“QUERIA QUE VOCÊS COMPARTILHASSEM COM TODO MUNDO, COM TODO MUNDO QUE VOCÊS PUDEREM”
Resumo
Esse título foi retirado de uma narrativa feita pelo Arthur (2022) de 7 anos de idade, para a dissertação que estou escrevendo junto com crianças da escola Profª Iracema Maria Rezende, pela UFMS, no programa de Pós-Graduação em Educação Matemática. Construímos na escola uma Cabine de Narrativas e convidamos estudantes dos 1º, 3 e 5º anos para falar sobre a escola, seu ensino/aprendizagem de matemática e como elas se viam nesse processo.
Em sua narrativa, Arthur também agradece muito por ter participado e ficou muito feliz. Maitê, 7anos, faz um alerta: “Estou nervosa, eu nunca fiz isso, falar de mim”.
Essas narrativas apontam para a necessidade de ouvir atentamente as vozes das crianças, o que inclui sua participação no debate acerca da aprendizagem matemática e de outros processos educativos. Tendo suas posturas tradicionalmente vinculadas à ingenuidade, imaturidade, as crianças seguem sendo pouco incluídas em debates acerca de seus modos de se construir no/e ao mundo. Essas afirmações se relacionam de maneira significativa com a obra “Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing” (2007), de Miranda Fricker, que aborda o conceito da injustiça epistêmica, um tipo de injustiça em que não acreditamos na palavra do outro de acordo com algum preconceito. Ela também cita: uma “injustiça testemunhal” que torna a palavra do outro, desvalida de poder ou toma alguém como menos importante com base em sua identidade social. Essa teoria atravessa diversos estudos acerca de gênero, classe, religião... e um movimento de pesquisa na Universidade da Cidade do Cabo tem se dedicado a pensar sobre o preconceito etário e em como as crianças têm sido destituídas de seu lugar de conhecimento (CF. MURRIS, REYNOLDS, SILVA , SOUZA,2021).
Em muitos contextos, as crianças são vistas como menos capazes de fornecer conhecimentos válidos ou de entender adequadamente o mundo. Suas opiniões e experiências são frequentemente desconsideradas ou descartadas com base em sua idade e suposta falta de maturidade. Isso pode resultar em uma injustiça epistêmica testemunhal, em que suas vozes são desacreditadas ou não levadas a sério. Além disso, as perspectivas das crianças são frequentemente interpretadas através da lente dos adultos, na qual eles projetam suas próprias suposições e entendimento sobre as crianças, ignorando suas experiências reais. Isso pode levar a uma compreensão distorcida das crianças e suas necessidades, limitando sua agência e autonomia. Seu ponto de vista e conhecimentos são muitas vezes considerados menos relevantes ou insignificantes, o que limita seu acesso a oportunidades de aprendizado e participação na construção do conhecimento.
Fricker também aborda o funcionamento do preconceito de identidade, olhando pela perspectiva de quem escuta, o ouvinte. Em certas situações, os estereótipos negativos podem desempenhar um importante papel na forma como o ouvinte avalia a credibilidade do interlocutor (CF. LINS, 1999). O erro no julgamento prejudica o outro, causa danos ao silenciar, invisibilizar formas múltiplas de existência. E passamos a ver outro como “sujeito menos que um ser humano completo” (p.44).
Assim, baseados na noção de injustiça epistêmica, construímos essa pesquisa com o objetivo de compreender quais as questões que atravessam processos singulares de aprendizagem matemática de crianças sob suas perspectivas, buscando construir um espaço mais democrático no entendimento sobre a educação matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Referências
-ARTHUR, 2022.
-FRICKER, Miranda. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing. New York: Oxford University Press, 2007.
-LINS, Romulo Campos. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1999. pp.75-96.
-MAITÊ, 2022.
-MURRIS, K., REYNOLDS, R, da SILVA, H., & de SOUZA, L. A. (2021). Untidying Child Development with a Picturebook: Disrupting Colonizing Binary Logic in Teacher Education. In Yelland, N.J., Peters, L., Tesar, M. & Perez, M.S. (Eds.). The SAGE Handbook of Global Childhoods. SAGE. 397-410.