A INFLUÊNCIA DOS CURRÍCULOS E PROJETOS INTEGRADORES NA FORMAÇÃO DOS JOVENS:
UMA ANÁLISE A PARTIR DO CONCEITO DE GOVERNAMENTALIDADE DE MICHEL FOUCAULT
Resumo
Na história da educação brasileira é constante a preocupação dos órgãos governamentais em estabelecer bases gerais para os currículos da educação básica que, ligadas aos contextos sociopolíticos, econômicos e educacionais do país, refletem as necessidades de mudanças vislumbradas pelos governos. Como Veiga-Netto (2002), entendemos que o currículo reflete a cultura de seu contexto histórico, selecionando conteúdos e práticas que a sociedade considera relevantes, e evidencia os critérios usados por educadores para priorizar certos conteúdos, situando-se na interseção entre escola e cultura. Em 2021, o PNLD foi reformulado, introduzindo os Projetos Integradores. Uma novidade no Brasil, elaborado em consonância com as diretrizes da reforma do Ensino Médio, visa proporcionar uma trajetória escolar significativa. Ao ultrapassar o conteúdo escolar tradicional, aborda temas que possibilitam discussões variadas, estimula o protagonismo juvenil e o desenvolvimento do pensamento crítico, da comunicação, do repertório cultural, da cooperação e da responsabilidade cidadã, qualidades desejáveis para os jovens em nossa sociedade. Todavia, é importante ressaltar a necessidade de discutir um assunto delicado. Para Machado (2014), há críticos que argumentam que o currículo pode estar associado a processos de controle social e disciplina dos estudantes. Moreira (2004) já defendia que o currículo é uma ferramenta utilizada por diversas sociedades para promover a conservação, transformação e renovação dos conhecimentos acumulados ao longo da história, contribuindo para a socialização de crianças e jovens conforme valores desejáveis.
Neste sentido, as obras de Projeto Integrador, podem funcionar como ferramentas de controle e governança, propagando valores desejados pelos órgãos dirigentes, influenciando assim o comportamento dos jovens que utilizam os livros. Silva (2022) afirma que a matemática pode funcionar como ferramenta que orienta o comportamento e que, junto ao seu ensino, carrega valores que moldam uma moral. Destaca o alinhamento da matemática escolar com a lógica neoliberal, que responsabiliza o indivíduo pelo próprio sucesso ou fracasso, incentivando a gestão da vida pessoal como uma empresa.
Como exemplo, ao analisar o livro de Projeto Integrador de Matemática "Tempo Jovem", de Jeverson Cevada, nota-se a possível intencionalidade em suas atividades, sugerindo discussões alinhadas a valores considerados corretos pela sociedade, moldando o comportamento dos jovens. Para Foucault (1993), governar vai além de forçar obediência, envolve um equilíbrio entre coerção e processos de autoformação, onde o indivíduo se molda ou se transforma. Barros (2019) já afirmava que governar adquiriu novos significados, e a forma como as pessoas se conhecem e são manipuladas está ligada à maneira como se conduzem. Assim, reflexões contidas nesses livros podem influenciar o autoconhecimento dos jovens e guiar comportamentos conforme os desejos dos órgãos dirigentes. A partir das análises das atividades presentes nos livros de Projeto Integrador de Matemática, utilizando a definição de governamentalidade de Michel Foucault, como referência teórica, busca-se investigar a construção dessas obras e discutir como as reflexões propostas podem ser empregadas pelos órgãos dirigentes da educação brasileira como ferramentas de controle, influenciando a formação dos jovens, abordando possíveis implicações desse processo na constituição dos alunos como cidadãos.
Referências
BARROS, Igor Corrêa de. A emergência da população como problema político: o conceito de governamentalidade em Michel Foucault. Existência e Arte – Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética da Universidade Federal de São João Del-Rei, São João del Rei, ano XI, n. XI, jan./dez. 2018 e jan./dez. 2019. Disponível em: https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/existenciaearte/02_A_emergencia_da_populacao_como_problema_polItico_o_conceito_de_governamentalidade_em_Michel_Foucault-convertido.pdf . Acesso em: 04 jun. 2024.
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