Matemática e COVID-19: um instrumento de controle social

  • Renata Rodrigues Souza UFMS- Universidade Federal da Grande Dourados
  • Marcio Antonio da Silva UFMS

Resumo

Este trabalho[1] é parte de uma pesquisa de doutorado em andamento, e tem por objetivo apresentar como a matemática pode ser utilizada na apresentação de dados relacionados à pandemia do coronavírus como instrumento de controle social, buscando descrever a matemática como tecnologia de argumentação sobre fatos ocorridos na pandemia do Covid-19. Os embasamentos teóricos que estamos utilizamos são os conceitos de pedagogia cultural, governamentalidade, bem como as concepções de currículo, segundo Lopes e Macedo (2011). Nosso material de análise é composto por recortes, das mídias, imagens e reportagens que apresentam informações sobre a pandemia por intermédio da matemática, e que são de acesso fácil e rápido à população. Apresentaremos dois exemplos desta proposta, o primeiro exemplo, encontramos no site Lupa[2] uma informação sobre um vídeo que circula nas redes sociais, onde o repórter Alexandre Garcia utiliza dados estatísticos para provar que em 2019 houve mais mortes do que em 2020. Conforme o site, a fala do Alexandre Garcia, é a seguinte: “no ano passado, houve 4.889.000 mortes. Neste ano, em 186 dias, 2.336.000 mortes. Dividido pelo número de dias do ano passado, 365 dias, nós temos 13.394 mortes diárias em média no Brasil no ano passado. Neste ano, dividindo 2.336.000 até o dia 5 [de julho], 186 dias, temos 12.559 mortes. Estamos com menos mortes diárias neste ano em relação ao ano passado: 835 mortes diárias a menos” [3]. No segundo exemplo, temos uma reportagem do site Poder360[4] onde o governo, para apresentar dados da pandemia, comprou um gráfico pronto em um banco de imagens, disponível no site ShutterStock, pelo valor de R$ 442,20. Esse gráfico, utilizado pelo governo, supostamente ilustra um estudo científico que mostrava resultados eficientes da utilização do vermífugo Nitazoxanida para pacientes infectados pela Covid-19. É importante destacar nessa notícia é que esse gráfico não foi produzido com os dados reais, ou seja, os dados realmente verdadeiros sobre o uso desse vermífugo para o combate da Covid-19. O site da ISTOÉ[5] também apresenta sobre a compra desse gráfico. A reportagem do site entrou em contato com o ministério, buscando uma resposta sobre a compra do gráfico, mas recebeu apenas uma carta da coordenadora do estudo que foi a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Patrícia Rocco, ela afirmou que o estudo ainda não foi publicado em uma revista científica, mas não disse nada a respeito do gráfico divulgado pelo governo federal e também afirmou que a pesquisa passará pelo comitê de ética. Diante, desses dois exemplos, podemos constatar que a matemática está sendo utilizada de uma forma a qual tenta convencer o leitor de determinadas informações, onde essas informações inverídicas são tomadas como verdadeiras por intermédio de argumentos matemáticos, seja manipulação de números, seja pela apresentação de uma imagem comprada. Assim, essas notícias falsas são publicadas nas redes sociais, usando a matemática como ferramenta de controle social operando uma pedagogia cultural e um currículo que ultrapassam os limites da escola.

 

Referências

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[1] O trabalho expandido foi submetido ao VIII - SIPEM.

[2] Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/07/15/verificamos-calculo-alexandre-garcia-mortes/

[3] Fala de Alexandre Garcia em trecho de vídeo publicado pelo site Página do Estado que, até as 11h30 de 15 de julho de 2020, tinha 144 compartilhamentos no Facebook. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/07/15/verificamos-calculo-alexandre-garcia-mortes/

[4] https://www.poder360.com.br/governo/para-mostrar-estudo-cientifico-governo-compra-grafico-em-banco-de-imagens/. Acesso em: 25 mai 2021

[5] https://istoe.com.br/apresentacao-de-estudo-sobre-uso-do-vermifugo-inclui-grafico-de-banco-de-imagens/

Publicado
2021-10-16