A QUE VIEMOS – O ESCREVER A HISTÓRIA: NOTAS DE UMA PESQUISA SOBRE O USO DE PSICOATIVOS LÍCITOS E ILÍCITOS NA RELIGIOSIDADE DO SANTO DAIME

  • Jessica Rocha Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Resumo

As culturas das drogas são complexas e múltiplas em significados. No Santo Daime, na década de 1970, encontramos um processo de subjetivação de um psicoativo ainda ilícito no país, que tem na configuração do uso a sua ressignificação. Para os daimistas, a diferença entre a Maconha e a Santa Maria, nome que designa a erva para estes, está em seu modo de usar e em sua forma de aquisição. Pretendemos, a partir de uma compreensão possibilitada por autores como Félix Guattari, Gilles Deleuze e Michel Foucault, analisar as práticas discursivas que legitimam as significações daimistas em sua materialidade, o que torna possível esse discurso, fixando suas fronteiras, suas divergências e descontinuidades, percebendo suas fragmentações, onde eles não são plenos, em suas divergências e apropriações.

Palavras-chave: Santa Maria; Maconha; Subjetivação

Referências

Cf. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 3ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2014 (p. 13).

Idem. (p. 10).

“Por vezes, se utiliza a expressão Nova História Cultural, a lembrar que antes teria uma velha, antiga ou tradicional História Cultural. Foram deixadas de lado concepções de viés marxista, que entendiam a cultura como integrante da superestrutura, como mero reflexo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como domínio das elites. Também foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do autêntico.”’ (PESAVENTO, 2014, p. 14)

Cf. MORTIMER, Lucio. Bença, Padrinho! São Paulo: Céu de Maria, 2000.

A Ayahuasca é uma bebida ancestral, de uso milenar pelos autóctones andinos, que apresenta propriedades psicoativas e é utilizada por diversos grupos no Brasil, que a consideram um sacramento. Cf. REGINATO (2010).

Cf. CHARTIER, Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: ________________. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. 2ª edição. Portugal: DIFEL, 2002.

Segundo o historiador Henrique Carneiro, o termo Maconha chegou ao Brasil originalmente da África para designar a erva, assim como outras denominações em línguas africanas (diamba e liamba). (CARNEIRO, 2005)

O uso do termo vai ao encontro com a conceitualização deste proposta por Michel Foucault em A Ordem do Discurso (2013), com o qual concordamos que, no discurso se encontra Procedimentos ou Sistemas de Exclusão.

Cf. VARGAS (2008, p. 42-43).

“a atual coerência e identidade das leis sobre drogas no mundo que, apesar das particularidades locais possíveis de serem encontradas, trabalham em uníssono a partir de uma fórmula comum: o proibicionismo” (RODRIGUES, 2008, p. 91).

Cf. BARROS; PERES (2011, p. 17).

Vide notícias: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/trafico-de-cocaina-e-o-aeroporto-de-claudio-mg.html e http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/experimentei-maconha-mas-nao-recomendo-diz-aecio-neves.html

“Os marianos, isto é, os apreciadores de Santa Maria”. Cf. MORTIMER, Lúcio. Nosso Senhor Aparecido na Floresta. São Paulo: Céu de Maria, 2001. (p. 176)

A Abolição da Escravatura no Brasil ocorreu em 13 de maio de1888, ao ser assinada a Lei Áurea pela Princesa Isabel, na qual proibia o tráfico e comércio de escravos, por pressão Inglesa (BARROS; PERES, 2011)

“Financiados por grupos econômicos internacionais através de uma complexa rede que envolvia exportadores, bancos e grandes empresas industriais, as Casas Aviadoras de Belém e Manaus e os grupos seringalistas formavam grupos agenciadores que recrutavam mão-de-obra nos portos do litoral e mesmo em pleno sertão nordestino. Resultou disso um êxodo dirigido, comandado em última instância, pelos interesses econômicos de grandes capitalistas norte-americanos e europeus.” (OLIVEIRA, 1983 APUD FRÓES, 1986, p. 147-148).

Em 1964 o país sofreu um Golpe Militar que fez vigorar um Regime de Ditadura Militar como forma de Governo Federal até 1985, quando este caiu com as DIRETAS JÁ!. (PESAVENTO, 2014, p. 10; REHEN, 2015)

O Movimento de Contracultura teve início nos EUA na década de 1960, no qual a filosofia condizia com práticas dissidentes e, também, aqui no Brasil, era como uma resposta aos Anos de Chumbo, como ficou conhecido o período do Golpe Militar de Estado. (PEREIRA,1983)

“Liberdade sexual, experiência com drogas, misticismos, viagens de carona etc. tornaram-se válvulas de escape para a frustação de muitos jovens em boa parte oriundos da classe média urbana. Aproveitando a criação da malha de rodovias recentemente implantada no esforço de integrar a Amazônia ao território nacional, muitos dos que tinham optado pelo “pé-na-estrada” dirigiam-se ao Altiplano Andino, especialmente a Macchu Picchu, que se tornara uma Meca dos hippies”. (MACRAE, 2005, p. 467)

Cf. GOULART, Sandra Lúcia. A construção de fronteiras religiosas através do consumo de um psicoativo: as religiões da ayahuasca e o tema das drogas. Florianópolis: V RAM, 2003.

Cf. CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Belo Horizonte: ANPUH-MG, 2002.

Cf. MORTIMER (2000, p. 284)

Segundo Lucio Mortimer (2000; 2001), os mochileiros que chegaram a Colônia Cinco Mil, comunidade do Padrinho Sebastião, se entendiam como fazendo parte do Movimento Hippie. Sendo este, um movimento surgido em meados da década de 1960, que correspondia a um estilo de vida, com vestuários específicos e a proposta de Paz e Amor em contraposição ao pós-Guerra (PEREIRA, 1983).

Cf. BARROS, André; PERES, Marta. Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas. Rio de Janeiro: Revista Periferia, 2011.

Cf. LABATE, Beatriz C. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2004.

Capitalismo Mundial Integrado. Cf. GUATTARI, Félix. (2013, p. 47)

Para GUATTARI (2013, p. 143), o conceito de marginalidade, assim como o de minoria, se relaciona com a subjetividade dominante, porém este primeiro trata da segregação social, que exclui a possibilidade de se relacionar com os padrões hegemônicos, mas ainda assim de maneira que deve ser assistida, controlada e vigiada, pois quando considerada excessiva ou descontrolada, deve ser inclusive punida.

Cf. CARNEIRO (2002).

Idem.

Cf. MORTIMER, Lucio. Bença, Padrinho! São Paulo: Céu de Maria, 2000.

Cf. REGINATO, Andréa Depieri de A. Regulamentação de uso de substância psicoativa para uso religioso: o caso da Ayahuasca. Disponível em: http://200.17.141.110/pos/sociologia/publicacoes.php

Esta vai tomar nomes distintos nos diferentes seguimentos aí citados (Hoasca, Vegetal, Daime), sendo o termo Ayahuasca o mais utilizado e também o mais conhecido. As religiões aí referidas são: Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha.

DELEUZE, Gilles. Duas questões. Disponível em: http://www.interzona.com.br/interzona/mapa/duasquestoes.html (Acessado em: 10/11/2014 às 10h:30min).

Cf. CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Belo Horizonte: ANPUH-MG, 2002

Cf. VALENÇA, Tom. O processo civilizador e a estigmatização das drogas. In: __________. Consumir e ser consumido, eis a questão! parte II – outras configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. Salvador: PPGCS-UFBA, 2010.

Enteógeno seria o termo para designar, segundo Edward Macrae, “aquilo que leva alguém a ter o divino dentro de si” (1992, p. 16).

Cf. CARNEIRO, Henrique. A fabricação do vício. Belo Horizonte: ANPUH-MG, 2002

Idem.

Cf. CARNEIRO, Henrique. Pequena Enciclopedia da História das Drogas e Bebidas. São Paulo: Campus, 2005.

Publicado
2016-08-04