas habitações, com três habitações (Figura 10),  
com quatro habitações e com casas geminadas, que somam 13 exemplares  
construídos entre 1928 e 1934 (cerca de 7% da amostra). É importante pontuar  
que as habitações coletivas mencionadas neste parágrafo não são cortiços,  
mas unidades completas e autônomas, compostas por sala, quartos, cozinha,  
banheiro, etc., além de entrada exclusiva ao imóvel.  
Figura 10 – Habitação coletiva com três unidades, projeto aprovado pela prefeitura em 1933, construída  
por José de Souza Rosa, localizada na avenida Calógeras  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Pelos documentos estudados, não é possível confirmar se essas casas  
foram vendidas ou alugadas. No entanto, no período histórico estudado, não  
havia políticas públicas para financiar a produção de imóveis residenciais e os  
bancos privados também não tinham linhas de crédito imobiliário destinadas a  
empresários do setor (ANITELLI, 2010). Por outro lado, não existia financiamento  
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ARTIGOS  
regularàpopulaçãoparaacompradacasaprópria. Porisso-eaguardandofuturos  
trabalhos acadêmicos que investiguem mais esses novos circuitos imobiliários -  
conclui-sequeessascasasforamconstruídasealugadas,nocontextoqueBonduki  
(1998) chamou de “rentista” , anterior à constituição de empresas incorporadoras,  
à profissionalização do mercado e à venda de moradias (ROSSETTO, 2002).  
Menciona-se também o curioso caso de uma casa duplicada, com projetos  
iguais, construídas em terrenos diferentes. A primeira uma “casa econômica”,  
propriedade de Conceição Mambris, localizada no prolongamento da rua Cândido  
Mariano; a segunda uma “casa econômica” para Antônio Rodrigues, localizada no  
prolongamento da rua 13 de Maio. Não apenas o projeto é igual, mas a disposição  
dos desenhos na prancha também é rigorosamente igual. Ambas foram  
aprovadas pela prefeitura no mesmo ano: 1932. Desconsiderada uma improvável  
coincidência, é possível deduzir um interesse em padronizar a construção por  
questões produtivas e econômicas, estratégia que persiste no século XXI no  
Brasil inteiro. Não é difícil imaginar as implicações negativas para os profissionais  
autores de projeto atuantes na cidade à época. Como já mencionado, a primeira  
regulamentação do trabalho do arquiteto no Brasil ocorreu no ano seguinte, em  
1933, através do Decreto 23.569 (PINHEIRO, 1997).  
Em termos históricos, a contagem das residências era realizada pela  
quantidade de “fogos”, ou seja, quando havia cozinha era contada uma unidade  
habitacional. Logo, esses projetos de habitação coletiva mencionados acima  
aumentavam não apenas o número de residências, mas também a densidade  
populacional da região central19 ao acomodar várias famílias em um mesmo  
terreno com dimensões padrão. No final do Império e início da República, o  
cozinhar tinha natureza diversa daquela que há nos dias de hoje, como apontam  
autores que estudam esse cômodo em uma perspectiva histórica, como Homem  
(2015). Foram identificadas na amostra 44 residências (cerca de 24%) cujas  
cozinhas estão abertas para o quintal, sem conexão direta com o interior da casa  
ou ligada aos ambientes internos por uma varanda. Essa condição mantém uma  
tradição indígena de cozinhar fora da edificação principal, que os portugueses da  
colônia não demoraram a entender sua conveniência em um país tropical. Cerca  
19 No início do século XX Campo Grande tinha cerca de 2.000 habitantes e cerca de 200 casas segundo Trubiliano e  
Martins (2008). Ainda segundo dados apresentados pelos autores, havia 5.000 pessoas no município em 1912 e 40.000  
pessoas em 1933, ou seja, a população aumentou oito vezes no período estudado. No entanto, a população residente na  
zona urbana era bem mais modesta: 6.000 pessoas em 1920 e 24.479 pessoas em 1940.  
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de um-quarto dos projetos estudados tem a cozinha com essas características,  
uma proporção bastante significativa.  
O curioso é que não é progressivo o desaparecimento dessas cozinhas  
integradas a varandas e ao quintal. A metade dessas cozinhas foi concebida entre  
os anos 1932 e 1934, ou seja, no final do período estudado. Pesquisas futuras com  
recortes cronológicos em épocas subsequentes podem verificar quando essa  
disposição não foi mais popular em Campo Grande. É provável que esse processo  
coincida com o desenvolvimento tecnológico dos instrumentos domésticos,  
como liquidificadores, batedeiras, processadores, etc., além do fogão elétrico  
substituir o fogo à lenha. O impacto da popularização do detergente e outros  
facilitadores do cotidiano familiar, por exemplo, já foi estudado por autores que  
abordam a história da arquitetura, como Banham (2006). Nos anos 1930 surge  
uma opção que parece intermediária: cozinha com duas portas - uma abre para o  
interior da casa, outra abre para o exterior (varanda ou quintal).  
Outro elemento bastante comum nos exemplares estudados é a varanda,  
que se constitui como uma instância de transição entre interior e exterior. Foram  
identificados 58 projetos residenciais com varandas, de diferentes desenhos,  
funções e localização, que correspondem a cerca de 32%. Um-terço do total  
é um número bastante significativo, visto que à época se consolida a estética  
de matriz eclética para decorar as fachadas, o que provoca, em tantos casos,  
telhados escondidos por causa da adoção da platibanda e a ausência de varandas  
que remetiam a uma condição colonial.  
Entre as casas avarandadas, cerca de 55% delas (32 exemplares) estão  
localizadas na fachada de frente para a rua, como entrada coberta da residência,  
anterior à sala. Cerca de 6% delas (4 exemplares) estão localizadas na fachada  
posterior, no fundo da casa, junto da cozinha (Figura 11). As primeiras teriam  
uma conotação mais social, as segundas seriam mais utilizadas como serviço e  
área de convívio familiar. Cerca de 37% delas (22 exemplares) têm duas varandas,  
uma à frente da construção, outra ao fundo da construção (Figura 12). O termo  
“varanda” foi utilizado porque é o mais comum, mas talvez seja conveniente  
consultar um clássico dicionário de arquitetura e distingui-la do “alpendre”.  
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Figura 11 - Planta de residência, aprovada pela prefeitura em 1929, propriedade de Alberto de Castro,  
construída por Luiz Louzinha, localizada na rua Antônio Maria Coelho.  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Figura 12 – Planta e elevação frontal de residência, aprovada pela prefeitura em 1933, propriedade de  
Juvenal Ribeiro, construída por José de Souza Rosa, localizada na avenida Afonso Pena n. 188, bairro  
Amanbahy  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
SegundoCoronaeLemos(1972, p. 32e36), alpendreseriatodotetosuspenso  
por si só ou suportado por pilastras ou colunas. (...) Vulgarmente pensa-se que  
alpendre seja o recinto abrigado anterior à porta”; continua adiante: “Em nossas  
antigas residências, também servia o alpendre para separar e categorizar os  
indivíduos. Era no alpendre que o fazendeiro ou senhor, recebia agregados ou  
escravos da lavoura”; ou ainda: “A palavra ‘varanda’ é empregada comumente  
para designar grande alpendre”. Classificado nesses termos, o espaço coberto  
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da frente da casa identificado na amostra parece mais um alpendre, entendido  
aqui como espaço formal de entrada, mas também como barreira para atender  
eventuais pessoas estranhas à casa, ainda que muito diferentes daqueles  
exemplos mencionados pelos autores.  
Por outro lado, os autores também definem varanda: “a palavra designa o  
alpendre grande e profundo, muito comum nas casas antigas, onde se tomavam  
as refeições e onde se passava o dia”, apresentando sinônimos: “O mesmo que  
sacada, oubalcão, especialmentealpendrado, eirado, terraço(LEMOSeCORONA,  
1972, p. 468). Essas definições parecem mais adequadas para as coberturas do  
fundo identificadas na amostra.  
Essa porosidade da construção e sua relação mais direta com o terreno  
parecem ser um fator importante para definir a disposição dos cômodos e a  
implantação da construção no lote. Vários ambientes com aberturas dúbias  
- para dentro e para fora - já foram mencionados neste trabalho: o dormitório,  
a cozinha, o banheiro e a varanda. A relação com as áreas externas também é  
funcional pois, em tantos casos, parte da propriedade era utilizada para cultivo  
de hortaliças e criação de animais, como suínos e aves. Esses alimentos eram  
parte da dieta alimentar das famílias. O tamanho do terreno indica a presença  
dessas pequenas atividades agrícolas. A maioria das pranchas da amostra não  
tem desenho de implantação, por isso, nesses casos, não é possível saber o  
tamanho exato do terreno. Porém, há diversos terrenos com metragens muito  
superiores à média atual: 20x40 metros, 16x60 metros, etc.. Nota-se também  
que a taxa de ocupação é bem menor que a usual nos dias de hoje, ou seja, a  
área não edificada (e permeável) que sobra, é muito provável, gerava insumos  
alimentares domésticos.  
Fachadismos e decoração  
Uma parte das residências da amostra (24 delas, cerca de 13%) possui  
fachada com disposição tradicional, mas quase sem decoração (Figura 13). A  
ausência de elementos decorativos desses exemplares, ressalta-se aqui, não  
é uma consciência das novas possibilidades estéticas advindas da arquitetura  
moderna. Elas têm pouca - ou quase nenhuma - decoração por causa de suas  
dimensões modestas, de sua simplicidade construtiva, dos objetivos do  
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empreendimento imobiliário ou do público-alvo. São construções feitas por (ou  
para) um público com poucos recursos financeiros, como é possível se deduzir  
pelo programa de necessidades enxuto.  
Figura 13 – Elevação frontal e lateral de residência, aprovada pela prefeitura em 1916, propriedade de  
Henrique A. P. Correa, localizada na rua Cândido Mariano n. 19 esquina rua Santo Antônio  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
No entanto, a grande maioria das residências identificadas pertence ao  
ápice da cultura eclética, o que resulta em elementos decorativos variados, como  
acrotério, agulha, almofada, ameia, arco, azulejo, balaustre, bossagem, cachorro,  
capitel, coluna, console, cornꢀa, cunhal, estria, floreira, friso, frontão, guarnição,  
guirlanda, gota, lambrequim, medalhão, mísula, moldura, óculo, parapeito,  
pedestal, pedra, pérgola, pilastra, pináculo, platibanda, sacada, tꢀolo, tímpano,  
tríglifo, vaso, vegetação, voluta, etc., cujas definições podem ser consultadas no  
- já mencionado - dicionário de arquitetura (LEMOS e CORONA, 1972). Todos eles  
poderiam ser classificados como parte desse repertório eclético. A partir das  
últimas décadas do século XIX, em muitas regiões do mundo ocidental em que  
o progresso material chegou, começou-se a utilizar elementos historicistas sem  
tanto rigor compositivo, como havia feito, por exemplo, a arquitetura neoclássica  
ou renascentista. Outra característica do ecletismo é a mistura de elementos de  
matrizes estéticas diferentes na mesma edificação.  
É possível identificar diálogos com diversas vertentes estilísticas, como  
o neoclássico (Figura 14), estabelecido no Brasil desde a primeira metade do  
século XIX e a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro; o romântico,  
em exemplares da amostra nomeado como “chalet” (Figura 14), sempre com  
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a cumeeira do telhado perpendicular à rua e com as águas aparentes, sem  
platibandas; o neocolonial, que resgata o repertório formal de construções do  
Brasil Colônia e introduz certos elementos decorativos na fachada (Figura 15)  
; o art nouveau, primeiro estilo arquitetônico que busca romper - ao menos  
no discurso - com formas historicistas, predominando arranjos compositivos  
curvilíneos e florais (Figura 15); entre outros20.  
Figura 14 - ESQUERDA: fachada frontal, projeto de uso misto (comércio e residência), aprovada pela  
prefeitura em 1933, propriedade de Nicola Carato, localizado na rua Dom Aquino; DIREITA: fachada frontal  
de residência, nomeada como “chalet” no projeto, aprovada pela prefeitura em 1927, propriedade de Ushi  
Oshiro, localizada na rua Antônio Maria Coelho n. 18  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
20 As características desses estilos podem ser estudadas em diversos autores: neoclássico e romântico (LEMOS, 1985),  
neocolonial (PINHEIRO, 2012), art nouveau (SEMBACH, 2007).  
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ARTIGOS  
Figura 15 - ESQUERDA: fachada frontal, projeto de residência, aprovada pela prefeitura em 1931, projeto  
do engenheiro civil Amélio Baís, propriedade de Sebastião I. de Souza, localizado na rua 15 de Novembro;  
DIREITA: fachada frontal, projeto de residência, aprovada pela prefeitura em 1933, propriedade de Juvenal  
Ribeiro, projetada pelo engenheiro agrimensor Generoso Leite, construída por José de Souza Rosa, localiza-  
do na avenida Afonso Pena n. 188, bairro Amambahy.  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
Há também diversos exemplares art déco: 9 projetos no total, construídos  
entre 1932 e 1934, o que corresponde a cerca de 10% das residências desses  
anos. De acordo com a amostra, começa a se popularizar em Campo Grande  
a partir da década de 1930. Apesar das decorações ainda presentes, não seria  
descabido considerá-lo como uma transição entre o ecletismo e o moderno,  
por causa da simplificação, da geometrização e da tendência de abstração das  
formas propostas pelo art déco21. Entre eles, há um exemplar que é considerado  
por este trabalho como um prelúdio da arquitetura moderna (Figura 16). Trata-se  
de uma nomeada “casa econômica”, propriedade de Antônio Fernandes, aprovada  
pela prefeitura em 1934, localizada na rua 13 de Maio. Não existem traços de  
estilos historicistas, as fachadas (frontal e lateral) dialogam com proposições  
contemporâneas à concepção do projeto.  
A primeira construção moderna no Brasil, como é sabido, foi a casa da  
rua Santa Cruz, na vila Mariana, em São Paulo, projetada em 1927 por Gregori  
Warchavchik (LIRA, 2013)22. Na capital paulista, além do arquiteto russo, apenas  
outros dois profissionais projetaram obras modernas até o início dos anos 1930:  
21 Características do estilo art déco, inclusive sua vertente marajoara, popular no Brasil, podem ser estudadas em Dias  
(2023).  
22 Ainda que a estação de trem de Mairinque, projetada em 1906, por Victor Dubugras, tenha aspectos modernizantes.  
O título do livro de Reis Filho (2005) aponta que o arquiteto francês teria sido o “precursor da arquitetura moderna na  
América Latina”.  
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ARTIGOS  
Rino Levi e Flávio de Carvalho23. No Rio de Janeiro, além da experiência pioneira  
dos Irmãos Roberto na sede da ABI24, as primeiras manifestações modernas se  
concretizaram com o próprio Warchavchik, construindo algumas residências em  
parceria com Lúcio Costa, além da equipe responsável por desenvolver o projeto  
do Ministério da Educação e Saúde, guiada por Le Corbusier (HARRIS, 1987). Além  
desse brevíssimo panorama, há raros outros exemplares, como a atuação de Luis  
Nunes em Pernambuco.  
A casa econômica propriedade de Antônio Fernandes não dialoga com  
essas manifestações, mas se aproxima das predileções art déco. O desenho da  
fachada - em especial o coroamento - é levemente assimétrico, o que destoa da  
matriz clássica; fachada com arquétipos românticos costumam ser assimétricas,  
mas aqui o telhado está escondido atrás da platibanda (tal como na pioneira casa  
de Warchavchik); o resultado estético é cúbico, geométrico e abstrato, mas  
não pode ser aproximado da arquitetura moderna realizada, por exemplo, na  
Alemanha no pós-Primeira Guerra, pois o desenho da casa de Campo Grande é  
apenas decorativo.  
No entanto, há um detalhe construtivo que destoa das estratégias utilizadas  
em casas ecléticas do período. A decoração eclética costumava ser aposta à  
fachada,ouseja,paredesdealvenariarebocadascomargamassaderevestimento,  
mais decoração (por cima); já na prancha de aprovação na prefeitura da casa  
propriedade de Antônio Fernandes há um informe aos responsáveis pelo canteiro  
de obras: “rebaixo de 4 cms, a executar já na alvenaria” (Figura 16). Dessa forma,  
é o desalinhamento dos próprios planos verticais que constituem a dinâmica  
plástica da fachada. Não existem mais objetos sobrepostos, como se observa  
nos desenhos de elevação, ainda que o resultado - e o objetivo do autor - seja  
decorativo. São os elementos da própria construção, paredes nesse caso, que  
definem o design da edificação. Considera-se isso um indício de modernidade.  
23 Seguidos por Oswaldo Bratke e Eduardo Kneese de Mello nos anos subsequentes.  
24 Associação Brasileira de Imprensa.  
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ARTIGOS  
Figura 16 - ACIMA: fachada frontal (esquerda) e detalhe construtivo (direita), ABAIXO: fachada lateral: pro-  
jeto de “casa econômica, aprovada pela prefeitura em 1934, propriedade de Antônio Fernandes, localizado  
na rua 13 de Maio.  
Fonte: ARCA - Arquivo Histórico de Campo Grande.  
CONCLUSÕES  
As construções estudadas aqui praticamente não existem mais. Elas  
desapareceram por causa do desinteresse pela cultura material da cidade, além  
do desenvolvimento das forças capitalistas e do mercado imobiliário, com o  
consequente aumento da densidade construtiva permitida e a construção de  
novas edificações verticalizadas no lugar. A arquitetura, como registro dessa  
cultura material, é uma fonte preciosa para estudar a história de uma civilização.  
Como as construções não existem mais, a documentação de projeto torna-se uma  
maneira de estudá-la. A primeira conclusão é a importância de valorizar arquivos  
públicos que detém acervos do gênero e a elaboração de políticas públicas para  
organizar e publicizar o material.  
Talvez o principal mérito deste trabalho foi ter identificado similaridades  
dos arranjos espaciais de habitações em Campo Grande com aqueles existentes  
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ARTIGOS  
em outras regiões brasileiras. Ainda que as temporalidades sejam outras e as  
adaptaçõessejamnecessárias,foramobservadosnaamostraaspectosdomodelo  
de planta de casas urbanas do Brasil colonial e do modelo de planta burguês  
europeu consolidado no século XIX. Estudar esses projetos entre 1915 e 1935  
permitiu visualizar certas tradições domésticas seculares que conviviam com  
modernizações pontuais, na mesma época em que o país tinha transformações  
estruturais, como a recém proclamada República e o fim da monarquia, a  
estruturação de um Estado burguês liberal com todas as suas contradições e o  
início do governo autoritário de Getúlio Vargas.  
Também constatou-se a atuação de um incipiente mercado imobiliário e  
a existência de especulação imobiliária. Nesse contexto, não se trata mais de  
pessoas que constroem sua própria residência, mas indivíduos que estabelecem  
uma provisão imobiliária privada e oferecem unidades habitacionais no mercado  
rentista, como aventado aqui. Importante mencionar que, dentro dessa produção  
de viés mais empresarial, foram identificadas construções precárias, como  
cortiços. Pelos projetos se nota a desigualdade social da época, ao comparar  
residências com programa de necessidades extenso, como a casa de Alcides  
Alves da Silva, que pertencem a profissionais liberais bens estabelecidos que, nos  
dias de hoje, seriam chamados de classe média alta; até cômodos mínimos que  
abrigam famílias inteiras em construções precárias com banheiro compartilhado  
por muitas pessoas.  
A grande particularidade é que praticamente todas essas pessoas  
moravam na região central de Campo Grande, independente da renda ou classe  
social. Essa condição não tornava a relação menos desigual, mas forçava a  
proximidade geográfica e convivência, no mínimo, enquanto o território ocupado  
não era expandido por novos loteamentos e não se consolidava um zoneamento  
funcional.  
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THE PIRAJU MUNICIPAL ENVIRONMENTAL COUNCIL (SÃO PAULO, BRAZIL): POLITICAL  
TENSIONS AND POPULAR PARTICIPATION IN ENVIRONMENTAL DECISIONS (1992-2015)  
1
Marcela dos Santos Alves  
https://orcid.org/0000-0003-4972-386X  
http://lattes.cnpq.br/8872210904436200  
Recebido em: 09 de junho de 2025.  
1ª revisão: 29 de agosto de 2025.  
Revisão final: 11 de outubro de 2025.  
Aprovado em: 11 de outubro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.23504  
1 Doutoranda em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista “Júlio de  
Mesquita Filho” (UNESP), mestre em História pelo mesmo Programa e graduação em História pela mesma instituição.  
E-mail: marceladossantosalves@gmail.com  
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ARTIGOS  
Resumo: A intenção deste artigo é compreender como se organiza a participação política  
popular em relação ao meio ambiente que é tão cara às discussões ambientais internacionais  
a partir da realidade local. Para tanto, o objeto de estudo escolhido foi o Conselho Municipal  
de Meio Ambiente da Estância Turística de Piraju, cidade situada no interior do Estado de  
São Paulo, por ser uma cidade cortada pelo rio Paranapanema e com um histórico de luta  
contra a construção de usinas hidrelétricas.  
Palavras-chave: participação popular, meio ambiente, Conselho Municipal de Meio  
Ambiente.  
Abstract: The aim of this article is to understand how popular political participation in  
relation to the environment, which is so important to international environmental discussions,  
is organized based on local reality. To this end, the chosen object of study was the Municipal  
Environmental Council of the Estância Turística de Piraju, a city located in the interior of the  
State of São Paulo, because it is a city crossed by the Paranapanema River and has a history  
of fighting against the construction of hydroelectric plants.  
Keywords: popular participation, environment, Municipal Environmental Council.  
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ARTIGOS  
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É inegável que a cada dia mais o meio ambiente tem se tornado pauta  
importante nos diversos setores da vida, como parte das preocupações  
econômicas, políticas, culturais e, sem tentar soar alarmista, nas questões  
ligadas a própria sobrevivência do planeta. Essa discussão que hoje permeia a  
vida da sociedade internacional e causa transtornos até na vida psíquica, com o  
que tem se chamado de ansiedade ambiental, ou ecoansiedade, não é novidade  
desde a década de 1970.  
Os dilemas ambientais até os anos 1970 eram tratados de forma esparsa e  
direcionados a pequenos grupos específicos de ativistas. Essa realidade mudou  
comosimpactossemprecedentesdoavançodaglobalizaçãoedoneoliberalismo,  
formando uma aliança forte que ampliou ambos os processos, resultando na  
internacionalização do capital, no acelerado desenvolvimento tecnológico,  
na criação de sistemas de informação, no aumento de trocas comerciais e  
3
tecnológicas conduzidas sob uma governança mundial que foi sustentada a  
partir dos objetivos de grandes empresas transnacionais em detrimentos dos  
Estados (Ribeiro, 2014).  
Assim, além dos impactos políticos, culturais e econômicos desta nova  
realidade, a revolução científico-tecnológica do fim deste último século afetou  
de forma permanente o meio ambiente: a utilização desmedida de matérias  
primas não renováveis, a criação de produtos químicos sintéticos, a poluição  
dos mananciais, mares e ar, o desmatamento, a extinção da fauna, entre outros.  
Essas mudanças ambientais só foram sentidas e seriamente discutidas a partir  
da primeira crise do petróleo, em 1973, onde, pela primeira vez, se questionou  
a finitude dos materiais existentes no planeta, a poluição industrial e as  
consequências do desenvolvimento a todo custo. (Vieira, 2002).  
A partir desse momento, foram organizados relatórios, assembleias,  
comissões, e a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e  
Desenvolvimento que se realizou no Rio de Janeiro em 1992, produziu-se a Agenda  
21, com a finalidade de servir como diretriz para orientar nações e comunidades  
2 Entende-se por Meio Ambiente por um conjunto complexo e diverso de elementos, processos e dinâmicas que entrela-  
çam os campos da biologia, da física e da química – que criam condições para a existência da vida na terra, relacionando  
ao que se compreende por natureza – e também os campos sociais, políticos, culturais e econômicos, conceitos próprios  
das relações humanas. De acordo com o Ignacy Sachs, o meio ambiente seria a correlação entre atributos naturais e sua  
utilização pelos seres humanos na construção da sociedade. (Sachs, 1993)  
3 Governança é um jargão criado no final da Segunda Guerra Mundial para designar a cooperação entre os países em  
busca da paz. A partir da globalização, esse conceito passou a denominar, para além da cooperação entre países, também  
a interação de toda a gama de agentes e atores de esferas não estatais (Veiga, 2015, p. 3).  
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no processo para uma sociedade ambientalmente mais segura dentro da  
perspectiva do que se chamou Desenvolvimento Sustentável. O documento é  
considerado um marco na luta pelo meio ambiente, entretanto não é capaz de  
impor obrigatoriedade de execução aos Estados, dificultando sua efetivação.  
A discussão sobre desenvolvimento sustentável tem relação direta com a  
distribuição de bens públicos, destinados à sociedade, com caráter público e  
universal, de maneira que a intenção é de que a população global tenha acesso a  
um meio ambiente saudável, com controle de doenças, limpeza de lixos tóxicos,  
proteção da camada de ozônio, de rios e mares, além de fauna e flora locais. Dessa  
forma, as ações em prol do meio ambiente possuem sempre externalidades,  
atingindo o maior número de pessoas possíveis de acordo com a região em  
4
que as mudanças estão inseridas, causando transbordamentos para além das  
fronteiras nacionais.  
Os bens públicos, justamente por seus transbordamentos além-fronteiras,  
exigem muitas estratégias e uma cooperação global, levando em consideração  
políticas globais e locais. Os três principais eixos para o fornecimento de  
bens públicos ambientais. A primeira é a criação de uma legislação nacional e  
local que esteja em consonância com as diretrizes internacionais, de forma a  
responsabilizar o Estado pelos efeitos negativos da ação do homem, organizando  
uma cooperação que vai desde o local até o global. Em segundo lugar, vem os  
incentivos, que podem acontecer em forma de combinação de ganhos nacionais  
e internacionais, privados ou públicos, pagamentos compensatórios, ajuda a  
países com dificuldade de atingir metas, entre outros (Alves, 2021).  
Por fim, o que é o ponto deste artigo, o terceiro eixo é o da participação.  
Para que os bens públicos ambientais sejam fornecidos, torna-se fundamental  
a participação de vários atores, como governo, sociedade civil organizada,  
população e mercado. A maior dificuldade de organizar a participação na criação  
e manutenção dos bens públicos no geral e ambientais, em específico, é dar voz  
a todos os agentes, além de dar o acesso aos bens que resultam, visto que não  
necessariamente eles são acessíveis a toda a população.  
Para resolver o problema da equidade de acesso e de tomada de decisão, é vital que  
4 Todas as ações humanas frente ao meio ambiente causam transbordamentos, ou seja, consequências que afetam a região  
em que ocorre a ação humana e também o seu entorno, podendo atingir um ou mais países ou, como no caso dos gases  
do efeito estufa que atingem o globo todo. Tais transbordamentos podem ser negativos, mas também podem ser positivos  
quando a ação humana acontece em prol do meio ambiente (Kaul; Grunberg; Stern, 2012, p. 27).  
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haja melhor representação entre norte e sul nas cúpulas internacionais, formação de  
alianças entre governo, sociedade e empresas de forma transnacional, um conselho  
internacional de longa duração para análise do desenvolvimento sustentável e  
representatividade de todos os atores mencionados na tomada de decisões. O grande  
problema é que as cúpulas internacionais possuem representação direta apenas  
de representantes governamentais, o que dificulta a liderança de outros atores no  
processo (Alves, 2021, p. 23).  
A partir desta colocação sobre os bens públicos e os projetos para o  
desenvolvimento sustentável, o objetivo é compreender se é possível o acesso e  
a participação na tomada de decisão sobre o meio ambiente dos órgãos e grupos  
locais frente às demandas internacionais. Para tanto, se utilizou aqui do exemplo  
da Estância Turística de Piraju, cidade do interior de São Paulo, cortada pelo Rio  
Paranapanema, que atualmente conta com três hidrelétricas funcionando em  
sua região.  
A análise busca compreender de que maneira se deu a participação da  
sociedade civil, do mercado e da população em geral no âmbito municipal em  
relação às decisões sobre o meio ambiente. O recorte temporal escolhido foi de  
1992, ano em que foi publicada a Agenda 21 e 2015, ano em que se finalizou o os  
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio - ODM, criado nos anos 2000 a partir das  
diretrizes de 1992, que formulava um plano de ação em oito passos para atingir os  
objetivos da Agenda ambiental de maneira mais direcionada.  
O intuito é reconhecer se, durante nesses primeiros anos de formulação  
de diretrizes globais acerca das questões ambientais, o local, ou seja, a cidade  
de Piraju, conseguiu se organizar e criar suas próprias políticas frente às suas  
necessidades específicas. Para tanto, foram utilizadas as atas do Conselho  
MunicipaldeMeioAmbienteePatrimônioCultural, órgãoconsultivoedeliberativo,  
com paridade na participação entre agentes públicos e população, para entender  
quais são as demandas da cidade e como os problemas são resolvidos.  
A cidade de Piraju e a construção de uma relação ambiental  
O município foi criado em 1880, sob o topônimo de São Sebastião do Tꢀuco  
Preto e ficou até 1906, quando se tornou Piraju. A cidade se desenvolveu a partir  
da marcha para o oeste paulista com a expansão do café, pois, como a região é  
situada no vale do rio Paranapanema, apresentava condições naturais favoráveis  
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para o plantio por conta da terra roxa. Desde o início, a cidade se colocou como  
expoente regional da produção de café, desenvolvendo a região economicamente  
(Cáceres, 1998, p. 23).  
Ocafépermitiuqueasociedadepaulistaruralfosseumgruponumericamente  
reduzido, mas que se colocasse no início do século XX como classe econômica  
e politicamente onipotente (Mombeig, 1977), e Piraju pode ser considerado um  
exemplo deste movimento, principalmente porque os cafeicultores da região  
buscaram a modernização através da criação de um braço da estrada de ferro  
Sorocabana, bem como a criação de uma usina hidrelétrica para o abastecimento  
de um bonde elétrico encomendado para que passasse por todas as grandes  
fazendas ao redor de Piraju (Cáceres, 1998, 49). O bonde elétrico possuía 24  
quilômetros de extensão e ia do ramal da Sorocabana em Piraju até o distrito de  
Sarutaiá.  
A Usina Boa Vista, criada em 1913, com o objetivo de captar energia para  
o bonde tinha uma potência de 800 KW e foi o primeiro empreendimento de  
grande porte para a época que utilizou uma avançada tecnologia para utilizar os  
recursos naturais da região. A usina também serviu para produzir energia para a  
iluminação pública da cidade, priorizando o centro, em especial a praça da Igreja  
Matriz (Cáceres, 1998)5.  
A partir de então, outras hidrelétricas foram se instalando ao redor da  
cidade ao longo do século XX. Em 1932, entrou em operação a Usina Hidrelétrica  
Paranapanema, da Companhia Luz e Força Santa Cruz, localizada em perímetro  
urbano, com 140 metros de cumprimento e três máquinas de capacidade de 2,5  
MW cada. Em 1963, foi construída a Usina Jurumirim pela Companhia Paulista de  
Força e Luz (CPFL), localizada a montante da UHE Paranapanema e à época de sua  
construção, estava entre as maiores usinas do país. A terceira usina construída  
na cidade foi terminada em 2002, pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA),  
denominada UHE Piraju, com 80 MW de potência (Vecchia, 2014).  
As hidrelétricas compuseram o desenvolvimento econômico e urbano  
da cidade, trazendo consequências positivas quando diz respeito a criação de  
empregos,diretaouindiretamenteligadosàsusinas,mastambémconsequências  
negativas em relação ao meio ambiente e a vida dos munícipes, como o distúrbio  
5 Antes da criação da Usina Boa Vista, Piraju já possuía outra usina, conhecida como Usina Monte Alegre, criada no ano  
de 1905 em um terreno particular para a iluminação pública de 100 lâmpadas incandescentes. Entretanto, a falta de fontes  
sobre a usina e sua potência geradora cria uma dificuldade em analisar sua relevância para o trabalho.  
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da fauna e da flora por conta do represamento de determinadas regiões.  
Atualmente, somente 7 km de todo o rio Paranapanema mantém sua corredeira  
naturaleelescamnaregiãodePiraju, sendoacidadeconstantementeassediada  
para a construção de usinas neste último trecho.  
A relação com o rio ao longo dos anos não se restringiu apenas a formação  
das hidrelétricas e a formação de empregos na área, mas também se estabeleceu  
principalmente nas questões culturais. O rio é local de passeios, construção de  
identidade, de laços de sociabilidades, de produção histórica, artística e também  
religiosa. Em suas margens é onde adultos e crianças encontram-se com o lúdico  
em momentos de lazer em dias de calor e com o alimento em épocas de pescaria  
(Jorge, 2006).  
Essa relação múltipla com o meio ambiente, em especial com o rio, fez  
com que a população se articulasse em prol de suas demandas ambientais. A  
primeira delas aconteceu na década de 1980, com a formulação de um projeto  
de construção da fábrica de papel e celulose BrasKraft S/A às margens do rio  
Paranapanema. Tal projeto industrial fez com que moradores questionassem  
sobre a preservação do meio ambiente e as consequências desastrosas para  
a região, bem como o fim das regiões de lazer desfrutadas pela comunidade  
(Vecchia, 2014).  
Na década de 1990, a comunidade se uniu novamente para lutar contra a  
propostadeumaPequenaCentralHidrelétricaqueaCBAhavialevadoàprefeitura.  
PCHs são pequenas centrais geradoras de energia com capacidade de potência  
entre 1,1 e 30 MW, com reservatórios de, no máximo, 3 km³. O projeto, que foi  
descoberto pela população já em fase final de aprovação, também desviaria o  
curso do rio, diminuindo a vazão do rio de 300m³/s para 10m³/s.  
O projeto causou transtornos entre a sociedade civil, a Câmara dos  
Vereadores e a CBA, que acabou recuando do projeto e protocolando uma nova  
proposta, sem o desvio do rio. Esta proposta foi aceita e colocada em prática,  
sob o nome de UHE Piraju, como dito acima, inaugurada em 2002. Na data de  
inauguração, a empresa, já possuía um novo projeto para a construção de uma  
segunda usina, a jusante da primeira. As consequências da criação da UHE Piraju  
foram um alagamento quatro vezes maior que o projeto inicial, o abandono da  
promessa de reflorestamento e um surto de febre amarela que custou a saúde  
e a vida de parte da comunidade. A nova realidade fez com que a comunidade  
não aceitasse a criação de outra usina, mesmo que fosse de menor porte,  
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principalmente porque a usina teria uma produção energética menor, mas as  
consequências ambientais poderiam ser catastróficas.  
Foi a partir dessa realidade que a Organização Ambiental Teyque’-Pe’ surgiu,  
em 2001, com o objetivo de “proteger, conservar e preservar os recursos hídricos  
da bacia Hidrográfica do Aldo Paranapanema” (Organização..., 2021). A ONG  
foi responsável pela organização e a centralização da luta ambiental em prol  
das últimas corredeiras naturais do rio Paranapanema. Ao longo do tempo, os  
projetos foram se ampliando, abarcando propostas nas questões ambientais e  
educacionais, de forma a não apenas lutar contra usineiros, mas garantir que a  
populaçãodacidadecompreendesseaimportânciadocuidadodomeioambiente.  
A partir da pressão social, a Câmara Municipal baixou várias resoluções e  
leis para combater o assédio ao rio Paranapanema. A Resolução nº 01 de agosto  
de 2002, que tomba os últimos 7 km de corredeiras naturais por seu valor cênico,  
paisagístico e cultural para a comunidade. A Resolução serviu como ponte para  
a criação da Unidade de Proteção Integral, lei nº 2.634/2002, que criou o Parque  
Natural Municipal do Dourado que, em 2014, foi incluso no Sistema Nacional de  
Unidades de Conservação pelo Ministério do Meio Ambiente (Alves, 2019).  
Foi promulgada também a Lei Municipal do Interregno, nº 2.654/2002, que  
impede a construção de uma nova hidrelétrica, independente de seu porte e  
fixou o prazo de 20 anos para a discussão das consequências da construção das  
hidrelétricas já estabelecidas na região. Nesta mesma linha, a Lei Complementar  
nº 143/2013 veda o uso da região para fins industriais, empreendimentos  
agroindustriais, usinas hidrelétricas, entre outros empreendimentos.  
Neste interim, a cidade foi reconhecida como Estância Turística pela  
Secretaria do Turismo do Estado de São Paulo. Assim, em 2002, a nomenclatura  
foi adicionada ao nome de Piraju e a cidade passou a ser uma entre tantas outras  
que passaram a receber apoio através do Fundo DADE para desenvolver o turismo.  
Para ser escolhida pelo projeto, a cidade precisaria ter alguma especificidade  
que beneficiasse a proposta econômica do turismo. A partir daí, o município  
receberia uma verba, e a cada ano seriam analisados o desenvolvimento da  
cidade e as verbas viriam de forma relativa às melhorias feitas.  
Piraju foi uma das primeiras cidades a conseguir o status de Estância,  
devido a suas características naturais e a relação com o turismo ecológico, focou  
em empresas de ecoturismo e na promoção de bares, restaurantes e eventos  
culinários relativos aos produtos regionais. Essa possibilidade de crescimento  
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econômico possibilitou ainda mais o estreitamento das relações entre a  
comunidade e o rio, bem como alguns outros locais que representavam acesso  
direto à natureza.  
Em 2011, a cidade recebeu uma nova proposta de usina, desta vez da empresa  
Energias Complementares do Brasil – Geração de Energia S/A (EC Brasil), empresa  
com sede em Porto Alegre – RS, criada em 2006 com capital de R$ 1,45 milhão,  
desconhecida em âmbito nacional. A EC Brasil apresentou à Câmara Municipal  
uma proposta de PCH, no mesmo local que a CBA havia requerido em 2002. As  
obrasgirariamemtornodeR$160milhõeseoempreendimentoteriaumapotência  
de 28,5 MW e reservatório de 0,6 m². Para conseguir aceitação da comunidade, a  
empresa se ofereceu para construir também um Centro Aquático Internacional,  
que contaria com uma pista artificial de slalom, a partir de um investimento de  
R$ 10 milhões. Após protestos, o projeto foi arquivado pela Aneel e pela Cetesb,  
em 2012 (Vecchia, 2014).  
A EC Brasil buscou em 2014 a derrubada das leis de proteção argumentando  
inconstitucionalidade, já que rios e mares são de responsabilidade do Governo  
Federal, de forma que o município não poderia criar leis que impedissem a criação  
de usinas na região. Em 2016, os Ministros do STF deram parecer favorável a EC  
Brasil, o que gerou mobilização dos munícipes a partir do Movimento Panema  
Livre, pela manutenção das leis de proteção e o tombamento do trecho natural  
junto ao CONDEPHAAT.  
É inegável que a consciência ambiental acerca das questões hídricas uniu a  
comunidade pirajuense e a incentivou a lutar pelos seus direitos e a manutenção  
de um equilíbrio ambiental em relação ao rio Paranapanema. O momento da  
luta local aqui indicada estava em consonância com o momento internacional  
de discussão ambiental. Em âmbito nacional, desde o início das discussões  
nos anos 1970, o Brasil criou sua primeira agência ambiental a nível federal,  
a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), que embora tivesse como  
atribuição a conservação e o controle ambiental, tinha como foco principal o  
controle da poluição industrial, demonstrando que o ideal da Secretaria estava  
em consonância com a ideia de desenvolvimento e industrialização dos líderes  
da Ditadura Militar que comandavam o Brasil (Bursztyn; Bursztyn, 2012).  
Após esse primeiro momento e com a necessidade de criar uma legislação  
que fosse mais abrangente, o que resultou na criação da Lei nº 6.938, de 1981,  
que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que buscou  
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acompanhar a discussão ambiental internacional e sua nova ordem jurídica de  
proteção, estabelecendo um direito ambiental com uma linha humanitária que  
pensava nas gerações futuras e em sua dimensão holística (Kishi, 2007, p. 45)  
O PNMA foi o documento que deu base para a criação das políticas ambientais,  
mesmo que ainda de forma centralizada no governo federal, se colocando como o  
único órgão regulador possível do meio ambiente, sendo que aos estados caberia  
a execução de projetos e programas, bem como a fiscalização, e as entidades  
municipais fariam o controle local.  
A Constituição de 88, não à toa apelidada de Constituição Cidadã, redefiniu  
o papel institucional de todos os níveis do poder público, consolidando a  
participação política em todos os níveis dos governantes, mas também da  
população no geral. E fez isso, inclusive, em sua própria formulação, de forma que  
ouviu grupos organizados da sociedade civil que trabalhavam em prol de diversos  
grupos vulneráveis ou em pautas que ainda não eram levadas a sério pelo Poder  
Público. Não foi diferente no que tange a legislação ambiental, permitindo que as  
ONGs e população preocupada com as questões ambientais dos diversos cantos  
do país discutissem o que era necessário preservar no território brasileiro.  
A Carta Magna brasileira possui um capítulo completo dedicado ao meio  
ambiente. O artigo 225 da Constituição é o ponto convergente de todos os  
regulamentos ambientais, regulando de forma genérica outros dispositivos, de  
forma que o “meio ambiente meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem  
de uso comum ao povo e essencial à sadia qualidade de vida” se tornou direito  
fundamental, bem como se tornou também um dever fundamental, direcionando  
à discussão ao tema da tutela ambiental, tanto do Poder Público quanto dos  
indivíduos ou da coletividade.  
O papel da democracia e a participação da sociedade do desenvolvimento sustentável  
As conferências de meio ambiente, a Agenda 21 e demais documentos  
internacionais identificam que para o desenvolvimento sustentável ser atingido,  
a participação social é fundamental, pois viabiliza a manifestação dos interesses  
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públicos e privados em relação às questões ambientais. Pra tanto, a democracia6  
se faz praticamente imperativa, pois é o tipo de estrutura governamental que  
mais permite o envolvimento dos demais agentes sociais, como sociedade civil  
e mercado.  
Para Ignacy Sachs (2009), as pessoas são os produtos da natureza de maior  
complexidade e maior capacidade de atuação no meio ambiente, que poderiam  
alterá-lodeformasignificativa,tantoparapiorquantoparamelhor.Dessamaneira,  
o ser humano possui a habilidade de transformar os recursos ambientais a partir  
de um aproveitamento com a intenção de construir uma sociedade melhor, a  
partir das necessidades de sua comunidade. Aqui, o conceito recurso se coloca  
como uma construção cultural e histórica, indicando uma possibilidade múltipla  
a partir de demandas regionais, levando em consideração conhecimentos  
específicos e o potencial de utilização do meio ambiente pela sociedade.  
Importante abrir uma discussão acerca da diferença entre capital  
humano e capacidade humana. O conceito de capital humano concentra-se,  
principalmente, na discussão acerca da atuação dos seres humanos no aumento  
das possibilidades de produção, de forma que as qualidades humanas estejam  
empregadas diretamente como capital produtivo. Essa abordagem se restringe a  
produção material e não utiliza toda a capacidade humana existente (Sen, 2010).  
Já a capacidade humana se concentra no potencial que uma pessoa ou várias  
têm para levar a vida que elas valorizam, fazer escolhas da melhor forma de viver  
e melhorar sua realidade possível. Para tanto, o ser humano precisa ter domínio  
de suas capacidades e um nível aceitável de liberdade para que haja possibilidade  
de fazer escolha em todos os âmbitos de sua vida, por isso que há uma relação  
direta entre capacidade humana e democracia. As duas perspectivas são  
interrelacionais, mas esta última é mais abrangente pois pode abarcar tanto as  
qualidades necessárias para a produção material quanto às qualidades relativas  
à forma de viver.  
No caso do meio ambiente, a utilização do capital humano ajudaria o  
6 A democracia é pensada neste trabalho a partir do eixo em que o termo se coloca como uma estrutura política capaz  
de sustentar a ideia de liberdade política e de formação dos direitos civis e políticos, de maneira que permita uma vida  
digna aos cidadãos dentro de uma realidade capitalista e de economia voltada para a exploração não apenas dos recursos  
da natureza, mas também humanos, com o intuito de enriquecimento econômico por parte de um grupo minoritário em  
termos quantitativos. De acordo com Amartya Sen, para que o desenvolvimento econômico atinja toda a população e seja  
visto como uma pauta importante da liberdade humana, de forma que dependa “crucialmente de discussões e debates  
públicos abertos, cuja garantia requer que se faça questão da liberdade política e de direitos civis básicos” (Sen, 2010, p.  
195). Embora a democracia não seja completamente eficaz, a democracia aqui é vista como criadora de um conjunto de  
oportunidades.  
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mercado a utilizar os recursos naturais para manter e/ou aumentar a produção  
de forma a ampliar as transações econômicas e, por consequência, os lucros. Já  
a capacidade humana permitiria não somente a utilização dos recursos, mas uma  
avaliação mais racional destes, de modo a conseguir equilibrar a relação entre  
meio ambiente e produção, desenvolvendo uma sociedade mais respeitosa com  
o meio ambiente e, por consequência, com índices altos de saúde e bem-estar  
para um número cada vez maior de pessoas.  
Para Amartya Sen, as questões sobre o desenvolvimento econômico em  
relação às liberdades políticas se pautam em sua interrelação, que não são apenas  
instrumentais, mas nas resoluções de problemas cotidianos de caráter não  
somente econômico, principalmente se é uma sociedade pautada na liberdade e  
na democracia, onde as possibilidades de desenvolvimento são mais profícuas,  
principalmente se forem direcionadas a promoção da sustentabilidade.  
A sustentabilidade abre um leque para diversas dimensões além do quesito ambiental:  
pode ser caracterizada como social buscando evitar um colapso na sociedade;  
cultural no sentido de promover a diversidade e uma relação de respeito e, ao mesmo  
tempo, tradição e inovação; econômica, no sentido de corrigir injustiças e ampliar as  
possibilidades de acesso, além do desenvolvimento econômico intersetorial seguro;  
uma distribuição territorial equilibrada com melhoria do ambiente urbano e superação  
das disparidades regionais; governabilidade política e também sustentabilidade do  
sistema internacional relacionado à paz (Alves, 2021, p. 121).  
A partir destas questões, se faz necessário um planejamento participativo  
pautado na gestão negociada e contratual dos recursos, que se coloca como uma  
pautaimportanteparaagestãodabiodiversidade,masquetambéméfundamental  
para os regimes democráticos. Uma gestão negociada é aquela que leva em  
consideraçãoasnecessidadesdapopulaçãoatravésdesuaparticipaçãoativanos  
processos de decisão estatais. O problema maior é que, para que a participação  
democrática funcione e o direito à cidadania seja garantido, é necessário que a  
democracia esteja plenamente estabelecida e, para a democracia se estabelecer,  
é necessário a participação cidadã da comunidade.  
Aqui, pensa-se sustentabilidade a partir de um viés holístico que leva em  
consideração acesso à bens e serviços num contexto socioambiental amplo,  
com boas condições de moradia, alimentação, salários, lazer, educação e saúde.  
Ao trabalhar qualidade de vida e sustentabilidade, é importante destacar a  
importância do ambiente social e a qualidade das relações, o acesso ao mundo do  
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trabalho, da cultura e da educação. Se o desejo é que as pessoas façam escolhas  
mais conscientes, é necessário que a elas seja dado a possibilidade de escolha e  
o embasamento educacional e político suficiente para fazê-las (Barbosa, 1995).  
Levando em consideração que as necessidades acerca da qualidade de vida  
e dos recursos ambientais variam de acordo com cada região, realidade e demais  
questões específicas, os ideais básicos são os mesmos e passam, inicialmente,  
por uma realidade livre da pobreza e da miséria, com acesso a educação e saúde  
de qualidade para todos, independente de quaisquer diferenças possíveis,  
bem como a defesa dos direitos civis e da liberdade, partindo da promoção da  
democracia e da participação social. Do ponto de vista ambiental, um meio  
ambiente equilibrado permite a resolução de metade dos problemas citados  
anteriormente.  
A partir destes pontos, as especificidades de cada região podem ser  
resolvidas a partir da identificação direta da necessidade da população em  
questão através da comunicação e do diálogo aberto com a comunidade. Na  
criação de políticas públicas, para que elas funcionem é importante que haja  
consenso sobre os problemas e as necessidades. A dificuldade de sua criação  
se dá na dificuldade apresentada em lidar com um grupo que nem sempre é  
coeso e que, muitas vezes, não está aberto a pensar coletivamente, mas sim a  
fazer escolhas com base em questões individuais. Aqui, o aprofundamento da  
democracia pode ajudar, pois teoricamente, quanto mais educação cidadã,  
menos chance de escolhas individualizadas dentro de temas públicos (Sen, 2010).  
Se faz de bom tom destacar que a democracia por si só não é a solução  
completa e pronta para os problemas sociais, mas pode se colocar como uma  
possibilidade. O sistema permite o diálogo, a participação social e a liberdade.  
Entretanto,paraquesejaefetivo,essasoportunidadesprecisamserreconhecidas  
e desenvolvidas, a fim de que haja a construção de uma consciência democrática  
de forma a impregnar de racionalidade o processo. Muito mais do que criar uma  
democracia, deve-se produzir uma cultura democrática pautada em valores de  
liberdade e participação, como a valorização dos direitos políticos e civis.  
Em relação ao meio ambiente, além de uma cultura democrática, precisa-  
se criar também uma cultura de sustentabilidade, de forma a desenvolver uma  
consciência social em relação ao direito a um ambiente saudável e produtivo a  
todos, desenvolvendo um senso de responsabilidade não só do Estado, mas do  
mercado e da população no geral.  
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ARTIGOS  
Claro que todas essas questões são teóricas e, ao falar de Brasil, por exemplo,  
não se pode esperar que o Estado atue pelo bem público, principalmente pelo  
seu caráter historicamente violento e desigual, que se formou a partir de valores  
elitistas, patriarcalistas e patrimonialistas. O Brasil, desde a década de 1970 de  
esforçou em criar marcos legais, instituições, aumentar recursos e servidores,  
estabelecer órgãos colegiados, mas estes foram produzidos de forma isolada,  
resultando respostas frágeis e parciais (Ferraro Júnior, 2016, p. 132).  
A estrutura do Estado reforça a fragmentação política e no que diz relação  
ao meio ambiente, essa realidade se deteriora, pois a área ambiental se encontra  
em uma posição marginal frente a sua característica transversal, pois depende  
da integração com as agendas de outros setores como o agrícola, industrial,  
infraestrutura, educação, saúde, entre outros. Isso tudo apenas dentro da  
organização estatal, pois quando analisamos a participação política, notamos  
que, no geral, já existe um desinteresse e apatia da população pelos assuntos  
políticos de forma geral, e dos ambientais em específico, principalmente pela  
falta de uma educação ambiental.  
Assim, em sua maioria, os espaços destinados a população na área política,  
ficam a cargo das ONGs que, embora façam parte da comunidade civil, não  
representam sua totalidade uma vez que direcionam suas energias para suas  
pautas específicas. A representam possui um outro problema quando se nota  
que nas cúpulas e fóruns, tanto internacionais quanto nacionais, somente são  
aceitos os representantes governamentais, de forma que a população apenas  
espera que eles façam o trabalho de escutar sua comunidade e representá-la da  
melhor forma possível.  
O local onde melhor se dá essa relação entre sociedade e Estado são os  
órgãos colegiados, em especial na forma dos Conselhos Municipais, pois é na  
localidade em que os problemas ambientais aparecem mais diretamente e onde  
podem ser melhor resolvidos.  
É na cidade onde se encontram os maiores níveis de poluição, as questões relativas  
aos problemas hídricos, as perturbações nos sistemas ecológicos tanto da fauna  
quanto da flora, as dificuldades no tratamento de resíduos sólidos, entre tantos outros  
problemas ambientais. Somados a eles, temos o local em que a pobreza e a miséria  
materializam-se juntas à falta de oportunidades, aos preconceitos referentes à raça,  
classe e gênero, onde os confrontos são radicalizados (Alves, 2021, p. 130).  
A partir da promulgação da Constituição de 1988, houve a ampliação do  
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número de cidades no Brasil a partir de um ordenamento jurídico que consolidou  
competências administrativas e tributárias, ampliando o raio de ação municipal.  
No que tange ao meio ambiente, entretanto, desde a promulgação da Carta Magna  
até os anos 2000, apenas 25% dos municípios criados possuíam uma estrutura  
relativa ao meio ambiente. Segundo o IBGE, em 2008, somente 77,8% declararam  
possuir estrutura ambiental, sendo apenas 16,3% das secretarias exclusivas para  
a questão ambiental (Brasil, 2008).  
Aos Conselhos Municipais de Meio Ambiente (CMMA) cabem propor a política  
municipal de meio ambiente, promover educação ambiental, criar normas legais  
e adequar às existentes, sejam elas municipais, estaduais ou federais, receber  
a apurar denúncias sobre degradação ambiental e propor providências sobre  
os assuntos tratados (Brasil, s/d). É importante para a política democrática do  
município que o Conselho seja de caráter deliberativo, para que possa decidir  
sobre a implantação de políticas e administração de seus recursos, além de  
serem consultivos e fiscalizadores ou normativos (Nunes, 2010).  
A relação entre Conselho e sociedade parte de negociações que resultam  
nas decisões em prol de um bem comum. Todo este trâmite começa antes mesmo  
da formação do Conselho, pois o apoio da população junto a elaboração da lei  
específica na Câmara dos Vereadores é fundamental. A partir daí, o Regimento  
Interno, o calendário de reuniões e as pautas serão resolvidas a partir das  
demandas.  
A participação política sobre o meio ambiente: o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio  
Cultural de Piraju  
O Conselho Municipal do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Piraju  
foi criado em 24 de julho de 1992 sob a Lei nº 1752, com caráter consultivo e  
deliberativo, de forma a fiscalizar e propor políticas públicas municipais relativas  
ao meio ambiente e ao patrimônio cultural. As políticas discutidas no Conselho  
deveriam ser geradas através da Secretaria da Cultura e do Meio Ambiente (Piraju,  
1992).  
Como dito anteriormente, sendo o caso de Piraju, nota-se que o conselho não  
seorganizouapenascomapropostaambiental,maspercebe-seumaequivalência  
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ARTIGOS  
entre os aspectos ambientais e culturais. Levando em consideração o que foi  
dito sobre a formação da cidade e a relação íntima com o rio Paranapanema, é  
possívelcompreenderoporquêdadecisãodeuniressasduasdemandas, deforma  
que para os pirajuenses, o meio ambiente também teria um valor de patrimônio  
cultural. Essa visão permaneceu até 2011, quando a secretaria da cultura se  
tornou independente e a secretaria do meio ambiente se atrelou à secretaria de  
agricultura. Aqui pode-se presumir uma mudança de perspectiva da cidade – ou  
ao menos dos políticos – na relação entre meio ambiente e produção agrícola.  
No Regimento Interno foi estabelecido um conselho de catorze membros,  
embora nas listas de presença fossem indicados mais participantes que,  
inclusive, exerciam direito ao voto.7 No total havia três representantes da  
Câmara Municipal, o presidente da Secretaria do Meio Ambiente, o presidente da  
Secretaria da Saúde, o presidente da Secretaria da Agricultura, um membro do  
Sindicato Rural, o presidente da Associação Comercial e Industrial de Piraju, um  
membro da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, um membro da Faculdade de  
Filosofia, Ciências e Letras de Piraju, um membro do Magistério Público Estadual,  
um membro da Polícia Florestal, um membro do Serviço Municipal de Viação e  
Obras, um membro da ONG municipal, um membro da imprensa, um membro do  
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-SP) e um representante do  
Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE/USP) - polo de Piraju.  
A lei de 1992 vigorou até 2001, quando foi substituída por outra, nº 2.547, que  
além de criar novas disposições sobre o Conselho também instituiu o Sistema  
Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Piraju - SISMMAP (Piraju,  
2001a). O Conselho manteve as nomenclaturas de Meio Ambiente e Patrimônio  
Cultural, pois compreendia que  
I – Meio ambiente: conjunto de condições, leis e influências e a interação de elementos  
naturais ou criados, de interesse sócio-econômico ou cultural para a coletividade  
pirajuense, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. II – Patrimônio  
cultural: conjunto de bens materiais e imateriais de interesse para a memória da  
coletividade pirajuense ou de suas correntes culturais formadoras, abrangendo os  
sítios arqueológicos, as paisagens notáveis naturais ou antrópicas, os conjuntos  
arquitetônicos e urbanísticos de valor histórico, os acervos museográficos, os  
7 Enquanto a lei n 1752/92 estava em vigor, o número de membros convocados para o conselho variou entre 11  
e 19 conselheiros. Quando o número foi menor que aquele indicado na legislação, compreende-se que algum  
conselheiro mantinha dois cargos dentro da prefeitura, como é o caso do presidente do Conselho, Benedito  
Domingos Barone, que, em momentos variados, assumiu a presidência tanto da secretaria do Meio Ambiente e  
Cultura quanto o de Turismo; da mesma maneira, cita-se o prof. Dr. José Luiz de Morais, que era representante  
do MAE-USP e presidente da Secretaria de Cultura e Meio Ambiente.  
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arquivos históricos, a toponímia de uso consagrado pela comunidade, o conhecimento  
cientifico e as manifestações populares e artísticas (Piraju, 2001a, p. 1).  
Nesta nova legislação, o conselho foi composto por doze membros: três  
agentes públicos, sendo um titular do órgão municipal de meio ambiente, um  
representante da comunidade ou movimento de Piraju, um representante da  
imprensa, um membro das ONGs pirajuenses, um representante do MAE/USP  
sediado na cidade, um membro da OAB, um policial florestal, três componentes  
da Câmara Técnica de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Os membros da  
Câmara Técnica eram escolhidos por meio de edital promovido pelo prefeito  
dentre profissionais com diplomas de curso superior em áreas relacionadas com  
o meio ambienta e/ou patrimônio cultural, e com o currículo de destaque aos  
estudos e projetos nas áreas indicadas.  
Percebe-se uma intenção de diversidade nos debates pelas escolhas dos  
membros do Conselho de forma a cumprir, pelo menos teoricamente, a ideia de  
um debate democrático. A participação da comunidade também era solicitada,  
entretanto, não era obrigatória ou tinha direito ao voto. Ela serviria apenas como  
demanda para debate e pressão política.  
As reuniões ordinárias deveriam acontecer, de acordo com o documento,  
bimestralmente e as extraordinárias, quando houvesse necessidade. De acordo  
com as atas recolhidas no Departamento de Meio Ambiente e Agricultura de  
Piraju, percebe-se, desde o início, uma inconstância nos encontros8.  
8 É importante indicar aqui uma questão problemática na área da pesquisa em acervos, que foi a organização destes do-  
cumentos municipais. Durante a época da pesquisa, os documentos não possuíam um arquivo específico, logo, surgiram  
dúvidas sobre a conclusão da pesquisa, pois não foi possível avaliar se os documentos encontrados eram os únicos, se  
haviam outros guardados em outros locais ou mesmo que foram destruídos ao longo do tempo. Dessa forma, quando  
chegamos a conclusão dos assuntos tratados nas atas, bem como a quantidade das reuniões feitas no período, é preciso  
se ter em mente que pode não ser o número total. Algumas atas não estavam anexadas aos arquivos, mas constavam suas  
listas de presença.  
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ARTIGOS  
Quadro 1 - Número de reuniões do Conselho de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da cidade de Piraju – SP9  
Ano  
Número de  
reuniões  
1992  
1993  
1994  
1995  
1996  
1997  
1998  
1999  
2000  
2001  
2002  
2003  
2
2
0
3
4
7
4
6
1
1
9
3
Ano  
Número de  
reuniões  
2004  
2005  
2006  
2007  
2008  
2009  
2010  
2011  
2012  
2013  
2014  
2015  
3
5
1
0
6
3
5
5
3
2
9
1
FONTE: Atas do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Elaboração da autora  
Em muitos anos, o Conselho se reuniu menos do que o número de vezes  
obrigatório pela lei, o que pode levantar algumas questões. É possível que essas  
reuniões não tenham acontecido por falta de quórum, o que representaria uma  
falta de compromisso dos integrantes com a sua responsabilidade frente ao  
Conselho ou, talvez, a falta de tópicos a serem discutidos, o que talvez possa  
9 Entre os 29 documentos analisados entre os anos de 1992 e 2001, 11 são lista de presença, 10 são atas completas e 8  
ofícios com pauta.  
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ARTIGOS  
indicar a insuficiência de conhecimento sobre as possibilidades de atuação do  
Conselho frente às demandas ambientais do município. Somente o ano 2000  
possui uma justificativa para a falta de reuniões, pois o Conselho ficou desativado  
em função da reformulação da lei municipal (Piraju, 2001b).  
A estrutura das atas vai mudando ao longo do tempo, aperfeiçoando  
conforme o Conselho se organiza, cria novos regulamentos internos, aprimora os  
trabalhos técnicos e atende a novas exigências de outros órgãos. Os documentos  
entre 1992 e 2001 são os que menos apresentam conteúdo, apontando apenas  
os temas das discussões, e as resoluções do Conselho, sem se aprofundar nos  
debates. A partir de 2001, quando da reformulação da lei municipal que rege o  
Conselho, os textos passam a ser mais completos apontando as discussões e os  
interlocutores, ficando evidente a burocratização dos documentos e um cuidado  
maior com as tomadas de decisão, sempre pautadas nas bases normativas.  
Em 2011, quando temos a mudança de nomenclatura de Patrimônio Cultural  
para adicionar a Agricultura, vê-se mais uma mudança na documentação,  
mantendo ainda a completude de registros, mas adicionando documentos  
anexos, que são, geralmente, editais e ofícios de convocação, registros de Diário  
Oficial e da imprensa, bem como cópias das legislações, memorandos e ofícios  
pertinentes às discussões. Esse rigor corresponde a um novo momento na  
política ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo que,  
neste mesmo ano, muda critérios das diretivas aos municípios, principalmente  
em relação a estrutura ambiental e conselhos ambientais, exigindo uma maior  
comprovação de suas ações.  
Os conteúdos discutidos no conselho foram variados, mas percebe-se  
que os aspectos ambientais são preteridos a assuntos patrimoniais, como  
indicado a tabela abaixo. As questões de tombamento, projetos urbanísticos e  
arquitetônicos e conservação de patrimônio sãos os tópicos mais comentados  
em relação a qualquer outro tópico ambiental. Interessante destacar que o  
primeiro tópico diretamente ambiental são discussões acerca dos pedidos da  
comunidade sobre erradicações de arvores, ao invés de qualquer proposta de  
preservação ou arborização.  
Assuntos mais práticos em relação ao meio ambiente, como coleta de lixo  
e tratamento de esgoto e saneamento são comentados apenas três vezes em  
13 anos de Conselho. Mesmo os debates sobre o rio que os munícipes levavam  
como um fator ambiental de grande importância, foi comentado ao longo dos  
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anos somente seis vezes, apenas relativo à formação das usinas.  
Quadro 2 – Assuntos tratados pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Piraju  
(CMMAPC) entre 1992-2015  
Conteúdo  
Menções  
Projeto urbanístico e arquitetônico  
Análise de tombamento / modificação de áreas tombadas  
Conservação de patrimônio  
Erradicação de árvores  
22  
18  
18  
16  
11  
7
Mudança de conselheiros/Comissão Técnica  
Parecer técnico  
Relativo às usinas  
6
Alteração de lei  
6
Regulamento interno  
5
Licenciamento de empresas  
Relatórios / Plano de gestão  
Projeto de arborização  
5
5
5
Fiscalização  
4
Parcelamento do solo  
4
Programa Município Verde Azul  
Apresentação EIA/RIMA  
Coleta de lixo  
4
3
3
Tratamento de esgoto e saneamento  
Área de conservação  
3
3
Fundo Municipal de Meio Ambiente  
2
Fonte: Atas do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Elaboração da autora.  
A questão que se impõe é que todos os temas discutidos durante as fases  
do Conselho aqui discutidas são de caráter ambiental e patrimonial, entretanto,  
apresentam-se como possibilidades rasas de trabalho relacionadas ao meio  
ambiente, principalmente em perímetro urbano. Discutir a realidade do rio apenas  
sob o viés da criação de usinas hidrelétricas ou não, demonstram a dificuldade  
de ampliar o escopo da discussão sobre a influência da vida urbana na relação  
com a natureza e, principalmente da utilização dos recursos hídricos na região.  
Em uma cidade, a discussão sobre a utilização da água passa pelas questões de  
saneamento básico, bem como o uso e a gestão da água para abastecimento.  
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ARTIGOS  
O tema do rio é apenas um, dentre tantos outros que poderiam ser mais  
amplamente debatidos pelo Conselho. Outros pontos também são importantes  
como poluição do ar, habitação sustentável, arborização, preservação da mata  
ciliar e da biodiversidade, questões sobre resíduos sólidos, entre outras questões.  
A partir das temáticas, consegue-se perceber que a compreensão acerca das  
questões ambientais era mínima e pouco ligada às discussões internacionais ou  
mesmo nacionais.  
Outro tópico constante nas atas foram as mudanças de membros do  
Conselho que, sem justificativa constatada nos documentos, deixaram seus  
postos e foram substituídos por outras pessoas. A constante mudança de pessoal  
expõe o problema de uma manutenção da política ambiental do município e  
que provavelmente acarretou em dificuldades na continuidade dos projetos  
iniciados, já que novos membros não necessariamente aceitam continuar com  
projetos anteriores. As eleições municipais também são um ponto importante a  
ser considerado quando pensamos na troca dos membros, já que muitos cargos  
são de confiança ou indicação. Muitos destes novos membros, por questão de  
jogadas políticas, não aceitavam manter os projetos anteriores, muitas vezes  
com o objetivo único de antagonizar o grupo anterior.  
No que diz respeito a participação da comunidade, não havia a presença de  
membros da comunidade que não fossem parte do conselho até fins dos anos  
1990. A partir do momento em que as leis nacionais e estaduais passam a indicar  
a demanda por inclusão da comunidade é que o Conselho passou a incluir em ata  
a possibilidade de sua presença, desde que agendada previamente (Piraju, 1999).  
Em ata diz que a população é convidada “via publicação na imprensa local” com  
antecedência de 15 dias, apesar da lei “estabelecer o prazo mínimo de 01 (uma)  
semana” (Piraju, 2002, p. 05).  
Aparticipaçãopopularaconteceuquandohouvedeliberaçãosobreprocessos  
de tombamento na cidade, como o caso de praças, do rio Paranapanema ou  
relativas às mudanças na lei do Sistema Municipal de Meio Ambiente e da  
criação do Fundo Municipal de Meio Ambiente. Os integrantes da comunidade  
que apareciam nas reuniões eram, geralmente, membros da ONG Teyque’-Pe’ e  
membros de outras associações, como a Associação Ambientalista Defensora  
da Bacia do Paranapanema (AADEP) ou Departamento Estadual de Proteção dos  
Recursos Naturais (DEPRN 6), jornalistas e vereadores que possuem uma agenda  
com seus eleitores sobre o tema.  
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ARTIGOS  
O único momento que foge a esta regra foi quando a Igreja Católica fez  
um pedido ao Conselho para a construção do monumento Cruzeiro das Santas  
Missões, em forma de Cruzeiro, ao lado da Igreja Matriz, no centro da cidade. O  
pedido foi feito ao Conselho pois a praça onde se encontra a igreja é tombado  
como patrimônio paisagístico municipal, assim, nenhuma mudança estrutural  
poderia ser feita sem uma votação. Estavam presentes na plenária um vereador  
que também era importante membro da comunidade católica, bem como outros  
membros da igreja.  
Analisado pela Câmara Técnica, o projeto foi rejeitado, sendo que entre as  
justificativas, a mais forte foi de que, embora a Igreja Matriz seja situada na praça,  
o local não é de domínio da Igreja e sim, da prefeitura. Caso fosse aceito, outras  
religiões teriam o mesmo direito de requerer a implantação de monumentos em  
outras praças tombadas da cidade (Piraju, 2012a). Na reunião ordinária do mês  
seguinte, o projeto voltou a ser discutido e a plenária contava com mais membros  
importantes da igreja, entre outros vereadores que foram fazer coro em apoio a  
construção do cruzeiro.  
A pressão dos expectadores fez com que o presidente abrisse a votação  
mais uma vez, mesmo com o parecer negativo da Câmara Técnica e a proposta  
acabou aceita. A situação gerou atrito entre os membros do conselho e da  
sociedade, pois os que votaram contra o monumento se sentiram no dever de  
explicar que não era uma questão religiosa, mas que “o parecer técnico feito com  
responsabilidade deveria ser levado em consideração” (Piraju, 2012b).  
A situação exemplificou como a força social funciona enquanto pressão  
política quando a população tem um objetivo em comum, mesmo que ela se  
manifeste contrária ao trabalho realizado pelo próprio Conselho, como foi o  
caso. A questão latente aqui é como as forças políticas no Brasil, mesmo que  
já no século XXI se mantém as mesmas. Os membros do Conselho foram contra  
os próprios pareceristas técnicos para não entrar em conflito com membros da  
igreja da qual, provavelmente, também são integrantes.  
Aqui não se discute a questão da construção ou não do monumento do  
cruzeiro, mas como se pode analisar tal situação. Os membros que foram  
pressionar o Conselho são membros da elite da cidade e não representam  
necessariamente a população em si, embora Piraju, assim como muitas outras  
cidades do interior de São Paulo, possuem uma cultura profundamente católica.  
O fato de que essa discussão foi a que mais acolheu membros em uma reunião  
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ARTIGOS  
do conselho indica como as discussões mais importantes para a população ainda  
são relativas às questões individuais, como uma escolha religiosa, em detrimento  
das questões coletivas, como questões sobre o Fundo do meio ambiente ou  
mesmo saneamento básico.  
Ao que parece, o Conselho foi criado para sanar uma demanda que vinha  
de entidades governamentais superiores, a partir da criação das políticas  
ambientais nacionais e de vários projetos estaduais10 que foram se integrando  
e se efetivando ao longo do tempo. Quando um órgão democrático surge dessa  
maneira, existe uma chance de que ele não se estabeleça enquanto possibilidade  
ativa de criação de uma política profunda e transformadora, pois seus membros  
ocompreendemaextensãodeseupoderdeaçãooumesmodesuaimportância.  
Parece ser o caso do Conselho de Piraju.  
Considerações finais  
As atas do Conselho Municipal de Piraju demonstraram o que era importante  
para a população e mais ainda, como a cidade ainda não estava pronta para as  
discussões acerca da sustentabilidade ou mesmo das questões ambientais que  
perpassavam seu cotidiano. A luta pelo fim da possibilidade de mais áreas de  
represamentos do rio Paranapanema se mantém importante, mas não apresenta  
o total das possibilidades de discussão sobre as demandas ambientais de uma  
cidade do interior de São Paulo que é cortada pelo Paranapanema e que vive da  
agricultura e também do turismo.  
As questões aqui tratadas demonstram como há um hiato entre as questões  
de ordem teórica e sobre as discussões que acontecem no âmbito internacional  
e mesmo nacional e a realidade da cidade. A dificuldade de manutenção ou  
mesmo de criação de um projeto ambiental pautado na sustentabilidade enfrenta  
barreiras que são próprias da cultura brasileira urbana, enraizadas nas questões  
políticas de participação da sociedade brasileira desde os primórdios de sua  
história. Piraju é apenas um exemplo dentre tantos outros. Claro que existem  
10 A partir de 1995, no governo de Fábio Feldmann, a gestão ambiental do Estado de São Paulo implementou mais de 10  
programas ambientais baseados nas diretrizes das ONU que não se mantiveram enquanto programas, sendo incorporados  
à estrutura da Secretaria de Meio Ambiente. Em 2007, foi criado 21 Projetos Ambientais Estratégicos, sobre mudanças  
climáticas, biodiversidade, entre outros. Em 2009, o governo de São Paulo criou o Pacto das Águas, para desenvolver  
questões relativas apenas aos problemas hídricos, como saneamento, abastecimento, tratamento de resíduos, entre outros.  
Todos esses projetos culminaram na criação do Programa Município Verde Azul, em 2011 (Alves, 2021).  
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ARTIGOS  
casos de sucesso, mas de acordo com os dados do IBGE demonstrados aqui, eles  
não são maioria.  
Para as cúpulas internacionais, talvez, o problema pudesse ser facilmente  
resolvido com democratização e participação política. Entretanto, na prática,  
percebe-se que é necessário, resolver outras questões, como a apatia da  
população frente às questões políticas. Talvez, essa mudança possa ser feita com  
educação de qualidade no geral, educação política e ambiental em específico.  
O acesso à democracia não é somente criar espaços de debates, mas construir  
uma sociedade que esteja preparada e educada ao debate. Todas essas questões  
torna as mudanças políticas ambientais um tema muito mais complexo do que  
apenas a construção de um meio ambiente equilibrado, pois é uma discussão  
interdisciplinar e depende de muitos atores.  
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194  
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RESENHAS  
O ESTRANGEIRO E A DIFERENÇA:  
AS LEIS DE MIGRAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL NO SÉCULO XXI  
THE FOREIGNER AND THE DIFFERENCE: MIGRATION LAWS IN BRAZIL AND PORTUGAL IN  
THE 21ST CENTURY  
1
Letícia de Luca Torres  
https://orcid.org/0009-0004-2725-4489  
http://lattes.cnpq.br/5307722615668394  
Recebido em: 09 de setembro de 2025.  
Aprovado em: 29 setembro de 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24173  
1 Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), graduada em Ciências Sociais  
pela mesma universidade. E-mail: leticia.torres@estudante.ufscar.br  
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Albuquerque: revista de Estudos Culturais, vol. 17, n. 33, jan. - jun. de 2025 I e-issn: 2526-7280  
RESENHAS  
Resenha de: MACHADO, Igor José de Renó. O estrangeiro e a diferença: as leis de migração no  
Brasil e em Portugal no século 21. São Paulo: Editora EdUFSCar, 2024.  
Na obra O estrangeiro e a diferença, o  
autor Igor José de Renó Machado2, oferece  
uma análise aguda e sofisticada das  
legislações de imigração e naturalização no  
Brasilaolongodasúltimasdécadas. Apartir  
de uma perspectiva antropológica, o autor  
propõe compreender as leis migratórias  
não como instrumentos neutros de  
regulação, mas como dispositivos de  
invenção wagneriana (Machado, 2024),  
através dos quais se projetam discursos  
sobre identidade nacional, cidadania,  
pertencimento, exclusão e alteridade.  
Com um olhar atento às continuidades  
históricas e às inflexões legislativas,  
Machado (2024) analisa a produção, reformulação e os debates em torno  
das leis migratórias ao longo de 42 anos, privilegiando o caso brasileiro, mas  
também estabelecendo instigantes paralelos com o contexto português. A obra,  
fundamentada em aportes de Grosfoguel (2004), Quꢀano e Mignolo (1993), autores  
dedicados a pensar as hierarquias coloniais ainda vigentes, articula análise  
legislativa, crítica historiográfica e reflexão etnográfica, compondo um quadro  
denso das formas pelas quais o Estado administra e regula a diferença. Essa  
última não se limita apenas às fronteiras jurídicas entre nacionais e estrangeiros,  
mas sobretudo às hierarquias raciais, linguísticas e culturais que definem quem  
2Igor José de Renó Machado é antropólogo e professor da UFSCar desde 2004. Sua área de concentração são os estudos  
migratórios, tendo se dedicado a pensar a relação entre parentesco e imigração de forma sistemática. É bolsista de pro-  
dutividade do CNPq desde 2008, tem coordenado projetos Fapesp e CNPq sobre o tema das migrações e publicado em  
periódicos de renome, como Vibrant, Revista de Antropologia, Etnográfica, Mana, entre outros. Pela Editora da Univer-  
sidade Federal de São Carlos (EdUFSCar), publicou Um mar de identidades, sobre a migração brasileira para Portugal;  
Japonesidades multiplicadas, sobre a migração japonesa no Brasil, e, ainda, A antropologia de Schneider e Desloca-  
mentos e parentesco. Publicou também o livro Cárcere público, pela editora do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa,  
sobre a imigração brasileira em Portugal.  
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RESENHAS  
pode ou não ser reconhecido como parte legítima da nação, evidenciando os  
mecanismos sutis e persistentes de exclusão herdados da lógica colonial.  
Dessa forma, o autor evidencia como a produção de hierarquias opera como  
estratégia de agenciamento da diferença. No caso brasileiro, esse processo se  
manifesta sobretudo por meio da linguagem. O Estado mobiliza a língua como  
critério de aproximação ao corpo nacional: ainda que o imigrante possa alcançar  
a naturalização, é o domínio do português brasileiro que se impõe como medida  
de pertencimento, pois a língua representa, paradoxalmente, aquilo que o torna  
“menos diferente” (Machado, 2024).  
Outro mecanismo central é a raça, elemento estruturante na produção de  
umaescalahierárquicalegislativadadiferençaentreambosospaíses. Manipulada  
como critério de seleção, a raça e a origem étnica definem quem é considerado  
mais ou menos desejável para compor o corpo nacional, mais uma vez, revelando  
a persistência de lógicas coloniais na administração estatal da migração.  
Vemos então que há uma escala de construção de hierarquias. Na lei de 1980 havia  
o privilégio aos portugueses e algumas concessões aos mercosulinos. No projeto  
engavetado havia uma distinção favorável aos mercosulinos e aos originários de  
países de língua oficial portuguesa. Esse espírito de criar distinções entre imigrantes  
permaneceu na proposta do Ministério da Justiça (...) (Machado, 2024, p. 61).  
Nesse sentido, projetos de lei, normas em vigor, discursos parlamentares  
e regulamentações são examinados como expressões simbólicas e políticas  
de uma sociedade que decide quem pode entrar, permanecer, circular ou ser  
reconhecido como parte do corpo nacional, afinal “(...) a forma como se integrará  
(ou não) a massa de imigrantes à vida nacional é uma questão de escolhas  
políticas” (Machado, 2024, p. 21). Assim, a partir de declarações de membros  
da Associação Olho Vivo3 Machado (2024) observa, no cenário português,  
um interesse em branquear o quadro da imigração ao dificultar a legalização  
dos imigrantes africanos indocumentados, mesmo que estes já apresentem  
uma comunidade “bem” estabelecida no país. Em contrapartida, haveria uma  
facilitação da legalização de imigrantes do leste europeu e brasileiros (Machado,  
2024).  
Diante desta situação, pode-se supor que a entrada de imigrantes não africanos é  
3Instituição responsável por grande parte das discussões públicas sobre a imigração em Portugal, sendo prestadora de  
assistência jurídica para imigrantes indocumentados.  
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RESENHAS  
interessante ao governo português, embora isto não seja declarado. Mas os números  
da legalização recente dizem tudo: 14.442 ucranianos, 7.808 brasileiros, 3.562  
moldavos, 2.710 romenos, 1.919 russos, 1.916 cabo-verdianos, 1.845 paquistaneses,  
1.668 angolanos, 1.471 guineenses, 1.072 chineses e 120 moçambicanos, entre outros”  
(Machado, 2024, p. 21).  
Desse modo, nos capítulos iniciais, o antropólogo parte de um panorama  
abrangente da legislação migratória portuguesa, comparando-a com o cenário  
brasileiro. Em seguida, centraliza o debate neste último, analisando criticamente  
as leis migratórias brasileiras desde o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980)  
de 1980 até a promulgação da Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), em  
2017. Já nos capítulos finais, o autor analisa também os impactos políticos  
sobre a formação e aplicação das normas migratórias, com destaque para o  
impeachment de Dilma Rousseff e os governos dos ex-presidentes Michel Temer  
e Jair Bolsonaro. Ao abordar esse período, Machado (2024) evidencia como as  
mudanças no cenário político influenciam diretamente as práticas legais e os  
discursos em torno da mobilidade, do pertencimento e do controle migratório no  
Brasil.  
Aesserespeito, aLeinº6.815/1980, conhecidacomoEstatutodoEstrangeiro,  
foi promulgada nos últimos anos da ditadura militar e carrega a marca ideológica  
da segurança nacional. Elaborada sob o paradigma da vigilância e do controle,  
influenciada pela Guerra Fria, tratava o estrangeiro como uma ameaça potencial  
à ordem interna (Machado, 2024). Como consequência, seus dispositivos  
impunham severas limitações à permanência, naturalização e mobilidade dos  
imigrantes, consolidando, portanto, um modelo autoritário e excludente de  
política migratória (Machado, 2024).  
À primeira vista, a Lei nº 13.445/20174, conhecida como Nova Lei de Migração,  
poderia parecer representar uma ruptura com esse passado autoritário da  
legislação migratória brasileira. Formulada em um contexto democrático, com  
a participação de diversos setores da sociedade civil, respaldada pelo discurso  
dos direitos humanos e feita sob pressão popular, a nova legislação anunciava  
princípios de acolhimento, igualdade, regularização e integração dos migrantes  
(Machado, 2024). No entanto, buscando responder à pergunta “(...) será de fato boa  
4A Lei nº 13.445/2017, também conhecida como Lei de Migração, é a legislação brasileira que estabelece os direitos,  
deveres e princípios relacionados à migração no país, substituindo o antigo Estatuto do Estrangeiro. A lei busca promover  
uma política migratória baseada nos direitos humanos, com o objetivo de garantir a dignidade e a inclusão social dos  
migrantes, combatendo a xenofobia e qualquer forma de discriminação.  
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RESENHAS  
a nova lei de imigração?” (Machado, 2024, p. 22), o autor desconstrói essa leitura  
otimista, argumentando que, embora progressista em sua formulação, a nova lei  
preserva, de maneira mais sutil e eficaz, estruturas históricas de exclusão.  
Assim, para o antropólogo, o que se observou entre 1980 e 2017 não foi  
uma superação do paradigma anterior, mas sim uma reformulação técnica de  
dispositivos de controle, em que a promessa de legalidade opera como fachada  
para práticas de restrição seletiva. Em suas palavras, “(...) como o texto da lei gera,  
na prática do gerenciamento dos imigrantes, um contingente de pessoas que não  
serão documentadas” (Machado, 2024, p. 15). Trata-se, portanto, da manutenção  
da “ilegalidade” não como um efeito colateral, mas como um verdadeiro projeto de  
Estado, necessário à gestão da diferença e à precarização estrutural da condição  
migrante. Nessa lógica, o imigrante permanece enquadrado como sujeito  
suspeito, uma figura criminalizada, perigosa e instável como na época ditatorial,  
reafirmando o papel das legislações migratórias enquanto instrumentos de  
produção de vulnerabilidade.  
Dividido em nove capítulos principais, o livro propõe uma análise  
antropológica das peças legislativas, ou seja,  
(...) uma antropologia que trata as peças legislativas como objeto, como documento  
passível de análise em si, sem referências necessárias ao seu contexto de produção  
ou a análise das forças políticas que as organizam (embora isso também aparece  
sistematicamente). (Machado, 2024, p. 09).  
Nesse sentido, é uma abordagem que se distancia da antropologia jurídica,  
“(...) pois não toma o sistema jurídico como um campo (...)” (Machado, 2024, p. 09),  
mas se aproxima da antropologia dos documentos, da mídia e da literatura por  
compreender a legislação como um documento vivo, atravessado por disputas  
morais, econômicas, securitárias e simbólicas. As leis aparecem, portanto, não  
apenas como textos técnicos, mas como arenas de conflito nas quais se definem,  
constantemente, as fronteiras da cidadania e da própria noção de humanidade.  
Nos capítulos 1 e 2, a partir de autores como Baganha e Gois (1998), Costa  
(2006) e Pereira da Silva (2004), Igor Machado analisa a legislação portuguesa  
em vigor desde 20015, destacando a criação da “autorização de permanência”  
5Decreto Regulamentar 9/2001, que altera e republica o DR 5-A/2000, de 26 de abril de 2000, que regulamenta o De-  
creto-lei n.244, de 8 de agosto de 1998, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n.4, de 10 de janeiro de 2001, que  
regulamenta a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros no território nacional.  
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RESENHAS  
como um dispositivo central na gestão da migração. Embora apresentada sob  
o signo da inclusão, tal medida impunha requisitos paradoxais como residência  
prévia, contrato formal de trabalho e vínculo com instituições estatais que, na  
prática, inviabilizam o acesso dos sujeitos mais vulneráveis, como trabalhadores  
informais e solicitantes de refúgio. Além disso, conferia privilégios específicos  
a migrantes lusófonos, evidenciando uma lógica de hierarquização racializada e  
cultural, orientada pelo que o autor chama de “espírito” da lei: a pressuposição  
de uma “portuguesidade” como parâmetro normativo para a incorporação da  
diferença.  
Assim, ao articular a promessa de acolhimento com práticas sistemáticas de  
exclusão, a legislação não apenas regula juridicamente a presença estrangeira,  
mas também institui regimes de pertencimento sustentados pela produção de  
alteridades graduais. É nesse movimento que emergem as chamadas “hierarquias  
de alteridade”, categoria analítica, apresentada anteriormente, que aponta como  
os Estados-nação, por meio da lei, fabricam escalas de legitimidade capazes  
de distinguir entre migrantes considerados desejáveis e aqueles classificados  
como indesejáveis.  
Entretanto, é a partir de autores como Feldman-Bianco (2001), Mota e  
Novaes (1986), que no capítulo 3, essa discussão ganha densidade. Ao propor uma  
análise comparativa entre os dois países, o autor revela como ambos mobilizam  
estratégias ambíguas na gestão da alteridade. Embora a legislação portuguesa  
esteja mais alinhada ao vocabulário dos direitos humanos, ela ainda assim  
mantém mecanismos de imobilização e dependência do imigrante. Por outro  
lado, no Brasil, a persistência de penduricalhos autoritários é evidente, visto que,  
mesmo após a redemocratização, os dispositivos legais continuam a submeter o  
estrangeiro a uma lógica de tutela estatal, burocracia excessiva e desconfiança  
institucional, onde ronda um sentimento de “temor ao imigrante”. Em ambos os  
contextos, há o que o autor chama de imobilidade institucionalizada, ou seja, o  
direito de permanecer não garante o direito de pertencer plenamente. Assim, o  
que se observa não é a inclusão, mas sim uma gestão sofisticada da exclusão.  
No capítulo 4, Machado (2024) destaca que o antigo Estatuto do Estrangeiro  
(Lei nº 6.815/1980) estava alicerçado em uma lógica de “segurança nacional”, que  
via o imigrantecomdesconfiança eotratava comouma potencialameaça àordem  
pública. Essa perspectiva, por sua vez, se traduzia em dispositivos legais que  
reforçaram a vigilância, o controle e a possibilidade de expulsão do estrangeiro,  
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rotulando-os frequentemente como “indesejados” ou “desamparados” (Machado,  
2024). É, também, neste capítulo que o autor discute como a proposta legislativa  
de 2009 (PL 5.655/2009), nesse sentido, foi, até certo ponto, uma tentativa de  
ruptura com o paradigma anterior, ao propor uma abordagem mais humanitária,  
centrada na integração e na promoção de direitos, independentemente da  
situação documental do imigrante. No entanto, como observa o autor, o que se  
revela, na prática, é um projeto voltado prioritariamente para os interesses do  
Estado.  
Assim, a principal marca da PL 5.655/2009, portanto, é a tentativa de  
centralização das questões migratórias sob a autoridade de um único órgão, a  
ANM (Autoridade Nacional Migratória), o que evidencia uma lógica de controle  
e gestão sobre os estrangeiros. Ao invés de simplificar a burocracia enfrentada  
pelos imigrantes, o projeto mantém e até reforça sua função de barreira e  
vigilância. Desse modo, Machado (2024) demonstra que, apesar do discurso de  
ruptura com o paradigma da “segurança nacional”, o projeto de 2009 manteve a  
lógica de controle e vigilância como eixo central da política migratória.  
Em diálogo com Seyferth (1996), no capítulo 5, o antropólogo aprofunda sua  
reflexão sobre o lugar do imigrante nas políticas públicas e nos discursos legais,  
trazendo à tona o debate sobre como a diferença é percebida, categorizada  
e gerenciada pelos Estados. É justamente aqui que reside o cerne de sua  
contribuição: o autor amplia o escopo da análise ao explorar o imigrante não  
apenas como sujeito jurídico ou econômico, mas também como figura simbólica  
da alteridade, um “outro” que desafia os parâmetros normativos da nação,  
ou seja, que desafia a noção de “sujeito” de estado imposta pelas instituições  
legislativas. “A intenção principal aqui é produzir uma reflexão essencialmente  
antropológica sobre a imaginação da diferença tanto no texto das leis como na  
forma de gerenciamento proposta para essas imaginações, em suas múltiplas e  
complexas relações internas” (Machado, 2024, p. 67).  
Além disso, este capítulo evidencia como as legislações migratórias se  
estruturam a partir da tentativa de normalizar o imigrante, enquadrando-o em  
categorias que, muitas vezes, ignoram a complexidade de suas trajetórias.  
Nesse sentido, o Estado ao assumir para si o monopólio da gestão da diferença,  
reduz os imigrantes a figuras administrativas, cuja legitimidade depende da  
capacidade de adequação a parâmetros previamente estabelecidos, seja por  
meio da assimilação, da integração ou, nos casos de resistência ou inadequação,  
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pela exclusão. Em vez de valorizar a diversidade, as políticas tendem a apagar  
ou domesticar as especificidades culturais, sociais e subjetivas dos imigrantes  
em nome da estabilidade social e da segurança nacional. Como aponta o autor,  
isso mostra que a política de gerenciamento da diferença é, antes de tudo, uma  
política de enquadramento, incapaz de lidar com a fluidez e a mutabilidade das  
diferenças culturais e sociais que caracterizam a experiência migratória  
(...) o texto da proposta da lei preocupa-se mais em definir formas de retirada do  
estrangeiro do solo nacional do que as formas de permanência em si. O estrangeiro  
pode ser impedido de ingressar no país (artigo 45), pode ser repatriado (artigo 47), pode  
ser deportado (artigos 48, 49 e 50) e pode ainda ser expulso (artigo 53 a 58). (Machado,  
2024, p. 70).  
Dessa forma, Machado (2024) propõe uma abordagem crítica, que desloca  
o foco da mera legalidade. Ele argumenta que uma antropologia do texto das  
leis permite compreender como a figura do imigrante atua não tanto para  
fundamentar políticas efetivas, mas para redefinir o próprio Estado. Nesse  
processo, a percepção sobre o imigrante se altera de acordo com a forma de  
redefinição estatal almejada, funcionando como instrumento de legitimação  
dessa transformação. O imigrante, nesse contexto, não é apenas alguém que  
cruza fronteiras físicas, mas sim alguém que é constantemente posicionado  
dentro de fronteiras simbólicas e sociais. Trata-se de uma figura que encarna,  
simultaneamente, ameaça e promessa: sua presença projeta sobre o corpo  
nacional ansiedades relativas à segurança, à coesão cultural e à soberania, ao  
mesmo tempo em que é mobilizada como signo da abertura, da modernidade e  
do cosmopolitismo estatal.  
Já no capítulo 6, apoiado novamente na autora Feldman-Bianco (2015), e  
agora em autores como Domenech (2015) e Hirata (2015), o autor mergulha na  
complexa discussão legislativa que resultou na nova Lei de Migração brasileira  
(Lei nº 13.445/2017), aprovada em 2017. Machado (2024) se propõe a analisar como  
a questão da “diferença” do estrangeiro e os direitos humanos foram abordados  
e negociados ao longo do processo de elaboração do Projeto de Lei do Senado  
(PLS) 2.516/2015, que deu origem à nova legislação. Nesse contexto, a discussão  
se inicia contextualizando o cenário de intensos debates e a pluralidade de  
atores envolvidos na construção da nova lei, incluindo o Ministério da Justiça, os  
movimentos sociais, a academia e os órgãos de segurança pública.  
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Assim, o capítulo detalha as diferentes versões do PLS, que o autor denomina  
como “nuvem legislativa”6 (Machado, 2024), as quais tramitaram no Congresso, e  
mostramasmodificaçõeseasdisputasemtornodetemascruciais. Oantropólogo  
discute as principais mudanças propostas, tais como a desburocratização dos  
procedimentos migratórios, a garantia de acesso a direitos sociais, como saúde,  
educação e assistência social, a proteção de vítimas de tráfico de pessoas  
e exploração. Machado (2024) enfatiza que a nova lei representa um avanço  
significativo, pois reconhece o imigrante como sujeito de direitos.  
Contudo, o autor não deixa de pontuar as tensões e os retrocessos que  
permearam o processo legislativo. Ele aborda a resistência de setores mais  
conservadores bem como a inclusão de dispositivos que, de certa forma,  
mantiveram uma lógica de controle, embora mitigada em comparação com a  
legislação anterior. A discussão sobre a importância de identificar “quem causa”  
o fluxo migratório e a inserção de preocupações relacionadas à “segurança  
nacional” em alguns momentos do debate são exemplos dessas tensões.  
O capítulo, também, explora a ideia de “dois sentidos” presentes na nova  
lei. Um deles aponta para o avanço na garantia de direitos e na promoção da  
integração. O outro, por outro lado, ainda reflete uma preocupação com a  
“segurança” e o “controle” do estrangeiro. Essa ambivalência, segundo o autor,  
expressa o complexo jogo de forças e interesses que moldam a política migratória  
em um país como o Brasil, especialmente porque lida com a diversidade de fluxos  
migratórios e com a tensão entre inclusão e vigilância.  
Quais são as imagens que se produzem do estrangeiro nesse conjunto de versões? O  
que elas nos dizem, finalmente, sobre a diferença e a noção de “direitos humanos” no  
Congresso? A principal questão, que podemos ver pelos critérios gradualmente mais  
rígidos para repatriação e expulsão, é que a noção de ameaça e medo ainda circunda  
todo esforço legislativo. (Machado, 2024, p. 89).  
No capítulo 7, o autor acompanha a trajetória da legislação nas duas casas do  
Congresso Nacional, buscando revelar os atores e as perspectivas que moldaram  
esse complexo cenário político. A intenção de Machado (2024) é ir além da análise  
puramente legal, propondo uma antropologia da mobilidade humana, com o  
6 O autor denomina “nuvem legislativa” às várias versões existentes da PL 2.516/2015, desde sua apresentação em 2013  
até sua última versão, disponível até julho de 2016. Importante ressaltar que devido às inúmeras versões, o autor con-  
centrou sua análise nas formas de evitação da diferença presentes nos projetos, entendendo com esse nome as políticas  
de repatriação, expulsão, extradição, deportação, negação de asilo, e ainda outras variações dessas formas de negação  
(Machado, 2024, p. 78).  
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objetivo de compreender como a ideia de diferença e o lugar que ela ocupa no  
espaço político nacional se manifestam nas novas políticas migratórias.  
Nesse sentido, o autor discorre sobre o cenário brasileiro da migração, que  
se consolidou com o crescimento do fluxo de imigrantes provenientes de diversas  
nacionalidades, incluindo venezuelanos, haitianos e imigrantes do continente  
africano e latino-americano, mas que, em determinado momento, demandou  
uma revisão da política migratória, uma vez que o Brasil tem se tornado, cada vez  
mais, um país de imigração. Nesse sentido, o autor detalha o papel de diferentes  
órgãos e instituições no processo de construção da nova lei, como o Ministério da  
Justiça, responsável pela proposta do anteprojeto, e o Congresso Nacional, que  
promoveu intensos debates e modificações ao longo do processo.  
A pesquisa do autor foca, ainda, na composição do Conselho Nacional de  
Imigração (CNIG) e na importância desse órgão na produção da lei. Composto  
por representantes do governo, da sociedade civil e de empregadores, o CNIG  
detém papel fundamental para o avanço de uma perspectiva mais inclusiva. A  
análise das diferentes versões do projeto de lei, como o PLS 2.516/2015, revela as  
negociações e as disputas sobre temas como deportação, naturalização, acesso  
a serviços públicos e, principalmente, a proteção de direitos humanos.  
O capítulo também aborda a continuidade de uma certa “tensão” entre a  
perspectiva humanitária e a lógica securitária, mesmo na nova lei. Mais uma  
vez o autor reforça que, embora a Lei de Migração de 2017 (Lei nº 13.445/2017)  
represente um avanço significativo, ainda há resquícios de uma mentalidade de  
controle. Neste momento do livro, o autor aponta para a manutenção de certas  
prerrogativas da Polícia Federal no controle migratório e para o fato de que a  
discussão sobre a “ilegalidade” e a “criminalização” do imigrante ainda permear  
algunsdebates;Asituaçãoatualé, portanto, avoltaaoespíritogeraldepercepção  
da diferença que presidia o antigo estatuto do imigrante, a velha lei do período  
ditatorial” (Machado, 2024, p. 108).  
No Capítulo 8, o debate é direcionado para a complexidade da categoria  
de refúgio no Brasil, explorando de que maneira as classificações estatais e  
as máquinas de hierarquização da diferença impactam a vida de refugiados e  
solicitantes de refúgio. Machado (2024) adota uma perspectiva comparada para  
entender como essa categoria opera, tanto em termos legais quanto na prática  
vivida, e como o conceito de refúgio se tornou um campo de definições que  
afetam diretamente a vida dos indivíduos.  
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A palavra “refugiado” é uma dessas que parecem dizer algo muito específico, muito  
delimitado, mas é, na verdade, um conjunto enorme de diferentes possibilidades. Mas  
as diferentes possibilidades estão distribuídas desigualmente em termos de poder e  
representatividade. Existe um cenário onde o Estado brasileiro define unilateralmente  
o que é refúgio através de mecanismos legais que têm sua história própria e que muitos  
estudiosos se dedicaram a explicar. Há, assim, uma definição estatal, que se coaduna  
com acordos internacionais que procuram uniformizar as apreensões nacionais da  
categoria: cria-se um sistema internacional de refúgio, com suas regras globais, das  
quais os Estados tomam parte voluntariamente ao assinar tratados variados. Há, assim,  
uma história desse processo de definição global da categoria “refúgio” (Machado, 2024,  
p. 111).  
Ademais, neste capítulo, Igor Machado detalha as práticas do refúgio  
no Brasil, incluindo os dados e a evolução do perfil dos solicitantes e dos  
reconhecidos como refugiados. É enfatizado que o reconhecimento da condição  
de refugiado no Brasil, embora em números menores quando comparados a  
outros países, apresenta um cenário crescente e diversificado, especialmente  
com a chegada de venezuelanos e haitianos. O autor analisa as experiências do  
registro, da documentação, e da inserção no mercado de trabalho, destacando  
como as burocracias e as demoras processuais impõem desafios adicionais à  
vida dos refugiados.  
Além disso, a questão do contrabando humanitário e a exploração de  
imigrantes e refugiados são temas abordados, revelando a vulnerabilidade  
desses grupos e a necessidade de políticas mais eficazes para sua proteção.  
Por fim, Machado (2024) também discute a articulação entre as categorias de  
refugiado, imigrante e solicitante de refúgio, mostrando como a interseção  
dessas classificações gera diferentes tratamentos e acessos a direitos.  
O novelo não é neutro, é uma bomba de efeitos desejados pelo estado: privilégio  
simbólico para uns, exclusão para outros; ser portador de um visto humanitário faz do  
imigrante um ser que depende eternamente da bondade do estado (subalternizado),  
já a categoria de refúgio é, quando purificada, um direito internacional. O refugiado é  
um resistente, mas quais resistências são desejadas é uma questão política. Porém o  
novelo convive com as classificações nativas nos serviços de atendimento, categorias  
que estão livres para serem esticadas em diferentes direções, contando que a grande  
categoria purificada permita a ação discricionária dos cortes e das separações  
(Machado, 2024, p. 123).  
NoCapítulo9,intitulado“Refúgiocomocategoriadeseparação”,oautorreforça  
essa análise crítica da categoria de refúgio, não apenas como um instrumento  
de proteção, mas também como um mecanismo que, paradoxalmente, promove  
separação e exclusão, especialmente nos governos brasileiros de 2018 e 2022,  
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sob a orientação de extrema-direita. Em contraste com os governos de esquerda  
de 2003 a 2016, o autor argumenta que o refúgio, enquanto fenômeno migratório,  
deve ser compreendido não só como um fato social e humanitário, mas também  
como um ato político, que se manifesta nas vontades políticas do Estado. Essa  
perspectiva sugere que o controle estatal sobre os deslocamentos humanos não  
se limita à gestão burocrática, mas se estende ao campo da propaganda e do  
discurso, onde a diferença do refugiado pode ser instrumentalizada para fins  
políticos. Nesse sentido, o capítulo procura explorar a dinâmica do processo de  
refúgio como reflexo das políticas migratórias e das ideologias governamentais.  
Machado (2024) salienta que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a política  
migratória brasileira assumiu uma perspectiva securitária, em que a “diferença”  
do estrangeiro foi frequentemente associada a uma ameaça, o que resultou  
em retrocessos: adoção de medidas mais restritivas e na intensificação de  
um discurso anti-imigratório. O autor compara esse período com os governos  
anteriores de Lula e Dilma, que, embora também tivessem enfrentado desafios,  
mantinham uma postura mais aberta e humanitária em relação aos imigrantes e  
refugiados.  
Ademais, o capítulo examina casos específicos, como a “Operação Acolhida”  
para venezuelanos, que, embora tenha garantido assistência humanitária,  
também revelou uma lógica de controle e militarização da ajuda. Machado (2024)  
analisa os dados sobre solicitações e reconhecimentos de refúgio, evidenciando  
o impacto das políticas na vida dos refugiados haitianos e venezuelanos no  
Brasil. Ele destaca a fragilidade da situação dos que buscam refúgio, muitos dos  
quais são frequentemente confrontados com a morosidade dos processos, a  
dificuldade de acesso a direitos e a persistência de uma visão estigmatizada.  
A reflexão sobre o “novo velho anticomunismo” aparece como elemento  
central para entender a lógica de separação. O autor sustenta que o governo de  
extrema-direita recuperou discursos e práticas da Guerra Fria, associando o  
imigrante a uma ameaça ideológica e de segurança, transformando a migração  
em um campo de disputa política e ideológica. Essa abordagem tentou reforçar a  
ideia de que o imigrante, especialmente aquele em situação de vulnerabilidade,  
seria considerado um “inimigo interno” ou um fator desestabilizador da ordem  
nacional.  
Ao final de O estrangeiro e a diferença, Igor José de Renó Machado nos  
apresenta uma contribuição teórica e política de grande fôlego para os campos  
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da antropologia e dos estudos migratórios. Por meio de uma análise crítica e  
historicamente situada das legislações migratórias no Brasil, em diálogo com o  
caso português, o autor revela como o direito, longe de ser uma instância neutra  
de regulação, atua como um operador ativo na produção de exclusões, na gestão  
da alteridade e na consolidação de fronteiras sociais.  
A categoria de refúgio, em vez de ser apenas um mecanismo de proteção  
humanitária,emergecomoumdispositivoambíguo,capazdeproduzirseparações  
materiais e simbólicas, reforçando hierarquias e narrativas de ameaça. Igor José  
Machado (2024) demonstra que o estrangeiro não é apenas aquele que cruza  
fronteiras nacionais, mas também aquele que é continuamente mantido fora de  
lugar pelas engrenagens normativas do Estado, mesmo quando aparentemente  
acolhido.  
Com linguagem precisa e abordagem sensível, o autor articula análise  
legislativa, crítica política e imaginação antropológica para mostrar como as leis  
migratórias são, também, arenas de disputa simbólica onde se projetam ideias de  
nação, pertencimento e cidadania. Além disso, sua proposta de uma “antropologia  
das peças legislativas” amplia o escopo tradicional da análise jurídica, permitindo  
compreender o direito como campo de produção cultural e política. O estrangeiro  
e a diferença, configura-se, assim, como uma contribuição decisiva para a crítica  
às políticas atuais de fronteira.  
Mais do que denunciar contradições normativas, Machado (2024) convida  
à reflexão crítica sobre os modos como construímos coletivamente a figura do  
“estrangeiro”, ora como ameaça, ora como sujeito tutelado, raramente como  
igual. Nesse sentido, sua obra também se configura como um chamado urgente  
por políticas migratórias verdadeiramente comprometidas com a dignidade, os  
direitos e a pluralidade das experiências humanas.  
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PARECERISTAS  
PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO  
REVIEWERS OF THIS ISSUE  
Albuquerque: revista de Estudos Culturais. Aquidauana, v. 17, n. 33, jan.- jun. 2025.  
https://doi.org/10.46401/arec.2025.v17.24294  
Colaboraram com este periódico nos pareceres dos manuscritos submetidos pelo sistema de  
avaliação dupla às cegas por pares (Double-Blind Peer Review):  
List of reviewers for this issue who provided evaluations for manuscripts submitted through  
the Double-Blind Peer Review system:  
Carlos Eduardo Candido Pereira (ad hoc) - Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza  
(SME), Brasil  
Carmem Lúcia Sussel Mariano (ad hoc) - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Daniel Alves Azevedo (ad hoc) - Secretaria Municipal da Educação de São Paulo (SME-SP), Brasil  
Eloane Aparecida Rodrigues Carvalho (ad hoc) - Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil  
Fernando Martins dos Santos (ad hoc) - Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil  
Hamilton Afonso de Oliveira (ad hoc) - Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil  
Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias (ad hoc) - Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil  
João Pedro Rosa Ferreira (ad hoc) - Universidade Nova de Lisboa (NOVA), Portugal  
Luís Fernando Brinatti (ad hoc) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil  
Marcela dos Santos Alves (ad hoc) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”  
(UNESP), Brasil  
Marcos Antonio de Menezes - Universidade Federal de Jataí (UFJ), Brasil  
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PARECERISTAS  
Thaís Contiero Chiaramonte (ad hoc) - Secretaria Municipal de Educação de Araçatuba-SP  
(SME), Brasil  
Thaís Leão Vieira - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil  
Victoria Mauricio Delvizio - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil  
Yara Fonseca de Oliveira e Silva (ad hoc) - Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil  
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