SOBREVIVER PARA CONTAR: as catárticas memórias dos exilados e perseguidos pela ditadura militar brasileira

  • Paulo Bungart Neto UFGD

Resumo

Antes de historiadores e memorialistas repercutirem, algumas décadas depois (o que lhes permite certa visão distanciada dos fatos), os mais terríveis episódios envolvendo abusos de autoridade, censura aos meios de comunicação, perseguições e torturas físicas e psicológicas cometidas durante o período do governo militar brasileiro, na segunda metade do século XX (1964-1985), diversas manifestações culturais os denunciaram e combateram à época, tais como o cinema (Terra em transe e Dragão da maldade contra o santo guerreiro, de Glauber Rocha); o teatro (a montagem vanguardista de José Celso Martinez Corrêa da peça O rei da vela, de Oswald de Andrade, que influiu sobre a concepção ideológica do Tropicalismo, como reconhece Caetano Veloso em Verdade tropical, 1997, p. 242); a ficção literária (por exemplo, romances de Antonio Callado que tematizam a guerrilha de esquerda, como Quarup, 1967, e Sempreviva, 1981); e a música popular brasileira, através de inúmeras canções[1] que, surgidas como “manifestos” artísticos e libertários, transformaram-se em verdadeiros hinos de resistência à repressão política e de uma determinada identidade (de sofrimento, privação e superação) cultural brasileira.


[1] Aqui penso não somente no movimento tropicalista de modo geral, mas especificamente em composições como “Apesar de você”, de Chico Buarque, um “recado” ao General de que seu cargo não seria “vitalício”; “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, que evoca um Brasil que sonhava “com a volta do irmão do Henfil”; e “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, canção cujo verso “quem sabe faz a hora / não espera acontecer” tornou-se lema de todo o movimento de resistência à ditadura. Em 1968: o ano que não terminou, Zuenir Ventura transcreve opinião de Millôr Fernandes, segundo a qual a canção de Vandré “É o hino nacional perfeito; nasceu no meio da luta, foi crescendo de baixo pra cima, cantado, cada vez mais espontânea e emocionalmente, por maior número de pessoas. É a nossa Marselhesa” (apud VENTURA, 1988, p. 206-207).

Biografia do Autor

Paulo Bungart Neto, UFGD

Paulo Bungart Neto possui Graduação em Letras (Bacharelado - Português) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 1996), Mestrado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Assis (UNESP, 2002), Doutorado em Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2007), e Pós-Doutorado em Estudos Literários (com ênfase nas memórias da literatura brasileira contemporânea) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2013-2014). É Professor Associado I em Teoria da Literatura e Literatura Comparada: Crítica literária e cultural, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), atuando na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Letras (Mestrado) da UFGD como professor permanente, na área de Literatura e Práticas Culturais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria Literária, Crítica Literária e Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria e crítica literária, comparatismo, memorialismo sul-mato-grossense, memorialística modernista e contemporânea brasileira, obras sobre a ditadura militar, obras de: Augusto Meyer, Machado de Assis e Marcel Proust

Referências

ALONSO, Gustavo. Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória tropical. Rio de Janeiro: Record, 2011.

AMADO, Jorge. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992.

ANDRADE, Oswald de. O rei da vela. 7 ed. São Paulo: Globo, 1998.

ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. 8 ed. Rio de Janeiro: Record, 2013.

ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EduERJ, 2010.

ARNS, Dom Paulo Evaristo (Org.). Brasil: nunca mais. 12 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

CALLADO, Antonio. Memórias de Aldenham House: romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

CALLADO, Antonio. 2 ed. Quarup. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, 2 v.

CALLADO, Antonio. Sempreviva. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

CONY, Carlos Heitor. Eu, aos pedaços: memórias. São Paulo: Leya, 2010.

CONY, Carlos Heitor. JK: memorial do exílio. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1982.

CONY, Carlos Heitor. O ato e o fato: o som e a fúria das crônicas contra o golpe de 1964. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004.

CONY, Carlos Heitor. Pessach: a travessia. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975.

CONY, Carlos Heitor. Quase memória: quase romance. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

CONY, Carlos Heitor. Quem matou Vargas: 1954 - uma tragédia brasileira. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1974.

DOURADO, Autran. A serviço del-Rei. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 1984.

DOURADO, Autran. Gaiola aberta: tempos de JK e Schmidt. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

DOURADO, Autran. Um artista aprendiz. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

FONSECA, Rubem. Agosto. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

FRANCIS, Paulo. O afeto que se encerra: memórias. São Paulo: Editora Francis, 2007.

FRANCIS, Paulo. Trinta anos esta noite: 1964 - O que vi e vivi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

GABEIRA, Fernando. Entradas e bandeiras. 9 ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

GABEIRA, Fernando. O crepúsculo do macho: depoimento. 20 ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro?. 32 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

GULLAR, Ferreira. Liberdade, liberdade... In: RAPOSO, Eduardo (Coord.). 1964: 30 anos depois. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p. 217-222.

GULLAR, Ferreira. Rabo de foguete: os anos de exílio. Rio de Janeiro: Revan, 1998.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. Trad. Beatriz Sidou.

MONTAIGNE, Michel de. “Ensaios”. In: Os pensadores. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 1-155. Trad. Sérgio Milliet.

MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasil: as histórias por trás da História recente do país. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997.

MOURÃO FILHO, Olimpio. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre: L&PM, 1978.

POLARI, Alex. Em busca do tesouro. Rio de Janeiro: Codecri, 1982.

POLARI, Alex. Inventário de cicatrizes. 4 ed. São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda, 1979.

RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Editora Record, 1996, 2 v.

SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 44-60.

SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969. In: O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992, p. 61-92.

SIRKIS, Alfredo. Os carbonários. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.

SODRÉ, Nelson Werneck. A fúria de Calibã: memórias do golpe de 64. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

SODRÉ, Nelson Werneck. Memórias de um soldado: do Tenentismo ao Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967.

VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

VENTURA, Zuenir. 1968 – O ano que não terminou: a aventura de uma geração. 28 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

Publicado
2017-05-05