Manifestação da polidez/cortesia na tomada de depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 24ª fase da Operação Lava Jato
Resumo
Nosso objetivo é apresentar/discutir os conceitos de cortesia e polidez baseados nos estudos de Goffman (1970), posteriormente retomados por Brown e Levinson (1978), e na proposta de cortesia defendida por Koch e Bentes (2008) para consequentemente evidenciar o emprego das estratégias de cortesia/polidez na tomada de depoimento, interação considerada oclusa à sociedade, como assinalam Andrade e Ostermann (2007). Para tanto, valemo-nos de um corpus constituído pelo depoimento prestado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao delegado da Polícia Federal durante a 24ª fase da Operação Lava Jato, divulgado pela imprensa naquela ocasião, disponibilizado no YouTube e transcrito conforme as normas postuladas por Preti (2003). Nosso aporte teórico tem embasamento nos princípios da Análise da Conversação em interface com a Linguística Forense. Os resultados parciais obtidos em nossa pesquisa apontam em uma direção contrária aos estudos anteriores sobre a tomada de depoimentos realizados por Van Dijk (2015). Para esse pesquisador, as estratégias de polidez e cortesia seriam praticamente ausentes devido ao ato discursivo ser “rigidamente controlado” e ocorrer “a ausência quase total de atos de discurso centrados na regulação das relações interpessoais”. Ou seja, em nossa análise, não só é possivel ratificar o posicionamento de Imediato (2018, p. 79) de que o trabalho de face é uma condição da interação e, consequentemente, não poderia estar ausente na interação em estudo, mas também se valida como uma estratégia argumentativo-discursiva mobilizada pelos interactantes durante o depoimento pelo uso de inúmeros recursos linguísticos que expressam a manifestação da cortesia/polidez.Referências
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