Entre a culpabilização do sujeito feminino e o apagamento da vítima: fronteiras discursivas em comentários no Facebook
Resumo
As relações de força que atravessam e corporificam o gênero demandam especial atenção, por serem uma das técnicas definidas por estereótipos sociais (FOUCAULT, 2016). Considerando, portanto, as formulações sobre infância e corpo feminino que circulam nas redes sociais, este trabalho visa problematizar, à luz da perspectiva teórico-metodológica da Análise do Discurso de linha francesa, como uma menina de 12 anos, vítima de um estupro coletivo por 11 homens, em Itaguaí-RJ, passa a figurar enquanto um objeto sexual passível de violação. A repercussão do caso noticiado, seja por jornais de grande circulação local, seja no Facebook, foi marcada por dois efeitos de apagamento: a) do estado de saúde da vítima; b) do caráter hediondo do crime. Perpassando as duas arestas silenciadas, há, ainda, um movimento voltado à legitimação da violência em função do imaginário sobre a participação da vítima em um baile funk no Morro do Carvão. Em face do exposto, nosso gesto de análise é constituído pelo batimento entre a notícia, os papéis atribuídos ao gênero feminino e as representações espaciais sobre o local do crime. As diferentes interpretações sobre a chamada e os comentários publicados propiciaram um terreno fecundo para a circulação do rumoral (SILVEIRA, 2016). No rol do cenário descrito, os resultados explicitam a manifestação dos internautas como uma prática que tende a justificar a violência com a culpabilização de sujeitos vulneráveis, além de determinar regras de comportamento para corpos específicos.Referências
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