MATEMÁTICA:
UM PASSAPORTE PARA O SUCESSO?
Resumo
A problematização proposta neste trabalho tem como ponto de partida uma experiência vivenciada junto a uma comunidade quilombola. Em uma reunião com representantes da comunidade, da comunidade escolar de uma de suas escolas e de pesquisadores, entre os quais, nós, autoras, uma moradora relatou sobre a articulação da comunidade para implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (EEQ) na Educação Básica (Brasil, 2012) em suas escolas. Trata-se de uma legislação de 2012 que ainda é uma realidade distante para esta e muitas outras comunidades. No entanto, seu relato sofre uma série de intervenções de um dos funcionários da escola. Essas intervenções sugeriam que a EEQ seria um meio de aprisionamento a uma vida difícil, no campo, indo contra o desejo dos pais dos alunos de verem seus filhos “doutores”. Tais intervenções foram contrapostas, inclusive por uma das autoras, ao trazer uma experiência vivenciada na escola, na qual os estudantes, juntamente com ela, artesãs da comunidade e professoras, sistematizaram sobre o trançamento de fibras utilizadas para confecção de peneiras, mostrando como isso aproximou os estudantes de uma importante herança cultural da comunidade e também desenvolveu conhecimentos matemáticos, indo além do é imposto como matemática e ao encontro da EEQ. Mas um imponente “Isso não é matemática!” é proferido como resposta do funcionário, que completou: “Matemática é fazer contas, equações.” Essas afirmações e todo o contexto nos fez indagar se a matemática hegemônica seria um passaporte para o sucesso. E, ao refletir sobre, surge outra pergunta: o que essa matemática tem ofertado? Concordamos com Rosa e Giraldo (2023), que essa matemática é fruto da construção teórica da branquitude ocidental, e, portanto, nos oferece valores dessa branquitude. Valores que impõe uma superioridade desta branquitude e uma inferioridade daqueles que não pertencem a esse espectro. Que apagam ou se apropriam das contribuições de povos não ocidentais na construção do saber matemático, naturalizando a matemática como uma experiência branca, e, por consequência, sustentando a autoridade desse modo branco de produzir matemática, colocando-o como o único meio válido. Assim, outras formas de produzir, pensar e utilizar matemática são prontamente rejeitadas: “Isso não é matemática!”. Especialmente se essas outras formas forem provenientes de grupos oprimidos, reconhecê-las seria lhes conceder poder. E essa concessão não é de interesse da branquitude. É de interesse que sigamos com uma matemática que nos impute desde crianças valores ocidentais de racionalidade, objetividade e universalidade (Valero, 2018). Valores que, racializados, como denuncia Nzegwu (2023), barra acessos de povos não europeus e deslegitima a produção de conhecimento desses povos, obrigando-os a acomodar essa branquitude e esquecerem de si mesmos. Voltando à indagação se a matemática hegemônica é um passaporte para o sucesso, respondemos que depende. Às comunidades quilombolas, uma matemática embranquecida, que desconsidera as diferentes formas de pensar, os contextos, que deslegitima a construção de saberes africanos e latinos, e que contribui para a construção ideológica de inferioridade do negro, não. Por outro lado, para um sistema que necessita de mão de obra qualificada, submissa e que aceite a “dança” da divisão social, racial e sexual do trabalho, concordamos com Valero (2018), a matemática hegemônica é um belo passaporte para o sucesso desse sistema, produzindo meros seres de troca econômica.
Referências
BRASIL. Resolução CNE/CEB 8/2012 - Define diretrizes curriculares nacionais para educação escolar quilombola na educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 26, 21 de nov. de 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/18693-educacao-quilombola. Acesso em: 10 jul. 2024.
NZEGWU, Nkiru. “O” África: imperialismo de gênero na acadêmia. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké. (Org.). Mulheres africanas e feminismos: reflexões sobre a política de sororidade. Petrópolis: Vozes, 2023, p. 151-238.
ROSA, Maurício; GIRALDO, Victor Augusto. Transpondo problemas: para que uma Educação Matemática de bases decoloniais e de (re)invenção “não passe em branco”. Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (RIPEM), v. 13, n. 02, p. 1-25, mai./ago. 2023.
VALERO, Paola. (2018). Human Capitals: School Mathematics and the Making of the Homus Oeconomicus. Journal of Urban Mathematics Education, v. 11, n. 1 & 2, p. 103-117, dez. 2018.