“Vai ter trans na Unicamp!”
o compromisso de isonomia jurídica como espaço de disputas
Resumo
Este artigo oferece uma leitura discursiva de materiais que tematizam a reserva de vagas para pessoas trans, travestis e não-binárias no vestibular Enem-Unicamp, medida aprovada em 1º de abril de 2025. A decisão, inédita entre as universidades estaduais paulistas, suscitou disputas em torno da legitimidade jurídica da ação afirmativa. A partir da Análise de Discurso materialista, investigam-se os modos pelos quais o discurso jurídico é mobilizado para sustentar posicionamentos antagônicos, tendo como corpus um vídeo da Bancada Feminista do PSOL e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo deputado Guto Zacarias. Partindo da premissa de que a isonomia jurídica funciona como uma promessa discursiva historicamente situada, o artigo busca evidenciar a imbricação entre o político e o jurídico, observando como os sentidos se deslocam no espaço de interpretação possível, atravessando tal eficácia ideológica. Discute-se, assim, a contradição constitutiva do discurso jurídico e sua relação com as injunções de sujeitos de direito, ressaltando como o princípio da igualdade é acionado, ora como instrumento de justiça social, ora como operador de apagamento das condições materiais de existência.
Referências
ADORNO, G., GONÇALVES, J., LAGAZZI, S. O “direito” e o “jurídico” na análise materialista do discurso. Revista Linguagem e Ensino, Pelotas, v. 27, n. 3, p.333-341, set.-dez. 2024.
ADORNO, G. Na dança das imbricações ou uma coreografia materialista: o discurso nas fronteiras. In: Adorno, Guilherme et al. (Orgs.). O discurso nas fronteiras do social: uma homenagem à Suzy Lagazzi. Campinas: Pontes, 2019. p. 115-132.
ANJOS, Liliane Souza dos. A promessa de pacificação: a favela em discurso. São Paulo: Editora Unesp, 2024.
ANJOS, L., BENAYON, F. Quando a festa do performativo acaba: a insolência e a promessa como modos de escuta discursiva do jurídico. Revista Linguagem e Ensino, v.27, n.3, p.342-355, set.-dez. 2024.
BANCADA FEMINISTA PSOL. Vai ter trans na Unicamp. Campinas, 1 abr. 2025. Instagram: @bancadafeministapsol. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/DH6-UNPP78f/?igsh=MTJ2N2ozMXozM2J0OA%3D%3D. Acesso em: 6 abr. 2025.
BOBBIO, N. Igualdade e Liberdade. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República [2025]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 6 maio 2025.
LEITE, A. Z. C. Carta ao Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. abr. 2025. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2025/04/PGJ-Unicamp-cotas-Trans-4abr2025.pdf. Acesso em: 7 maio 2025.
LAGAZZI, S. M. O juridismo marcando as palavras: uma análise do discurso cotidiano. 1987. [108]f Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1575023. Acesso em: 2 abr. 2025.
LAGAZZI, S. Da tautologia no social: entre a democracia e a cidadania. In: CAMPOS, T. M.; SOUSA, L. M. A. (org.). Mídias e movimentos sociais. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018. v. 1. p. 209-224.
LAGAZZI, S. Materialidade Discursiva: “Não se pode dizer não importa o quê”. In: GRIGOLETTO, E.; CARNEIRO, T. C. da C. (org.). Diálogos com Analistas de Discurso: reflexões sobre a relevância do pensamento de Michel Pêcheux hoje. Campinas, SP: Pontes Editores, 2023. p. 314-319.
MEDEIROS, L. V. A. Nossos corpos nos pertencem: o sujeito de direito no discurso feminista. Entremeios, Pouso Alegre, v. 18, p. 163-172, jan.- jun. 2019.
PÊCHEUX, M. Discurso: estrutura ou acontecimento. Traduzido do francês por Eni Orlandi. 6 ed. Campinas: Pontes editores, [1983] 2012.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. Traduzido do francês por Eni Orlandi. In: ORLANDI, E. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 4. ed. Campinas: Unicamp, [1982] 2014, p. 57-67.
ROCHA, C. L. A. Cidadania e Constituição: as cores da revolução do cidadão. Revista Trimestral de Direito Público, n. 19, p. 19-37, 1997.
TORELLY, P. P. O princípio da isonomia (igualdade jurídica). Revista Brasileira De Direitos Fundamentais & Justiça, [S. l.], v. 2, n. 3, p. 215–247, 2008.
Copyright (c) 2025 Revista Primeira Escrita

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
a) permitem a reprodução total dos textos, desde que se mencione a fonte.
b) mantêm os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional;
c) autorizam licenciar a obra com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista;
d) responsabilizam-se pelas informações e pesquisas apresentadas nos textos a serem publicados na Revista Primeira Escrita, eximindo a revista de qualquer responsabilidade legal sobre as opiniões, ideias e conceitos emitidos em seus textos;
e) comprometem-se em informar sobre a originalidade do trabalho, garantindo à editora-chefe que a contribuição é original e inédita e que não está em processo de avaliação em outra(s) revista(s), quer seja no formato impresso ou no eletrônico;
f) autorizam à Revista Primeira Escrita efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical com vistas a manter o padrão normativo da língua e apresentarem o padrão de publicação científica, respeitando, contudo, o estilo dos autores e que os originais não serão devolvidos aos autores;
g) declaram que o artigo não possui conflitos de interesse.