Patologização e objetificação:
efeitos discursivos em torno da mulher surda em episódio do seriado Crisálida
Resumen
"DEAF-MUTE", PATHOLOGIZATION AND OBJECTIFICATION: DISCURSIVE EFFECTS AROUND THE DEAF WOMAN IN AN EPISODE OF THE SERIES CRISÁLIDA
Neste artigo, mobilizamos os pressupostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, mais afinada ao pensamento de Michel Pêcheux, para analisar a forma com que uma mulher surda é discursivizada em episódio no seriado brasileiro “Crisálida” (2019) – sendo a primeira produção em série bilíngue (Libras/Língua Portuguesa) do país. Cientes da complexidade dos enfrentamentos vivenciados por pessoas surdas historicamente no Brasil, a justificativa para o recorte decorre do fato de as surdas, além de serem objetificadas pelo patriarcado, ainda figurarem enquanto alvos de múltiplas interdições, violências e preconceitos em função de sua diferença linguística. No seriado, são materializadas diferentes posições-sujeitos em condições de produção próprias. Nelas, emergem sentidos que podem remeter ao sentimento de pertencer, sobretudo ao se deparar com o dia a dia de sua cultura na produção cinematográfica. A partir do estudo desenvolvido, defendemos que “Crisálida” desnaturaliza formas de normalização ao reunir, em uma coletânea, tantas narrativas voltadas aos impasses derivados do contato da pessoa surda com uma sociedade “ouvintista” (Skliar, 1998). No âmago das tramas sociais vinculadas especificamente a um contexto brasileiro, a face denunciativa do episódio investigado nos permitiu problematizar, na passagem do objeto discursivo para o processo discursivo, a produção de efeitos de patologização e de objetificação do corpo, da mulher, da pessoa surda.
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